domingo, 23 de junho de 2019

As urnas acima de tudo

Nada há de novo na novidade da semana: o presidente Jair Bolsonaro é candidato à reeleição. E é meia-verdade dizer que isso contraria seu discurso de campanha, visto que já vinculava o fim da reeleição a uma reforma política com redução do número de congressistas. Discurso semelhante ao que sustenta agora, ainda que nem lá nem cá tenha conseguido mostrar qualquer relação de causa e efeito. Nada fez pela reforma. Por via das dúvidas, não desceu um só dia do palanque.

A extravagância da notícia é o contexto. Ela se dá diante de um governo em autocombustão, que começou e continua atrapalhado, que tem enorme dificuldade para se equilibrar nas cascas de banana por ele próprio lançadas. E de um presidente que, confessamente, diz “não ter nascido para o cargo” e que “não há dia feliz na Presidência”.

Feliz ou não, 20 dias depois de subir a rampa, o recém-empossado já replicava no Twitter a hashtag #Bolsonaro2022. Na época, para delírio do clã, seguidores chegaram a criar uma dinastia bolsonarista, com o capitão e os filhos eleitos e reeleitos até 2058. Brincadeiras, memes de redes sociais, mas que revelam o tamanho do apetite pelo poder.

Bolsonaro voltou ao tema em abril, quando disse que estaria sofrendo pressão para ser candidato. Sabe-se lá de quem ou de onde. Mas o frisson que o assunto reeleição provoca foi o suficiente para mexer com a direção dos holofotes, à época apontados para o filho Flávio e os rolos de Fabrício Queiroz, que até hoje continua fora do alcance da Polícia Federal.

Na quinta-feira, o presidente reincidiu, desta vez com ares messiânicos: “lá na frente todos votarão [em mim]”. Conseguiu com isso redirecionar as atenções, tirando o peso de sua última derrota no Senado, que, na prática, sustou seu decreto de flexibilização de posse e porte de armas de fogo. Uma pauta que lhe é caríssima. Mas pressa obsessiva em resolver com uma canetada o que só poderia ser feito por lei, acabou em tiros nos próprios pés.

Lançar uma “novidade” quando se quer mudar o vento tem sido um movimento repetitivo. Se a coisa aperta para o lado dele ou dos seus, Bolsonaro se lança em declarações polêmicas, faz pose com o seu estilo “sincerão”, inventa emergências. Não raro, conflitos.

Em todas as ocasiões que falou de reeleição, Bolsonaro associou o fim do instituto à reforma política. A diferença é que na campanha ele prometia ser o protagonista: “pretendo fazer uma excelente reforma política”, dizia.

Com experiência de quase três décadas de Câmara, sempre soube da inviabilidade de o Congresso votar contra si, quanto mais de reduzir o número de representantes, como o presidente diz defender. Ou seja, balela pura, lá atrás e agora.

Reeleição é bicho selvagem, indomável. Se por um lado lançar-se nela auxilia na ocupação de espaços, criando conteúdo (ainda que falso) para um governo que falha no ato principal que é o de governar, por outro deixa o presidente exposto.

Tudo, absolutamente tudo que fizer daqui para frente será eleitoral. Incontestavelmente eleitoral. São as urnas acima de tudo e todos.
Mary Zaidan

Pensamento do Dia


Xeque-mate

Em depoimento ao Congresso, Sergio Moro deu a volta por cima sobre os diálogos vazados com uma dúvida que percorre os meios jurídicos e políticos e aflige a sociedade: É para anular tudo? Soltar todos?

Ao responder ao senador Fabiano Contarato (Rede-ES) no depoimento ao Congresso, o ministro Sérgio Moro deu um xeque-mate não só na oposição e no Congresso, mas no Supremo, que julgará nesta terça-feira o pedido de suspeição de Moro e a consequente anulação de todo o processo que levou o ex-presidente Lula à prisão.

Delegado e professor de Direito, Contarato foi implacável ao citar a Constituição, o Código Penal e a Lei da Magistratura, enfatizou a imparcialidade de juízes como essência da democracia e condenou diálogos que Moro teria tido com procuradores: “Se eu, como delegado, fizesse contato com as partes de um inquérito, sairia preso da minha delegacia”.

Os questionamentos, pertinentes, geraram um momento de tensão, mas Moro deu a volta por cima com uma dúvida que percorre os meios jurídicos e políticos e aflige a sociedade: “O sr., então, quer que se anule tudo?”


