sábado, 18 de fevereiro de 2017

Surpresa prevista

Nesta semana, quem perguntou aos policiais militares do Brasil o que eles pensavam sobre os eventos em Vitória, provavelmente ouviu como resposta a expressão: “É um aviso”; e a explicação: “O que acontece ali pode se espalhar por todo o país”; e ainda: “Não podemos aceitar o atraso de salários, nem a perda de direitos em nossas aposentadorias”.

Para eles, foi lembrado que, diante do esgotamento das finanças estatais, do aumento na esperança de vida e da queda na taxa de natalidade, não é mais possível manter antigos direitos que se transformam em privilégios dos adultos de hoje contra os brasileiros do futuro. Mas o parlamentar que lembrou isto aos PMs ouviu uma sugestão: “Cortem primeiro os privilégios dos parlamentares, juízes e altos funcionários, os altos salários, o valor das verbas indenizatórias, carro oficial, seguro de saúde ilimitado, ajudas de aluguel mesmo morando na cidade; cortem isto e depois conversamos sobre nossos privilégios”. Quando ouviu que essa medida economizaria muito pouco, ele retrucou: “É porque vocês não percebem o exemplo e o respeito que teriam se fizessem isso”.

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Foi isto que escutei e também: “Talvez sejam necessários ajustes para equilibrar as irresponsabilidades fiscais dos últimos anos e fazer reformas que equilibrem gastos e receitas. E por que não começar cobrando mais impostos dos mais ricos e menos dos mais pobres; taxando as grandes fortunas; suspendendo as mordomias no setor público e impedindo que no setor privado elas sejam pagas com recursos públicos; iniciando a austeridade por aqueles que provocam desperdícios; por que não diminuir o gasto de quase um bilhão de reais por ano com Fundo Partidário; querem nos obrigar a trabalhar 45 anos para ter aposentadoria integral, então acabem com a aposentadoria integral e pelo teto para os outros”.

Quando lembrado que trabalhador armado não deve fazer greve, os PMs disseram: “Então parem a fábrica de bandidos em que se transformou o Brasil e que armados estão nos assassinando”, “querem cumprir a Constituição sobre nós, mas por que o presidente do Senado não respeitou um mandado judicial do Supremo, ou por que a presidente da República foi cassada, mas não perdeu os direitos civis. Eu escutei: “Parem de driblar a Constituição para beneficiar a vocês e aceitaremos que ela seja aplicada contra nós”.

Todo encontro hoje nas ruas com o povo serve para sentir o humor da população. O brasileiro sente frustração com o clima de guerra civil, o excesso de privilégios e gastos, as obras inacabadas, o legado frustrado da Copa e das Olimpíadas, o roubo em forma de propinas e superfaturamentos. Mas ao mesmo tempo que se fazem os ajustes fiscais, a pergunta é: por que continuamos com a mesma maneira de fazer política, repetindo o que criticávamos no passado? Há anos estão avisando e esperando, descontentes e descrentes, indignados e dispostos a romper as regras. Faz anos que o povo avisa e sugere. Por não os ouvir, temos a estranha sensação de surpresa diante do fato anunciado e esperado: como na semana passada, em Vitória.

O perigo do hiperinstitucionalismo

A tragédia da era Dilma deixou-nos como herança instituições em frangalhos. Tendo optado por um governo centralizador e autoritário, a ex-presidente Dilma Rousseff concentrou poderes e esvaziou ministérios. “Desinstitucionalizou” quando mandava seu secretário do Tesouro tomar medidas sobre aviação civil e defesa, por exemplo.

Dilma tomou a si as mais importantes decisões, que deveriam ser compartilhadas com os aliados. Abusou dos erros e terminou sozinha. Navegou contra a institucionalidade em favor de um personalismo voluntarioso que não cabe mais. Abandonou o software do presidencialismo de coalizão sem nada pôr no lugar.

Mas as sequelas da era Dilma são ainda piores, já que nenhum dos Poderes escapou de seus efeitos. O Judiciário foi afetado por escolhas de cunho político que poderiam ter enfraquecido sua independência. Conta-se que algumas escolhas teriam sido justificadas com o argumento de que era preciso “salvar nossos rapazes”.

