segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017
Desumano
De tanto ouvir, a gente já se acostumou. Os números já não parecem chocantes. Soam como ecos de realidade distante vivenciada em lugar alheio a nossa paisagem. Baixamos nossas exigências e, principalmente, expectativas.
Deixamos de enxergar as vidas que, afinal de contas, estão atrás dos números. Não mais existem tragédias. Apenas estatísticas. Negativas, sem duvida. Mas frias. Distantes. Números, apenas.
Contar mortos em centenas virou hábito. Tão frequente que a manutenção da sanidade parece exigir distancia e frieza. Buscamos o conforto da ilusão de que são apenas números. Por piores que sejam somente mais um conjunto de estatísticas em terra já arrasada por tragédias incontáveis.
Talvez seja este o maior perigo. Trocar indignação por indiferença gera conforto passageiro, efêmero. E cria ambiente desumano, onde sobreviver é simplesmente função do acaso. E viver é tarefa quase impossível.
Enquanto os preparativos para o carnaval seguem funcionando como relógio, assiste-se a degradação da capacidade do Estado de gerar os seus benefícios mais básicos. Já vai longe a lembrança do tempo em que a rua era bem publico, acessível a todos, e disponível a qualquer hora.
Nestes tempos estranhos, o Estado, que já nunca foi muito justo, falha, abandona, e somente não decepciona porque as expectativas são muito baixas e continuam caindo. Vive-se amostra do caos gerado pela interrupção do processo civilizatório.
No país onde ninguém quer seguir a regra e todos querem ser exceção, é natural que o colapso seja comandado (ou talvez capitaneado) por aqueles que, de alguma maneira, tornaram os recursos públicos em monopólio de corporações.
É o país da insegurança. Do caos total. Da meia-entrada. E de justiça alguma. Onde se segue lógica peculiar onde privilégios e exceções viram regra. E soterram toda e qualquer possibilidade de sobrevivência no curto, no médio, e no longo prazo.
Máquina de transformar impostos em desperdício; indiferença em violência; vidas em números; e tragédias em estatísticas. Onde a pele dura da realidade justifica, mas não perdoa a desumanidade. Nem desculpa comportamento desumano
Deixamos de enxergar as vidas que, afinal de contas, estão atrás dos números. Não mais existem tragédias. Apenas estatísticas. Negativas, sem duvida. Mas frias. Distantes. Números, apenas.
Talvez seja este o maior perigo. Trocar indignação por indiferença gera conforto passageiro, efêmero. E cria ambiente desumano, onde sobreviver é simplesmente função do acaso. E viver é tarefa quase impossível.
Enquanto os preparativos para o carnaval seguem funcionando como relógio, assiste-se a degradação da capacidade do Estado de gerar os seus benefícios mais básicos. Já vai longe a lembrança do tempo em que a rua era bem publico, acessível a todos, e disponível a qualquer hora.
Nestes tempos estranhos, o Estado, que já nunca foi muito justo, falha, abandona, e somente não decepciona porque as expectativas são muito baixas e continuam caindo. Vive-se amostra do caos gerado pela interrupção do processo civilizatório.
No país onde ninguém quer seguir a regra e todos querem ser exceção, é natural que o colapso seja comandado (ou talvez capitaneado) por aqueles que, de alguma maneira, tornaram os recursos públicos em monopólio de corporações.
É o país da insegurança. Do caos total. Da meia-entrada. E de justiça alguma. Onde se segue lógica peculiar onde privilégios e exceções viram regra. E soterram toda e qualquer possibilidade de sobrevivência no curto, no médio, e no longo prazo.
Máquina de transformar impostos em desperdício; indiferença em violência; vidas em números; e tragédias em estatísticas. Onde a pele dura da realidade justifica, mas não perdoa a desumanidade. Nem desculpa comportamento desumano
Sobra alguém?
A maioria dos políticos brasileiros tem baixos padrões morais e éticos. (Não se sabe se isto decorre do mecanismo, ou se o mecanismo decorre disto. Sabe-se, todavia, que na vigência do mecanismo este sempre será o caso
José Padilha A importância da Lava-Jato
Especialista em gente
A demissão sumária de dois médicos motivada por comentários, considerados antiéticos, sobre a doença de Marisa Letícia dá o que falar e pensar. Os empregadores de ambos os profissionais agiram rápido. Tiraram a fruta estragada da cesta para resolver no curto prazo problemas de contágio interno e das reputações de suas instituições junto à opinião pública. Entretanto, as causas que motivaram declarações desfavoráveis à paciente, posteriormente atribuídas ao corretor de texto, precisam ser conhecidas e compreendidas. Um dos temas prediletos de redes sociais organizadas por médicos, desde listas de amigos da turma da faculdade até movimentos que propugnam mudanças nas diretorias de entidades e empresas médicas, é a repercussão das denúncias de corrupção do PT.