O próprio Moro destrinchou o que seria esse “tudo”: anular todos os processos de governadores, parlamentares, empreiteiros, altos funcionários e doleiros condenados pela Lava Jato? Até dos pivôs Renato Duque e Paulo Roberto Costa? E devolver todo o dinheiro recuperado, algo próximo de R$ 3 bilhões, para esses condenados e para as empresas?

Xeque-mate, porque é disso que se trata nesse jogo de acusações entre os que condenam Moro pelos diálogos e os que podem até achar que não foram bonitos e corretos, mas nem por isso destroem as provas e o processo de julgamento por tribunais de segundo grau e, no caso do ex-presidente Lula, até pelo Superior Tribunal de Justiça, o STJ. O efeito, inclusive político, da anulação de “tudo” seria devastador.

O alerta de Moro vale para o Supremo, mais precisamente para a Segunda Turma, que se reúne na próxima terça-feira, pela primeira vez sob a presidência da ministra Cármen Lúcia, para tratar desse “tudo”. É nessas horas que eu não gostaria de estar na pele desses ministros, sofrendo enorme pressão de fora, de dentro e, em alguns casos, da própria alma, ou coração.

O pedido de suspeição de Moro, feito pela defesa de Lula em 2018, ganhou força e impacto com a revelação dos diálogos captados do celular do procurador Deltan Dallagnol. A PGR já se manifestou contra a suspeição de Moro e a anulação do processo, até porque há dúvidas sobre a veracidade integral e a abrangência dos diálogos. Mas a situação continua muito complexa.

Em votação anterior, Cármen Lúcia e Edson Fachin já se manifestaram contra a petição, mantendo as decisões de Moro e a condenação de Lula. Eles, entretanto, podem mudar o voto até a publicação do acórdão com a conclusão do julgamento e teriam, em tese, como alegar que surgiram “fatos novos”, ou seja, as revelações do site.

Logo, o julgamento recomeça, na prática, do zero a zero, sem comportar uma saída estratégica e um alívio para os cinco ministros: empurrar o abacaxi para o plenário. Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski já tentaram isso antes e perderam. Não há como retomar a discussão.

Como o decano Celso de Mello é um “garantista” empedernido, a aposta seria de três votos a favor da anulação e dois contra. Só que decisões do STF jamais são simples assim, como uma continha aritmética. Anular “tudo” seria o fim do mundo, uma convulsão. Qual a aposta? Ou uma alternativa de meio termo, menos dramática que esse “tudo”, ou empurrar com a barriga.

PS: Aliás, investigadores acham que Lula e o PT, os beneficiados mais diretos dos diálogos de Moro, não foram os responsáveis pela invasão das contas de autoridades, que é crime. As suspeitas recaem sobre os próximos da fila da Lava Jato. Têm muito dinheiro e poder e não são partidos nem políticos. A ver.

Ambição e poder

Examinemo-nos no momento em que a ambição nos trabalha, em que lhe sofremos a febre; dissequemos em seguida os nossos «acessos». Verificaremos que estes são precedidos de sintomas curiosos, de um calor especial, que não deixa nem de nos arrastar nem de nos alarmar. Intoxicados de porvir por abuso de esperança, sentimo-nos de súbito responsáveis pelo presente e pelo futuro, no núcleo da duração, carregada esta dos nossos frêmitos, com a qual, agentes de uma anarquia universal, sonhamos explodir. Atentos aos acontecimentos que se passam no nosso cérebro e às vicissitudes do nosso sangue, virados para o que nos altera, espiamos-lhe e acarinhamos-lhe os sinais. Fonte de perturbações, de transtornos ímpares, a loucura política, se afoga a inteligência, favorece em contrapartida os instintos e mergulha-os num caos salutar. A ideia do bem e sobretudo do mal que imaginamos ser capazes de cumprir regozijar-nos-á e exaltar-nos-á; e o feito das nossas enfermidades, o seu prodígio, será tal que elas nos instituirão senhores de todos e de tudo.

