segunda-feira, 20 de abril de 2015

Enigma

Não sei se Dilma Rousseff hoje se vangloria de ter vencido as eleições. O preço é alto demais. A cada manhã, ela depara com uma nova denúncia. A cada fim de tarde, sofre uma nova derrota. A cada divulgação de números – do PIB à Educação, passando por todos os setores essenciais –, Dilma se confronta com o fracasso de seu primeiro mandato e com o desperdício de anos de irresponsabilidade fiscal e gastos desmesurados da máquina, comprometendo os bancos públicos. Dilma poderia hoje estar apenas pedalando sua bicicleta caso tivesse perdido as eleições. O Brasil deve esquecer essa história de impeachment. A presidente tem de expiar publicamente seus pecados, submeter a economia e a política a ajustes de valores numéricos e morais e recolocar o país num rumo que reverta a herança maldita.
O enigma do tesoureiro, Ruth de Aquino 

Buracos

Predio da petrobras concepcao arquitetonica hipotetica antes e depois da roubalheira 2

Derrocada do PT faz Lula se socorrer nos movimentos sociais


Lula é muito mais esperto do que se pensa e tem um grupo de assessores de excelente nível. Todos eles já perceberam que a derrocada do governo e do PT é inexorável. A cada dia surgem mais denúncias de corrupção, a presidente Dilma Rousseff já começa a ser envolvida e as possibilidades de impeachment são cada vez maiores, depois que o Tribunal de Contas da União, com base em parecer de sua equipe técnica, por unanimidade decidiu enquadrá-la por crime de responsabilidade.

Em entrevista no sábado, o ministro do TCU Augusto Nardes já adiantou que a presidente Dilma poderá ser responsabilizada. Ou seja, pode ser enquadrada em crime de responsabilidade, que é mais um motivo de afastamento, além de já estar sujeita a cassação por infringir a Lei Eleitoral, ao usar recursos ilícitos na campanha política (tese do jurista Jorge Béja, que prevê cassação sem nem precisar de impeachment) e também por infringir a Lei de Improbidade Administrativa, ao se omitir diante do esquema de corrupção montado na Petrobras e no governo praticamente todo (tese do jurista Ives Gandra Martins).

A esperança dos assessores do Instituto Lula (Luiz Dulci, Clara Ant, Paulo Okamotto, Paulo de Tarso Vanucchi e Celso Marcondes) é o fato de que Lula ainda não foi diretamente atingido e pode tentar permanecer na política montando um esquema que recicle o que restar do PT e do PCdoB, reforçando-o com uma participação maior dos movimentos sociais (centrais, sindicatos e organizações como MST, UNE, OAB e outras mais, que já estão dominadas, como se diz no linguajar das ruas).

Não há dúvidas de que é um plano extremamente hábil e pode garantir uma sobrevida política a Lula, que acredita em vitória na eleição de 2018, porque a crise atual é tão grave que não será solucionada até lá e ele poderá novamente se apresentar como salvador da pátria.

Para colocar em prática o esquema político da “participação social” (que recentemente o governo tentou até transformar em lei, mas a Câmara rejeitou), o Instituto Lula quer fortalecer esta estratégia, usando como ponto de partida o dispositivo constitucional que prevê a preparação do Planejamento Prurianual, e os movimentos sociais foram convocados para participarem.

Desta vez tudo acontece totalmente na surdina, para não despertar reação, e na semana passada o governo instalou o novo Fórum Interconselhos, que reúne mais de 30 conselhos e comissões setoriais, nos quais há grande participação do movimento sindical e de organizações da sociedade civil. Embora teoricamente seja organizado pelo Ministério do Planejamento, na prática o macroencontro é realizado pela Secretaria-Geral da Presidência da República, leia-se ministro Miguel Rossetto.

Segundo os assessores de Lula, esta estratégia de mobilizar os movimentos sociais para ressuscitar o PT ou até mesmo criar outro partido foi a única saída encontrada para evitar que a crescente crise venha a destruir o que resta da popularidade de Lula, que não terá dúvidas de repetir as desculpas usadas no mensalão, na base do “eu não sabia de nada” e “não contavam com a minha confiança”.