Pressionada politicamente, a Suprema Corte encontrou apoio na mídia para avançar no rumoroso processo do mensalão e dar curso a decisões cujo alcance é tão louvável quanto questionável. Louvável porque se desmantelou um esquema gravíssimo de corrupção. Questionável porque houve exagero nas punições dos não políticos.

Outra reação se reflete no crescimento do ativismo judicial e na influência danosa da mídia nos processos judiciais. É preciso destacar que a fragilidade do sistema político favorece o surto de judicialização da política que estamos vivemos.


O Legislativo viveu um frenesi de fragmentação em microlegendas por causa da omissão do governo, da Justiça e, sobretudo, dos políticos. Emparedado pelo escândalo da Operação Lava Jato e deixado à míngua em matéria de poder, feneceu. Vingou-se por meio do impeachment e ameaça um período de ativismo. Que será positivo se focado em suas competências e questionável se invadir áreas meramente regulatórias.

Recentemente o Senado anulou resolução da Agência Nacional de Aviação Civil que disciplinava o pagamento de bagagens! Não é papel do Legislativo decidir sobre resoluções de agências regulatórias. Atitudes como essas estimulam a judicialização da política, via provocação do Judiciário para dirimir conflitos.

O Executivo nas mãos de Michel Temer recompõe a sobriedade do cargo. Temer concentra seus esforços numa agenda reformista que, ainda bem, tem apoio no Congresso, mesmo lançando mão em excesso de medidas provisórias. Curiosamente, o mais poderoso dos Poderes se comporta como algodão entre cristais, emulando o caráter ameno e sagaz do presidente.

O comportamento dos Poderes pós-impeachment experimenta um período de recomposição, de busca de maior protagonismo. O que já era desequilibrado tende a continuar como tal. A configuração, contudo, apresenta mudanças. O Legislativo pós-Dilma aprovou mais projetos de lei de autoria dos parlamentares que do governo.

O Judiciário, já nos estertores do mandato anterior, mandou prender senador, impediu a posse do ex-presidente Lula no Ministério e afastou o presidente da Câmara, entre outras decisões de impacto. Abusou também de decisões monocráticas – algumas até absurdas, como a ordem para a Câmara devolver projeto de lei aprovado em plenário que já fora remetido ao Senado! Em 2010 o STF tomou 164 decisões monocráticas em ações declaratórias de inconstitucionalidade, no ano passado foram 241. E vêm mais por aí.

O momento é de hiperinstitucionalismo, fruto das crises política e policial herdadas da era Dilma. Demorará algum tempo para que as coisas voltem a seus devidos lugares, uma vez que tanto a agenda de reformas em debate no Congresso como a chegada, com maior intensidade, da Lava Jato pressionarão o ambiente, excitando a mídia e inflamando os ânimos. A interação das redes sociais com o noticiário contribuirá para esse aquecimento.

Dois aperitivos da situação hiperinstitucional foram servidos no início do ano: a decisão monocrática que suspendeu a sanção do projeto de Lei das Telecomunicações e o pedido de abertura de investigações contra os senadores Renan Calheiros e Romero Jucá, o ex-presidente José Sarney e o ex-diretor da Transpetro Sérgio Machado, por suposta tentativa de criação de embaraços à Justiça a partir da cogitação de uma hipótese de se mudar uma lei que, potencialmente, poderia favorecê-los.

Será que estamos vivendo uma época em que cogitar é crime? Cogito ergo sum. Será que estamos chegando à época imaginada no filme Minority Report, em que os crimes são previstos com tanta antecedência que a punição chega antes de serem cometidos? Precogs vão prevendo o que vai acontecer.

Em tempos de midiatização excessiva da política e da Justiça, o risco é que as instituições abandonem a prudência em favor de um ativismo impreciso e militante. Até mesmo a depuração da política, mais do que necessária e bem-vinda, deve ser feita com racionalidade e respeito à institucionalidade. Não devemos cair na velha máxima de que os fins justificam os meios. Seria a negação dos avanços democráticos conquistados.

