quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Paisagem brasileira

Itabira - MG- cidade de Carlos Drummond de Andrade
Itabira (MG)

Sobre o lugar em que vivemos

Um estudo do Grady Trauma, projeto ligado ao Grady Memorial Hospital e Emory University School of Medicine, de Atlanta, nos Estados Unidos, concluiu que 46% dos moradores de bairros pobres daquela cidade sofrem de transtorno do estresse pós-traumático. Essa desordem mental, normalmente associada a vivências de guerra, só há pouco passou a ser estudada também em populações civis submetidas à violência urbana. O índice é absurdamente maior que o identificado entre veteranos dos conflitos do Iraque (11%) e do Afeganistão (20%).

Agora, os pesquisadores estão analisando as implicações clínicas e psicológicas decorrentes desse transtorno, especificamente em populações infantis. Eles já descobriram que o cérebro das crianças expostas à violência urbana cresce mais rapidamente, o que as leva a ter dificuldades de aprendizagem e para construir relacionamentos afetivos e as tornam mais propensas a desenvolver depressão e se envolver com drogas. Atlanta, com 435 mil habitantes, é a oitava cidade mais violenta dos Estados Unidos, com 14,3 assassinatos por 100 mil habitantes.

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Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública indicam que a taxa por aqui é de 29,9 homicídios por 100 mil habitantes, o dobro da média de Atlanta. Fortaleza, a capital mais violenta do Brasil, segundo o Atlas da Violência 2017, registra 78,1 assassinatos por 100 mil habitantes – cinco vezes mais que a cidade norte-americana. E a violência urbana não se encontra mais circunscrita a megalópoles, espalhou-se também pelo interior – no ranking, existem 12 cidades pequenas onde se mata mais, proporcionalmente, do que em Fortaleza...

Fruto do crescimento desordenado, fermentado pela ideologia do Brasil Grande, patrocinada pela ditadura militar e mantida ao longo dos governos democráticos, as cidades incharam sem qualquer planejamento. Em 1960, 55% da população brasileira vivia no campo – na década seguinte, 56% já moravam na cidade e hoje esse número alcança expressivos 84%. No entanto, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), três em cada quatro habitantes dos centros urbanos sobrevivem em más condições, ou seja, não desfrutam de moradia adequada, não têm acesso a redes de água e esgoto e nem a coleta de lixo.

Aliado à falta de infraestrutura adequada, a ausência do Estado é evidente ainda na má qualidade da educação, da saúde e do transporte ofertados – o tempo médio de deslocamento no trânsito em São Paulo, por exemplo, chega a 173 minutos, conforme o Mapa da Desigualdade 2017, da Rede Nossa São Paulo. E, segundo dados do IBGE, metade de todos os trabalhadores empregados, em 2016, ganhava 85% do salário-mínimo, algo em torno de R$ 827,90, em valores de 2018. Uma realidade totalmente vulnerável à ação de traficantes de drogas e de milícias...

Um curioso levantamento realizado pela Folha de S. Paulo constatou que os Correios restringem ou não entregam produtos em quase um terço da cidade de São Paulo, que possui um índice de 17,3 assassinatos por cem mil habitantes, ocupando a penúltima posição no ranking das capitais mais violentas do Brasil. Os bairros mais afetados pela restrição parcial ou total (os moradores não recebem em suas casas itens como roupas, brinquedos e eletrônicos) localizam-se nas zonas Leste e Sul.

O Mapa da Desigualdade 2017 mostra que a expectativa de vida no Jardim Paulista, bairro de classe alta de São Paulo, é de 79,4 anos, enquanto no Jardim Ângela, zona Sul da cidade, é de 55,7 anos – uma diferença de 23,7 anos, a mesma que distingue um habitante da França, na Europa, de um outro de Zâmbia, na África...

Com quase 62 mil assassinatos e cerca de 47 mil mortos no trânsito por ano, oprimidos pela insegurança e pela impunidade, governados pela corrupção e julgados pela arbitrariedade, sem ver cumpridos os mais elementares princípios que regulam uma verdadeira democracia, a maior parte dos brasileiros não vive, apenas sobrevive. E, pior, sem esperança no futuro – não por acaso, um dos principais sintomas do transtorno do estresse pós-traumático.

