terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

A guerra

A guerra que aflige com os seus esquadrões o Mundo,
É o tipo perfeito do erro da filosofia.
A guerra, como todo humano, quer alterar.
Mas a guerra, mais do que tudo, quer alterar e alterar muito
E alterar depressa.
Mas a guerra inflige a morte.
E a morte é o desprezo do Universo por nós.
Tendo por consequência a morte, a guerra prova que é falsa.
Sendo falsa, prova que é falso todo o querer alterar.
Deixemos o universo exterior e os outros homens onde a Natureza os pôs.
Tudo é orgulho e inconsciência.
Tudo é querer mexer-se, fazer coisas, deixar rasto.
Para o coração e o comandante dos esquadrões
Regressa aos bocados o universo exterior.
A química direta da Natureza
Não deixa lugar vago para o pensamento.
A humanidade é uma revolta de escravos.
A humanidade é um governo usurpado pelo povo.
Existe porque usurpou, mas erra porque usurpar é não ter direito.
Deixai existir o mundo exterior e a humanidade natural!
Paz a todas as coisas pré-humanas, mesmo no homem!
Paz à essência inteiramente exterior do Universo!

Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa)

Como Trump está transformando os EUA na China dos anos 2000

Quando olho para a enxurrada de decretos e tarifas que o presidente Donald Trump emitiu desde que assumiu a Presidência dos Estados Unidos, tenho medo de estar assistindo à versão da vida real daquele comercial do Conselho de Planejadores Financeiros Certificados que tenta mostrar por que a especialização é realmente importante.

No comercial, um cirurgião entra em um quarto de hospital e conhece sua paciente. Primeiro, o médico a chama de Brenda e ela responde: "É Carol". Em seguida, o médico pergunta: "Então, em que perna estamos operando?" E ela responde: "Você quer dizer braço". O médico, então, tenta afastar sua preocupação dizendo: "Está tudo conectado".

Agora totalmente aterrorizada, a paciente finalmente pergunta ao cirurgião: "Tem certeza de que é um ortopedista?" O médico responde: "Na verdade, sou de Sagitário".

Perdoe meu ceticismo, mas tenho sérias dúvidas sobre o grau em que Trump e sua equipe de cirurgiões orçamentários realmente estudaram não apenas como implementar todos os cortes, tarifas, congelamentos e demissões que eles se apressaram em fazer, mas também os efeitos de longo prazo que eles terão sobre a governança, o comércio e os investimentos americanos como um todo.


De quem é o trabalho que estamos observando aqui? O de um cirurgião ou o de um sagitariano? Estamos vendo o desdobramento de um plano que foi testado e modelado durante meses, com todas as implicações totalmente compreendidas?

Ou o desdobramento de um guardanapo de papel do bar de Mar-a-Lago, com algumas ideias mal elaboradas esboçadas e, em seguida, uma discussão caótica entre Trump, seus assessores e lobistas sobre quais setores serão atingidos e quais serão poupados?

Vou optar pelo guardanapo. É difícil para mim dizer isso de uma maneira melhor do que um editorial do Wall Street Journal, normalmente pró-Trump, intitulado "A Guerra Comercial Mais Estúpida da História", que diz que "Trump imporá tarifas de 25% sobre o Canadá e o México sem nenhuma boa razão".

Mas as tarifas impulsivas de Trump —que ele parece anunciar e suspender por capricho— são sintomáticas de um desafio mais profundo para os fabricantes americanos sobre o qual quero escrever hoje: como as empresas americanas acompanham o ritmo da China nos setores do futuro, como inteligência artificial (IA), chips avançados, veículos elétricos, tecnologia limpa e carros autônomos, quando essas empresas estão constantemente sendo sacudidas por presidentes democratas e republicanos em um mundo em que precisam fazer apostas multibilionárias com cinco anos de antecedência. E elas precisam fazer essas apostas enquanto competem com a China, cujo regime acorda todos os dias e pergunta aos fabricantes "como posso ajudá-los?", além de "vamos ter uma visão de longo prazo juntos sobre como podemos vencer globalmente".