A Lava Jato, ao contrário da Campanha dos Dardanelos, não se pode transformar em fracasso por excesso. Tampouco por omissão. Caberá ao STF zelar por seu sucesso; ao Executivo, manter-se no curso de recuperação da economia para entregar ao povo um País melhor até 2018; e ao Legislativo, sustentar o ritmo de aprovação da agenda de reformas de que tanto necessitamos.

Cada um no seu quadrado e nos limites da institucionalidade. Tudo no melhor interesse do País. O comando dos três Poderes deve buscar um pacto republicano de respeito à institucionalidade e à independência dos Poderes para que o Brasil não caia da pinguela que neste momento atravessa para chegar a 2018. É hora de combater os excessos e a tendência, muitas vezes irresistível, ao hiperinstitucionalismo.

Paisagem brasieira

Cachoeiras do Canyon – Furnas – Capitólio - Minas Gerais - Brasil:
Cachoeiras de Furnas, em Capitólio (MG)

Governança pedestre

A convulsão social já está instalada no país. Seja pela insolvência ou pela austeridade fiscal dos governos estaduais, o que de fato ocorre hoje é politicagem pútrida no zelo pela vida.

Para além da pós-verdade, vivemos agora o pós-abandono.

O problema tem, entretanto, endereço claro: é no chão das cidades que se estraçalha o corpo do brasileiro. Prefeitos não podem se omitir ou chantagear os governos estaduais.

A pior chaga do ocaso das UPPs é a morte da esperança de um Rio mais seguro e unido. E fica parecendo que para resolver precisa-se de mais dinheiro. Não caia nessa ladainha.

As prefeituras precisam agir. E também não necessitam de somas vultosas, nem de obra. Talvez por isso nem tentem. Precisam agenciar a cidade. Cuidar. Precisam que os doutores saiam do ar-condicionado de seus gabinetes e ocupem a rua, com a população, implementando governança pedestre.

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Paris, Nova York, Cidade do México, Lima, Medellín, cidades tão díspares mas que se dedicam com afinco ao ordenamento urbano. Isso tanto quer dizer zonear usos e regular construções no espaço privado, como também qualificar a experiência das pessoas no espaço público. É da sinergia entre espaço privado e público que surge o bom desenvolvimento e cria riqueza compartilhada.

O problema da insegurança também não será resolvido com uma nova cidade planejada, concebida pelo socialismo utópico. A cidade que temos é a que temos. É uma realidade vital e potente. Os urbanistas têm papel decisivo em equacionar problemas do aqui e agora. Menos Le Corbusier e muito mais Jane Jacobs.

As prefeituras têm dever constitucional de governar o chão, o espaço público. O Poder Judiciário poderia cobrar isso mais do que se meter somente em arrestos financeiros.

Precisamos de tolerância zero com a desordem e a libertinagem das posturas públicas. Não se trata de proposta conservadora. Trata-se de urbanidade. O fascismo alimentado pela insegurança é o que deveríamos temer.

Necessitamos de lei urbanística para todos. Eis o cerne do problema: governar o espaço público escancara as nossas hipocrisias. Mostra como toleramos a bagunça como medida compensatória pelas injustiças sociais. Exibe o beneplácito para os amigos do rei. Expõe nossa submissão e medo para com a autoridade por causa do trauma da ditadura.

Mas observe-se os resultados do programa Segurança Presente, financiado pela Fecomércio: em seis meses, 200 mandados de prisão cumpridos, conforme publicado no GLOBO. Reduções impressionantes no número de furtos no Centro. A proximidade entre cidadão e autoridade é profícua.

A governança do espaço público é uma agenda revolucionária. Pois cria confiança no espaço público, entre pessoas desconhecidas, e isso estimula a liberdade da fruição da cidade. Para todos e por todos. Pacifica estranhos.

Jacobs defendia que o espaço público para ser seguro deveria ser legível, limitado pelos edifícios (não grades), com “olhos da rua”, isto é, com os desconhecidos se vendo, circulando, e sendo vistos por quem está nas janelas dos prédios, ou sentados nos bares, cafés, nas praças. Para tanto, é necessário haver ordem física, não rigidez, mas clareza, para se poder compreender o ambiente urbano.

