terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Um retrato da falência do sistema penitenciário

A foto de Andressa Anholete, da Agência France Press, é um retrato perfeito e acabado da falência do sistema carcerário brasileiro. Um preso de calção e desarmado barra a entrada na penitenciária de Alcaçuz, na Região Metropolitana de Natal, no Rio Grande do Norte, da tropa pesadamente armada e bem treinada do Batalhão de Operações Especial da Polícia Militar.


Como um preso sozinho pôde realizar tal façanha? Muito simples. Porque atrás dele e fora do ângulo de registro da foto estava a penitenciária ocupada por quem de fato a controla – centenas de outros presos que no último fim de semana se rebelaram, mataram e degolaram 26 colegas. O governo estadual havia anunciado que Alcaçuz fora retomada. Mentira.

Os presos concordaram em entregar cinco deles, transferidos para outros presídios, e por enquanto foi só. Está prevista para hoje uma nova tentativa de entrada de policiais no presídio com o emprego também de agentes da Força Nacional. O governo requisitou um helicóptero para dar cobertura à ação. Desde setembro do ano passado, 116 militares da Força Nacional patrulham as ruas de Natal.

A repórter Aura Mazda conta em O GLOBO, que o Estado começou a perder o domínio sobre as penitenciárias do Rio Grande do Norte quando presos de 16 unidades, em março de 2015, promoveram ali uma grande quebradeira em protesto contra as precárias condições em que viviam. Desde então tudo que foi quebrado permanece quebrado.

Alcaçuz é a maior penitenciária. Abriga 1.140 presos, o dobro de sua capacidade. Seu interior foi novamente destruído em outubro último quando ela serviu de palco de uma nova rebelião. Somente sete agentes atuam em esquema de plantão. O governo finge que manda ali. Mandam os presos que circulam livremente e que atendem às ordens de várias facções de âmbito local ou nacional.

“O estado pode fazer o discurso que quiser, mas ele sabe que não controla o sistema penitenciário”, denuncia Henrique Baltazar Vilar dos Santos, juiz titular da Vara de Execuções Penais de Natal. “A maioria dos presídios do estado é dominada por organizações criminosas há quase uma década. Essas pessoas mandam e desmandam, fazem o que querem e como querem”.

Segundo ele, “quando entram as façcões, os presos perdem a humanidade. A facção passa a controlar a forma de pensar, e eles viram selvagens. O estado não cumpriu suas obrigações, e os presos enxergam na facção uma maneira de ganhar dinheiro e profissionalizar o crime”. Não há política pública que funcione em presídios superpovoados, acredita o juiz.

O presidente Michel Temer anunciou, ontem, que unificará a ação de todos os órgãos de inteligência no combate ao crime organizado. São 37 órgãos. Sempre que há rebeliões com mortes em presídios – e somente este ano 142 presos já foram mortos – o presidente de plantão repete a mesma promessa. Temer acenou também com a construção de cinco novos presídios federais no prazo de um ano.

São medidas paliativas, não passam disso. O buraco é bem mais embaixo. A maioria dos brasileiros está pouco ligando para o que acontece nas prisões. E enquanto tal mentalidade não mudar, pouco ou nada mudará.

Mañana

No noroeste fluminense, com o termômetro marcando 44 graus, relembro as conversas de rua, depois que voltei de Manaus. Um homem me disse sobre a crise do sistema carcerário:

— A conta está chegando.

— Outras contas também vão chegar — respondi.

No caso do sistema penitenciário, o governo Temer decidiu tomar algumas medidas de emergência e certamente vai empurrar o problema com a barriga, como fizeram todos os presidentes. Mañana. Uma das contas que sempre chegam no verão é a dengue. Desta vez, o vírus da chicungunha vem escrito na fatura. Tenho razões para temê-lo. Falei com muitas pessoas no bairro Industrial de Aracaju, infestado pela chicungunha. Os relatos eram terríveis: dores nas articulações que se prolongam por meses.

Como a crise no sistema penitenciário, fomos empurrando o mosquito com a barriga e agora nos parece também um problema insolúvel. Mañana. Navego pelo Rio Pomba e o calor é tão intenso que às vezes desejo que o barco vire. Em 2008 estive aqui numa grande enchente que arrasou um hospital de Santo Antônio de Pádua. Doentes que dependiam de hemodiálise, por exemplo, tiveram que ser retirados para Minas, de helicóptero.

Pelo menos para isso serviam os helicópteros mineiros que agora levam o governador Pimentel para buscar o filho depois de uma festa de réveillon. Quando o Rio Pomba transbordou, ficou evidente que era preciso fazer alguma coisa. E surgiu um plano grandioso, tocado pela Odebrecht, coisa de R$ 600 milhões. Hoje, constato que a obra não vingou, pelo menos nesta região que visito. Em Santo Antônio de Pádua nada aconteceu. E esse projeto escapou à própria Lava-Jato, creio. Talvez tenha passado pelo mesmo esquema de corrupção que passaram outros da Odebrecht.