Resposta fácil

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Como o governo adquire 20 mil exemplares de um romance num ano, e no seguinte compra mais 20 mil iguais se não aumentou o número de bibliotecas públicas na mesma quantidade? 
José Mario Pereira, Topbooks

Dois trilhões de reais são expropriados do consumidor brasileiro

Os brasileiros pagaram —pagamos— R$ 2,172 trilhões em impostos em 2017, segundo o Impostômetro da Associação Comercial de São Paulo. Pense neste número quando estiver escolhendo seus representantes políticos, inclusive para a Presidência da República.

Você acha que este dinheiro foi usado corretamente para melhorar a vida dos brasileiros? Não me refiro aos atuais governos, somente, mas aos que estiveram no Poder Executivo nas últimas décadas.

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Pois é, talvez você concorde comigo que os tributos foram mal utilizados, desperdiçados, que não obedeceram a prioridades como reduzir efetivamente a desigualdade social, fomentar os negócios, gerar empregos, capacitar o Brasil para concorrer nos mercados internacionais.

O pior é que pagamos várias vezes pelo mesmo serviço. Explico: parte do que é arrecadado deveria bancar a segurança pública. Mas não podemos abrir mão do seguro do carro, da vigilância no prédio residencial, nem dos flanelinhas que nos impõem 'cuidar' dos veículos estacionados na rua.

Pagamos impostos que teriam de nos garantir boas estradas pelo país afora, mas também arcamos com inúmeros pedágios em trajetos relativamente curtos. E a maioria das estradas não justifica tanto dinheiro despendido.

Remédios têm tributos pesados; alimentos também. Fazemos de conta que o salário mínimo sustenta uma família, quando não assegura nem vida digna a quem o recebe.

Se os impostos tivessem alvos claros, prioritários, em função da relevância da instituição para o crescimento econômico, haveria recursos de sobra para a Embrapa, a empresa brasileira de pesquisa agropecuária. E Ciência e Tecnologia não teria orçamento irrelevante.

Centros de pesquisa deveriam ter prioridade de investimento público. A redução da burocracia, também. Levar programas como o Poupatempo a todos os Estados e municípios. Facilitar a abertura e fechamento de empresas. Financiar bons projetos universitários que tenham atributos para se tornar empreendimentos bem-sucedidos.

Centenas de bilhões de reais são subtraídos do consumo, que gera empregos, renda e desenvolvimento, mas parlamentares têm carro do ano, auxílio-moradia, subsídio para o paletó (!), atendimento de saúde que os demais brasileiros não dispõem.

Os que já se aposentaram antes dos 65 anos, e que defendem que os demais se aposentem com esta idade, deveriam devolver, em valores atualizados, as pensões recebidas antes de completar seis décadas e meia de vida.

Os serviços públicos são muito ruins, da mesma forma dos que foram concedidos, como telecomunicações e energia.

Imposto, no Brasil, portanto, ainda é uma expropriação da renda que não resulta em qualidade de vida.

Maria Inês Dolci

Gente fora do mapa

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Robotizados pelo petismo

Na tela do PC, em fonte tamanho 40, o e-mail exibia uma dessas frases nos quais o autor berra em caixa alta: “Quem é o imbecil que escreveu tanta bobagem? O sujeito consegue falar esse monte de asneiras sem sequer usar a palavra capitalismo”.

Seria eu o imbecil? Não, ufa! O texto que indignara o missivista era um artigo do excelente Rodrigo da Silva, editor do Spotniks. Citando fontes oficiais, exibia dados sobre a pobreza no Brasil após 14 anos de petismo. Por exemplo:
a) 25 milhões de brasileiros vivem com renda domiciliar per capita inferior à linha de pobreza, e mais de 8 milhões vivem abaixo da linha de extrema pobreza;
b) 39,5% das pessoas aptas a trabalhar não possuem sequer o ensino fundamental e mais de 13 milhões de brasileiros são analfabetos;
c) apenas 8% têm condições de compreender e se expressar plenamente (isto é, são capazes de entender e elaborar textos seguindo normas gramaticais);
d) apenas 4,9% dos estudantes da rede pública saem do ensino médio com conhecimentos básicos em matemática;
e) mais de 35 milhões de brasileiros não possuem acesso sequer ao abastecimento de água tratada, e quase 100 milhões não dispõem de coleta de esgoto; do esgoto coletado, apenas 40% é tratado.
Por aí seguia o trabalho, convertendo em números o que a realidade grita aos nossos olhos: as péssimas condições do país após uma década e meia de petismo. No entanto, diante desses dados oficiais, o indignado leitor cujo e-mail chegou ao meu correio eletrônico usa caixa alta para “gritar” que a culpa dessa realidade é do ... capitalismo.


