sábado, 25 de janeiro de 2020

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Grandes empresas poderão salvar o mundo?

Ao andar pela Promenade, a principal rua de Davos, na Suíça, tem-se a impressão de estar ocorrendo na cidade uma convenção de caridade, e não uma reunião de 119 bilionários e muitos presidentes de empresas importantes e representantes do setor econômico mundial.

"Vamos fazer dos negócios a melhor plataforma de mudança", diz a placa na frente de uma loja alugada por uma empresa. Outra mostra "O crescimento é uma ilusão?" com letras de neon brilhantes e arredondadas que seria possível encontrar na parede de uma cafeteria hipster.

Mais adiante está a "tenda ODS", que organiza sessões abertas sobre temas como o futuro do capitalismo, finanças sustentáveis ou direitos LGBTI – todos pagos por empresas que desejam mostrar como estão comprometidas em ajudar a alcançar os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidos pela ONU.

A mensagem que as empresas estão tentando passar é bem clara: nós acordamos; já se foram os dias em que o lucro era sobreposto à moral; agora nós nos preocupamos com o meio ambiente e em tornar este mundo um lugar melhor.

Mas as empresas não têm contado essa história há tanto tempo quanto o Fórum Econômico Mundial existe? E ainda assim o mundo não está no caminho certo para alcançar as metas que estabeleceu para si mesmo – tome como exemplos o Acordo do Clima de Paris, de 2015, ou os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Então as grandes empresas realmente cumprirão suas promessas desta vez?

Os manifestantes anti-Fórum Econômico Mundial na Promenade certamente já decidiram sua resposta. "Você realmente acha que as instituições e corporações que têm pensado e feito negócios de uma certa maneira podem mudar assim só para serem boas com os outros?", pergunta Sebastian Justiniano, dando sua resposta logo em seguida: "Eu acho que não."


Svein Tore Holsether discorda. Ele é o presidente da Yara, uma empresa norueguesa cujo principal negócio é a produção de fertilizantes sintéticos. Isso significa que a companhia é parte do setor agrícola, responsável por um quarto das emissões globais de gases de efeito estufa.

Sentado em um canto tranquilo de um dos luxuosos saguões de hotel de Davos, Holsether explica por que quer transformar a Yara em uma empresa mais sustentável. "Eu acho que representa uma oportunidade de negócio incrível", afirma. "Nós administramos nossos negócios com fins lucrativos, e isso é algo que precisamos para reinvestir e desenvolver o negócio."

Ele fala sobre como a Yara mudou sua estratégia para o desenvolvimento de novas soluções após o Acordo do Clima de Paris; e sobre como a empresa, por exemplo, está planejando ajudar o agricultor a maximizar sua produção. Assim, será necessário menos terra, que ficaria livre então para árvores que absorveriam o CO2 do ar. Isso seria bom para o meio ambiente, para a segurança alimentar, para os agricultores – e, claro, para os resultados finais da Yara.

"Nos últimos anos, ficou cada vez mais claro que as empresas que são capazes de adaptar seus modelos de negócios tanto aos desafios como às oportunidades que vemos agora serão as que sobreviverão", sublinha Holsether.

Na verdade, as empresas têm cada vez menos o poder de escolher se querem ou não se tornar verdes. O Relatório de Riscos Globais, divulgado antes do início do Fórum Econômico Mundial, listou fatores ambientais como a maior ameaça à ordem mundial. As condições climáticas extremas e os desastres naturais causados pelas mudanças climáticas prejudicariam os negócios.

E até mesmo Larry Fink, presidente da maior gestora de investimentos do mundo, a BlackRock, advertiu recentemente que as empresas que não levam sustentabilidade a sério podem ter problemas quando procurarem financiamento no futuro.

Se tal transformação da economia impulsionada pelo mercado acontecerá com a rapidez suficiente, isso já é outra questão. As emissões de dióxido de carbono da Yara, por exemplo, aumentaram de cerca de 10 milhões de toneladas em 2013 para 16,6 milhões de toneladas em 2018, apesar da nova estratégia de sustentabilidade.