O prefeito de Santo Antônio de Pádua, Josias Quintal, entregou os destinos da cidade para Deus, no primeiro decreto assinado após sua posse. Eu recomendaria incluir o e-mail de São Pedro nessa mensagem. O Rio Pomba continua potencialmente capaz de causar grandes estragos. As obras ficaram para mañana. E me pergunto se a recusa em prevenir não é apenas um traço cultural. É também uma pobre leitura do presente. Num mundo em que a natureza nos surpreende com eventos extremos, guerras, terrorismo, demagogos detendo um extraordinário poder, é preciso sempre analisar, prevenir, mesmo reconhecendo as limitações de nossa tarefa.

Há alguns anos, a ONU promoveu um debate sobre diplomacia preventiva. Ao ler o conjunto de textos, conclui aquilo sobrava também para o jornalismo. É uma dimensão nova que talvez precisasse incorporar sistematicamente.

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Previsões, mesmo quando alarmistas, não arrebatam tanto quanto a descrição das tragédias. Algo que pode acontecer, dependendo de certas variáveis, não tem o mesmo peso do que acontece e está se desenrolando diante dos nossos olhos. Não é necessário alarmar, muito menos aborrecer. Apenas reportar: ao que me parece, com os dados que tenho, a coisa vai desandar. Não faço comparações com outras culturas como a anglo-saxônica ou a alemã. Apenas suspeito que a partir de uma certa complexidade econômica, as culturas tendem a convergir em muitos aspectos, como esse da prevenção. Isso é muito claro no nível pessoal. No meu caso, por exemplo, empurro com a barriga um grande número de pequenos problemas.

Mas aprendo muito com os motoristas de taxi. Muitos deles falam com orgulho de seu carro e, em seguida, descrevem os cuidados que têm com ele: trocam as peças com regularidade e, a qualquer sinal, fazem os reparos necessários. É uma preocupação econômica com seu instrumento de trabalho. Eles sabem que custaria muito mais caro empurrar com a barriga. Curioso que o massacre de Manaus tenha surgido na passagem de ano, momento em que, no universo pessoal, todos fazemos promessas de resolver alguns problemas que já figuraram em nossos desejos, nos anos anteriores. O susto talvez faça o governo adotar uma racionalidade econômica. No momento, ele deveria, por exemplo, calcular os gastos com a emergência, deslocamento de ministros, da forca nacional, agentes penitenciários e perceber como custa caro empurrar com a barriga.

Manãna? Mañana é a chicungunha, outra novela com o mesmo enredo. Navegando no Rio Pomba, nesses dias de mais de 40 graus, deslocando-me ao ar livre mais pesado que de hábito, as vezes me pergunto se o clima não influencia a tendência de empurrar com a barriga. Mas o que fazer? A complexidade social e econômica nos conduz para certos hábitos que existem nos países mais frios.
Fernando Gabeira

A orquestra do Titanic e os servidores públicos

Todos os relatos sobre o naufrágio do Titanic afirmam que a orquestra tocou no convés do navio até minutos antes da submersão, como forma de acalmar os passageiros durante o embarque nos botes salva-vidas. Nesse momento, o líder da orquestra saudou os músicos como habitualmente fazia dizendo-lhes: “Cavalheiros, obrigado. Foi uma apresentação magistral. Boa noite”. E acrescentou: “Boa sorte”.

Lembrei-me da orquestra do Titanic diante da situação fiscal que o país atravessa e dos aumentos salariais recentemente concedidos aos servidores públicos federais.

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O Brasil tem cerca de 11 milhões de funcionários públicos. A maior parte está nos municípios (6,5 milhões). Outros 3,2 milhões estão nos estados; 1,2 milhão, na União. As despesas conjuntas representam, aproximadamente, 14% do PIB.

Segundo o IBGE, a proporção de servidores municipais em relação à população brasileira, que era de 2,2% em 2001, subiu para 3,2% em 2014. Entre 1999 e 2014, embora os estatutários predominem, sua proporção caiu de 65,4% para 61,1%. Em contrapartida, no mesmo período, cresceram os percentuais de pessoas sem vínculo, de 13,4% para 18,7%.

Nos estados, vários governadores não conseguem pagar salários em dia e atribuem as situações de penúria somente à recessão e à queda de arrecadação. Decretam “estado de calamidade financeira” — para o qual suas gestões muito contribuíram — como forma de se livrar das punições previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). As crises, porém, decorrem, em grande parte, do crescimento abrupto das despesas com pessoal e das burlas à LRF.

A lei determina limite de 60% para a relação entre a despesa total com pessoal e a receita corrente líquida no conjunto dos poderes dos estados, sem qualquer espaço para as “interpretações criativas” adotadas por diversos gestores, sob as barbas dos tribunais de contas.