Entende-se. Há 40 anos, apenas uma força política atua em tempo integral no país. Faz política nas vitórias e nas derrotas. Considera as primeiras como equivalentes a tomadas revolucionárias do poder e as segundas como golpes que precisam ser desconstituídos. Nenhuma outra corrente exerce sequer fração da influência que o petismo desempenha no conjunto dos meios formadores de opinião – mídia, rede de ensino, mundo acadêmico, sindicatos e suas centrais, carreiras jurídicas e poderes de Estado, Igreja, instituições culturais. E por aí afora. É um aparelho articulado, imenso e, principalmente, robotizado para uma tarefa universal de massificação na qual a história, os fatos, as ciências, tudo tem uma e apenas uma expressão: a que serve à práxis e deve ser repetida sem cessar.

Por isso, Lula é um santo injustiçado. Por isso, Moro é um agente da CIA. Por isso, velhacos viram heróis e guerreiros. Por isso, o PT “acabou com a pobreza”. Por isso, todo miserável que vemos nas ruas é uma exceção, uma impossibilidade material. Por isso, Cuba é um paraíso e a Venezuela quase. Por isso, as incitações do PT para o dia 24 de janeiro. Por isso, sempre que necessário, palpiteiros são convidados e aparecem para julgar os julgadores e absolver petistas em idiomas como Punjabi, Malaio, Khmer e até em francês. Por isso o governo petista arrombou os fundos de pensão das estatais e os funcionários da Petrobras, Correios, BB e CEF fazem festa para Lula e seus companheiros.

Por isso, a pobreza brasileira é denunciada como produto de algo que simplesmente não temos: o capitalismo. Logo o capitalismo, um sistema econômico em cujo ranking, entre 186 países, ocupamos o lugar nº 118! Isso é robotização, daquela primitiva, dos brinquedos infantis em que se dava corda para andarem e apitarem.

Percival Puggina

Privilégio do 'auxílio-moradia' da Justiça do Trabalho é recorde

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Justiça mais cara do Brasil, mais dispendiosa que toda a justiça norte-americana, a Justiça do Trabalho terá em 2018 o total astronômico recorde de R$197,7 milhões para gastar apenas em “auxílio-moradia”, ainda que os magistrados beneficiados tenham casa própria na cidade onde atuam. Tanto dinheiro para bancar esse privilégio único no mundo consta da Lei Orçamentária aprovada no Congresso e já sancionada. 

O Ministério das Relações Exteriores gasta bem menos em auxílio-moradia dos seus funcionários lotados em 225 postos mundo afora.

A Justiça do Trabalho custou R$17 bilhões em 2016, dos quais R$15,9 bilhões (93,5%) bancaram apenas os salários dos 56 mil servidores.

O “auxílio-moradia” dos procuradores custará R$124,1 milhões e a mesma conta, no meio militar, alcança R$115,9 milhões.

A maioria pobre do País paga o “auxílio-moradia” do mesmo grupo de servidores federais cujos privilégios a reforma da Previdência combate.

A comédia bufa com a sra. Brasil

Os policiais do Rio Grande do Norte não receberam seus vencimentos de dezembro nem o equivalente ao 13.º salário. Por isso pararam de trabalhar, comprometendo gravemente a segurança pública do Estado. Alegam também não ter condições de entrar em ação porque a frota está sucatada e os equipamentos à sua disposição não lhes permitem enfrentar o cotidiano arriscado e violento em condições condizentes. Não são, como se vê, só pretextos.

A desembargadora Judite Nunes considerou o aquartelamento dos policiais militares e a paralisação dos civis indícios de greve dos agentes estaduais de segurança e isso não é permitido por lei. Mas os policiais não voltaram a patrulhar as ruas e as delegacias continuaram sem funcionar. O desembargador Cláudio Santos, do Tribunal de Justiça, então, determinou que o comandante da Polícia Militar e o secretário de Segurança Pública prendessem os amotinados. Estes se reuniram, algemaram-se a si próprios, num gesto de rebeldia e desafio, mas não foram, e ainda não estão, presos. A solução encontrada foi mandar tropas federais para o Estado sem polícia. Até quando? Quem garante o quê nessa situação? A quem o cidadão desarmado e à mercê de bandidos armados até os dentes na rua deve apelar? Ao papa argentino? Ao bei de Túnis? À Virgem Maria? Ou a Iemanjá, a rainha do mar?