Como fazê-lo entre bancas de jornal gigantes, cidadelas de ambulantes, carros predadores de pedestres, grades inúteis e estacionamentos exclusivos de autoridades? Construções de todos os tipos ocupam os espaços livres. Cabines da PM, castração de animais, venda de tíquetes para o Cristo… Como ler uma cidade com tantos postes inúteis, tanta fiação aérea?

Antanas Mockus reinventou Bogotá fazendo criativas campanhas sobre o convívio social respeitoso, ou seja, sobre urbanidade.

Boas calçadas são tão efetivas para criar segurança como o policiamento. Cuidar, conservar e embelezar o espaço púbico é a fundação para cidades mais seguras, e as subprefeituras têm papel decisivo, pois deveriam ser o núcleo indivisível de uma boa cidade.

Para tanto, tais equipes precisam ser técnicas, com capacidade de monitorar o território, para serem a liderança local, oferecendo canais de diálogo com a população e fornecendo dados para o planejamento. Enquanto forem apenas bases de tentativa e erro de lançamento de candidaturas eleitorais, os resultados serão funestos: subprefeitos aliam-se ao ilegal, como milicianos oficiais, num eterno morde e assopra.

Governar o espaço público cria urbanidade, confiança e liberdade. Princípios que poderemos perder brevemente se a insegurança reinar, pressionando a sociedade contra suas próprias convicções democráticas. Será mais brutal do que ordenar o espaço público imediatamente.

Washington Fajardo

Vai de múltipla escolha?

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Somos um país que está à deriva, que não sabe o que pretende ser, o que quer ser e o que deve ser
General Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, comandante do Exército

Preservar o futuro ou reparar o passado?

Para corrigir o horror que tem sido o sistema prisional brasileiro, com as penitenciárias abrigando milhares de presos mil vezes mais do que sua capacidade, saiu-se o Supremo Tribunal Federal com proposta inusitada: dar aos infelizes detidos uma indenização proporcional às agruras que vem enfrentando.

A superpopulação carcerária seria compensada por depósitos em dinheiro, proporcionais aos maus tratos sofridos, de acordo com a extensão das penas. Não foram calculadas as despesas para o Tesouro Nacional, mas apenas cotejados os números: em 2014 existiam 371 mil vagas nos estabelecimentos penais de todo o país, mas 622 mil presos.

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Com todo o respeito, os egrégios ministros cavam um buraco na praia para transferir o mar para ele. Duas inviáveis soluções existiriam para sanar a distorção: construir novos presídios ou soltar os excedentes aprisionados, de acordo com o tamanho e o grau de seus crimes. Esconder ou calar os protestos com dinheiro, como forma de corrigir situações medievais, será perda de tempo. Vão depositar todos os meses determinadas quantias para os presos ficarem felizes e até arriscarem a sorte na loteria esportiva? Ou na aquisição de drogas?

Parte da população carcerária vive atrás das grades por conta da arcaica legislação vigente. Prender traficantes, por exemplo, em nada resulta em termos de recuperação. Crimes hediondos e violentos merecem o encarceramento, mas golpes contra a economia popular exigem outro tipo de penas, como multas ou trabalho comunitário.

Discute-se há séculos a finalidade da pena: preservar o futuro ou reparar o passado? Seria essa a discussão fundamental para nossos tribunais.

Imagem do Dia

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Vila de Pennan (Escócia)

Lula, o favorito

Há um intrigante paradoxo em torno da figura de Lula: não viaja em avião de carreira, evita locais públicos e só fala em ambientes restritos à sua militância para evitar a hostilidade pública, de que tem sido alvo desde que exposto pela Lava Jato.

Não obstante, pesquisas eleitorais, como a mais recente, da CNT, o apontam como favorito à presidência da República. Venceria todos os presidenciáveis até aqui conhecidos, de Aécio Neves a Bolsonaro, passando por Marina Silva, Serra, Ciro Gomes e Alckmin.