No último trimestre de 2016, a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) divulgou tabela que confrontou as informações autodeclaradas pelos estados com os dados colhidos e examinados pelos técnicos da STN no âmbito do Programa de Reestruturação e Ajuste Fiscal. No Rio de Janeiro, por exemplo, enquanto o estado informava que a relação entre as despesas com pessoal e a receita corrente líquida em 2015 era de 41,77%, o percentual calculado pelos técnicos do Tesouro atingiu 62,84%.

Na União, tanto a quantidade de servidores como as “comissões” cresceram significativamente. De 2002 para 2016 (dados de setembro), os cargos, funções de confiança e gratificações passaram de 68.931 para 99.122, o que significa acréscimo de 30.191! Sem falar nos “supessalários” e no festival de aumentos ocorrido em 2016, nos vencimentos e nos “penduricalhos”, como o promovido no dia 29 de dezembro sob a forma de bônus de eficiência e produtividade”.

A administração pública sempre teve servidores competentes. Carlos Drummond de Andrade, por exemplo, redigia discursos com a mesma genialidade dos seus poemas. Machado de Assis, Cartola e Vinicius também contribuíram para a vida pública com dedicação e arte. Atualmente, o juiz Sérgio Moro, os procuradores da força-tarefa do Ministério Público Federal do Paraná, o procurador do MP de Contas, Júlio Marcelo, dentre muitos outros, são exemplos de brasileiros que dignificam os cargos que ocupam. E, certamente, não o fazem por salários ou bônus, mas sim pelo propósito de defender o interesse público e o Estado. Servir à sociedade é uma missão nobre e, como tal, deve ser valorizada.

A reposição salarial é justa e deveria ocorrer para todos os trabalhadores brasileiros, públicos e privados. No momento, entretanto, temos um déficit fiscal estimado para 2017 em R$ 180 bilhões e 12,1 milhões de desempregados. Nesse contexto, o aumento salarial dos servidores públicos — com estabilidade no emprego e remunerações médias acima daquelas recebidas na iniciativa privada — é inoportuno e incoerente.

Os músicos da orquestra do Titanic passaram à história como heróis por terem cumprido suas obrigações com extremo profissionalismo. Nenhum sobreviveu ao naufrágio. Cada artista ganhava apenas quatro libras por mês. Pouco tempo depois, suas famílias receberam uma conta que incluiu as insígnias de lapela, a túnica e as partituras, submersas em algum ponto do Atlântico Norte.

No Brasil que vai a pique, alguns sindicatos de servidores públicos continuam a tocar o barco como se nada estivesse acontecendo. O problema é que a conta, que aumenta a cada dia, é paga por todos nós. Resta-nos repetirmos o que disse o maestro: Boa sorte!

Gil Castello Branco

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Japão

Brasília, a Geni do Brasil

A população de Brasília está indignada. Em grandes centros como o Rio e São Paulo muito se ouve pelas ruas disparos pejorativos como “essa gente de Brasília”, ou “está pensando que isso aqui é Brasília?”. No imaginário (e ignorância) de muita gente, o brasiliense é um janota que desfila de braços dados com corruptos e outros nefastos que frequentam o noticiário político-policial.

Um reflexo desse bullying bizarro: dias atrás um carro com placa de Brasília parou para deixar um passageiro na Rua México, Centro do Rio. Coisa rápida e normal, mas um taxista que vinha atrás meteu a mão na buzina, abriu o vidro e despejou “Tá pensando que isso aqui é sua terra, malandro?!”.

A intolerância trata os brasilienses ou os candangos (quem lá nasceu) como uma nova “Geni” nacional, numa referência a “Geni e o Zepelim”, clássico de Chico Buarque dos anos 70, que no refrão canta “Joga pedra na Geni!/Joga bosta na Geni!/Ela é feita pra apanhar!/Ela é boa de cuspir!/Ela dá pra qualquer um!/Maldita Geni!”.
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Confundem a Praça dos Três Poderes — onde estão o Executivo, o Legislativo e o Supremo Tribunal Federal — com a população de três milhões de habitantes do Distrito Federal, onde Brasília é apenas uma pequena fatia.

A cidade é completamente independente dos senadores, deputados, presidentes da República, ministros e juízes de tribunais superiores, que vivem fechados em seus “planetas”, numa espécie de síndrome de Guilherme Arantes, na base do “meu mundo e nada mais”.

“Ninguém vê essa gente em cinemas, teatros, restaurantes, no comércio, nos shoppings, até porque seriam hostilizados”, comenta o jornalista e pesquisador carioca Cezar Mota, que vive em Brasília há mais de 30 anos. “Até amigos me acusam de viver em ‘uma ilha da fantasia’, distante da realidade brasileira. Ora, nada mais identificado com a realidade brasileira do que a Capital Federal, que tem metade de sua população oriunda de todo o país, principalmente nordestinos e nortistas. Ilha da fantasia é a Zona Sul do Rio de Janeiro, que tem olhos apenas para o próprio umbigo, considera-se o centro do país, despreza a Zona Norte e até mesmo São Paulo. Que dirá Norte e Nordeste.”