O impasse do Rio Grande do Norte não foi isolado, nem único, nem singular. Os servidores do outro Rio Grande, o do Sul, tomam dinheiro emprestado em bancos para sustentar a família, já que o disponível nos cofres do Estado não lhes supre as necessidades. É o caso de outra Unidade da Federação com nome de Rio, o de Janeiro. Sem recursos para pagar suas contas, funcionários fluminenses reúnem-se nas ruas, gritam palavras de ordem, armam barricadas e queimam pneus. Em vão! Em Aparecida de Goiânia, as facções criminosas Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e Comando Vermelho (CV), do Rio, degolam, trucidam e incineram os oponentes ao lado.

Sete dos nove governadores do Nordeste atribuem a situação terminal de seus presídios à inerte insensibilidade do governo federal. O ministro da Justiça, Torquato Jardim, recebe as críticas sem humildade, com quatro pedras na mão. Nessa pendência ninguém tem razão. Os Estados, entes federativos responsáveis pela segurança dos cidadãos, desperdiçam quase tudo o que arrecadam em salários, penduricalhos e outros privilégios do corpo funcional inchado e disforme, cujo dispêndio é desproporcional à capacidade do erário. A União, que deveria mais propriamente ser chamada de Desunião, ocupa-se em distribuir emendas orçamentárias para manter prerrogativas, como o foro privilegiado.

Como não há mais bei em Túnis e os prelados católicos já não dispõem de patrimônio para alimentar e vestir os servidores flagelados, os governadores rebelados apelam ao que lhes parece disponível: o Judiciário. Pediram audiência à presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e, como parece não ter mais a fazer, Cármen Lúcia os recebe. A exemplo dos cavaleiros gaúchos do célebre poema do folgazão pernambucano Ascenso Ferreira, “para quê? Para nada!”. Na reunião, a procuradora de origem só pode usar belas frases inúteis e vazias de sempre. De nada servem. E os chefes dos Executivos estaduais entram e saem de mãos abanando.

Na presidência do STF, Cármen Lúcia interpreta as fadas dos contos infantis e tem valia similar à delas. Em 2017, também presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ela visitou presídios do País, mas passou ao largo de Aparecida de Goiânia, pois o governador de Goiás, Marconi Perillo, achou que seria impróprio. Agora ele mudou de opinião, mas repetiu-se o forfait: não tinha o que fazer lá. Em 2014, e há dois meses, ela encarregou subordinados de fazerem relatórios sobre a prisão. Nada mudou e veio o réveillon do horror.

Seria o caso de, em reuniões como essa, ou quando dispara ordens para que preparem relatórios que só repetem os anteriores e nada produzem de efetivo, dona Cármen e seus dez pares da távola-ferradura se darem as mãos e entoarem em coro, fazendo eco a Roger Moreira e ao Ultraje a Rigor: “Inútel, a gente somos inútel”. Mas, não: enquanto o governador Perillo faltava ao expediente e se escondia da crise pulando as sete ondinhas para Iemanjá numa praia de Pernambuco, Cármen, no plantão do último recesso, antes de passar coroa e cetro para Dias Toffoli, não podia ter perdido essa chance para proferir mais uma frase de efeito. Ela já disse: “Cala a boca nunca mais”. E mais: “O cinismo venceu a esperança e agora o escárnio venceu o cinismo”. Não seria esta a hora de o inócuo derrotar o escárnio? É o que parece!

Hoje nossos presídios são puxadinhos dos palácios. Serviçais de Geddel Vieira Lima, residente na Papuda, em Brasília, cuidam de seus interesses na Secretaria de Governo, sob Carlos Marun, capanga de Eduardo Cunha, que mora numa cela, em Curitiba. A ministra a ser encarregada da reforma trabalhista foi indicada por papai, o ex-presidiário Roberto Jefferson, delator, réu confesso do mensalão, indultado por Dilma e perdoado pelo STF, sempre apto a soltar, nunca disposto a prender. A filhota, condenada por violar as leis trabalhistas, paga acordo com outro “ex-escravo” dispondo da conta bancária de uma assessora, da mesma forma que Job Brandão, ex-empregado da famiglia Vieira Lima, “doava” 80% dos vencimentos às contas dos chefões. A débil gestão Temer caiu... por enquanto na galhofa geral. E se prepara para não reformar a Previdência, mesmo com a ficha-sujíssima sra. Brasil na equipe.