O programa Mais Médicos provocou uma clivagem com a dita esquerda pútrida. Médicos eleitores do PT se sentiram traídos, até mesmo pela sociedade que aplaudiu os cubanos, e jamais perdoaram alusões sobre serem elitistas, vindas de quem “roubou e jamais ralou para atender o melhor possível nos serviços precários do SUS”. A reação contou com o apoio entusiasmado de entidades médicas, algumas das quais integraram a lista de assinaturas pró-impeachment, divulgada como matéria paga. A sensação de decomposição é mútua.
Em outros grupos, o papo é similar, xingamentos, desejos de que os denominados petralhas paguem por seus alegados crimes com punições extremas, inclusive a morte. O que chocou a todos, incluindo quem usa a internet para se manifestar contra o PT, foi saber que médicos se destituíram de seus compromissos profissionais e divulgaram informações confidenciais seguidas por comentários de ódio. Quem gostaria de ser atendido por profissionais que não são capazes de discernir entre a liberdade de terem e expressarem ideias e ideais políticos e a necessidade de estrita preservação da ética? Até o final do século passado, as fronteiras entre o que pode e o que não pode na saúde eram transmitidas por professores cultos, humanistas, que foram capazes de produzir um pensamento nacional sobre a Medicina. Jovens médicos conviviam com mestres que atendiam respeitosamente pobres e ricos e ensinavam que só existe uma Medicina. Esse aprendizado se tornava permanente com o ingresso profissional em unidades públicas de saúde, cujos chefes eram notórios médicos e instituíam padrões de conduta inspirados em suas práticas. A privatização do ensino e da assistência desativou o circuito mestre-discípulo e nada ficou no lugar.
A comunicação de médicos entre si, com pacientes e com a sociedade é uma preocupação de diversas entidades profissionais internacionais. Mas, as íntimas relações entre profissionais e usuários de serviços de saúde envolvem expectativas elevadas sobre o comportamento sigiloso dos médicos. A regra é que a conectividade não deve afetar o profissionalismo, isto é, o contrato informal de atividades autorreguladas, segundo o qual existe reciprocidade entre médicos e sociedade em termos de dignidade e respeito. O Colégio Americano de Médicos e o Conselho de Médicos do Reino Unido, por exemplo, consideram que mensagens disseminadas por via eletrônica são úteis para ampliar o contato com pacientes e população, mas requerem normas de uso. Outras desencorajam a participação em redes sociais que possam ser direta ou indiretamente acessadas pela sociedade e ainda advertem para a necessidade de “realizar uma pausa antes de postar”.
O choque gerado pela atitude de médicos brasileiros sacudiu as convicções estruturadas em torno dos nós, os corretos, contra os outros, que não prestam. A velha lição mostrou que ainda está válida. Os médicos serão íntegros se souberem honrar a confiança dos pacientes, seja lá quem forem. A espera de que um dia a realidade apresente suas demandas parece não ser a melhor forma de resolver dilemas que envolvem a vida e a morte. Podemos e devemos nos antecipar ao que vem por aí. A Olympus, fabricante de endoscópios, foi condenada pelo Departamento de Justiça dos EUA por pagar comissões a médicos e hospitais, inclusive na América Latina.
E por aqui, apesar das prisões de médicos, as denúncias sobre a promiscuidade que envolve o pagamento de material médico se acumulam. Foram autorizadas a abertura de mais de cem novas faculdades de medicina, quase todas privadas, menos equipadas e dispondo de professores com menor grau de titulação do que aquelas cujo desempenho tem sido baixíssimo no exame do Conselho de Medicina de São Paulo. No curto e médio prazos, haverá cerca de 200 mil médicos a mais no país com diploma tipo arco-íris, um combo que conjuga formação com pote de ouro. A alcunha de mensalidade cara para uma das faculdades de medicina privada é investimento. Incongruências demais e pausas e providências de menos para resolver os reais desafios da saúde.
Ligia Bahia
O programa Mais Médicos provocou uma clivagem com a dita esquerda pútrida. Médicos eleitores do PT se sentiram traídos, até mesmo pela sociedade que aplaudiu os cubanos, e jamais perdoaram alusões sobre serem elitistas, vindas de quem “roubou e jamais ralou para atender o melhor possível nos serviços precários do SUS”. A reação contou com o apoio entusiasmado de entidades médicas, algumas das quais integraram a lista de assinaturas pró-impeachment, divulgada como matéria paga. A sensação de decomposição é mútua.