Apaixonado pela cidade e indignado com esse “linchamento”, Cezar Motta lembra que o Distrito Federal detém o maior índice de homicídios do Brasil por cada grupo de cem habitantes (mais do que o Rio de Janeiro e São Paulo). “O Distrito Federal tem 31 regiões administrativas. Brasília é apenas uma delas”, observa. De acordo com o portal Congresso em Foco, o D.F. tem quase o dobro de homicídios de São Paulo nas suas 31 regiões administrativas. Em média, foram quase duas execuções por dia. Isso representa 20 assassinatos por grupo de cem mil habitantes/ano. Este índice é quase o dobro de São Paulo, que registra 11 homicídios, latrocínios e lesões fatais por grupo de cem mil por ano.

É o Plano Piloto, não o D.F., o avião idealizado por Lucio Costa e que tem como cabine a Praça dos Três Poderes, como corpo do avião a Esplanada dos Ministérios e o Eixo Monumental. Nas asas (Sul e Norte) vive a classe média alta. Os muito ricos moram em casas nos Lagos Sul e Norte. Nada, porém, comparado aos condomínios exclusivíssimos de Rio e São Paulo.

Em 1990, conversei com Oscar Niemeyer sobre Brasília. Ele desabafou: “Misturam Distrito Federal com Brasília; deformaram tudo. O que era um belo projeto para igualar as pessoas, hoje me causa repulsa”
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Luiz Antonio Mello

Força Nacional, instrumento de propaganda

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Criada em 2004, a Força Nacional é só um engenhoso instrumento de propaganda do governo federal, que a utiliza para fingir que se importa. Trata-se de ação meramente cenográfica que, dizem especialistas, não faz diferença. Por exemplo: após anos de insistência e 39 presidiários esquartejados, o governo enviou a Força Nacional para Roraima. Eram apenas 100 homens para o Estado cuja Policia Militar tem quase 1.600.

Patético, o secretário de Segurança de Roraima celebrou. Disse que os gatos pingados “vão vigiar o presídio, Boa Vista, enfim, o Estado todo”.

Em 2015, com graves ameaças à segurança pública, o Piauí recebeu ridículos 90 soldados da Força Nacional. Sua PM tem 5.507 homens.

Na mais recente incursão em Brasília, a Força Nacional destacou 80 soldados. Não fez a mínima diferença onde a PM tem 16.000 homens.

Milhões de zeros


O governo, pelo que temos visto, não tem foco nem estratégia. É fundamental ele entender que o crime é transnacional. Uma quadrilha é uma grande empresa cuja meta é ganhar dinheiro e ampliar seu mercado, vendendo Charge do dia 17/01/2017principalmente droga e armas — mas hoje se estende a muitas outras áreas da economia. E para toda essa atividade essas máfias precisam de uma infraestrutura que inclui estradas, hotéis, campos de aviação, comunicações, contatos. Para acabar com essa rede, você tem de destruir a economia movimentada por ela. E o que o Brasil fez a respeito? Zero
Walter Fanganiello Maierovitch (Instituto Giovanni Falcone)

Nem toda Maria vai com as outras

A Maria desta expressão é a rainha portuguesa Dona Maria I, mãe de Dom João VI, avó de Dom Pedro I, bisavó de Dom Pedro II, imperador carioca nascido no bairro de São Cristóvão, e trisavó da Princesa Isabel, a Redentora (assim apelidada por ter abolido a escravidão).

Quando veio para o Brasil com a Família Real, em 1808, já tinha perdido o juízo e passou a ser conhecida como A Rainha Louca. Certamente já tinha alguma avaria no bestunto quando em 1792 prolatou a famosa sentença de enforcar Tiradentes, esquartejá-lo e fixar pedaços do corpo em postes.

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Dona Maria I
A sentença demorou dezoito horas para ser lida em praça pública e culminou com o enforcamento e o esquartejamento de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, no dia 21 de abril de 1792, no Rio de Janeiro.

Enviada a Ouro Preto num barril de salmoura e afixada num poste da praça pública, para apavorar eventuais novos libertadores, a cabeça do herói foi roubada quando o sentinela encarregado de proteger a relíquia dormiu.

O autor da façanha foi o padre letrado Manuel da Silva Gatto (com este nome…), que a escondeu em sua casa no Bairro das Cabeças (bairro predestinado!).

No leito de morte, ele fez a confidência ao escritor Bernardo de Guimarães, entregando-lhe a relíquia macabra. O autor de O Seminarista, de Escrava Isaura e de uma paródia pornô de I- Juca Pirama, de Gonçalves Dias, herdou a casa do padre e enterrou a cabeça no quintal.

Mas quem já estava sem cabeça era a Rainha Louca. Anos depois desta violência inaudita, as cortes afastaram do trono a soberana violenta e sanguinária, legando o poder ao príncipe regente, que depois se tornaria o rei Dom João VI.