Sendo Cármen Lúcia inapta e inepta para decepar o nó górdio que pretende desatar, e à falta de beis e bispos, a plateia pagante do show só exige que se investiguem todos os suspeitos e se prendam todos os culpados, sob pena de este sr. Brasil velho não ter mais cura.

José Nêumanne

Chet Baker

O ano das fake news

Estava em um almoço de família. Minha prima Júnia comentou sobre minha novela, O outro lado do paraíso, exibida pela TV Globo. Estava no salão de cabeleireiro. Conversa vai, conversa vem, uma senhora avisou:

– Soube que a personagem da Grazi vai se envolver com o menino, filho da Clara.

Minha prima argumentou:

– Impossível. Como naquele horário poderiam apresentar uma trama dessas?

A mulher tinha certeza. A notícia corria, boca a boca. Eu sou o autor da novela. Uma mulher e um menino? Jamais. Se eu escrevesse esse absurdo para o horário, a emissora nunca exibiria, porque tem um código ético. Mais ainda: o Estatuto do Menor também não permitiria que a cena fosse gravada. Essa não é a primeira notícia absurda sobre minha novela. Um pastor evangélico já declarou que haveria uma história homoafetiva entre dois garotos de 8 anos. Imagino que esse pastor tem uma mente doentia. De onde ele tirou uma mentira desse tamanho? Novamente, a história correu como um rastilho de pólvora, entre toda a internet. Nem na sinopse essas tramas foram sequer insinuadas. Invenção pura. Recentemente um site publicou uma notícia errada, sem pé nem cabeça. Reclamei. Pediram desculpas, tinham tirado de uma revista. Por trás da reportagem havia uma longa cadeia de mentiras. Não era culpa do site. Apenas ecoava notícias falsas. Mais tarde surgiu a notícia de que eu teria mudado todo o rumo da novela. Sempre ressaltei que é inspirada em O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas. Basta ler o livro para descobrir que não mudei uma linha. Mas e daí? Pouca gente leu. Até meu irmão veio perguntar se eu tinha mudado em função da audiência?

De tempos em tempos, a vida de um ator ou atriz famosos é “devassada”. Falam de eventos nunca vividos. Eu mesmo já passei por isso. Certa vez publicou-se que eu fui à Ilha de Caras, devidamente acompanhado. Nunca pisei na Ilha de Caras. Era para pretensamente devassar minha vida íntima. Já perdi a conta das vezes em que fui a um coquetel e fiz um selfie, a pedido de alguém. A pessoa publica em seu Instagram. E algum site publica o selfie, inventando um caso de amor com gente que nem conheço bem. Rapazes, é óbvio. Imagino o que passam por causa de falsas notícias. Família perguntando, mãe chorando, e ninguém acreditando em suas negativas. Afinal, está lá a foto. Mas quem hoje, sendo mais ou menos conhecido, se recusa a um selfie? Qual a origem desses furacões? Dessas notícias falsas e desagradáveis sobre a novela? Sou um cara religioso, tenho fé em Nossa Senhora Aparecida, pertenço à Ordem Rosacruz Amorc. Escrevo para crianças e jovens, além da televisão. Mal saio de casa. Quem inventa minha vida? Estou na televisão há bastante tempo. Não era assim. Cheguei a ser diretor da Contigo, especializada no mundo da fama. Meu lema era jamais mentir. Nem insistir na intimidade dos atores. Ao contrário, acompanhar suas causas. Só depois me tornei autor, de pedra virei vidraça. Que pedras enfrento hoje! Sites publicam fake news, sem nunca enviarem perguntas para constatar se são verdadeiras. O ideal seria que as pessoas só confiassem em informações de revistas e jornais conhecidos, assim como em seus sites. Onde as notícias são averiguadas. Mas não é assim que acontece.

Sou paranoico? Tenho a convicção de que fake news são criadas propositalmente. Sem citar nomes, mas até por concorrentes da emissora. Não posso provar. Mas no exterior já existem agências de fake news. Elas foram fundamentais na campanha de Trump à Presidência dos Estados Unidos. E nós agora?