Ora, alguém que ostenta tal favoritismo deveria, bem ao contrário, enfrentar de peito aberto ruas, aeroportos, restaurantes, estádios de futebol (aos quais Lula, ardoroso torcedor, não comparece desde antes da Copa do Mundo), pois, no mínimo, teria a seu favor a maioria dos circunstantes.

O que se depreende disso? Ou essa maioria mora em outro país (ou planeta) ou simplesmente é fictícia. Mesmo no Nordeste, onde se concentrou, nos idos tempos, o grosso do seu eleitorado, o quadro mudou. Há um vídeo no Youtube que registra uma chegada de Lula ao aeroporto de Fortaleza, pontuada por vaias e palavrões.

Ele próprio havia prometido viajar por todo o país denunciando o “golpe” do impeachment e, ao que parece, mudou de ideia. As poucas viagens que fez foram nos termos acima mencionados: em jatinho particular, com aparições restritas a uma plateia amestrada.

Estranho favoritismo. Há quatro meses, seu partido foi fragorosamente derrotado nas eleições municipais em todo o país. Venceu apenas numa capital, Rio Branco, cujo estado é governado há duas décadas por uma mesma dinastia, a dos irmãos Viana.

Perdeu em toda parte, inclusive no berço petista do ABC paulista. Em São Bernardo, cidade onde mora há décadas - e onde iniciou sua carreira de líder sindical -, não conseguiu emplacar nem sequer um enteado para o modesto cargo de vereador.

O PT definha e vê na ressurreição do mito Lula sua última cartada. Perdido por um, perdido por mil. Prestes a prestar contas à Justiça, réu em cinco processos e sem o guarda-chuva do foro privilegiado, Lula pôs em cena a figura do perseguido político.

Prepara emocionalmente a militância – reduzida, mas ruidosa e violenta – para tornar sua iminente prisão um fator de turbulência pública. Tem a seu favor a simpatia (ou o receio) do próprio presidente Temer, a quem chama de golpista, mas não hesita em estender a mão e a apoiar nos embates dentro do Parlamento.

Em todos os seus pronunciamentos, faz-se de vítima, papel que não dispensava mesmo quando dava as cartas. Nenhuma chance é desperdiçada, nem mesmo, como se viu, o velório de sua esposa, transformado em palanque político. Para contrabalançar essa imagem de fragilidade, cuidadosamente construída, nada como ostentar pesquisas que o mostrem como amado pela população e perseguido pelas elites de sempre. A melhor defesa é o ataque.

A recente pesquisa da CNT – cujo presidente, Clésio Andrade, seu amigo, é investigado também pela Lava Jato - tem a vantagem, como as anteriores, de não precisar comprovar nada.

Não há eleições à vista, nem candidatos lançados, nem o tema está na pauta. O indicador mais recente são as eleições municipais de quatro meses atrás, cujo resultado não chancela o das pesquisas.

Mesmo assim, obtém repercussão na mídia, que a militância reverbera, nas redes sociais, na tentativa de mostrar que as denúncias – e a condição de réu em cinco processos – são inconsistentes, parte de um complô obscurantista para tirar de cena “o melhor presidente que o Brasil já teve”, nas modestas palavras do próprio Lula.

Enquanto isso, o escândalo Odebrecht, que tem o ex-presidente no centro da trama, começa a pipocar em diversos outros países da América Latina. Inclusive na sua Venezuela.

Desculpe-me por me matar

Mais uma vez, o Estado brasileiro, por intermédio do Supremo Tribunal Federal, encontrou formas de empobrecer a sociedade, subtraindo-lhe recursos para indenização a presidiários. A indenização definida pelo STF deve ser paga com recursos públicos – dinheiro proveniente dos tributos pagos por todos, seja na fonte ou indiretamente, embutidos nos produtos que são consumidos diariamente.

O cidadão já é ludibriado ao pagar tributos – impostos, taxas e contribuições – sem a justa contrapartida, já que não conta com serviços públicos de qualidade. O serviço público brasileiro está apostemado, quase nada funciona direito: ensino ruim, escolas caindo aos pedaços, caos na saúde, gente morrendo e doentes espalhados pelos corredores dos hospitais. No entanto, não faltam defensores do sistema, gente que se alimenta da pereba alheia.