Confinada a seus aposentos reais, no Convento do Carmo, no Rio de Janeiro, a rainha louca só saía dali acompanhada por diversas damas de companhia, senão aprontava coisas desatinadas.

Quando o povo via o cortejo pelas ruas, sabia que ela não decidira passear, tinha sido levada. Não parecia mais a tresloucada soberana que mandara enforcar e esquartejar Tiradentes. Agora era apenas uma Maria qualquer, sem vontade nenhuma, que era levada a passear com outras mulheres, muitas das quais chamavam-se Maria também.

E a rainha tornou-se apenas uma Maria que vai com as outras, expressão desde então aplicada a quem não tem opinião própria e segue a dos outros. Mas não deixa de revelar um preconceito contra as mulheres, pois há muitos joões e josés que estão sempre indo com os outros.

Aquele Verão


"Summer of'42" (1971), dirigido por Robert Mulligan, 
com Jennifer O'Neill, Gary Grimes, Jerry Houser e Oliver Conant

Dez anos da Lei do Saneamento Básico

Neste mês de janeiro celebramos dez anos da Lei do Saneamento Básico, marco regulatório dessa infraestrutura tão importante, mas tão esquecida. A Lei n.º 11.445/2007 estabeleceu as diretrizes nacionais para o setor, trouxe regras e introduziu conjunto de novos instrumentos de gestão, como a regulação e o planejamento, com vista a melhorar a eficiência das empresas operadoras e chegar, enfim, à almejada universalização.

Cabe ressaltar que nos últimos anos o saneamento básico ocupou uma agenda de destaque para a sociedade, principalmente em razão de suas carências, configuradas nas crises sanitária – causada pelo mosquito Aedes aegypti, transmissor de dengue, zika e chikungunya – e hídrica nas Regiões Sudeste e Nordeste. Também a Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2016 tratou desse tema, o que muito contribuiu para levar a discussão aos cantos mais remotos do País, às áreas pobres, além dos bairros nobres.

Resta, então, avaliarmos o que a lei trouxe de bom, se ajudou a enfrentar os entraves e desafios da universalização, a melhoria da prestação dos serviços de água e esgotos, a implementação do planejamento, da regulação e do controle social dos serviços.

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Em relação à universalização, previu-se por meio do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) que o País precisaria de R$ 304 bilhões e demoraria 20 anos para alcançar o acesso universal à água e ao esgoto. Porém bastou um ano após a edição do plano para que os cenários estabelecidos nas metas ficassem obsoletos, especialmente por causa dos (muito diferentes) índices previstos de inflação e crescimento do PIB. Para mostrar essa distância, estudos recentes da Confederação Nacional da Indústria (CNI) apontam que, no cenário atual, só chegaríamos à universalização do abastecimento de água em 2043 e do esgotamento sanitário em 2054.

Segundo o Ministério das Cidades, no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis), o índice de pessoas atendidas com água tratada aumentou de 80,9% em 2007 para 83,3% em 2015, ou seja, 2,4 pontos porcentuais em nove anos; na coleta de esgotos, de 42% em 2007 para 50,3% (8,3 pontos); e no tratamento dos esgotos gerados, de 32,5% em 2007 para 42,7% em 2015 (10,2 pontos). Significa que em todos esses indicadores mal chegamos a um ponto porcentual de progresso por ano. Vergonhoso. Já nas perdas de água potável nos sistemas de distribuição, por vazamentos e roubos, a redução foi de 7 pontos porcentuais, mas o índice de 2015 manteve-se em 36,7%, ainda muito elevado, se lembrarmos as carências de água em várias regiões do País.

Se pensarmos que esse pouco avanço ainda está concentrado nas área urbanas e regulares das cidades, o que dizer do quase nenhum avanço no atendimento de água e esgotos nas áreas rurais e nas áreas irregulares? Estudo do Trata Brasil mostrou que somente nas cem maiores cidades brasileiras há mais de 10 milhões de pessoas em aglomerados subnormais, em sua maioria sem acesso aos serviços básicos de água e esgoto. A solução do problema extrapola os prestadores de serviços, que legalmente são impedidos de prover infraestrutura nessas áreas. Resta, então, torcer para que haja maior entendimento entre prefeituras, Ministério Público, empresas prestadoras, agências reguladoras e sociedade.

Outro problema diz respeito à ociosidade das redes de esgoto, locais onde existem redes de coleta, mas as pessoas não as conectam a suas casas. Um levantamento identificou que mais 3,5 milhões de pessoas nas cem maiores cidades poderiam ter suas casas ligadas às redes de esgoto. Mas não as interligam ao sistema por não quererem pagar a conta do esgoto nem danificar o piso de casa para passar a tubulação. Outros alegam não ter sido informados ou se justificam com outras razões. A solução do problema fica a cargo das prefeituras, mas estas pouco fazem para exigir que o cidadão faça a sua parte.