Para entender isso melhor, visitei a sede da Ford Motor em Dearborn, Michigan, na semana passada, para ver como a empresa está competindo com o rolo compressor de veículos elétricos da China. Quase metade das vendas de carros novos na China é de veículos elétricos a bateria ou híbridos elétricos plug-in, e suas empresas controlam cerca de 60% do mercado global desses modelos.

Isso se deve, em grande parte, ao fato de que Pequim fabrica as melhores baterias para carros do mundo, e qualquer montadora dos EUA que queira ser competitiva no setor de veículos elétricos hoje precisa da transferência de tecnologia de baterias chinesas.

Vou repetir um pouco mais devagar: para serem competitivas globalmente nos carros do futuro, as montadoras dos EUA precisam de transferência de tecnologia de baterias da China.

Estamos falando de uma inversão total em relação a 25 anos atrás, quando a China precisava de transferência de tecnologia da General Motors e da Ford para construir carros competitivos internacionalmente.

Esta é a história em poucas palavras. Atualmente, o setor automobilístico é totalmente global. Uma empresa como a Ford precisa equilibrar o desejo de seus clientes por motores de combustão tradicionais, híbridos plug-in ou veículos totalmente elétricos com recursos cada vez maiores de direção autônoma.

Mas ela precisa fazer isso em um mundo no qual a China fez uma grande aposta em veículos elétricos e está perfeitamente satisfeita em ignorar o mercado dos EUA por enquanto e vencer a Ford e outros fabricantes americanos no Brasil, na Indonésia, na Europa e na África.

Portanto, se a Ford ignorar totalmente o negócio de veículos elétricos, ela entregará o resto do mundo para a China —e corre o risco de acordar um dia, daqui a cinco anos, e descobrir que a maior parte do mundo está usando os veículos elétricos do país asiático— e ficará apenas com os EUA.

Para evitar esse desastre, a Ford, assim como outras montadoras americanas, aproveitou os incentivos oferecidos pelo governo Joe Biden para construir grandes fábricas de veículos elétricos e baterias em solo americano.

A Ford está quase concluindo o BlueOval Battery Park, de 1,7 milhão km2, em Marshall, Michigan, que deve iniciar a produção de baterias de fosfato de ferro e lítio (LFP) em 2026 para os seus veículos elétricos.

A instalação é de propriedade integral da montadora —um investimento de aproximadamente US$ 2 bilhões—, mas as baterias que ela produzirá para seus veículos elétricos são baseadas na tecnologia LFP licenciada da gigante chinesa de baterias CATL. Espera-se que sejam criados cerca de 1.700 empregos. Teria sido mais, mas houve uma desaceleração nas vendas de veículos elétricos nos EUA devido à falta de estações de recarga.

A fábrica Marshall foi originalmente planejada para ser construída no México, mas devido aos incentivos de Biden, a Ford a transferiu para o Michigan —exatamente como o sistema deveria funcionar: Dar às nossas empresas automotivas créditos fiscais para produção e consumo até que o setor ganhe escala e possa sobreviver por conta própria. Exatamente o que a China faz.

Mas a Ford precisava de um parceiro chinês para as baterias. Atualmente, nenhum fabricante americano de baterias pode se equiparar às baterias CATL, que carregam mais rápido e vão mais longe.

"Atualmente, os carros estão se tornando dispositivos de transporte digital", disse o CEO da Ford, Jim Farley. E a China está dez anos à frente na fabricação das baterias para esses carros e na criação dessa experiência de direção digital completa, disse ele.

"Portanto, a maneira de competirmos com eles é obter acesso à sua propriedade intelectual da mesma forma que eles precisavam da nossa há 20 anos e, em seguida, usar nosso ecossistema inovador, a engenhosidade americana, nossa grande escala e nossa intimidade com o cliente para vencê-los globalmente. Esta será uma das corridas mais importantes para salvar nossa economia industrial."

