sexta-feira, 3 de janeiro de 2025
A saga do Papai Noel de Brasília
Todos os setores, governo, STF e Parlamento, têm dificuldade para chegar ao nível de austeridade de que o País precisa.
Um pouco ofuscado pelas festas de fim de ano, Brasília viveu mais um drama em torno das emendas parlamentares. O ministro Flávio Dino bloqueou um lote de R$ 4,2 bilhões em emendas por não cumprirem os requisitos básicos de transparência e rastreabilidade. Para finalizar, Dino pediu à Polícia Federal (PF) que abrisse um inquérito sobre o tema. O maior suspeito é Arthur Lira, que articulou a aprovação das emendas e destinou grande parte do dinheiro para Alagoas.
O que se sucedeu foi um vaivém de notas e reuniões entre os Poderes, encerrando o ano com uma autêntica reprise do que vivemos ao longo desses últimos meses. O Parlamento se apossou de uma parte substancial do Orçamento e a utiliza de forma que nem as instituições nem a sociedade possa controlá-la.
Na verdade, os eleitores acompanham tudo isso por alguns pequenos escândalos na imprensa, mas parecem cansados e desiludidos a ponto de não mais reagirem. Avião cheio de dinheiro, notas de reais jogadas pela janela, cidades onde todo mundo fez radiografia da mão, enfim, uma série de irregularidades, algumas vezes descobertas pela PF. Mas apenas algumas vezes para nos dar a falsa impressão de que tudo está sob controle.
E não está. Desde o chamado orçamento secreto a roubalheira parece estar sendo combatida. Mas, desde aquela época, é visível como o triângulo Supremo Tribunal Federal (STF), governo e Parlamento se move de forma a nos dar a entender que afinal isto é um país sério e a Constituição será respeitada.
A ministra Rosa Weber proibiu o orçamento secreto. A tese essencial é a de que o dinheiro público tem de ser gasto com transparência. A proibição foi driblada de várias maneiras, inclusive com a criação de novas modalidades como as chamadas emendas Pix.
O próprio ministro Flávio Dino, quando retoma a tarefa de fazer cumprir o texto da lei, reconhece que existem inúmeras tentativas de driblar o STF.
Nessa história toda, a ponta do triângulo, o Executivo, tem uma posição ambígua. A ele interessa disciplinar as emendas porque sobra mais dinheiro para executar seus projetos, de certa forma, prometidos durante o período eleitoral.
No entanto, o governo não pode bater de frente com o Parlamento. Sua tática é de demonstrar interesse para que as emendas sejam pagas, ora questionando o STF ora encontrando um caminho para driblar a proibição.
Foi o que fez agora no apagar das luzes, tentando liberar, excepcionalmente, R$ 2,5 bilhões, movimento que acabou sendo vazado para a imprensa.
Minha hipótese é a de que o Supremo sozinho não consegue segurar essa onda. Por debaixo do pano, o governo tem de ceder para conseguir aprovar seus projetos no Parlamento. E a sociedade, que poderia dar o apoio a essa óbvia defesa da Constituição, parece viver um momento de cansaço, esses muitos momentos em que se diz: o Brasil é isto mesmo, não vale a pena protestar.
Na verdade, a Justiça também tem uma retaguarda vulnerável quando se trata de garantir o mínimo de austeridade. São muitos os supersalários nos seus quadros, além de pequenos escândalos do tipo que aconteceu no Mato Grosso, onde uma desembargadora que ganha R$ 130 mil mensais determinou uma ajuda natalina de R$ 10 mil para os funcionários do tribunal. Um auxílio-peru que poderia não ter tanta repercussão se fosse mesmo um caso isolado.
Mas a verdade é que todos os setores, governo, STF e Parlamento, têm dificuldades de cortar gastos e chegar a um nível de austeridade compatível com as necessidades do País.
É algo muito forte e talvez culturalmente enraizado. Pode ser que se explique por nossas origens católicas. A cisão que deu origem ao protestantismo criticava prédios suntuosos e a vida luxuosa de parte do clero. Combatia a venda de indulgências, pois o perdão não se compra. Martinho Lutero defendia uma vida religiosa mais próxima das pessoas, marcada pela simplicidade e foco nas escrituras.
É possível até tentar explicações histórico-culturais, mas isso não impede de julgar o que se passa nas esferas do poder: é injusto com um país tão necessitado gastar dinheiro sem controle e eficácia, como fazem com as emendas parlamentares, assim como é constrangedor ver a ostentação na alta burocracia estatal.
Ultimamente, o chamado mercado faz uma pressão por economia. Mas ele se interessa em preservar as aplicações financeiras que administra. Não tem critério de valor sobre os cortes, que acabam sendo eficazes apenas quando atingem os mais pobres. Temas como supersalários, subsídios – tudo isso fica para as calendas.
Na verdade, assistimos à farsa em que se repetem os gestos, a movimentos de correção que apenas ajustam a engrenagem que esmaga não só a esperança dos mais pobres, como também a aspiração de todos por um país mais solidário e justo.
É um enredo tão pouco inspirado e monótono que acabará sendo tocado por ventos de renovação. Os eleitores precisam se convencer de que é possível algo melhor e, o que é mais importante, precisam acertar quando acharem que estão escolhendo algo melhor. O caminho continua aberto para aventureiros.