À nossa volta, observaremos uma alteração análoga naqueles que a mesma paixão corrói. Enquanto sofrerem o seu império, serão irreconhecíves, presas de uma embriaguez diferente de todas as outras. Tudo mudará neles, até o timbre da voz. A ambição é uma droga que faz um demente em potência daquele que se lhe entrega. Esses estigmas, esse ar de fera desvairada, essas linhas inquietas, e como que animadas por um êxtase sórdido, quem não os tiver observado nem em si próprio nem em outrem permanecerá estranho aos malefícios e aos benefícios do Poder, inferno tónico, síntese de veneno e de panaceia.
Emil Cioran, "História e Utopia"

Os donos de sebo que estão sendo processados por Edir Macedo

Donos de um sebo no interior do Rio de Janeiro há 12 anos, o casal Luciano Gonçalves e Mariângela Ribeiro descobriu neste ano que estava sendo processado pelo dono de um dos maiores grupos de comunicação e líder de uma das maiores igrejas evangélicas do Brasil.

Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, resolveu acionar a Justiça contra Mariângela por causa de uma placa que o casal colocou em frente à sua loja em 2017.

Na vitrine do pequeno sebo em uma rua discreta na cidade de Resende, o casal havia colocado um banner que convidava a entrar racistas, machistas e homofóbicos, dizendo que ali era uma casa de cultura e inteligência que poderia ajudá-los.

A placa também convidava a entrar pessoas que não consideram a obra de Jair Bolsonaro, Silas Malafaia e Edir Macedo uma vergonha para a humanidade.

"Sempre tivemos uma pegada mais de esquerda. A ideia era ser algo divertido", conta Luciano. "A gente acha que um sebo é diferente de uma farmácia ou outra loja que simplesmente vende produtos. Nós trabalhamos com ideias. E algumas a gente gostaria de ver multiplicadas mais do que outras."

O banner ficou um longo tempo na frente da loja, e uma foto dele começou a circular na internet. Até que, nas eleições de 2018, quando Bolsonaro venceu a corrida à Presidência, a foto viralizou e foi compartilhada milhares de vezes.

E acabou chegando até Edir Macedo – ou, pelo menos, a seus advogados, que mandaram uma notificação extrajudicial pedindo para que Mariângela retirasse o banner.

O casal resolveu acatar o pedido e retirou a faixa da frente da loja, mesmo acreditando que afixar aquele banner era algo que estava dentro do seu direito à liberdade de expressão.

"Nunca tinha tido nenhum tipo de conflito na Justiça. Então, eu fiquei bastante assustada com a notificação, mesmo sendo extrajudicial (ou seja, sendo apenas um 'pedido', sem envolvimento da Justiça)", conta Mariângela.

A retirada do banner, no entanto, não aplacou o incômodo do bispo, que mesmo assim entrou com uma ação de danos morais contra Mariângela - que, juridicamente, é a dona do espaço.

Na ação, o bispo pede que o sebo faça uma nota se retratando com a mesma visibilidade da placa original e pede indenização de R$ 25 mil. Na ação, Macedo acusa Mariângela de danos morais e de cometer discriminação religiosa.

Questionada sobre o caso, a assessoria de imprensa de Edir Macedo afirma que um estabelecimento que comercializa livros, "supõe-se que seja administrado por pessoas esclarecidas, que sabem que não há mais espaço no Brasil para o preconceito e o ódio religioso".

"Trata-se de algo que não pode ser tolerado pela sociedade, nem por parte de grandes redes de lojas, tampouco em comerciantes locais", afirma.

"Não estamos discriminando ninguém, muito pelo contrário, estamos convidando as pessoas a entrarem", diz Luciano. "E em nenhum momento citamos a religião no banner", diz ele, que oferece em seu sebo diversos livros religiosos, incluindo de líderes evangélicos.

"Minha crítica é à obra dele, uma opinião que eu tenho todo o direito de ter. Não estou xingando a pessoa dele nem falando mal da religião."

Para os advogados do casal, Apolo Luis Hager e Renata Gonçalves Santos, não houve nenhum tipo de dano moral causado a Macedo pela placa, que apenas continha uma "opinião dos proprietários sobre a obra de Edir Macedo".

"Eles estavam manifestando seu direito à liberdade de expressão. Temos confiança de que a Justiça nos dará ganho de causa", afirma Gonçalves.

Na terça, 18, os dois lados foram convocados para uma audiência de conciliação pelo juiz responsável pelo caso, mas não chegaram a um acordo.
'Resistência'

A placa não foi a primeira manifestação política feita pelo sebo. "Desde que a gente surgiu a gente faz esse tipo de coisa", conta Luciano.