Portanto, se as forças do mercado trabalham de forma lenta para fazer com que as empresas se comportem de maneira mais sustentável, o que pode acelerar esse movimento? Alguns argumentam que se faz necessária uma mudança de mentalidade econômica em relação a qual é o objetivo de uma empresa.

A grande ideia lançada em Davos neste ano foi o conceito de "capitalismo das partes interessadas". É a noção de que as empresas não têm a responsabilidade apenas de gerar lucros para seus investidores, mas responsabilidade com todos os afetados por suas ações, como sua força de trabalho, consumidores ou meio ambiente.

A economista Mariana Mazzucato é a favor do conceito – desde que ele seja mais do que apenas um chavão vazio. "Dada a crise que estamos enfrentando – não apenas o clima, mas também a desigualdade, os sistemas de saúde e o estado de bem-estar social que está entrando em colapso de várias maneiras ao redor do mundo –, não temos tempo para besteiras", afirma.

Os governos devem repensar como investem na economia e, particularmente, o que exigem em troca disso. Afinal, dar dinheiro às empresas as torna partes interessadas, e uma parte importante disso. Como exemplo de como isso poderia funcionar, ela menciona o governo alemão, que vinculou empréstimos estatais a empresas siderúrgicas à sua capacidade de reduzir a pegada de carbono.

"Faça com que seja condicional", afirma Mazzucato. "Eles precisam ou morrem. É o que fazemos em outras áreas. Você não pode usar crianças numa fábrica. Existe a lei e você será excluído do negócio. Nós precisamos tornar as coisas obrigatórias." Ela acrescenta que, no entanto, isso só funcionaria com métricas adequadas que garantam que as empresas cumpram o que prometeram.

Uma iniciativa que trabalha com tais métricas é a empresa sem fins lucrativos World Benchmarking Alliance (WBA). O grupo elaborou uma lista das 2 mil empresas mais influentes do mundo que juntas representam metade da economia global. Atualmente, uma equipe de cerca de 50 pessoas está trabalhando em classificá-las de acordo com a forma como elas contribuem para alcançar os vários Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Ao disponibilizar essas métricas gratuitamente, espera-se que seja possível responsabilizar as empresas e garantir que elas cumpram seus compromissos.

"É como as resoluções de Ano Novo", conta o presidente da WBA, Gerbrand Haberkamp. "Nós sabemos que é difícil mantê-las. E é o mesmo para as empresas. Em fevereiro já é difícil ir à academia. É por isso que precisamos dessas métricas."

Assim, as brilhantes campanhas de sustentabilidade são mais do que fumaça e espelhos? As empresas estão realmente começando a se comportar de forma mais responsável? Sim, parece que algumas realmente estão. Não necessariamente porque elas têm um coração grande, mas porque faz sentido em termos comerciais.

Elas estão mudando rápido o suficiente? Não, certamente não estão. Talvez seja melhor colocar nas palavras do cientista Johan Rockström: "Ainda estamos tendo ilhas de sucesso em um oceano de ignorância."
Deutsche Welle

Convém não esquecer

Num país periférico, onde a história passa pelo ridículo sem se chamuscar, o espetáculo é de fato chinfrim
Otto Lara Resende 
Esqueça a patriotada heroica. A estratégia do governo em relação à cultura é promover a censura, perseguir e expurgar servidores, atacar artistas (de esquerda ou não), aparelhar as instituições com militantes de extrema direita, liberar uma verbinha para os apaniguados. Nem reencarnando a Viúva Porcina Regina Duarte mudará esse quadro.

Para um pobre de espírito como Bolsonaro, cultura nunca fez o menor sentido, tampouco patrocinar uma "arte nacionalista", como propunha o —por ora suspenso— Prêmio Nacional das Artes. Exemplo do desprestígio, a literatura seria contemplada com "25 contos inéditos".