Sonhar não é proibido, todos sabem. O esquema realmente é forte e viável. Mas somente será bem-sucedido se Lula não for denunciado como principal responsável pela corrupção que hoje atinge o governo, o PT, os partidos da base aliada e até mesmo alguns partidos de oposição. Tudo vai depender do silêncio de personagens como João Vaccari e André Vargas, os dois homens-bomba do momento. Vamos aguardar.

Sonho longe dos brasileiros

Utopia faz andar

A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar
Eduardo Galeano 

A hora e a vez dos municípios

Nunca é demais lembrar o provérbio árabe de que “bebe água limpa quem chega primeiro na fonte”. Sua aplicação ajusta-se às eleições municipais do ano que vem, não apenas o ensaio geral das eleições estaduais e nacional de 2018, mas uma empreitada em si mesma imprescindível. Não se tem notícia de que PT, PMDB, PSDB e outros partidos estejam cuidado de preparar-se, tanto para selecionar seus candidatos às prefeituras das capitais e das grandes cidades quanto para preparar suas representações nas câmaras de vereadores.
Quem puder demonstrar vitalidade no plano municipal terá avançado no rumo de tornar o país mais equânime, justo e viável. Oportunidade ímpar surge na hora em que o Congresso, mais uma vez, lança-se na tentativa de realizar a sempre tão falada e jamais realizada reforma política. Tanto faz se haverá ou não redução do número de partidos. Com ou sem cláusula de barreira, se os chamados grandes partidos não se esforçarem para viabilizar 2016 em outros termos, perderão espaço para dois anos depois.

Seria fundamental para todos começar a elaborar programas para os municípios. Demonstrar que sem ampla mudança nas regas fiscais, eles continuarão a arrastar-se na falta de recursos e no endividamento crescente. Hoje, não há um só prefeito, dos eleitos e dos reeleitos em 2012, do qual se diga estar cumprindo suas promessas de campanha e recebendo a aprovação da maioria dos habitantes de suas cidades. Nas capitais, como nos municípios menores, as necessidades ultrapassam de muito as possibilidades de seus gestores.

Caberia aos partidos, desde já, equacionar soluções institucionais, para inverter o jogo e promover a redenção dos municípios. Já lembrava o dr. Ulysses que ninguém mora na nação ou no estado, mas na cidade. Torna-se necessário ouvir as associações municipalistas, dar a elas sua devida importância e colher, nelas, subsídios para a reforma dos instrumentos de ação local, tão ou mais importantes do que os estaduais ou nacionais. Boa parte dos deputados e senadores, assim como dos governadores, já foram prefeitos. Disporão de experiência e conhecimento bastantes para agir no plano de uma reforma política voltada para as carências municipais.

As sucessivas denúncias de roubalheira em setores diversos da administração federal estão exigindo mais empenho dos tribunais na função de mandar apurar e, conforme o caso, julgar e punir com mais rapidez seus responsáveis. A Polícia Federal e o Ministério Público, mesmo de vez em quando se estranhando, cumprem o seu dever. Juízes de primeira instância, como Sergio Moro, também. Falta, porém, celeridade aos tribunais, começando pelo Supremo. Sabemos que o ritmo é outro, determinado pela vasta quantidade de recursos legais postos à disposição dos réus, mas, mesmo assim, tardam decisões.

Nada de Apple, só maçã envenenada

Mais de mil pessoas fizeram fila no Shopping Morumbi, em São Paulo, para conhecer a segunda loja oficial da Apple no país, aberta hoje.

O primeiro a entrar na loja não comprou nada porque não tinha dinheiro. A maioria saiu de mãos abanando, mas satisfeita por ter ido.

Temos aí uma boa imagem da situação brasileira: queremos uma maçã como a da Apple, mas nos contentamos com a maçã envenenada da corrupção, da inépcia, do descaso, da falta de projeto de país moderno - e permanecemos como seres alienígenas no nosso próprio planeta.