A posição política dele e de Mariângela - que são declaradamente "de esquerda e feministas" - fica clara pela decoração da loja, que tem foto da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL), assassinada no ano passado, e uma seção sobre os "anos de resistência à covarde ditadura de 64".

Luciano diz que a loja já foi atacada anteriormente por causa da posição política do casal. "Um professor de artes marciais, discípulo do [presidente Jair] Bolsonaro, entrou aqui derrubando prateleira, me ameaçando", conta.

"O tamanho da ofensa não pode ser medido pela importância do ofendido", disse, em nota, a assessoria de imprensa de Edir Macedo, perguntada sobre o possível dano que uma placa em frente a um sebo no interior do Rio de Janeiro pode causar a um líder religioso tão conhecido.

"Um ator famoso que é vítima de preconceito racial em um restaurante não deveria reagir ou se sentir ofendido pelo crime praticado contra ele, enquanto um cliente anônimo pode?", pergunta a assessoria em nota assinada pela Unicom - Departamento de Comunicação Social e de Relações Institucionais da Universal.

O texto da Unicom também afirma que a eventual indenização por danos morais será doada a uma entidade filantrópica, "a Associação Brasileira de Assistência e Desenvolvimento Social (ABADS), que presta auxílio a pessoas com deficiência intelectual, desde 1952".

A entidade tem parcerias com o braço social da TV Record, que pertence a Edir Macedo.

E no Brasil de Rondon...


Bolsonaro coloca a reeleição à frente do trabalho

Jair Bolsonaro informou na campanha presidencial que, eleito, pegaria em lanças por uma reforma política que proibisse a reeleição. Acreditou quem quis. Na bica de completar seis meses de mandato, o capitão está de volta ao palanque. "Se tiver uma boa reforma política, eu posso até jogar fora a possibilidade de reeleição. Agora, se não tiver e se o povo quiser, estamos aí para continuar por mais quatro anos", ele declarou, cercado de eleitores evangélicos, no sacrossanto feriado de Corpus Christi.

Fernando Henrique Cardoso e Lula também diziam que não queriam a reeleição. Depois, desejaram-na ardentemente. Não se pode impedir que Bolsonaro cultive o mesmo desejo. A questão é saber se ele chegará a 2022 em condição de reivindicar a recondução ao trono. O "mito" foi eleito para fazer um serviço que durará quatro anos. Deveria entregar probidade e prosperidade. No momento, ninguém sabe onde está o Queiroz. E o PIB de 2019 ensaia um crescimento inferior a 1%.


Bolsonaro ainda dispõe de três anos, seis meses e uma semana para retirar a sua Presidência do caminho do brejo. Pode conseguir. Ou não. A única certeza disponível por ora é a seguinte: a revelação prematura de um projeto de poder solitário e longevo é o caminho mais curto entre a previsão de um fracasso e a sua realização. Para entregar a encomenda que recebeu de 57,8 milhões de eleitores, o capitão precisará de humildade e método. A ambição vem depois. Bem mais tarde.

Amigo e conselheiro de Bolsonaro, o general Augusto Heleno, ministro-chefe do GSI, costuma dizer que ninguém pode exigir que o novo governo resolva em meio ano os problemas que se acumularam ao longo de 20 anos. Verdade. Seria injusto culpar o presidente pelo passado. Mas já se pode atribuir à nova gestão o custo da perda de tempo que compromete o futuro com o "show de besteiras" de que falou o general Santos Cruz, recém-expurgado do palco. Adiantar o relógio da sucessão presidencial é mais uma bobagem do espetáculo precário que inquieta a plateia.

A experiência mostra que o sucesso de um presidente depende do bem-estar que ele é capaz de propiciar. A popularidade é uma consequência natural da prosperidade. Se conseguir unir as duas coisas, Bolsonaro chegará em 2022 ao Éden que todo presidente ambiciona. A reeleição lhe cairá no colo como um fruto maduro. Entretanto, se mantiver aberta a usina de crises do Planalto, o trono logo lhe parecerá tão confortável quanto uma cadeira elétrica.

Bolsonaro ainda não percebeu. Mas o único lugar onde a reeleição vem antes do trabalho é nas páginas do dicionário.

Aos pobres, o pão dos diabos

O presidente representa setores da sociedade com estabilidade no emprego, como as Forças Armadas e os policiais militares.
 