Um pouco ofuscado pelas festas de fim de ano, Brasília viveu mais um drama em torno das emendas parlamentares. O ministro Flávio Dino bloqueou um lote de R$ 4,2 bilhões em emendas por não cumprirem os requisitos básicos de transparência e rastreabilidade. Para finalizar, Dino pediu à Polícia Federal (PF) que abrisse um inquérito sobre o tema. O maior suspeito é Arthur Lira, que articulou a aprovação das emendas e destinou grande parte do dinheiro para Alagoas.
O que se sucedeu foi um vaivém de notas e reuniões entre os Poderes, encerrando o ano com uma autêntica reprise do que vivemos ao longo desses últimos meses. O Parlamento se apossou de uma parte substancial do Orçamento e a utiliza de forma que nem as instituições nem a sociedade possa controlá-la.
Na verdade, os eleitores acompanham tudo isso por alguns pequenos escândalos na imprensa, mas parecem cansados e desiludidos a ponto de não mais reagirem. Avião cheio de dinheiro, notas de reais jogadas pela janela, cidades onde todo mundo fez radiografia da mão, enfim, uma série de irregularidades, algumas vezes descobertas pela PF. Mas apenas algumas vezes para nos dar a falsa impressão de que tudo está sob controle.
E não está. Desde o chamado orçamento secreto a roubalheira parece estar sendo combatida. Mas, desde aquela época, é visível como o triângulo Supremo Tribunal Federal (STF), governo e Parlamento se move de forma a nos dar a entender que afinal isto é um país sério e a Constituição será respeitada.
A ministra Rosa Weber proibiu o orçamento secreto. A tese essencial é a de que o dinheiro público tem de ser gasto com transparência. A proibição foi driblada de várias maneiras, inclusive com a criação de novas modalidades como as chamadas emendas Pix.
O próprio ministro Flávio Dino, quando retoma a tarefa de fazer cumprir o texto da lei, reconhece que existem inúmeras tentativas de driblar o STF.
Nessa história toda, a ponta do triângulo, o Executivo, tem uma posição ambígua. A ele interessa disciplinar as emendas porque sobra mais dinheiro para executar seus projetos, de certa forma, prometidos durante o período eleitoral.
No entanto, o governo não pode bater de frente com o Parlamento. Sua tática é de demonstrar interesse para que as emendas sejam pagas, ora questionando o STF ora encontrando um caminho para driblar a proibição.
Foi o que fez agora no apagar das luzes, tentando liberar, excepcionalmente, R$ 2,5 bilhões, movimento que acabou sendo vazado para a imprensa.
Minha hipótese é a de que o Supremo sozinho não consegue segurar essa onda. Por debaixo do pano, o governo tem de ceder para conseguir aprovar seus projetos no Parlamento. E a sociedade, que poderia dar o apoio a essa óbvia defesa da Constituição, parece viver um momento de cansaço, esses muitos momentos em que se diz: o Brasil é isto mesmo, não vale a pena protestar.
Na verdade, a Justiça também tem uma retaguarda vulnerável quando se trata de garantir o mínimo de austeridade. São muitos os supersalários nos seus quadros, além de pequenos escândalos do tipo que aconteceu no Mato Grosso, onde uma desembargadora que ganha R$ 130 mil mensais determinou uma ajuda natalina de R$ 10 mil para os funcionários do tribunal. Um auxílio-peru que poderia não ter tanta repercussão se fosse mesmo um caso isolado.
Mas a verdade é que todos os setores, governo, STF e Parlamento, têm dificuldades de cortar gastos e chegar a um nível de austeridade compatível com as necessidades do País.
É algo muito forte e talvez culturalmente enraizado. Pode ser que se explique por nossas origens católicas. A cisão que deu origem ao protestantismo criticava prédios suntuosos e a vida luxuosa de parte do clero. Combatia a venda de indulgências, pois o perdão não se compra. Martinho Lutero defendia uma vida religiosa mais próxima das pessoas, marcada pela simplicidade e foco nas escrituras.
É possível até tentar explicações histórico-culturais, mas isso não impede de julgar o que se passa nas esferas do poder: é injusto com um país tão necessitado gastar dinheiro sem controle e eficácia, como fazem com as emendas parlamentares, assim como é constrangedor ver a ostentação na alta burocracia estatal.
Ultimamente, o chamado mercado faz uma pressão por economia. Mas ele se interessa em preservar as aplicações financeiras que administra. Não tem critério de valor sobre os cortes, que acabam sendo eficazes apenas quando atingem os mais pobres. Temas como supersalários, subsídios – tudo isso fica para as calendas.
Na verdade, assistimos à farsa em que se repetem os gestos, a movimentos de correção que apenas ajustam a engrenagem que esmaga não só a esperança dos mais pobres, como também a aspiração de todos por um país mais solidário e justo.
É um enredo tão pouco inspirado e monótono que acabará sendo tocado por ventos de renovação. Os eleitores precisam se convencer de que é possível algo melhor e, o que é mais importante, precisam acertar quando acharem que estão escolhendo algo melhor. O caminho continua aberto para aventureiros.
Tranquilidade da Alma
1. Passemos agora à consideração do patrimônio, essa fonte mais fértil das dores humanas: se compararmos todos os outros males de que sofremos – mortes, enfermidades, medos, arrependimentos, dores e fadigas – com as misérias que o nosso dinheiro nos inflige, este último pesará muito mais do que todos os outros.
