sábado, 15 de março de 2025

Pensamento do Dia


 

Vida ou morte?

Deparamo-nos com uma questão mais básica: qual é a finalidade do nosso trabalho? É aumentar a produção e o consumo? Ou promover o desenvolvimento e crescimento dos seres humanos? É usualmente afirmado que uma coisa não pode ser separada da outra. O que é bom para a indústria é bom para as pessoas e vice-versa. Isso soa como a proclamação de uma harmonia deliciosa, predeterminada, mas é, de fato, uma deslavada mentira. É fácil demonstrar que muitas coisas que são benéficas para a indústria são ruins para as pessoas. E esse é hoje o nosso dilema. Se continuarmos no caminho em que estamos, o progresso só será realizado às custas de seres humanos. E, assim, temos de fazer uma escolha. Numa linguagem bíblica, temos de escolher entre Deus e Cesar. 


Isso pode soar muito dramático, mas se quisermos falar seriamente sobre a vida então as coisas ficam dramáticas, de fato. O que tenho em mente é não só a questão de vida e morte mas também se optamos pelo aumento de morte na vida que vemos à nossa volta ou se optamos por vidas de vitalidade e atividade. A finalidade precípua da vida é tornar-se cada vez mais vital, mais repleta de vida. As pessoas iludem-se a esse respeito. Vivem como se tivessem deixado de viver ou como se nunca tivessem começado a viver.
Erich Fromm

Populismo à brasileira

O que explica a ascensão do populismo de extrema direita nas democracias ocidentais? As respostas vão desde as que destacam dimensões socioeconômicas até a fatores culturais e morais. Mas todas parecem concordar que líderes e movimentos populistas exploram os sentimentos de abandono, humilhação e ressentimento antielite nutridos por pessoas e grupos perdedores nas mudanças trazidas pela globalização.


Eis por que os pobres brancos das regiões dos EUA onde o emprego evaporou quando as indústrias migraram para outros países são os mais fiéis eleitores de Donald Trump. O mesmo se dá na França, onde a Frente Nacional (FN) colhe os votos tanto dos operários de áreas economicamente decadentes como da pequena burguesia, uns e outros atemorizados pelos imigrantes de pele escura. Isso ocorre também na antiga Alemanha Oriental, onde robusta maioria crê que a reunificação do país teria sido imposta pelos ricos conterrâneos do oeste. Na antiga República Democrática Alemã (a RDA) vicejam as bases mais sólidas da extremista da Alternativa para a Alemanha (AfD).

As desigualdades exploradas pela extrema direita não são apenas econômicas —de emprego e renda. Há diferenças educacionais, de cultura, estilos de vida e crenças que separam "o povo" das elites —conservadoras ou progressistas. Os "perdedores" não costumam chegar às universidades. Nos EUA, eles têm mais problemas de saúde; são mais propensos a se drogar; vivem menos que os mais escolarizados; têm menos amigos; e mal frequentam redes de convivência.

As explicações que parecem adequadas aos EUA e às democracias europeias não ajudam a entender o populismo de direita no Brasil: não dão conta de explicar a popularidade de Jair Bolsonaro. Precisamos de outras hipóteses e mais estudos sobre o que é original na experiência brasileira.

Embora o ex-capitão golpista tenha colhido votos em diferentes estratos —o que era de esperar em um pleito majoritário—, o núcleo duro de seus adeptos é formado por homens; brancos; evangélicos; de renda média e alta; educação de nível médio; habitantes do Sul e Sudeste. Nesse grupo, cerca de 90% declararam em 2018 a intenção de votar em Bolsonaro. Também era alta —ainda é— a simpatia pelo ex-presidente nos estados onde a agricultura de exportação movimenta a economia local.

Assim, os simpatizantes da extrema direita local não são deserdados da sorte, mas, antes, beneficiários —em maior ou menor grau— da bonança econômica da primeira década do século, puxada pelo boom das commodities e pelas políticas de inclusão.

Aqui o discurso antielitista típico do populismo não parece se alimentar do ressentimento, do sentimento de perda e da expectativa de volta a um passado melhor. Talvez esteja dando voz a outro tipo de experiência social e apele a uma noção de sociedade e de país baseada na crença no progresso como fruto do esforço individual; no desprezo pelas formas coletivas de ação; no moralismo em matéria de costumes; na rejeição ao setor público, tido como fonte de corrupção e desperdício.