Bolsonaro nunca falou aos brasileiros mais simples. O ministro Paulo Guedes menos ainda. Acho que está faltando alguém que consiga elaborar uma política para a base da sociedade, para as famílias que ganham dois ou três salários mínimos. A situação social no Brasil é de tamanha calamidade, a ponto de eu chamá-la de colapso social, que não dá para ficar perdendo tempo com uma agenda transversal 
Rodrigo Maia, presidente da Câmara

Bolsonaro e os 25 milhões sem os pinos do emprego

Comunistas, bolivarianos, inocentes úteis, ateus, criptopetistas, inimigos da Lava Jato, partidários da velha política, fabricantes de fake news ou, mais prosaicamente, economistas de boa reputação, bem treinados e dotados de algum bom senso. O leitor pode escolher a qualificação, mas, em qualquer caso, será prudente levar a sério a sombria avaliação de oito diretores do Banco Central (BC), incluído seu presidente, Roberto Campos Neto. A recuperação econômica já era. Ou, em linguagem mais engravatada: os últimos dados “indicam interrupção do processo de recuperação da economia brasileira nos últimos trimestres”. Não há terrorismo nem oposição irresponsável nessa frase do comunicado oficial distribuído depois da última reunião do Copom, o Comitê de Política Monetária do BC. A mensagem sobre o quadro econômico, analisado em todas as discussões sobre a taxa básica de juros, tornou-se gradualmente mais dramática nos últimos meses, até surgir a palavra “interrupção”. Pergunta crucial: esse diagnóstico faz alguma diferença para o presidente Jair Bolsonaro e a maior parte de seus auxiliares? Não está claro. Ou parece pouco provável, em vista das prioridades presidenciais mais ostensivas nos últimos dias – a tomada para três pinos, por exemplo, e a defesa do decreto sobre as armas, derrubado, por enquanto, por 47 a 28 votos no Senado.

As más notícias sobre as condições do consumo e da produção têm-se acumulado quase sem pausa. Na terça-feira, quando o Copom iniciou sua reunião habitual, o Monitor do PIB, publicado mensalmente pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), havia indicado novo recuo do Produto Interno Bruto. O valor havia diminuído mais 0,1% de abril para março. Também havia caído 0,9% no trimestre móvel findo em abril em relação aos três meses terminados em janeiro.

A perda de 0,2% no primeiro trimestre, no confronto com os três meses finais de 2018, já havia sido informada oficialmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Se as contas da FGV estiverem certas, a tendência negativa estendeu-se por todo o quadrimestre. As estimativas do Monitor em geral antecipam com muita aproximação os dados do PIB divulgados trimestralmente pelo IBGE.


Não surgiram sinais muito animadores a partir de maio. As exportações de industrializados foram 25,5% maiores que as de um ano antes, pela média dos dias úteis, apesar da crise na Argentina, terceiro maior parceiro comercial do Brasil. O valor total das vendas, US$ 21,39 bilhões, superou por 5,6% o de maio de 2018. Mas a receita geral acumulada em cinco meses, US$ 93,54 bilhões, foi 1,1% menor que a de janeiro a maio do ano passado. No caso dos bens industrializados, a queda geral foi de 0,6%, com aumento de 1,9% na conta dos semimanufaturados e queda de 1,5% na dos manufaturados. Na frente externa, como na interna, a indústria enfrenta dificuldades. Mas poderá encontrar obstáculos bem maiores, se as tensões e a escalada protecionista no comércio global se prolongarem.

Por enquanto, o quadro externo é razoavelmente benigno, principalmente por causa da política monetária no mundo avançado, com provável corte de juros, nos próximos meses, nos Estados Unidos. Mas, se as condições piorarem sensivelmente no comércio, o câmbio poderá ser afetado. Se isso ocorrer, a política de juros no Brasil deverá ficar menos suave do que hoje se espera. Com isso, a retomada dos negócios ficará mais difícil.

Diretores e técnicos do BC normalmente seguem todas essas informações com muito cuidado. A maior parte da equipe de governo em geral se mostra menos atenta a esse conjunto de sinais. Cuida menos, portanto, de questões como a evolução do consumo, as condições imediatas de produção e a evolução do mercado de trabalho. Pelos últimos dados do IBGE, havia 13,4 milhões de desempregados no primeiro trimestre, número equivalente a 12,7% da população ativa. Somados os subempregados, o conjunto chegava a 20,2 milhões. Adicionados os 4,8 milhões de desalentados, o total batia em 25 milhões.