2. Reflita, pois, quanto menos dor é nunca ter tido dinheiro do que tê-lo perdido: assim entenderemos que quanto menos a pobreza tem a perder, menos tormento tem com que nos afligir: pois você está enganado se supõe que os ricos suportam suas perdas com maior espírito do que os pobres: uma ferida causa a mesma quantidade de dor ao maior e ao menor corpo.
3. Foi um belo ditado de Bion, “que dói aos carecas tanto quanto aos cabeludos terem seus cabelos arrancados”: você pode estar certo de que o mesmo se aplica aos ricos e aos pobres, de que seu sofrimento é igual: pois seu dinheiro se agarra a ambas as classes e não pode ser arrancado sem que eles o sintam: no entanto, é mais suportável, como já disse, e mais fácil não ganhar propriedade do que perdê-la, e, portanto, verá que aqueles sobre os quais a Fortuna nunca sorriu são mais alegres do que aqueles sobre os quais ela desertou.
4. Diógenes, um homem de espírito infinito, percebeu isso e impossibilitou que lhe fosse tirado qualquer coisa. Chame isso de precariedade, miséria, carência, necessidade ou qualquer nome desdenhoso que lhe agrade: Considerarei tal homem feliz, a menos que você me encontre outro que não possa perder nada. Se não me engano, é um atributo real entre tantos avarentos, malfeitores e ladrões, ser o único homem que não pode ser ferido.
5. Se alguém duvida da felicidade de Diógenes, duvida se a posição dos deuses imortais é de felicidade plena, pois eles não têm fazendas ou jardins, não têm propriedades de valor arrendadas a inquilinos desconhecidos, nem grandes títulos de crédito no mercado monetário. Não se envergonha de si mesmo, você que olha as riquezas com admiração estupefata? Olhe para o universo: você verá os deuses totalmente desprovidos de propriedade, e não possuindo qualquer coisa, ainda que deem tudo.
6. Você acha que esse homem que se despojou de todos os acessórios fortuitos é um pobre, ou um semelhante aos deuses imortais? Você considera Demétrio, o libertado de Pompeu, um homem feliz, aquele que não tinha vergonha de ser mais rico do que Pompeu, que era diariamente munido de uma lista com o número de seus escravos, como um general faz com o do seu exército, embora há muito merecesse que todas as suas riquezas consistissem num par de subordinados, e numa cela mais espaçosa do que os outros escravos?
7. Mas o único escravo de Diógenes fugiu dele, e quando foi apontado para Diógenes, ele não achou que valesse a pena buscá-lo de volta. “É uma vergonha”, disse ele, “que Manes possa viver sem Diógenes, mas que Diógenes não possa viver sem Manes”. Ele me parece ter dito: “Fortuna, não se intrometa: Diógenes não tem mais nada que lhe pertença. O meu escravo fugiu? Não, ele se afastou de mim como um homem livre”.
8. Uma casa cheia de escravos requer comida e roupa: as barrigas de tantas criaturas famintas têm que ser preenchidas: temos que comprar roupas para eles, temos que vigiar suas mãos mais ladras, e temos que fazer uso dos serviços de pessoas que nos lamentam e nos execram. Quão mais feliz é aquele que não deve nada a ninguém, a não ser o que se pode privar com a maior facilidade!
9. Mas, como não temos tal força de espírito, devemos, em todo caso, diminuir a extensão dos nossos bens, para estarmos menos expostos aos ataques da sorte: aqueles homens cujos corpos podem estar dentro do abrigo de suas armaduras, estão mais aptos para a guerra do que aqueles cujo enorme tamanho se estende por toda parte para além dela, e os expõe a feridas: a melhor quantidade de bens a ter é aquela que é suficiente para nos afastar da pobreza, mas que ainda não nos deixei muito distante dela.
Sêneca
Sêneca
Desejo amor ao Brasil
Neste primeiro dia do ano, desejo que meu país seja descoberto por seus cidadãos. Isso deveria ter ocorrido há décadas, ou séculos, para que o Brasil tivesse seu berço: um sistema nacional único de educação com qualidade e equidade para todas as nossas crianças, independentemente de renda e endereço. Mas não aconteceu. Por isso, apesar de tardio, agora é ainda mais necessário o desejo de que os brasileiros coloquem o Brasil acima dos interesses de grupos corporativos.
Desde o início, somos divididos socialmente entre escravos e senhores, ricos e pobres, doutores e analfabetos, favelas e condomínios e, politicamente, em sindicatos, partidos, igrejas, municípios, estados, cada um se colocando acima do país. No último mês, esse divisionismo se mostrou descaradamente diante da constatação de que esgotamos os recursos fiscais do país. Mas, quando o ministro da Fazenda apresenta proposta para equilibrar as contas, cada setor da sociedade se levanta e diz: "Não no meu pedaço do orçamento".
Os donos de salários astronômicos não aceitam tocar em qualquer um dos penduricalhos que lhes permite romper o teto constitucional para saquear o Tesouro Nacional. A corporação militar, que deveria dar exemplo de patriotismo, não aceitou abrir mão da aposentadoria, nem mesmo para integrantes cuja carreira se passa quase toda em escritórios e sem riscos de vida. Dentro do próprio governo, surgiram sugestões para desidratar a proposta inicial do seu ministro. Em nome de votos e de interesses que defende, o partido do ministro adotou a regra "no meu pedaço não".