A mulher feia de cada um

Estamos vivendo preâmbulo de golpe, em que causas se misturam, fronteira entre oportunismo político e moralismo exacerbado se dilui, e as definições são impossíveis
Para-choques de caminhão têm sempre o que dizer, e algumas das suas frases tornaram-se clássicas. Há declarações religiosas, num tom de catequese ressentida (“Deus é maior do que você merece”). Há as frases que tratam das agruras do casamento (“Se casamento fosse coisa boa, não precisava de testemunha”) e das suas consequências indesejáveis (“Deus fez a mãe e o Diabo fez a sogra”). Algumas são sobre o sexo (“Bom é mulher carinhosa e embreagem macia”) e sobre as armadilhas do sexo (“Casamento que começa em motel termina em pensão”), outras são exemplos de sabedoria prática (“Devagar se vai ao longe... mas leva muito tempo”, “Cana dá pinga, pinga demais dá cana”, “Em terra de sapo mosquito não dá rasante” etc) e outras apenas confessionais (“Devo tudo à minha mãe, mas estamos negociando”).

A minha frase de para-choque preferida é “Se me virem abraçado com mulher feia, podem apartar que é briga”. Uma frase preconceituosa, é claro. Se você for examiná-la de perto — o que é sempre desaconselhável com qualquer piada — a frase é cruel. A mulher tem muitas maneiras de ser bonita sem, necessariamente, ser vistosa. E há muitas razões para estar abraçado com uma mulher feia sem que seja briga. O importante na frase é o que a mulher feia significa para cada um. A mulher da frase, além de feia, é simbólica. Representa todos os mal-entendidos que queremos evitar a nosso respeito. Ela é a causa que nunca abraçaríamos, embora pareça que sim. Por exemplo: se me virem participando de uma manifestação de rua de que também participe o Jair Bolsonaro ou similar, com faixas pedindo a volta da ditadura militar, podem ter certeza que, ou não sou eu ou entrei na manifestação errada. Os outros manifestantes podem não se incomodar com a companhia, e sua decisão é respeitável. Mas eu sei bem que mulher feia não quero do meu lado.


Acho que todo mundo deveria se preocupar com a mulher feia que aparecerá na sua biografia, quando contarem a história destes tempos. Estamos vivendo um preâmbulo de golpe, em que as causas se misturam, a fronteira entre o oportunismo político e moralismo exacerbado se dilui, e as definições são impossíveis — pelo menos definições claras e precisas como as de um para-choque. Mas no futuro cada um terá de dizer se estava dançando ou brigando com mulher feia.
Luis Fernando Verissimo

Evasão fiscal 'equivale a 18 Copas'

Thinkstock
Mesmo antes da disparada na cotação do dólar, US$ 280 bilhões já seria um número impressionante
Segundo uma pesquisa da Tax Justice Network (rede de justiça fiscal, em tradução livre, organização internacional independente com base em Londres, que analisa e divulga dados sobre movimentação de impostos e paraísos fiscais), este é o montante que o Brasil teria perdido, apenas em 2010, com a evasão fiscal - em 2011, ano de divulgação do estudo, isso equivalia a R$ 490 bilhões.

O número vem de estimativas feitas com base em dados como PIB, gastos do governo, dimensão da economia formal e alíquotas tributárias. Segundo um dos pesquisadores da organização, estudos sobre evasão fiscal mostram que as estimativas do que deixa de ser arrecadado leva em conta também a economia informal.

O valor coloca o Brasil atrás apenas dos Estados Unidos numa lista de países que mais perdem dinheiro com evasão fiscal. É 18 vezes maior que o orçamento oficial da Copa do Mundo de 2014 e quase cinco vezes mais que o orçamento federal para a Saúde em 2015, por exemplo.

É bem maior que os R$ 19 bilhões que a Polícia Federal acredita terem sido desviados da União por um esquema bilionário de corrupção envolvendo um dos principais órgãos do sistema tributário brasileiro, o Carf - a agência responsável pelo julgamento de recursos contra decisões da Receita Federal, e que é o principal alvo da Operação Zelotes.

Mas para diversos estudiosos da área, a deflagração da ação policial pode representar o momento em que a sonegação ocupe um espaço maior nas discussões sobre impostos no Brasil, normalmente dominadas pelas críticas à carga tributária no país.