No tocante à implementação do planejamento como linha condutora dos investimentos em saneamento, o próprio governo federal não deu o exemplo, ao promover sucessivos adiamentos nos prazos impostos aos municípios para entregarem seus Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSB). De 2013 passou para 2015 e 2017. Na Câmara dos Deputados há projetos de lei que pretendem adiar ainda mais os prazos, para 2019 e 2020, a depender do porte do município. Como a entrega do PMSB é condição para acesso a recursos da União, esperava-se que as cidades aderissem rapidamente, mas isso não foi feito. Os adiamentos desacreditaram esse importante instrumento, mas, principalmente, desmotivaram os municípios que cumpriram os prazos.

Outro grande avanço trazido pela Lei do Saneamento foi a imposição a todos os municípios de terem seus serviços controlados por uma agência reguladora. A regulação efetiva e de qualidade é o único instrumento com resultados de curto prazo para ampliar o atendimento e melhorar a eficiência do setor, mas ficou restrita a poucos Estados da Federação. É fundamental termos agências estruturadas, com independência decisória, autonomia administrativa, orçamentária e financeira, transparência, tecnicidade, celeridade e objetividade.

Por fim, a lei instituiu o controle social, fortemente apoiado pelo governo federal, mas muito pouco resultado foi notado e a população continua distante da discussão. Precisamos fortalecer os conselhos sociais envolvidos com o saneamento e as entidades de defesa dos consumidores.

Apesar de todas as dificuldades expostas, a Lei n.º 11.445 foi fundamental para os avanços conseguidos, mesmo que tímidos. O que não podemos é continuar assistindo passivamente à poluição do meio ambiente e à proliferação de doenças, aguardando outras décadas para dar ao cidadão o mais essencial: uma água boa para beber e seus esgotos coletados e tratados.

Haja engov!

As pessoas perderam o coração. E as que (ainda) têm estão perdendo o fígado
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Ou se muda tudo neste país ou se faz logo um pacto com o crime organizado

Já falamos bastante, sugerimos muito. Soluções? Várias. Atitude? Quase nenhuma. Na verdade, o sistema vem apodrecendo nas últimas décadas. Isso não se iniciou no governo de Lula, Dilma e muito menos no de Temer. Ano após ano, com a educação (o correto é “o ensino”) cada vez pior, mesmo gastando mais e mais, os presídios foram abandonados e os presos também. As facções, com o apoio/omissão dos governos e da sociedade, sim, criaram seu “estado próprio”. A sociedade realimentou tudo, ao eleger governos podres, legislativos fétidos, aturando judiciário omisso e os viciados/drogados/criminosos, seus próprios filhos, netos, sobrinhos, amigos etc. E tudo isto organizou e alimentou PCCs e todos os demais “criminosos organizados”.

Ora, nossos governantes são atrapalhados, ineficazes, coniventes, omissos, assim como covardes, idiotas e tudo o mais que deles se diga ou se pense. O presidente da República, um sujeito sem energia, sem firmeza, um verdadeiro lero-lero, enrola-enrola, diz coisa nenhuma. Temer não tem nada que seja característica necessária e exigência de um líder, de um comandante de governo. E é dominado por um núcleo corrupto.


E por favor, que os que ontem estavam no poder não tentem argumentar com Dilma, Lula ou FHC. Todos, mas todos mesmos são uns verdadeiros traidores da pátria. E saíram da latrina da sociedade, originados em votos sujos, inconscientes.
Agora, sem vergonha alguma, alega-se que “o Estado não entra nos presídios” e não consegue controlar os presos. Onde se viu isso numa democracia de verdade, em um país minimamente organizado?

Com as matérias publicadas neste início de ano, mostrando os acontecimentos nos presídios e as justificativas das autoridades, ficam muito bem identificados o desmando, a incapacidade, a falta de vontade política e administrativa dos governos estaduais e do governo federal.

Portanto, está na hora de uma decisão urgente e necessária – a demissão de todos os governadores e do presidente da República. E com eles, o afastamento de todos aqueles que por eles foram nomeados.

Existe uma parcela da sociedade que ainda não foi contaminada. É preciso que tome posição e exija a reforma do Estado brasileiro e da Constituição Federal. É necessário que seja usada uma vassoura nova, um “limpa tudo”, um recomeçar do zero, mas com gente honesta, que não tenha rabo preso um no outro.

Ou então façamos, como alguns já fizeram e continuam propondo, um grande acordo com o “crime organizado”. Mas a paciência tem limites.