Em outros grupos, o papo é similar, xingamentos, desejos de que os denominados petralhas paguem por seus alegados crimes com punições extremas, inclusive a morte. O que chocou a todos, incluindo quem usa a internet para se manifestar contra o PT, foi saber que médicos se destituíram de seus compromissos profissionais e divulgaram informações confidenciais seguidas por comentários de ódio. Quem gostaria de ser atendido por profissionais que não são capazes de discernir entre a liberdade de terem e expressarem ideias e ideais políticos e a necessidade de estrita preservação da ética? Até o final do século passado, as fronteiras entre o que pode e o que não pode na saúde eram transmitidas por professores cultos, humanistas, que foram capazes de produzir um pensamento nacional sobre a Medicina. Jovens médicos conviviam com mestres que atendiam respeitosamente pobres e ricos e ensinavam que só existe uma Medicina. Esse aprendizado se tornava permanente com o ingresso profissional em unidades públicas de saúde, cujos chefes eram notórios médicos e instituíam padrões de conduta inspirados em suas práticas. A privatização do ensino e da assistência desativou o circuito mestre-discípulo e nada ficou no lugar.
A comunicação de médicos entre si, com pacientes e com a sociedade é uma preocupação de diversas entidades profissionais internacionais. Mas, as íntimas relações entre profissionais e usuários de serviços de saúde envolvem expectativas elevadas sobre o comportamento sigiloso dos médicos. A regra é que a conectividade não deve afetar o profissionalismo, isto é, o contrato informal de atividades autorreguladas, segundo o qual existe reciprocidade entre médicos e sociedade em termos de dignidade e respeito. O Colégio Americano de Médicos e o Conselho de Médicos do Reino Unido, por exemplo, consideram que mensagens disseminadas por via eletrônica são úteis para ampliar o contato com pacientes e população, mas requerem normas de uso. Outras desencorajam a participação em redes sociais que possam ser direta ou indiretamente acessadas pela sociedade e ainda advertem para a necessidade de “realizar uma pausa antes de postar”.
O choque gerado pela atitude de médicos brasileiros sacudiu as convicções estruturadas em torno dos nós, os corretos, contra os outros, que não prestam. A velha lição mostrou que ainda está válida. Os médicos serão íntegros se souberem honrar a confiança dos pacientes, seja lá quem forem. A espera de que um dia a realidade apresente suas demandas parece não ser a melhor forma de resolver dilemas que envolvem a vida e a morte. Podemos e devemos nos antecipar ao que vem por aí. A Olympus, fabricante de endoscópios, foi condenada pelo Departamento de Justiça dos EUA por pagar comissões a médicos e hospitais, inclusive na América Latina.
E por aqui, apesar das prisões de médicos, as denúncias sobre a promiscuidade que envolve o pagamento de material médico se acumulam. Foram autorizadas a abertura de mais de cem novas faculdades de medicina, quase todas privadas, menos equipadas e dispondo de professores com menor grau de titulação do que aquelas cujo desempenho tem sido baixíssimo no exame do Conselho de Medicina de São Paulo. No curto e médio prazos, haverá cerca de 200 mil médicos a mais no país com diploma tipo arco-íris, um combo que conjuga formação com pote de ouro. A alcunha de mensalidade cara para uma das faculdades de medicina privada é investimento. Incongruências demais e pausas e providências de menos para resolver os reais desafios da saúde.
Ligia Bahia
Prepara-se o fim da Lava Jato
Que não se diga depois que os coveiros da Lava Jato atuaram em segredo para enterrá-la sem que houvesse a mínima chance de impedi-los.
O segredo acabou em maio último quando foram reveladas gravações de conversas do empresário Sérgio Machado com os senadores Romero Jucá e Renan Calheiros, e o ex-presidente José Sarney.
Desde então avançaram as providências para que a Lava Jato seja velada em breve.
Na semana passada, o ministro Edson Fachin, novo relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), acolheu denúncia da Procuradoria-Geral da República e abriu inquérito para investigar Machado, Jucá, Renan e Sarney por tentativa de obstrução da Justiça.
Numa das conversas, Jucá diz que é necessário "estancar a sangria" da Lava-Jato, do contrário não restará vivo um só dos atuais políticos.
Noutra, Renan fala em restringir as delações, base das acusações mais explosivas contra ele e outros investigados.
Com Sarney, Machado discute a derrubada da então presidente Dilma Rousseff e se queixa da falta de acesso ao ministro Teori Zavascki, na época, relator da Lava Jato. Sarney aconselha Machado a procurar um advogado amigo de Teori, o único com livre acesso a ele.
“Prende, mas não esculacha”, pediu Elias Maluco, traficante de drogas e um dos assassinos do jornalista Tim Lopes, ao se render à polícia em setembro de 2002, no Rio.
Ao capitão Nascimento, do filme “Tropa de Elite”, o traficante de nome Baiano, depois de preso e espancado, suplica antes de ser morto com um tiro à queima roupa: “Na cara não, chefe, para não estragar o velório”.