Os agentes do mercado — investidores, especuladores, consumidores, vendedores — não fizeram gestos para colocar o Brasil acima do lucro individual, com sacrifícios de todos para manter a confiança necessária nas nossas finanças, sem o que ameaçamos o valor do real e aumentamos a taxa de juros. Os parlamentares chantagearam o governo ao condicionarem só votar na necessária redução dos gastos estatais se houvesse aumento no valor destinado a suas emendas para comprar votos com dinheiro público; e, irresponsável e desastradamente, fizeram pedaladas jurídicas para burlar a lei e enganar a população.
Nós, brasilienses, unimos-nos contra a proposta do ministro. Pela primeira vez em décadas, partidos que, até a véspera, digladiavam-se, agora tiveram uma só voz: "No valor do Fundo Constitucional do DF não se toca". Não levamos em conta nossa responsabilidade com os demais 200 milhões de brasileiros aos quais servimos como a capital federal e, por isso, devem nos financiar. Não pedimos desculpas pelo fato de que a Secretaria de Segurança, financiada pelo Brasil, participou da tentativa de golpe do 8 de janeiro, ao ser comandada por golpistas que estão em julgamento; tampouco nos desculpamos pelo fato de não sabermos até hoje onde estava nosso governador naquele dia.
Não explicamos aos brasileiros porque nossa educação, que eles financiam com mais recursos do que usam para suas próprias crianças, não é mais um exemplo de qualidade. Tampouco explicamos como recebemos recursos dos brasileiros para cuidarmos da saúde na capital deles, e, no ano passado, fomos campeões em casos de dengue, ao ponto de ameaçar o bom funcionamento da máquina do governo federal e das embaixadas; não explicamos aos irmãos goianos o porquê de eles financiarem nosso sistema de saúde e doentes nossos buscarem apoio médico em suas cidades. Corretamente, defendemos a absoluta necessidade da manutenção do fundo — que a proposta do ministro nunca ameaçou — mas raros entre nós propuseram uma auditoria para que nossa Câmara Legislativa e nosso Tribunal de Contas indicassem se e onde seria possível haver maior eficiência, menos desperdício, menos corrupção, para reduzir o sacrifício do resto do Brasil e ajudar no necessário ajuste nas contas públicas do país.
Não importou o tamanho da crise, o bolso individual continuou na frente do Tesouro Nacional, todo saque aceito, desde que não se toque no interesse pessoal de cada um. O sentimento "no meu pedaço do orçamento não" foi usado pelos que têm poder para vitimar 50 milhões de crianças, porque o Fundeb será reduzido; aos milhões que recebem salário mínimo, porque seus reajustes serão menores; milhões de pobres perderão porque parte dos seus benefícios serão cortados; aos que recebem até R$ 5 mil por mês, porque a isenção que receberiam foi postergada para algum momento no futuro. Em uma atitude suicida, porque o câncer de um país é sua divisão em pedaços que não abrem mão de interesses específicos e imediatos em favor do conjunto do país e seu futuro.
Desde o início, somos divididos socialmente entre escravos e senhores, ricos e pobres, doutores e analfabetos, favelas e condomínios e, politicamente, em sindicatos, partidos, igrejas, municípios, estados, cada um se colocando acima do país. No último mês, esse divisionismo se mostrou descaradamente diante da constatação de que esgotamos os recursos fiscais do país. Mas, quando o ministro da Fazenda apresenta proposta para equilibrar as contas, cada setor da sociedade se levanta e diz: "Não no meu pedaço do orçamento".
Os donos de salários astronômicos não aceitam tocar em qualquer um dos penduricalhos que lhes permite romper o teto constitucional para saquear o Tesouro Nacional. A corporação militar, que deveria dar exemplo de patriotismo, não aceitou abrir mão da aposentadoria, nem mesmo para integrantes cuja carreira se passa quase toda em escritórios e sem riscos de vida. Dentro do próprio governo, surgiram sugestões para desidratar a proposta inicial do seu ministro. Em nome de votos e de interesses que defende, o partido do ministro adotou a regra "no meu pedaço não".
Os agentes do mercado — investidores, especuladores, consumidores, vendedores — não fizeram gestos para colocar o Brasil acima do lucro individual, com sacrifícios de todos para manter a confiança necessária nas nossas finanças, sem o que ameaçamos o valor do real e aumentamos a taxa de juros. Os parlamentares chantagearam o governo ao condicionarem só votar na necessária redução dos gastos estatais se houvesse aumento no valor destinado a suas emendas para comprar votos com dinheiro público; e, irresponsável e desastradamente, fizeram pedaladas jurídicas para burlar a lei e enganar a população.
Nós, brasilienses, unimos-nos contra a proposta do ministro. Pela primeira vez em décadas, partidos que, até a véspera, digladiavam-se, agora tiveram uma só voz: "No valor do Fundo Constitucional do DF não se toca". Não levamos em conta nossa responsabilidade com os demais 200 milhões de brasileiros aos quais servimos como a capital federal e, por isso, devem nos financiar. Não pedimos desculpas pelo fato de que a Secretaria de Segurança, financiada pelo Brasil, participou da tentativa de golpe do 8 de janeiro, ao ser comandada por golpistas que estão em julgamento; tampouco nos desculpamos pelo fato de não sabermos até hoje onde estava nosso governador naquele dia.