Paisagem brasileira

Resultado de imagem para church of our motherSão Francisco do Sul (Santa Catarina)

As moscas estão zunindo por aqui


Elas atiçam nossos instintos mais primitivos. Nossos pensamentos mais torpes e violentos de destruição em massa. Pensamos em alguma bomba nuclear, extermínio cruel, veneno milagroso. Mas no máximo, as atacamos de pijamas e tentamos pegá-las – ao menos algumas – com ridículas raquetes elétricas xingling, e só pelo prazer da vingança de ouvir aquele barulhinho de fritura e sentir o cheirinho do queimado. São fêmeas empoderadas, cheias de querer, de fome de pele, suor, sangue. Atacam à noite, e são capazes de estragar todo o seu dia seguinte. Deixam marcas e suas passagens sempre têm o forte alarido; fazem muito barulho com suas asas batendo em nossos cangotes, provocativas, roçando nossos ouvidos


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ZZZZZZ
As moscas, as pernilongas estão chegando. Não querem mais cair na sopa, mudaram o paladar. Querem gente, mostrar todo o poder dos insetos sobre a raça humana, e que não há metrópole que as assuste. Não deviam mais ser a manchete de todo ano, todo verão, mas estão aí e são cada vez mais poderosas, numerosas, agressivas e com capacidade de guerra mortal multiplicada. Algumas tipas vestidas de listrado trazem em si a tragédia causadora da zika que compromete gerações futuras, da chikungunya, que imobiliza, da dengue, que derruba. Assassinas.


Não dá para não lembrar o que, para mim, é um dos principais filmes de terror da história do cinema, quiçá da humanidade, e não teve a participação nem de Hitchcock, nem de Boris Karloff: A Crônica de Hellstrom, premiado documentário americano de 1971, sobre os insetos e sua absurda capacidade de sobrevivência. Quem viu traumatiza pra sempre.

Pois eles, esses pequeninos monstros, estão aí para não nos deixar mentir (nem dormir em paz). Atacando sem dó no país que não se livra das mazelas, as cultiva. Não limpa seus rios, os suja. Misérias que criam criadouros de comunidades inteiras de coisa ruim. No país que consegue até a volta de doenças erradicadas, e notícias de surtos assombram, febre amarela, urina negra. Outro dia, lá em Roraima, acharam um foco de barbeiros causadores do Mal de Chagas. Sabe onde viviam? Pensam que estavam numa casa de taipas, de barro, de tijolos? Não, estavam confortáveis dentro de um ar condicionado de uma residência de alto padrão. Subiram na vida. Pelas nossas costas. Pelas nossas pernas, pelos nossos braços. Fazendo a gente se coçar.

Não é para se preocupar? Aqui em São Paulo está havendo uma séria infestação de pernilongos (pernilongas, que são as que mordem, igual a presidentas). Se ainda não foi uma de suas vítimas, procure saber. Falam que são daquelas mais simplesinhas, populares, zumbido em língua portuguesa, e aquela preguiça tradicional. Depois que nos picam e enchem as suas barriguinhas precisam descansar um pouco. Se encostam na parede para o amadurecimento dos ovos. Evitam principalmente o voo para economizar energia. Voltam a atacar logo após a postura dos ovos. Boa hora – essa de sua distração – inclusive para ganharem uma boa e bem acertada chapoletada para voarem longe antes de descarregarem seus milhares de ovinhos em nossas coisas pelas redondezas, como fazem.

Claro, lembre que esse assassinato deixará marcas de sangue espatifado nas paredes – provavelmente o seu mesmo.

Em Minas Gerais, o bem sério surto de febre amarela. Transmitida por quem? Pelo mesmo Aedes aegypti, o pernilongo de facção criminosa, que também passa a febre amarela urbana; as espécies Haemagogus e Sabethe transmitem a febre amarela silvestre – animais silvestres infectados fazem parte desse ciclo. Já se analisa se têm a ver com a tragédia da lama de Mariana e no Espírito Santo ( para onde também correu essa lama) já há quase uma centena de mortes de macacos infectados
Tudo de ruim ultimamente passa por essa pernilonga Aedes (os machos, meio cafetões, ficam por perto só esperando que as moças voltem para seus ovos, ou procurando alguma que tenha zumbido bom para copular e criar mais pernilonguinhos).

Pernilongos andam grandes distâncias, de carona. Todos os meios de transporte, inclusive elevadores. Quando fixam residência ficam por ali sempre num raio de 300 metros. Com 270 a 307 batidas de asas por segundo, as ondas se propagam pelo ar e são o zumbido infernal que nos atormenta. Escolhem suas vítimas por cheiros e uma pesquisa disse que adoram bebedores de cerveja, cheiros que detectam a 36 metros de distância.

Longe de mim pretender que vocês agora tenham mais pesadelos ainda com esses monstrinhos de milímetros, mas com toda essa movimentação mundial parei para pensar que talvez também haja êxodo desses insetos, de mais variedades de suas espécies, e nossas políticas de saúde pública não são as melhores. Bem, nossas políticas todas não são as melhores.

Já pensaram? E se acaso a tsé-tsé resolver também vir morar aqui no pais da malemolência?

Só declarando guerra a Donald Trump...

O presidente Michel Temer reúne amanhã os governadores estaduais. Prevê-se que nenhum falte, dada a miséria em se encontram seus Estados. Todos vêm atrás de dinheiro, imaginando rolar suas dívidas com a União, obter mais empréstimos e poder ao menos assegurar o pagamento do próprio funcionalismo.