A Lava Jato corre o risco de ser esculachada e de levar um ou mais tiros na cara à luz do dia sem que se manifestem em seu apoio, salvo nas redes sociais, os que celebraram radiantes nas ruas a derrocada de Dilma e do PT.
Dilma caiu porque desrespeitou a Constituição ao maquiar as contas do governo e gastar além do que estava autorizada. Mas caiu também pelo “conjunto da obra”.
Ela empurrou o país para o buraco da mais grave recessão econômica de sua história. E para se eleger e se reeleger, beneficiou-se do mais gigantesco esquema de corrupção que jamais existira, responsável também pela degradação da Petrobras, e que garfou até mesmo uma fatia do salário de servidores públicos pendurados em empréstimos consignados.
Tal esquema foi desmontado em parte pela Lava Jato. Os que o usufruíam, em sua maioria continua impune. No máximo, responde a inquéritos e processos.
Essa gente, com assento privilegiado em todos os escalões da República, conspira e age sem pudor para limitar, deter ou se possível sepultar a mais bem-sucedida operação de combate à corrupção que já vimos por aqui.
O STF dará a palavra final sobre o destino das mais altas autoridades suspeitas de corrupção? Indica-se para a vaga de Teori o ministro que assumirá o papel de revisor dos feitos da Lava Jato.
Quem será o ministro? Alguém da inteira confiança dos que mais tarde serão julgados por ele. Quem aprovará seu nome no Senado? Ora, os felizes apoiadores de sua indicação.
O que fazer para aplacar a fúria investigatória da República de Curitiba? Transfere-se para outros lugares quem servia, ali, à Polícia Federal. E o que mais? Vota-se no Congresso a lei de anistia do caixa dois.
Por fim, o Congresso acaba com a delação premiada para quem estiver preso. Só valerá para quem estiver solto.
Duvidam? Pois mexam-se!
Salário é que paga a festa
Senador Wilder Morais (PP - Goiás), vestido com farda da PM em festinha na chalana Champagne. O local é o mesmo em que o ministro da Justiça licenciado, Alexandre de Moraes, foi "sabatinado" por sete senadores
Romênia, um país onde a corrupção mata
Teddy Ursulescu perdeu os dedos da mão esquerda e parte dos da direita. Também perdeu muito da sensibilidade nos braços. E nas pernas. Suas extremidades estão marcadas por cicatrizes grandes e rugosas, que se espalham também por baixo da camiseta de listras pretas. São as marcas exteriores provocadas pelas chamas que assolaram o Club Coletiv de Bucareste em outubro de 2015, uma discoteca onde a jovem tinha ido com um grupo de amigas para assistir a um show. Teddy, uma jovem arquiteta, já não as esconde. As cicatrizes são o sinal de que ela conseguiu escapar da tragédia. "Dentro da discoteca, 27 pessoas morreram. As pessoas estavam presas, queimando-se, sufocadas", sussurra, na sala de sua casa em Bucareste. Teddy fez 30 anos neste sábado.
O terrível incêndio revelou um enorme caso de corrupção na Romênia. O Colectiv não tinha as mínimas condições para funcionar. E, apesar disso, seguia aberto graças a subornos e propinas que pagava aos órgãos de administração, segundo investigações. O escândalo – que derrubou o governo romeno – foi um momento-chave no país. As pessoas viram que a corrupção pode matar. O caso do Colectiv, infelizmente, mostra também até onde pode chegar o problema.
Porque alguns dias, semanas depois do incêndio, outras 37 pessoas que estavam na discoteca morreram, a maioria devido a terríveis infecções hospitalares; uma taxa altíssima. As mortes e a investigação posterior escancararam um sistema de saúde gangrenado pela corrupção, em que as condições dos hospitais eram inadequadas, mas eles acabavam aprovados em fiscalizações compradas - ou simplesmente inexistentes - e em que o pagamento de comissões aos administradores e aos próprios médicos tornou-se habitual. Também foi descoberto que um laboratório farmacêutico romeno, o Hexi Pharma, havia passado anos vendendo, a preços altíssimos, produtos de limpeza hospitalar diluídos, que não serviam para esterilização. Esses produtos eram vendidos a 350 hospitais do país, incluindo o de Queimaduras de Bucareste, onde estava internada a maioria dos feridos do Colectiv, e para onde também foi levada Teddy, antes de ser transferida para Viena, onde chegou com uma infecção muito forte e que não estava em seu prontuário.