O Brasil sempre esteve na cabeça de nossos escritores. Até a atual presidente da Casa de Ruy Barbosa, Letícia Dornelles, conseguiria montar uma biblioteca nacional: de "Os Sermões", de António Vieira a "Os Sertões", de Euclides da Cunha", passando por "Casa-Grande & Senzala", de Gilberto Freyre, "Raízes do Brasil", de Sérgio Buarque de Holanda, "Um Estadista do Império", de Joaquim Nabuco, "Formação da Literatura Brasileira", de Antonio Candido.

Provavelmente dona Letícia não incluiria em seu cânone das obras de formação "O Negro no Futebol Brasileiro", de Mario Filho —então incluo eu. Na ficção, "Memórias de um Sargento de Milícias", de Manuel Antônio de Almeida, é o primeiro romance que se pode considerar brasileiro. Seguido de "Triste Fim de Policarpo Quaresma", de Lima Barreto, "Vidas Secas", de Graciliano Ramos, "O Tempo e o Vento", de Erico Verissimo, "Grande Sertão: Veredas", de Guimarães Rosa. Na poesia, Gregório de Matos, Castro Alves, João Cabral de Melo Neto.

Publicado em 1984 —com a ditadura militar ainda viva—, "Viva o Povo Brasileiro", de João Ubaldo Ribeiro, vale por 10 mil aulas de moral e cívica. E os romances "Marrom e Amarelo", de Paulo Scott, e "A Morte e o Meteoro", de Joca Reiners Terron, ambos de 2019, são a cara do que está se passando e se tornando o país.

Maior drama dos assalariados é que estão sempre perdendo a corrida com a inflação

Numa entrevista a Manoel Ventura, O Globo de sexta-feira, o secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues Júnior, anunciou que o governo Bolsonaro vai propor ao Congresso Nacional nova política para o reajuste do salário mínimo, não incorporando mais às reposições anuais o índice de crescimento do Produto Interno Bruto. O reajuste seria limitado com base apenas no índice inflacionário divulgado pelo IBGE.

Pela legislação atual o movimento do salário mínimo decorre da soma da inflação mais a taxa de crescimento do PIB. Assim se a inflação for 4 e o PIB 1 o reajuste seria de 5%. Sem considerar o PIB o reajuste será de apenas 4%.

O problema, entretanto, não se refere apenas aos 30% de trabalhadores e trabalhadoras que ganham apenas o primeiro degrau da escala de salários. Deve se considerar um outro aspecto, que diz respeito a todos os 100 milhões de trabalhadores e trabalhadoras do país.

Trata-se do fato de os reajustes salariais sucederem sempre ao índice inflacionário anual. Isso significa que ao fim de 12 meses a reposição pode levar a um empate na corrida. Porém, a partir do mês seguinte o custo de vida estará subindo e os salários estacionados.

Este problema não tem solução, mas significa que ao longo de 11 meses os assalariados estarão perdendo poder de consumo, o que agrava qualquer tentativa de redistribuição de renda. Waldenyr Rodrigues Júnior acredita que o projeto estará concluído até o mês de agosto.

O desafio de iniciar um processo efetivo de redistribuição de renda só pode ser viabilizado de alguma forma através da politica salarial. Não existe outro caminho efetivo e sólido, porque os programas de Bolsa Família e Seguro Desemprego não podem refletir uma intervenção, por menor que seja a redistribuição da renda.

O Seguro Desemprego por exemplo, é limitado a quatro meses e só ocorre quando houver desemprego, logo não pode influir em nenhum estágio voltado a equilibrar a questão de remuneração do capital e a remuneração da força de trabalho.

A questão da corrida entre os salários e a inflação possivelmente não tem solução, mas isso não quer dizer que o problema não resida nesse contexto e nesse confronto.

É muito baixa a renda do trabalho no Brasil e devemos considerar também que existem problemas sociais de extraordinária importância que não se encontram atacados como deveriam.

Um deles, por exemplo, é o fato de metade da população brasileira não ser atendida pelo sistema de saneamento básico. O salário médio brasileiro situa-se em torno de 2.000 reais. Metade da força de trabalho ganha de um a pouco menos de 3 salários mínimos.

Para realmente aumentar o consumo e a economia crescer sustentavelmente, é preciso elevar os salários. O resto é paisagem.