Impossível que tragam sugestões capazes de ajudar o governo federal a sair do sufoco. Saber quem está pior, se os governadores ou o presidente da República, dá no mesmo. Andam todos à espera de um milagre.

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Fez sucesso, muitos anos atrás, um filme intitulado de “O Rato que Ruge”, com o inigualável e saudoso Peter Sellers, acumulando três papéis: a rainha de um pequeno país europeu, o primeiro-ministro e um capitão da guarda. Reunidos, eles concluíram haver uma só saída para o país: declarar guerra aos Estados Unidos, iniciá-la e logo depois perder. Ou todos os países que haviam perdido guerras para os americanos, como o Japão e a Alemanha, não se encontravam no melhor dos mundos, ricos e prósperos?

Assim fizeram, embarcando seu limitado exército num cargueiro de quinta categoria, com arcos, flechas e escudos. Invadiram Nova York, cuja população nem se deu conta da invasão. Aconteceu, porém, um inusitado: os invasores entram na residência de um cientista nuclear que acabara de descobrir a fórmula de uma bomba atômica de bolso. O resto da trama fica por conta do leitor encontrar uma cópia do filme e deliciar-se com o espetáculo.

Por que se conta essa história que seria cômica se não fosse trágica? Afinal, sexta-feira assume um novo presidente dos Estados Unidos. Que tal Michel Temer e os governadores declararem guerra ao governo Donald Trump? O triste seria se nós ganhássemos…

'Calvito barbudo'

A capa é couro marrom, lembra pele de crocodilo. É uma agenda de 2010, com 196 páginas. Numa delas, a mulher do candidato à Presidência do Peru escreveu: “1º de julio, 2010. Calvito barbudo, 10 millones de dólares.”

Em outras páginas há registros similares: “Marcelo, 21 de mayo. + 30 mil dólares”; “Marcelo, 24 de julio. + 30 mil dólares”; “Marcelo, 10 de enero de 2011. + 70 mil dólares”...

A agenda é de Nadine Heredia, 39 anos, mulher de Ollanta Humala, que presidiu o Peru de 2011 até julho do ano passado.


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Ainda não se descobriu quem seria o “Calvito barbudo”, mas é certo que ele e “Marcelo” são brasileiros — este último foi identificado pelo Congresso, que obteve algumas das agendas da ex-primeira dama. Marcelo é o Odebrecht, preso em Curitiba, acionista do grupo que acumulou US$ 12,5 bilhões em contratos e concessões no Peru entre 2004 e 2015.

Em Lima, há certeza de que Odebrecht pagou a campanha de Humala em 2011, com o venezuelano Hugo Chávez. Também doaram Camargo Corrêa, OAS, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão, donas de US$ 4,2 bilhões em contratos.

As evidências coletadas no eixo Curitiba-Brasília-Lima indicam que a eleição peruana de 2011 teve intervenção de Lula e Chávez e dinheiro de empresas brasileiras. O modelo foi repetido na Argentina, Paraguai, Equador e Bolívia.

Chávez pagava as contas do casal desde a fracassada campanha de Humala em 2006. O dinheiro venezuelano era lavado no caixa de ONGs, entre elas a Prodin, coordenadas por Nadine. Ela participou ativamente das decisões mais relevantes do governo do marido.

O governo Lula uniu os Humala aos grupos brasileiros, que contribuíram até com pacotes de dinheiro amarrados ao corpo dos emissários. O PT enviou dirigentes e indicou publicitários para a campanha.

As relações fluíram. Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão e OAS já mantinham negócios — agora sob investigação — com os governos de Alan García (2006-2011) e de Alejandro Toledo (2001-2006), derrotado por Humala em 2011.

Planilha apreendida na Camargo, com o título “Previsão de Capilés”, detalha pagamentos peruanos. Parte foi para a conta nº 0308478009 do Citibank em Londres (swift CITIGB2L), do israelense Yosef Maiman, que exibia credenciais de embaixador do Turcomenistão.

O operador da Camargo era Marcos de Moura Vanderley, também conhecido pelo relacionamento com Rocío Calderón, amiga da ex-primeira-dama. No governo, Nadine deu a Rocío a diretoria do Conselho das Contratações do Estado. Rocío emprestava-lhe seus cartões de crédito para compras. O Congresso produziu 300 páginas das contas privadas de Nadine.

Em fevereiro, ainda no governo, ela pediu socorro a José Graziano da Silva, ex-ministro de Lula e diretor-geral da FAO, que lhe deu uma chefia em Genebra. Para garantir imunidade diplomática à amiga , Graziano removeu do cargo Xiangjun Yao, designada pela China, e atropelou normas sobre chefias na ONU — entre elas, a exigência de diploma universitário. Nadine e o marido vivem sob vigilância. A Justiça obrigou-a informar com antecedência suas viagens, sob compromisso de retornar a cada 30 dias. Em Lima, continua a caça a “Calvito barbudo”, o brasileiro que presenteou o casal com US$ 10 milhões.

José Casado