Se assim for, não basta ridicularizar os líderes ou denunciar a demagogia de seus apelos. É preciso entender quem os segue.

O Pânico Vermelho, parte 3

A prisão e ameaça de deportação de Mahmoud Khalil, um dos líderes dos protestos anti-Israel na Universidade Columbia, indica que Trump pretende produzir a terceira versão de um filme antigo. O Pânico Vermelho original desenrolou-se no rastro da Grande Guerra, sob o impacto da Revolução Russa e da radicalização do movimento trabalhista nos EUA. A versão seguinte foi o macarthismo, na primeira década da Guerra Fria. O filme serve para ampliar o poder estatal e acossar as liberdades públicas.

As manifestações estudantis anti-Israel de 2024 desempenharam papel instrumental no triunfo eleitoral de Trump. Na sua maioria, os participantes reagiam com horror aos bombardeios indiscriminados israelenses na Faixa de Gaza. Suas lideranças, porém, ergueram bandeiras que ecoam a estratégia do Hamas. "Palestina livre do rio até o mar", o lema perene, e imagens celebratórias dos atentados de 7 de outubro, descritos como "os palestinos voltando para casa", somaram-se a atos pervasivos de intimidação contra estudantes e professores judeus. O Partido Democrata foi visto como sócio do linguajar antissemita pois sua ala esquerda saudou os protestos.


Segundo as vagas acusações do governo, Khalil teria conduzido atividades "alinhadas com o Hamas, uma organização designada como terrorista". O Pânico Vermelho, parte 3, mira crimes de palavra, ignorando a Primeira Emenda da Constituição dos EUA.

Os EUA não são o Brasil. Por aqui, um juiz do STF navega, com amparo de seus pares, em faixas cinzentas da lei para suprimir perfis de redes sociais acusados de "discursos de ódio", "discursos antidemocráticos" ou "desinformação". Por lá, a Primeira Emenda assegura uma liberdade de expressão limitada apenas pelo chamado direito ao exercício da violência. Os lemas e imagens antissemitas utilizados na Colúmbia são abomináveis, mas estão cobertos pelo manto constitucional. Khalil não cometeu crime nenhum.

Tudo indica que, ao ordenar a prisão, o governo desconhecia o estatuto de Khalil, um palestino detentor de residência permanente (green card). Mesmo assim, Trump insiste na deportação: "Prenderemos e deportaremos de nosso país esses simpatizantes do terrorismo —para nunca retornarem novamente!". Enquanto isso, seu secretário de Estado, Marco Rubio, brandia uma interpretação extrema da Lei de Imigração e Nacionalidade pela qual Khalil seria deportável por ameaçar os "interesses de segurança nacional" dos EUA.

"É a primeira prisão de muitas a virem", proclamou Trump. Na versão original do Pânico Vermelho, o jovem J. Edgar Hoover conduziu as deportações de centenas de ativistas do movimento operário que eram imigrantes com residência permanente. Mais tarde, em 1952, já como diretor do FBI durante o macarthismo, Hoover obteve da Corte Suprema a autorização de deportação de três imigrantes residentes que tinham se filiado ao minúsculo Partido Comunista dos EUA.

A conexão entre xenofobia e perseguição ideológica não é novidade. O caso de Khalil foi desenhado para servir de alerta aos 13 milhões de detentores do green card, além de 1,5 milhão de professores e estudantes estrangeiros com vistos válidos: Trump ignora a Primeira Emenda. Pânico Vermelho, parte 3, como seus predecessores, é um filme de propaganda —mas, no fim, o que está em jogo é a substância da democracia.

A teoria do louco e a psicologia do blefe por trás de Trump

Faz parte do jogo diplomático apostar alto para dissuadir inimigos. No caso do presidente Donald Trump, a estratégia de "se fazer de louco" é usada inclusive contra aliados. O que é blefe e o que é impulsividade?

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, está blefando quando diz que assumirá o controle do Panamá ou da Groenlândia "de uma forma ou de outra", ou quando ameaça retirar os EUA da Otan?


Trump costuma usar metáforas de jogos, apostas e blefes em suas negociações. O exemplo mais recente foi durante a discussão com o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, no Salão Oval:

Trump: "Você não está em uma boa posição. Você não tem as cartas no momento. Conosco, você começa a ter cartas."

Zelenski: "Não estou jogando cartas."

Trump: "Sim, você está jogando cartas. Está jogando com a vida de milhões de pessoas. Está apostando com a Terceira Guerra Mundial."