Não explicamos aos brasileiros porque nossa educação, que eles financiam com mais recursos do que usam para suas próprias crianças, não é mais um exemplo de qualidade. Tampouco explicamos como recebemos recursos dos brasileiros para cuidarmos da saúde na capital deles, e, no ano passado, fomos campeões em casos de dengue, ao ponto de ameaçar o bom funcionamento da máquina do governo federal e das embaixadas; não explicamos aos irmãos goianos o porquê de eles financiarem nosso sistema de saúde e doentes nossos buscarem apoio médico em suas cidades. Corretamente, defendemos a absoluta necessidade da manutenção do fundo — que a proposta do ministro nunca ameaçou — mas raros entre nós propuseram uma auditoria para que nossa Câmara Legislativa e nosso Tribunal de Contas indicassem se e onde seria possível haver maior eficiência, menos desperdício, menos corrupção, para reduzir o sacrifício do resto do Brasil e ajudar no necessário ajuste nas contas públicas do país.
Não importou o tamanho da crise, o bolso individual continuou na frente do Tesouro Nacional, todo saque aceito, desde que não se toque no interesse pessoal de cada um. O sentimento "no meu pedaço do orçamento não" foi usado pelos que têm poder para vitimar 50 milhões de crianças, porque o Fundeb será reduzido; aos milhões que recebem salário mínimo, porque seus reajustes serão menores; milhões de pobres perderão porque parte dos seus benefícios serão cortados; aos que recebem até R$ 5 mil por mês, porque a isenção que receberiam foi postergada para algum momento no futuro. Em uma atitude suicida, porque o câncer de um país é sua divisão em pedaços que não abrem mão de interesses específicos e imediatos em favor do conjunto do país e seu futuro.
Todo peso do seu mundo
Carrego nos ombros o peso dos escombros da minha casa e dos meus livros transformados em cinzas
Mosab Abu Toha, poeta do sofrimento de Gaza
Vila de férias de Israel em Gaza
A verdadeira notícia do dia não é que o exército israelense montou uma vila de férias para soldados cansados na costa de Gaza, não muito longe de Jabaliya, que esses mesmos soldados vêm destruindo metodicamente nos últimos três meses.
A vila é apenas um lembrete grotesco de quão longe o estado de Israel e a maioria de seu povo se distanciaram da humanidade comum.
As verdadeiras notícias são a morte de mais palestinos, a destruição final do hospital Kamal Adwan em Beit Lahia, o assassinato ou sequestro de funcionários e pacientes e a remoção dos gravemente feridos para outros hospitais, que até mesmo a grande mídia admite que não estão mais funcionando.
A equipe médica foi levada para um destino desconhecido, possivelmente a prisão de Sde Teiman, onde outro médico sequestrado, Dr. Adnan al Bursh, um cirurgião ortopédico e graduado do King's College, foi assassinado. De acordo com Francesca Albanese, relatora especial da ONU para os territórios palestinos ocupados, ele foi estuprado até a morte.
O heroísmo dos palestinos está resumido na pessoa do Dr. Hussam Abu Safiya, diretor do Hospital Kamal Adwan, que foi espancado com cassetetes e pedaços de pau enquanto era levado embora.
Em outubro, o filho do Dr. Abu Safiya, Ibrahim, foi morto pelos israelenses. O Dr. Abu Safiya foi ferido em um ataque de drone, mas ficou com sua equipe e pacientes até o fim. Seu paradeiro não é conhecido, mas sua vida está obviamente em perigo de ser encerrada da mesma forma que a de Adnan al Bursh.
A vila de férias de Israel para soldados estressados serve café da manhã com café expresso gelado, torradas, bebidas saborizadas e shakes. O café da manhã é seguido por um almoço e jantar de churrasco, com waffles belgas, pretzels frescos e merengues servidos com café no café depois.
Há salas de massagem para corpos cansados e clínicas médicas e odontológicas móveis para check-ups. Há chuveiros, internet, suprimentos ilimitados de pipoca, doces e água fresca, pufes para relaxar, consoles PlayStation para entretenimento e frutas e sorvete "quando o tempo está quente".
A distância de Tel Aviv a Gaza é de pouco menos de 80 quilômetros. Os mesmos prazeres estão disponíveis em Tel Aviv dia e noite, mas a destruição não pode ser vista e os gritos dos feridos e moribundos não podem ser ouvidos em Tel Aviv.
A vila de férias fica perto de Jabaliya, que os soldados que tiravam um tempo para se recuperar de suas tarefas onerosas passaram os últimos três meses destruindo. Dois dias depois do Natal, eles invadiram o hospital Kamal Adwan, destruíram suas unidades especializadas, assassinaram cinco funcionários médicos, marcharam outros para longe em suas roupas íntimas e levaram 350 pessoas para o frio. Cinquenta pessoas que se abrigavam foram mortas em um ataque aéreo a um prédio no terreno do hospital.
O jornalista Gideon Levy comparou esta vila de férias a 'The Zone of Interest', o filme de Jonathan Glazer sobre a vida levada logo depois do muro de Auschwitz pelo comandante do campo, Rudolf Hoss, sua esposa e filhos. Gritos distantes, tiros e a chegada de trens podem ser ouvidos enquanto as crianças brincam no jardim e a esposa cuida das plantas e conversa com os visitantes. O cenário é idílico, as crianças se divertindo muito.