Temos uma campanha presidencial pela frente. Governadores, deputados. Agências de fake news disfarçadas, já há. Estou certo de que as fake news terão um papel avassalador na política dos próximos meses. Vidas íntimas serão devassadas ou inventadas. Candidatos enterrados vivos. A internet terá um papel fundamental divulgando mentiras. Já vivo recebendo alertas de todos os tipos, aterrorizantes, sobre quedas de energia, golpes em gestação. No momento em que os candidatos mostrarem quem são, será o caos. Minha experiência árdua com as fake news em novelas é sólida. E me aterroriza quando entra no terreno da política. Vamos ouvir mentiras de todos os lados, sobre todos os candidatos. O objetivo: desestabilizar. Repito, nada é inocente. Haverá ondas de notícias falsas. Neste ano as fake news desembarcarão mais que nunca na política nacional. Salve-se quem puder.

O Brasil seria 30% mais rico se não houvesse corrupção

Neste ano de 2018, que mal começou, esperava não me utilizar, em meus artigos semanais, nem da expressão “lava jato” (sem o uso das antipáticas maiúsculas), nem da palavra “corrupção”. Não sou, porém, nunca fui, nem jamais seria contra o combate sistemático ao que causa grande mal não só aos brasileiros, mas a inúmeros países. Uma força poderosa que, na realidade, leitor, nos persegue pela vida afora.

Infelizmente, não poderei cumprir o que de fato desejo, de vez que voltou à imprensa um estudo do FMI, divulgado no final de 2016, que diz que o Brasil seria 30% mais rico se não houvesse corrupção. É evidente que essa conclusão deve ser estendida a todos os países. E que se inclua aí, também, a má gestão, que é tão perniciosa quanto. O que pode variar é o percentual, e haverá maiores do que o nosso. Não tenho simpatia pelo FMI. Ele é uma realidade boa e ruim, talvez até mesmo necessária, mas não é Deus e nem sempre acerta no que fala, pensa ou faz. Se é que uma instituição fala, pensa e faz. Por trás dela, estão mãos que fazem, que nem sempre são as mais limpas ou, no mínimo, bem-intencionadas.

O que mais me preocupa não é seu combate, mas a propaganda continuada que temos feito da corrupção em nosso país, nesses últimos anos. Parece que há glória em dizer que o Brasil é, sim, o mais corrupto do planeta Terra. É tanta que não há ninguém, no mundo, que ainda não ouviu falar do que acontece aqui. Somos craques em nos criticar e nos condenar. Superamos todos os países nesse miserável labor. Não temos amor a nosso país. Ao contrário, ao que parece, nutrimos por ele verdadeiro desamor. Uma palavra muito feia. O ambiente aqui foi tomado pelo ódio, que só pode desaguar em coisa pior. E, pior de tudo, ele ainda impede que se mostre o caminho da salvação.

Penso que, para alguns amigos e pessoas até mesmo de minha família, comecei outra vez muito mal estas linhas. Para eles, não sou somente um incorrigível esperançoso. Ou um venturoso (ditoso, feliz e afortunado), como me disse sorrindo, talvez com razão, meu irmão Luís Lara Resende, também jornalista, depois de ler meu último artigo. O rancor (não é o caso do meu irmão, nem nunca foi), ao qual a escritora Ana Maria Machado se referiu em seu artigo “Medo, esperança e rancor”, no “O Globo” do último sábado, é o sentimento dominante neste início de ano, povoado de incertezas políticas, econômicas, éticas, sociais etc.

Essa falta de esperança num futuro melhor, que está dominando o Brasil de norte a sul, como se fosse erva daninha, e que, lamentavelmente, tende a crescer com as eleições que se aproximam, não leva todos, mas leva muita gente ao sentimento de rancor, que a jornalista Cora Rónai, lembrada por Ana Maria Machado, definiu como “a densa baba do ódio”. Assim, como concluiu Ana Maria, que não foi só pretensiosa, mas corajosa, “desejar um país sem rancor é um bom voto para 2018, quaisquer que sejam em outubro os votos nas urnas”.

Que a esperança, desta vez, vença o medo, como foi dito numa eleição passada, no já longínquo ano de 2002. Mas isso só será realmente possível se os brasileiros forem felizes na escolha do presidente, dos governadores, dos senadores, dos deputados federais e estaduais. O destino do Brasil, queiramos ou não, está em nossas mãos.

Não nos iludamos, leitor: não há outro meio senão o bom e velho caminho democrático. Que venham, pois, os candidatos.

Com suas qualidades e defeitos.

Acílio Lara Resende