O blefe sempre foi uma ferramenta poderosa de diplomacia. É um truque usado para influenciar a mente dos outros, geralmente com ameaças de força militar ou econômica. Saber quando um blefe é uma ameaça real faz parte do jogo.

No caso de Zelenski, Trump ameaçou suspender a ajuda militar e financeira fornecida pelos EUA à Ucrânia em sua guerra contra a Rússia – o que de fato aconteceu dias depois.

Trump também não estava blefando em relação à imposição de tarifas comerciais sobre China, União Europeia, México e Canadá. Tampouco sobre a retirada dos EUA da Organização Mundial de Saúde (OMS), o corte de verbas para ciência ou a deportação de imigrantes.

Verificar se as ameaças de Trump são vazias ou intencionais é "extremamente desafiador", observa Seden Akcinaroglu, cientista político da Universidade de Binghamton, em Nova York. Mas há maneiras de estudar os manuais de diplomacia para entender suas decisões estratégicas.

Para que os blefes atinjam seu objetivo de coerção, um líder deve manter uma imagem crível e consistente de imprevisibilidade.

"Até mesmo ameaças aparentemente vazias podem atingir seus objetivos estratégicos de forma eficaz se intimidarem os adversários ou reforçarem apoio dentro de seus círculos eleitorais", diz Akcinaroglu à DW.

Dissuasão nuclear talvez seja o maior blefe de todos os tempos – a ameaça de lançar ataques nucleares e a disposição para a destruição mutuamente assegurada (ironicamente chamada de MAD, na sigla em inglês, que também forma a palavra "louco") alcançou seu objetivo de evitar uma guerra termonuclear até o momento. Mas é difícil determinar a sinceridade ou a credibilidade dos blefes quando os presidentes dos EUA os utilizam, argumenta Akcinaroglu.

Richard Nixon (presidente americano entre 1969 e 1974) cunhou o termo "teoria do louco" para descrever sua crença de que criar a percepção de instabilidade mental poderia contribuir para uma vitória na guerra do Vietnã.

"A teoria do louco é a ideia de que é útil ser visto como louco em uma negociação coercitiva. Isso é particularmente útil quando o cumprimento das ameaças é muito custoso", explica Roseanne McManus, cientista política da Universidade Estadual da Pensilvânia, nos EUA.

"Mas é muito difícil distinguir a loucura genuína do blefe crível", pontua ela.

Todos os governos dos EUA, desde a Guerra Fria, blefaram e ameaçaram com guerra – nuclear ou convencional – para atender a seus propósitos estratégicos, ainda que o objetivo fosse a paz.

Pesquisas da ciência política sugerem que, por 80 anos, a Rússia acreditou que os EUA endossavam essas ameaças de guerra, especialmente se qualquer outro país membro da aliança militar Otan fosse invadido.

Mas o que distingue a estratégia louca de Trump da de presidentes americanos anteriores é o uso do expediente tanto contra adversários quanto contra aliados, aponta McManus.

"Desde o início de seu segundo mandato, Trump parece estar buscando se aproximar da Rússia em vez de usar uma estratégia de louco contra a Rússia. Em vez disso, Trump pode estar usando uma estratégia de louco em relação à Europa", analisa a pesquisadora.

As ameaças de sair da aliança da Otan vêm acompanhadas de uma sugestão adicional e velada de que ele pode não defender a Europa contra futuros ataques russos. Mas ainda não está claro quais são suas reais intenções. A retórica de Trump carrega uma incerteza que torna difícil para outros países saberem como se posicionar em relação ao americano.

A resposta curta é que ela não diz nada – mas esse é o ponto.

"Trump está claramente ciente de sua reputação de louco e a vê como um trunfo. No entanto, muitas vezes não fica claro para mim se Trump está empregando deliberadamente a teoria do louco ou se está apenas agindo de acordo com seus impulsos genuínos", diz McManus.

A pesquisa de McManus sugere que os líderes que nunca cumprem suas ameaças tendem a perder sua reputação de loucos.

"Se Trump cumprir, mesmo que ocasionalmente, suas ameaças extremas, como fez recentemente com as tarifas comerciais, ele provavelmente poderá manter sua reputação de louco", afirma McManus.

E talvez essa seja a maior aposta de Trump – fazer-se de louco na diplomacia com todos os lados requer que ele sustente essa atitude. Enquanto isso, aos outros só resta especular.