Esse número parece causar pouco ou nenhum incômodo ao ministro da Economia e a seus companheiros. Nenhuma medida de estímulo aos negócios e às contratações será tomada antes da aprovação da reforma da Previdência, segundo têm afirmado e reafirmado. Como sobreviverão aqueles 25 milhões e seus dependentes parece uma questão menor. De acordo com gente do governo, os negócios voltarão a crescer, juntamente com os investimentos privados, depois de alterada a Previdência. Mas por que os empresários investirão a curto prazo, se a indústria opera com cerca de 30% de ociosidade? Comprarão máquinas mesmo com o consumo emperrado?

Quanto ao presidente, continua longe de conversas desse tipo. Há poucos dias, demitiu um de seus ministros mais confiáveis, o da Secretaria de Governo, por haver reagido às ofensas do guru presidencial Olavo de Carvalho. Enquanto congressistas acompanhavam a leitura do relatório sobre o projeto da Previdência, negociado e redigido pelo deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), o presidente se empenhava em defender seu decreto das armas, em discussão no Senado. Ao mesmo tempo, surgia a notícia sobre a nova grande preocupação do Executivo, a mudança da tomada para três pinos. A Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) reagiu rapidamente, defendendo, em comunicado distribuído à imprensa, a manutenção do terceiro pino.

É difícil imaginar o presidente da República dando atenção ao comunicado do Copom, ao Monitor do PIB da FGV ou a relatórios igualmente importantes para as pessoas preocupadas com a estagnação econômica e o enorme desemprego. Se ele, no entanto, ler ou tiver lido algum desses informes, isso fará alguma diferença? Qual a importância de 25 milhões de desempregados, subempregados e desalentados?

Respeitem o povo, Senhores!

O Senado, nessa terça, vetou o Decreto das Armas. Vetar o porte?, maravilha. Sou a favor. Mas vetaram, também, a posse. Pergunto só se a voz do povo não conta. Houve Plebiscito, em 23.10.2005, para decidir se “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil”. A campanha eleitoral esclarecia que se tratava só de “Posse”. Em vez de “Porte”. Resultado, 63,94% responderam “Não”. A favor de se poder ter armas em casa. Mas os Senadores "esquecem" que decidimos. Não está certo. Plebiscito é coisa séria, senhores. Segundo Bobbio ("Dicionário de Política"), em reconstituição do passado, “na antiga Roma era uma deliberação da plebe convocada por Tribuno”. E, hoje, “um instrumento da democracia direta”. A ser valorizado. Não só esse. Também outros Plebiscitos ainda estão bem presentes em nossa memória.


Em 21.04.1993, o povo votou a favor da República. Foram 86,6%. Contra a volta da Monarquia. Sem movimentações congressuais, até agora, neste sentido. Ainda bem. P.S. Soubessem haver um tipo diferente de Monarquia, não por “sangue (estirpe)”, mas por “eleição vitalícia” (como a do Vaticano), e muitos iriam às ruas defender “Lula Rei”. Ou “Bolsonaro Rei”. Deus nos proteja.

Foram dois plebiscitos. Ambos decididos contra o Parlamentarismo. O primeiro, em 06.01.1963, com 82% dos votos. E o segundo, em 21.04.1993, com 69,2%. Nos dois casos indicando, claramente, que não queremos Deputados e Senadores escolhendo quem vai dirigir o país. Exigimos ter nós mesmos, povo, esse direito. Até para errar. Quatro anos atrás, houvesse Parlamentarismo, e Primeiro Ministro seria Eduardo Cunha. Ou Renan Calheiros. Queremos isso?

Ocorre que nosso Congresso anda indócil. No desejo voraz de voltar a ter Ministérios. Para nomear apadrinhados. Ou fazer, com as milionárias verbas disponíveis, o que quiserem. Até o que não devem. O Presidente da Câmara teve mesmo coragem para dizer que “É cedo para discutir o Parlamentarismo”. Cedo, como? Discutir, como? Será que o Congresso está mesmo admitindo implantar o Parlamentarismo? Contra o povo? Por duas vezes já foi dito que não o queremos. E vão decidir, agora, sem nos ouvir? Perdão, senhores. Mas iniciativas assim, de evidente desrespeito à voz do povo, são, no plano político, um erro indesculpável. E, no plano ético, uma enorme indecência.
José Paulo Cavalcanti Filho