Foi no Hospital de Queimaduras, uma antiga maternidade reformada, que morreu Alexandru Iancu, de 22 anos. Um jovem de cabelos compridos e olhar cansado, amante do rock e da poesia, que passava quase todo seu tempo livre tocando guitarra. Principalmente as músicas de Goodbye to Gravity, a banda que tocava no Colectiv no dia da tragédia. "Quando ele sobreviveu ao incêndio na boate, chegamos a acreditar que ele sobreviveria. Não pensamos que, três semanas depois, ele morreria de infecção hospitalar", lamenta o pai do jovem, Eugen. "Meu filho Alexandru foi uma vítima dupla da corrupção: primeiro no Colectiv e depois no hospital. O que aconteceu mostra a que ponto a corrupção pode chegar", reclama Eugen Iancu, que agora preside uma associação de vítimas da tragédia.
As famílias procuram culpados. "Esperamos que este caso, em que há vários processos, provoque uma mudança nas leis, para que nada parecido volte a acontecer", afirma Antoniu Obancia, advogado de Iancu e de outras 19 vítimas ou familiares. Para ele, o que aconteceu no Colectiv é um dos casos mais importantes dos últimos 25 anos. Seu escritório, Zamfirescu, Racoti & Partners, que costuma defender pessoas em casos contra acusados de corrupção, não está cobrando das vítimas.
A Romênia ocupa a posição número 57 no ranking da Transparência Internacional, que mede a corrupção em 197 países. Por lá, as comissões, os subornos ou as situações que envolvem conflitos de interesses são algo absurdamente comum. E, embora a situação tenha melhorado, de acordo com o mesmo índice e com o último relatório da Comissão Europeia – que audita o país desde sua adesão, há 10 anos –, nove em cada 10 romenos continuam considerando a corrupção um problema grave do país. Mais do que isso, dois a cada três romenos dizem ter pagado ou recebido dinheiro para acelerar algum trâmite oficial, para receber atendimento médico ou para garantir uma boa educação.
Muitos destes cidadãos foram às ruas para protestar contra o que aconteceu no Colectiv. E voltaram a fazê-lo, de forma ainda mais forte, para reclamar da corrupção e de um Governo que tentou diminuir, com um decreto, a luta contra o problema. As manifestações, as maiores do país desde a queda da ditadura de Nicolae Ceaucescu, há 27 anos, conseguiram bloquear a lei que descriminaliza alguns casos de corrupção, e foram um marco para a Romênia o resto da Europa.
"As pessoas declararam guerra à corrupção em todos os níveis", afirma Miluta Flueras. O engenheiro, de 33 anos, também estava na boate no dia do incêndio. Fotógrafo e amigo do grupo Goodbye to Gravity, ele estava fotografando o show. Acabou ferido com queimaduras de segundo e terceiro graus em 30% do corpo. Hoje, depois de seis meses internado, ele está praticamente recuperado e participou ativamente dos protestos contra o Executivo do Partido Social-democrata e sua tentativa "sem vergonha" de diminuir a luta anticorrupção.
"Depois destes escândalos e das mortes, a reforma legal foi vista como uma manobra não apenas nociva, mas intolerável", afirma também Codru Vravie, especialista legal da Funky Citizens, uma plataforma online que analisa a transparência na Romênia. Vravrie afirma que, apesar de a Administração ser o setor mais afetado – com propinas para obtenção de documentos, comissões por contratos, uso de materiais inadequados ou com preços superfaturados, etc –, são os escândalos da saúde pública os que causam mais indignação. São vidas humanas em jogo.
"A saúde tem um orçamento de 7 bilhões de euros (24 milhões de reais), a tentação de desviar dinheiro é muito grande: muitos gerentes, e também políticos, cobram comissões de empresas de produtos de saúde, de laboratórios, de contratos de limpeza", denuncia a médica Camelia Roiu, que afirma que os pagamentos a profissionais de saúde são algo comum no sistema romeno, no qual, até o ano passado, um médico não ganhava mais de 700 euros (2.400 reais) por mês. "De novo, entra a tentação", diz. A funcionária pública Laura Popa, por exemplo, pagou 200 euros (650 reais) por uma cesárea. Sua amiga Roluca, 150 (500 reais).
Leia mais
Teddy Ursulescu, vítima do incêndio do Club Colectiv |
Porque alguns dias, semanas depois do incêndio, outras 37 pessoas que estavam na discoteca morreram, a maioria devido a terríveis infecções hospitalares; uma taxa altíssima. As mortes e a investigação posterior escancararam um sistema de saúde gangrenado pela corrupção, em que as condições dos hospitais eram inadequadas, mas eles acabavam aprovados em fiscalizações compradas - ou simplesmente inexistentes - e em que o pagamento de comissões aos administradores e aos próprios médicos tornou-se habitual. Também foi descoberto que um laboratório farmacêutico romeno, o Hexi Pharma, havia passado anos vendendo, a preços altíssimos, produtos de limpeza hospitalar diluídos, que não serviam para esterilização. Esses produtos eram vendidos a 350 hospitais do país, incluindo o de Queimaduras de Bucareste, onde estava internada a maioria dos feridos do Colectiv, e para onde também foi levada Teddy, antes de ser transferida para Viena, onde chegou com uma infecção muito forte e que não estava em seu prontuário.