Não muito longe da vila de férias dos soldados israelenses em Gaza, não muito longe dos cafés da manhã de qualidade de hotel, churrascos e suspiros servidos com o café, crianças estão morrendo de frio e fome, sendo baleadas por atiradores e despedaçadas por mísseis e granadas de tanques.
Gaza há muito tempo se transformou em uma reserva de caça humana, com soldados israelenses capturando suas presas e agora indo para suas aldeias para se recuperar do estresse com uma massagem ou relaxando em um pufe.
Israel está comemorando a sequência de "vitórias" do ano, como chama o genocídio em Gaza e a matança de milhares de civis no Líbano. Ele explorou a crise na Síria para roubar mais terras sírias, está lançando ataques com mísseis no Iêmen e está se preparando para um ataque ao Irã.
Netanyahu está vivendo uma fantasia, como um guerreiro judeu que se iguala aos maiores entre eles, quando a história se lembrará dele como um desprezível criminoso de guerra e um covarde assassino em massa de mulheres e crianças.
Há a causa e há a batalha. A Palestina é a causa e Israel nunca a destruirá. Gaza é a batalha, mas, apesar de todo o seu poderio armado, Israel não conseguiu derrotar o Hamas mesmo depois de 15 meses. A outra batalha que perdeu, de forma abrangente e decisiva, é pela opinião pública global. Este é um terreno que nunca recuperará, por mais tempo que consiga manter seu controle sobre a Palestina.
Mesmo que o Hamas não consiga disparar outro tiro, a causa continuará pelas próximas gerações. Os jovens palestinos que sobreviveram a Gaza e seus descendentes não produzirão outro Arafat ou o desprezado Mahmoud Abbas. Nenhum outro tempo será desperdiçado em outro "processo de paz" que foi criado como uma armadilha mortal. O modelo das próximas gerações será Yahya Sinwar e seu slogan é o retorno a um antigo, "o que foi tomado pela força só pode ser tomado de volta pela força".
O mundo não pode pagar um estado como Israel mais do que poderia pagar a Alemanha nazista, uma lição que aprendeu tarde demais. A fúria sem lei de Israel ao longo da história o coloca na mesma categoria e, como nos anos 1930, parece que o mundo ocidental, pelo menos, só vai aprender a lição tarde demais.
Ehud Barak, o ex-primeiro-ministro israelense, disse uma vez que Israel era a vila na selva. Claro, Israel não é uma vila, mas um estado genocida de apartheid. A "selva" é aquela que ele criou e a "lei da selva", não as leis da humanidade, a lei pela qual Israel escolheu viver.
A 'villa' é a vila de férias montada em Gaza e a selva é o apocalipse que os soldados israelenses criaram a uma curta distância. Crianças estão morrendo de fome e frio enquanto comem waffles belgas.
Este exemplo atual da "banalidade do mal" de Hannah Arendt repete o enredo de "Zona de Interesse", com Rudolf Hoss olhando pela janela de sua vila para as crianças brincando no jardim e sua esposa colhendo flores enquanto, do outro lado do muro, os internos do campo estão sendo destruídos.
No discurso de aceitação do Oscar, que ele ganhou pelo filme, o diretor, Jonathan Glazer, disse que na produção de 'The Zone of Interest', "todas as nossas escolhas foram feitas para refletir e nos confrontar no presente, não para dizer 'olhe o que eles fizeram então', mas sim 'olhe o que fazemos agora'. Era Gaza que ele tinha em mente como um exemplo atual de mostrar 'onde a desumanização leva, na pior das hipóteses'.
Rudolf Hoss foi enforcado por seus crimes. Netanyahu foi indiciado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes de guerra e crimes contra a humanidade, mas quando falou perante o Congresso dos EUA em julho de 2024, foi interrompido por aplausos quase a cada minuto e recebeu várias ovações de pé, que é certamente como Hoss teria sido recebido se estivesse falando em um comício do partido nazista.
Por trás das fantasias da "única democracia no Oriente Médio" e do "exército mais moral do mundo", o Ocidente vem humanizando o desumano há décadas. Nunca chamado a prestar contas de seus crimes, Israel tem sido livre para continuar cometendo-os, a ponto de jogar o genocídio na cara do mundo, como se estivesse confiante de que pode escapar mesmo com isso. Protegido pelos EUA, talvez consiga. O que é revelado por trás de uma fachada moral desmoronada é a evidência de "onde a desumanização leva na pior das hipóteses".
Como se estivessem lendo o que estava escrito na parede, estima-se que meio milhão de israelenses tenham partido desde 7 de outubro de 2023. Muitos provavelmente nunca retornarão, pois nenhuma pessoa "normal" gostaria de viver em um ambiente de conflito permanente e risco para si e suas famílias.
Eles estão se separando de uma população que quer o inimigo completamente erradicado e sua terra tomada. Os meios – massacres, atiradores de elite, ataques com mísseis, bombardeios de hospitais, queima de mulheres e crianças vivas e estupros por soldados nas prisões de Israel – não importam. Só o fim importa.