Para isso, a Ford também está se preparando para começar a contratar funcionários para a fábrica BlueOval City que, ao preço de US$ 5,6 bilhões, com 14,6 km2, ela está concluindo na cidade de Stanton, no oeste do Tennessee.

O local inclui uma nova instalação de fabricação de veículos elétricos e baterias e um parque de fornecedores, e também oferecerá programas educacionais para "treinamento técnico, educação para trabalhadores já formados e programas de ensino fundamental e médio, incluindo experiências de aprendizagem baseadas no trabalho, com ênfase em Stem [sigla para ciência, tecnologia, engenharia e matemática em inglês]" para "preparar a próxima geração para construir o futuro do veículo elétrico nos EUA".

Parece um plano muito bom. Mas então Trump substituiu Biden no poder.

Pouco depois de tomar posse —e sem nenhuma consulta prévia à Ford ou, aparentemente, a qualquer outra montadora dos EUA— Trump revogou o decreto de Biden de 2021 que buscava garantir que metade de todos os veículos novos vendidos nos EUA até 2030 fossem elétricos.

O novo presidente também ordenou que a distribuição de fundos governamentais não utilizados para estações de recarga de veículos de um fundo de US$ 5 bilhões fossem suspensas e disse que estava considerando eliminar os créditos fiscais para veículos elétricos —justamente o que fez a Ford apostar maciçamente nessas duas novas fábricas.

Este é exatamente o tipo de pensamento míope de parar e começar que nos colocou nessa confusão em primeiro lugar. Meus compatriotas americanos, vocês sabem por que estamos tão atrasados em relação à China em relação às baterias para veículos elétricos? Por dois motivos. Primeiro, a China forma muito mais engenheiros elétricos e de automóveis do que nós. Em segundo lugar, os inovadores dos EUA inventaram a tecnologia revolucionária de baterias LFP da CATL para veículos elétricos, mas a cederam à China.

O jeito americano é: inventar, ignorar, dar um salto para frente com uma administração e depois dar um salto para trás com a próxima. É uma loucura total. Assim como as adjacências de aço, carvão, motores de combustão e trabalho manual criaram um efeito multiplicador no século 20, o ecossistema de veículos elétricos, IA, robótica, baterias avançadas, tecnologia limpa, sistemas de direção autônoma e trabalho mental digitalizado fará o mesmo no século 21. Se os EUA se ausentarem de qualquer parte desse ecossistema, serão deixados para trás.

As tarifas só fazem com que um país ganhe tempo para que suas empresas possam fazer as mudanças necessárias para competir sem muros. A estratégia de Trump é prejudicar as exportações de nossas montadoras com um muro de tarifas e, em seguida, atirar nas costas delas por trás do muro.

Se Trump tivesse bom senso, ele se diria a favor de todos os itens acima — carros a gasolina, híbridos plug-in, EVs totalmente elétricos e carros autônomos. Tudo o que deveria importar para ele é que os americanos comprassem produtos americanos.

Além disso, para garantir que os grandes fabricantes americanos de veículos elétricos pudessem ganhar escala, ele deveria usar o dinheiro das tarifas para fazer o que os "idiotas democratas progressistas" se recusaram a fazer: aprovar um projeto de lei para construir uma rede nacional de transmissão e uma rede de estações de carregamento rápido, para que qualquer pessoa que compre um veículo elétrico nunca precise se preocupar com viagens de longa distância.

É assim que se faz a grandeza dos EUA. Qualquer coisa menor do que isso é fingimento.

Macho Man


O "Líder do mundo livre" uma vez se referiu a um presidente americano que simbolizava a influência global do país, o comprometimento com a democracia e a defesa dos direitos humanos. Os olhos semicerrados deste presidente = suspeita... lábios apertados = raiva, desaprovação... braços cruzados = hostilidade, hostilidade, tudo indica uma direção diferente e preocupante em casa e no exterior. O apelido emergente de Trump: homem-criança "Valentão do mundo livre". 

POR FAVOR, ACEITE NOSSAS DESCULPAS MUNDO.