Foi no Hospital de Queimaduras, uma antiga maternidade reformada, que morreu Alexandru Iancu, de 22 anos. Um jovem de cabelos compridos e olhar cansado, amante do rock e da poesia, que passava quase todo seu tempo livre tocando guitarra. Principalmente as músicas de Goodbye to Gravity, a banda que tocava no Colectiv no dia da tragédia. "Quando ele sobreviveu ao incêndio na boate, chegamos a acreditar que ele sobreviveria. Não pensamos que, três semanas depois, ele morreria de infecção hospitalar", lamenta o pai do jovem, Eugen. "Meu filho Alexandru foi uma vítima dupla da corrupção: primeiro no Colectiv e depois no hospital. O que aconteceu mostra a que ponto a corrupção pode chegar", reclama Eugen Iancu, que agora preside uma associação de vítimas da tragédia.
As famílias procuram culpados. "Esperamos que este caso, em que há vários processos, provoque uma mudança nas leis, para que nada parecido volte a acontecer", afirma Antoniu Obancia, advogado de Iancu e de outras 19 vítimas ou familiares. Para ele, o que aconteceu no Colectiv é um dos casos mais importantes dos últimos 25 anos. Seu escritório, Zamfirescu, Racoti & Partners, que costuma defender pessoas em casos contra acusados de corrupção, não está cobrando das vítimas.
A Romênia ocupa a posição número 57 no ranking da Transparência Internacional, que mede a corrupção em 197 países. Por lá, as comissões, os subornos ou as situações que envolvem conflitos de interesses são algo absurdamente comum. E, embora a situação tenha melhorado, de acordo com o mesmo índice e com o último relatório da Comissão Europeia – que audita o país desde sua adesão, há 10 anos –, nove em cada 10 romenos continuam considerando a corrupção um problema grave do país. Mais do que isso, dois a cada três romenos dizem ter pagado ou recebido dinheiro para acelerar algum trâmite oficial, para receber atendimento médico ou para garantir uma boa educação.
Muitos destes cidadãos foram às ruas para protestar contra o que aconteceu no Colectiv. E voltaram a fazê-lo, de forma ainda mais forte, para reclamar da corrupção e de um Governo que tentou diminuir, com um decreto, a luta contra o problema. As manifestações, as maiores do país desde a queda da ditadura de Nicolae Ceaucescu, há 27 anos, conseguiram bloquear a lei que descriminaliza alguns casos de corrupção, e foram um marco para a Romênia o resto da Europa.
"As pessoas declararam guerra à corrupção em todos os níveis", afirma Miluta Flueras. O engenheiro, de 33 anos, também estava na boate no dia do incêndio. Fotógrafo e amigo do grupo Goodbye to Gravity, ele estava fotografando o show. Acabou ferido com queimaduras de segundo e terceiro graus em 30% do corpo. Hoje, depois de seis meses internado, ele está praticamente recuperado e participou ativamente dos protestos contra o Executivo do Partido Social-democrata e sua tentativa "sem vergonha" de diminuir a luta anticorrupção.
"Depois destes escândalos e das mortes, a reforma legal foi vista como uma manobra não apenas nociva, mas intolerável", afirma também Codru Vravie, especialista legal da Funky Citizens, uma plataforma online que analisa a transparência na Romênia. Vravrie afirma que, apesar de a Administração ser o setor mais afetado – com propinas para obtenção de documentos, comissões por contratos, uso de materiais inadequados ou com preços superfaturados, etc –, são os escândalos da saúde pública os que causam mais indignação. São vidas humanas em jogo.
"A saúde tem um orçamento de 7 bilhões de euros (24 milhões de reais), a tentação de desviar dinheiro é muito grande: muitos gerentes, e também políticos, cobram comissões de empresas de produtos de saúde, de laboratórios, de contratos de limpeza", denuncia a médica Camelia Roiu, que afirma que os pagamentos a profissionais de saúde são algo comum no sistema romeno, no qual, até o ano passado, um médico não ganhava mais de 700 euros (2.400 reais) por mês. "De novo, entra a tentação", diz. A funcionária pública Laura Popa, por exemplo, pagou 200 euros (650 reais) por uma cesárea. Sua amiga Roluca, 150 (500 reais).