Tal sociedade é "normal" apenas no sentido de que as mesmas visões são compartilhadas por quase todos. Essa é a "normalidade" de pessoas totalmente doutrinadas que são continuamente incitadas pelos fanáticos racistas violentos que se sentam no Knesset e ocupam posições críticas no governo israelense.
Aqueles que não são normais nesse cenário, que estão revoltados com os crimes cometidos em seu nome, estão concluindo que não têm lugar nem futuro para si e suas famílias em Israel.
À medida que o fluxo de emigração aumenta, Israel, em guerra interna e ameaçado externamente, encolherá ainda mais para um reduto teocrático fascista – outra Massada – insultado pelo mundo e condenado ao colapso.
É isso que o futuro parece reservar, a menos que haja algum tipo de reviravolta interna dramática na direção que Israel vem tomando há décadas, e agora isso parece não estar à vista.
Os "sucessos" do ano passado de fato convenceram a camarilha dominante de que a vitória total sobre todos os inimigos de Israel está próxima.
Deve ser mencionado, no entanto, que o parceiro de Israel no crime, os EUA, pode mudar a perspectiva sempre que decidir. Pode eventualmente perder a paciência com Israel, mas isso acontecerá quando e se Israel não servir mais aos seus interesses estratégicos.
A vila é apenas um lembrete grotesco de quão longe o estado de Israel e a maioria de seu povo se distanciaram da humanidade comum.
As verdadeiras notícias são a morte de mais palestinos, a destruição final do hospital Kamal Adwan em Beit Lahia, o assassinato ou sequestro de funcionários e pacientes e a remoção dos gravemente feridos para outros hospitais, que até mesmo a grande mídia admite que não estão mais funcionando.
A equipe médica foi levada para um destino desconhecido, possivelmente a prisão de Sde Teiman, onde outro médico sequestrado, Dr. Adnan al Bursh, um cirurgião ortopédico e graduado do King's College, foi assassinado. De acordo com Francesca Albanese, relatora especial da ONU para os territórios palestinos ocupados, ele foi estuprado até a morte.
O heroísmo dos palestinos está resumido na pessoa do Dr. Hussam Abu Safiya, diretor do Hospital Kamal Adwan, que foi espancado com cassetetes e pedaços de pau enquanto era levado embora.
Em outubro, o filho do Dr. Abu Safiya, Ibrahim, foi morto pelos israelenses. O Dr. Abu Safiya foi ferido em um ataque de drone, mas ficou com sua equipe e pacientes até o fim. Seu paradeiro não é conhecido, mas sua vida está obviamente em perigo de ser encerrada da mesma forma que a de Adnan al Bursh.
A vila de férias de Israel para soldados estressados serve café da manhã com café expresso gelado, torradas, bebidas saborizadas e shakes. O café da manhã é seguido por um almoço e jantar de churrasco, com waffles belgas, pretzels frescos e merengues servidos com café no café depois.
Há salas de massagem para corpos cansados e clínicas médicas e odontológicas móveis para check-ups. Há chuveiros, internet, suprimentos ilimitados de pipoca, doces e água fresca, pufes para relaxar, consoles PlayStation para entretenimento e frutas e sorvete "quando o tempo está quente".
A distância de Tel Aviv a Gaza é de pouco menos de 80 quilômetros. Os mesmos prazeres estão disponíveis em Tel Aviv dia e noite, mas a destruição não pode ser vista e os gritos dos feridos e moribundos não podem ser ouvidos em Tel Aviv.
A vila de férias fica perto de Jabaliya, que os soldados que tiravam um tempo para se recuperar de suas tarefas onerosas passaram os últimos três meses destruindo. Dois dias depois do Natal, eles invadiram o hospital Kamal Adwan, destruíram suas unidades especializadas, assassinaram cinco funcionários médicos, marcharam outros para longe em suas roupas íntimas e levaram 350 pessoas para o frio. Cinquenta pessoas que se abrigavam foram mortas em um ataque aéreo a um prédio no terreno do hospital.
O jornalista Gideon Levy comparou esta vila de férias a 'The Zone of Interest', o filme de Jonathan Glazer sobre a vida levada logo depois do muro de Auschwitz pelo comandante do campo, Rudolf Hoss, sua esposa e filhos. Gritos distantes, tiros e a chegada de trens podem ser ouvidos enquanto as crianças brincam no jardim e a esposa cuida das plantas e conversa com os visitantes. O cenário é idílico, as crianças se divertindo muito.
Não muito longe da vila de férias dos soldados israelenses em Gaza, não muito longe dos cafés da manhã de qualidade de hotel, churrascos e suspiros servidos com o café, crianças estão morrendo de frio e fome, sendo baleadas por atiradores e despedaçadas por mísseis e granadas de tanques.
Gaza há muito tempo se transformou em uma reserva de caça humana, com soldados israelenses capturando suas presas e agora indo para suas aldeias para se recuperar do estresse com uma massagem ou relaxando em um pufe.
Israel está comemorando a sequência de "vitórias" do ano, como chama o genocídio em Gaza e a matança de milhares de civis no Líbano. Ele explorou a crise na Síria para roubar mais terras sírias, está lançando ataques com mísseis no Iêmen e está se preparando para um ataque ao Irã.
Netanyahu está vivendo uma fantasia, como um guerreiro judeu que se iguala aos maiores entre eles, quando a história se lembrará dele como um desprezível criminoso de guerra e um covarde assassino em massa de mulheres e crianças.