A futura ordem global com Donald Trump, o novo 'xerife'

As provocações e confrontos que caracterizaram as primeiras semanas do segundo governo Trump afetaram primeiro os países latino-americanos.

As consequências desse estilo de impor seus interesses já estão sendo sentidas na Europa e em outras partes do mundo, não apenas por meio das tarifas que estão sendo impostas, mas também pelo padrão ideológico que o governante em Washington está tentando impor ao mundo inteiro.


"Há um novo xerife na cidade" foi uma das frases que pontuaram o discurso do vice-presidente JD Vance na Conferência de Segurança de Munique no último fim de semana.

Além do fato de que essa metáfora soa um pouco estranha no contexto da história europeia do desenvolvimento do Estado de direito, ela reflete a fraca compreensão da complexidade das relações internacionais na nova administração em Washington.

Tudo se resume ao que tem sido discutido sob o conceito de "política do homem forte", uma prática que também encontrou muita ressonância em países latino-americanos, caracterizados por uma longa tradição de personalismos.

O que o presidente dos EUA e seus vice-marechals estão tentando apresentar é um retorno a décadas passadas, quando a ordem mundial podia ser facilmente controlada por um pequeno grupo de pessoas que tinham o controle de armas de destruição em massa. Agora, essa narrativa parece ter retornado, não apenas no Ocidente, mas em partes mais amplas do mundo, com base em uma ideologia populista e/ou autocrática.

Por outro lado, a experiência democrática, com seus processos mais lentos e complicados, mas especialmente limitada por instituições de freios e contrapesos, não encontra muito eco entre os eleitores, que exigem respostas imediatas e contundentes aos problemas existentes, seja a situação econômica, a criminalidade ou a própria migração.

A pessoa que parece mais propensa a dar essa resposta é o homem forte, que, como o presidente dos EUA, cria a ilusão de que, ao assinar alguns decretos, a realidade já foi mudada.

Na América Latina, há experiências semelhantes que geraram um discurso de “mão de ferro” para resolver problemas com medidas extraordinárias que se justificam com instrumentos drásticos e ilimitados em sua aplicação. Mas o que parece eficaz à primeira vista em nível local ou nacional não necessariamente tem os efeitos desejados em nível regional ou global.

No entanto, os mesmos "homens fortes", independentemente da sua cor ideológica, continuam a gerar a expectativa de que a simples vontade de um governante é suficiente para mudar as coisas. Enquanto os cidadãos acreditarem que os homens fortes são capazes de apresentar atalhos confiáveis ​​para maior segurança e orgulho nacional, não se deve excluir que as maiores ameaças ainda estejam por vir na forma de colapsos das democracias existentes.

Esse padrão de "política de homem forte" é, de muitas maneiras e em múltiplos aspectos, um ambiente hostil para a UE, não apenas em termos de sua presença global, mas também em relação à sua tradicional aliança transatlântica, que agora é percebida não apenas como mais turbulenta, mas também mais fraca em termos de confiança mútua.

O mais desorientador é a substituição da busca contínua de consenso em nível internacional por uma "guerra cultural", cujos protagonistas não se encontram apenas no campo político republicano nos EUA, mas também na presença ideológica de Javier Milei e de muitos outros protagonistas desse estilo no mesmo território europeu.

Em vez disso, há ameaças aos membros do BRICS e outros organismos que poderiam facilitar a presença do Sul Global em nível internacional, o que poderia levar a uma nova marginalização nos tempos vindouros. Não apenas as ameaças de Trump à Colômbia e à República da África do Sul (que atualmente ocupa a presidência do G20) são prova de que as regras internacionais do direito internacional não são mais relevantes e podem ser substituídas pela força de vontade de uma parte contra as outras.

Os tempos benignos das regras e regimes internacionais dos últimos 30 anos já acabaram há muito tempo. Agora parece que chegou a hora de retomar o processo de "queda de braço" para afirmar os próprios interesses e estabelecer regras sensatas para a ordem global.