Leia mais
Quem paga
Dependência crônica
Um levantamento do Estadão Dados mostrou o aumento do número de municípios que dependem dos recursos provindos de repasses do Bolsa Família para evitar o colapso financeiro. De 2008 para cá, quase dobrou, nas contas municipais, a proporção de recursos do programa em relação ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM) – de 25% para 40% –, que ainda representa a principal fonte de receita para muitas prefeituras. Em vários municípios, apontou a pesquisa, os recursos do Bolsa Família já superam os do FPM. No período avaliado, subiu de 7 para 187 o número de prefeituras nessa situação.
O FPM é uma fonte de recursos para as prefeituras garantida pela Constituição. Uma parte da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) – 22,5%, como determina o art. 159 – deve ser repassada aos municípios pela União de acordo com critérios que levam em conta o número de habitantes. O ânimo do constituinte de 1988 foi atribuir ao FPM um caráter redistributivo. Vale dizer, quanto menor a cidade, maior porcentualmente será o volume de recursos federais repassados por intermédio do FPM.
Paradoxalmente, o aumento proporcional dos recursos do Bolsa Família nas contas municipais deve-se à grave crise econômica criada durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff, que, entre muitos efeitos deletérios para a vida nacional, levou à diminuição da atividade econômica, da arrecadação de impostos federais e, consequentemente, do repasse de recursos do FPM aos municípios. Ainda que os recursos do Bolsa Família tenham crescido proporcionalmente, isso não significa alívio automático para os cofres das cidades, ao contrário. A maioria dos beneficiários do programa gasta o subsídio em estabelecimentos da economia informal, que não geram aumento de receita tributária para os municípios. Além disso, embora a concessão do benefício esteja a cargo da União, o cadastro, o acompanhamento e a fiscalização do programa são de responsabilidade das prefeituras, e isso ocasiona um custo que muitas delas já não conseguem suportar.
Está-se diante de dois casos de dependência crônica. Passados 14 anos de sua criação, o Bolsa Família não serviu ao fim emancipatório que fora alardeado pela propaganda dos governos petistas. Não obstante o nobre intento de atender às necessidades mais prementes de uma significativa parcela da população, o benefício tornou-se, tão somente, um paliativo. Jamais teve o condão de retirar milhões de brasileiros da pobreza. Se é justo creditar-lhe a redução do porcentual de miséria absoluta no País, ao mesmo tempo dele continuam dependentes milhões de brasileiros, seja por falta de políticas públicas que, associadas ao Bolsa Família, de fato, ensejariam a reinserção dos beneficiários no mercado formal de trabalho e na economia produtiva, seja por desvios éticos na própria concessão do benefício pela administração pública e no recebimento indevido por parte daqueles que deveriam ser os primeiros a almejar perspectivas de vida mais prósperas e independentes.
O outro caso de dependência – ainda mais crítico – é o que há entre a saúde financeira de várias prefeituras e os recursos provenientes do FPM, sem os quais elas não sobreviveriam. Criados sem condições fiscais para manutenção dos mais básicos serviços públicos, muitos municípios nem sequer deveriam existir como entes federativos independentes. Sem atividade econômica que gere arrecadação própria, esses municípios foram criados por razões da baixa política. Por interesses eleitoreiros de oligarquias locais, má-fé na obtenção de recursos da União e locupletamento de toda sorte na gestão pública, muitos distritos foram elevados à categoria de municípios sem condições para tal, com efeito pernicioso sobre as contas públicas e sobre a qualidade dos serviços aos munícipes. O grau de dependência desses municípios ao FPM hoje é tal que dificilmente será revertido. O que se pode esperar é que o surto emancipatório não prospere sem as devidas condições que o justifiquem.
O FPM é uma fonte de recursos para as prefeituras garantida pela Constituição. Uma parte da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) – 22,5%, como determina o art. 159 – deve ser repassada aos municípios pela União de acordo com critérios que levam em conta o número de habitantes. O ânimo do constituinte de 1988 foi atribuir ao FPM um caráter redistributivo. Vale dizer, quanto menor a cidade, maior porcentualmente será o volume de recursos federais repassados por intermédio do FPM.
Paradoxalmente, o aumento proporcional dos recursos do Bolsa Família nas contas municipais deve-se à grave crise econômica criada durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff, que, entre muitos efeitos deletérios para a vida nacional, levou à diminuição da atividade econômica, da arrecadação de impostos federais e, consequentemente, do repasse de recursos do FPM aos municípios. Ainda que os recursos do Bolsa Família tenham crescido proporcionalmente, isso não significa alívio automático para os cofres das cidades, ao contrário. A maioria dos beneficiários do programa gasta o subsídio em estabelecimentos da economia informal, que não geram aumento de receita tributária para os municípios. Além disso, embora a concessão do benefício esteja a cargo da União, o cadastro, o acompanhamento e a fiscalização do programa são de responsabilidade das prefeituras, e isso ocasiona um custo que muitas delas já não conseguem suportar.