Há a causa e há a batalha. A Palestina é a causa e Israel nunca a destruirá. Gaza é a batalha, mas, apesar de todo o seu poderio armado, Israel não conseguiu derrotar o Hamas mesmo depois de 15 meses. A outra batalha que perdeu, de forma abrangente e decisiva, é pela opinião pública global. Este é um terreno que nunca recuperará, por mais tempo que consiga manter seu controle sobre a Palestina.
Mesmo que o Hamas não consiga disparar outro tiro, a causa continuará pelas próximas gerações. Os jovens palestinos que sobreviveram a Gaza e seus descendentes não produzirão outro Arafat ou o desprezado Mahmoud Abbas. Nenhum outro tempo será desperdiçado em outro "processo de paz" que foi criado como uma armadilha mortal. O modelo das próximas gerações será Yahya Sinwar e seu slogan é o retorno a um antigo, "o que foi tomado pela força só pode ser tomado de volta pela força".
O mundo não pode pagar um estado como Israel mais do que poderia pagar a Alemanha nazista, uma lição que aprendeu tarde demais. A fúria sem lei de Israel ao longo da história o coloca na mesma categoria e, como nos anos 1930, parece que o mundo ocidental, pelo menos, só vai aprender a lição tarde demais.
Ehud Barak, o ex-primeiro-ministro israelense, disse uma vez que Israel era a vila na selva. Claro, Israel não é uma vila, mas um estado genocida de apartheid. A "selva" é aquela que ele criou e a "lei da selva", não as leis da humanidade, a lei pela qual Israel escolheu viver.
A 'villa' é a vila de férias montada em Gaza e a selva é o apocalipse que os soldados israelenses criaram a uma curta distância. Crianças estão morrendo de fome e frio enquanto comem waffles belgas.
Este exemplo atual da "banalidade do mal" de Hannah Arendt repete o enredo de "Zona de Interesse", com Rudolf Hoss olhando pela janela de sua vila para as crianças brincando no jardim e sua esposa colhendo flores enquanto, do outro lado do muro, os internos do campo estão sendo destruídos.
No discurso de aceitação do Oscar, que ele ganhou pelo filme, o diretor, Jonathan Glazer, disse que na produção de 'The Zone of Interest', "todas as nossas escolhas foram feitas para refletir e nos confrontar no presente, não para dizer 'olhe o que eles fizeram então', mas sim 'olhe o que fazemos agora'. Era Gaza que ele tinha em mente como um exemplo atual de mostrar 'onde a desumanização leva, na pior das hipóteses'.
Rudolf Hoss foi enforcado por seus crimes. Netanyahu foi indiciado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes de guerra e crimes contra a humanidade, mas quando falou perante o Congresso dos EUA em julho de 2024, foi interrompido por aplausos quase a cada minuto e recebeu várias ovações de pé, que é certamente como Hoss teria sido recebido se estivesse falando em um comício do partido nazista.
Por trás das fantasias da "única democracia no Oriente Médio" e do "exército mais moral do mundo", o Ocidente vem humanizando o desumano há décadas. Nunca chamado a prestar contas de seus crimes, Israel tem sido livre para continuar cometendo-os, a ponto de jogar o genocídio na cara do mundo, como se estivesse confiante de que pode escapar mesmo com isso. Protegido pelos EUA, talvez consiga. O que é revelado por trás de uma fachada moral desmoronada é a evidência de "onde a desumanização leva na pior das hipóteses".
Como se estivessem lendo o que estava escrito na parede, estima-se que meio milhão de israelenses tenham partido desde 7 de outubro de 2023. Muitos provavelmente nunca retornarão, pois nenhuma pessoa "normal" gostaria de viver em um ambiente de conflito permanente e risco para si e suas famílias.
Eles estão se separando de uma população que quer o inimigo completamente erradicado e sua terra tomada. Os meios – massacres, atiradores de elite, ataques com mísseis, bombardeios de hospitais, queima de mulheres e crianças vivas e estupros por soldados nas prisões de Israel – não importam. Só o fim importa.
Tal sociedade é "normal" apenas no sentido de que as mesmas visões são compartilhadas por quase todos. Essa é a "normalidade" de pessoas totalmente doutrinadas que são continuamente incitadas pelos fanáticos racistas violentos que se sentam no Knesset e ocupam posições críticas no governo israelense.
Aqueles que não são normais nesse cenário, que estão revoltados com os crimes cometidos em seu nome, estão concluindo que não têm lugar nem futuro para si e suas famílias em Israel.
À medida que o fluxo de emigração aumenta, Israel, em guerra interna e ameaçado externamente, encolherá ainda mais para um reduto teocrático fascista – outra Massada – insultado pelo mundo e condenado ao colapso.
É isso que o futuro parece reservar, a menos que haja algum tipo de reviravolta interna dramática na direção que Israel vem tomando há décadas, e agora isso parece não estar à vista.
Os "sucessos" do ano passado de fato convenceram a camarilha dominante de que a vitória total sobre todos os inimigos de Israel está próxima.
Deve ser mencionado, no entanto, que o parceiro de Israel no crime, os EUA, pode mudar a perspectiva sempre que decidir. Pode eventualmente perder a paciência com Israel, mas isso acontecerá quando e se Israel não servir mais aos seus interesses estratégicos.
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