Quanto mais se destinam recursos para saúde e educação, os índices de atendimento e qualidade pioram: crianças e jovens terminam o ensino fundamental sem saber ler, escrever e contar corretamente; doenças que já haviam sido erradicadas voltam a acometer a população, como se estivéssemos no Rio de Janeiro de Oswaldo Cruz.

Entretanto, as traças da burocracia estatal não sossegam, têm de raspar o fundo do tacho e deixar o cidadão sem o fundo das calças. Agora, o Supremo achou por bem livrar o Estado de ampliar as vagas em presídios ou construir novos estabelecimentos prisionais e punir a sociedade com a obrigação de indenizar criminosos que estejam em unidades superlotadas. É como se exigisse de nós um pedido de desculpas pelo fato de o criminoso ter sido preso. A vítima dirá, do além: - Desculpe-me por me matar.

Eu, o coronel em mim

Está cada vez mais difícil manter uma aparência de que sou um homem democrático. Não sou assim, e, no fundo, todos vocês sabem disso. Eu mando e desmando. Faço e desfaço. Tudo de acordo com minha vontade. Não admito ser contrariado no meu querer. Sou inteligente, autoritário e vingativo. E daí?

No entanto, por conta de uma democracia de fachada, sou obrigado a manter também uma fachada do que não sou. Não suporto cheiro de povo, reivindicações e nem com versa de direitos. Por isso, agora, vocês estão sabendo o porquê apareço na mídia, às vezes, com cara meio enfezada: é essa tal obrigação de parecer democrático.

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Minha fazenda cresceu demais. Deixou os limites da capital e ganhou o estado. Chegou muita gente e o controle fica mais difícil. Por isso, preciso manter minha autoridade. Sou eu quem tem o dinheiro, apesar de alguns pensarem que o dinheiro é público. Sou eu o patrão maior. Sou eu quem nomeia, quem demite. Sou eu quem contrata bajuladores, capangas, serviçais de todos os níveis e bobos da corte para todos os gostos.

Apesar desse poder divino sou obrigado a me submeter à eleições, um absurdo. Mas é outra fachada. Com tanto poder, com tanto dinheiro, com a mídia em minhas mãos e com meia dúzia de palavras modernas e bem arranjadas sobre democracia, não tem para ninguém. É só esperar o dia e esse povo todo contente e feliz vota em mim. Vota em que eu mando.

Ô povo ignorante! Dia desses fui contrariado porque alguns fizeram greve e invadiram uma parte da cozinha de uma das Casas Grande. Dizem que greve faz parte da democracia e eu teria que aceitar. Aceitar coisa nenhuma. Chamei um jagunço das leis, não por coincidência marido de minha irmã, e dei um pé na bunda desse povo.

Na polícia, mandei os cabras tirar de circulação pobres, pretos e gente que fala demais em direitos. Só quem tem direito sou eu. Então, é para apertar mais. É na chibata. Pode matar que eu garanto. O povo gosta. Na educação, quanto pior melhor. Para quê povo sabido? Na saúde…se morrer “é porque Deus quis”.

Às vezes sinto que alguns poucos escravos livres até pensam em me contrariar. Uma afronta. Ameaçam, fazem meninice, mas o medo é maior. Logo esquecem a raiva e as chibatadas. No fundo, eles sabem que eu tenho o poder e que faço o quero. Tenho nas mãos a lei, a justiça, a polícia e um bando cada vez maior de puxa-sacos.

O coronel de outros tempos ainda mora em mim e está mais vivo que nunca. Esse ser coronel que sou e que sempre fui é alimentado por esse povo contente e feliz que festeja na senzala a minha necessária existência .

O texto resultou em uma ação judicial contra o jornalista José Cristian Góes, sentenciado, em 2013, a sete meses e 16 dias de prisão em um processo movido pelo vice-presidente do Tribunal de Justiça de Sergipe, desembargador Édson Ulisses Melo,