Está-se diante de dois casos de dependência crônica. Passados 14 anos de sua criação, o Bolsa Família não serviu ao fim emancipatório que fora alardeado pela propaganda dos governos petistas. Não obstante o nobre intento de atender às necessidades mais prementes de uma significativa parcela da população, o benefício tornou-se, tão somente, um paliativo. Jamais teve o condão de retirar milhões de brasileiros da pobreza. Se é justo creditar-lhe a redução do porcentual de miséria absoluta no País, ao mesmo tempo dele continuam dependentes milhões de brasileiros, seja por falta de políticas públicas que, associadas ao Bolsa Família, de fato, ensejariam a reinserção dos beneficiários no mercado formal de trabalho e na economia produtiva, seja por desvios éticos na própria concessão do benefício pela administração pública e no recebimento indevido por parte daqueles que deveriam ser os primeiros a almejar perspectivas de vida mais prósperas e independentes.
O outro caso de dependência – ainda mais crítico – é o que há entre a saúde financeira de várias prefeituras e os recursos provenientes do FPM, sem os quais elas não sobreviveriam. Criados sem condições fiscais para manutenção dos mais básicos serviços públicos, muitos municípios nem sequer deveriam existir como entes federativos independentes. Sem atividade econômica que gere arrecadação própria, esses municípios foram criados por razões da baixa política. Por interesses eleitoreiros de oligarquias locais, má-fé na obtenção de recursos da União e locupletamento de toda sorte na gestão pública, muitos distritos foram elevados à categoria de municípios sem condições para tal, com efeito pernicioso sobre as contas públicas e sobre a qualidade dos serviços aos munícipes. O grau de dependência desses municípios ao FPM hoje é tal que dificilmente será revertido. O que se pode esperar é que o surto emancipatório não prospere sem as devidas condições que o justifiquem.
Planalto e bancada da corrupção não têm condições de abafar a Lava Jato
No Congresso Nacional, está tudo quase dominado, como se diz na gíria das facções criminosas. Amplamente majoritária, a bancada da corrupção se prepara para colocar em prática a operação destinada a abafar a Lava Jato. A ideia é seguir o exemplo do esvaziamento da operação Mãos Limpas na Itália, que curiosamente foi iniciada no Brasil, com a prisão do chefe mafioso Tommaso Buscetta na cidade de Itapema (SC) pelo delegado federal Pedro Berwanger. Após ser extraditado, Buscetta fez a fabulosa delação premiada que nos anos 90 devassou a corrupção na Itália, envolvendo 438 políticos, e entre eles havia quatro ex-primeiros-ministros. Mas a operação Mãos Limpas acabou inviabilizada por uma série de projetos legislativos e a trama até possibilitou que chegasse ao poder o empresário Silvio Berlusconi. Portanto, deu tudo errado, a corrupção voltou a reinar na política italiana.
No Brasil, a situação é semelhante. A campanha contra a Lava Jato está sendo desfechada pelo próprio governo, com apoio da esmagadora maioria do Congresso, e a estratégia traçada é uma cópia do esquema que deu resultado contra a Mãos Limpas. Aparentemente, tem tudo para conseguir êxito, mas há controvérsias, diria o genial ator Francisco Milani, que foi vereador pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), em 1992.
No caso da Itália, o esvaziamento da Mãos Limpas teve sucesso porque naquela época houve um acerto para amaciar a grande mídia e não existia internet. Além disso, as ações contra a corrupção tinham se tornado tão repetitivas (houve 2.993 mandados de prisão) que ninguém mais dava importância. E o crime organizado – que na Itália é uma espécie de instituição nacional – acabou saindo vitorioso.
Mas no Brasil essa situação não tem como se repetir, porque a internet mudou inteiramente o panorama. A grande mídia perde importância a cada dia e o país já está dominado pelas redes sociais. As notícias mais importantes dos blogs e sites independentes viralizam e são transmitidas por e-mails e celulares, não há quem possa evitar. A reação das redes sociais tornou-se irrepresável, irrefreável, irreparável, é ilusão desconhecer essa realidade.
No caso da Itália, o esvaziamento da Mãos Limpas teve sucesso porque naquela época houve um acerto para amaciar a grande mídia e não existia internet. Além disso, as ações contra a corrupção tinham se tornado tão repetitivas (houve 2.993 mandados de prisão) que ninguém mais dava importância. E o crime organizado – que na Itália é uma espécie de instituição nacional – acabou saindo vitorioso.
Mas no Brasil essa situação não tem como se repetir, porque a internet mudou inteiramente o panorama. A grande mídia perde importância a cada dia e o país já está dominado pelas redes sociais. As notícias mais importantes dos blogs e sites independentes viralizam e são transmitidas por e-mails e celulares, não há quem possa evitar. A reação das redes sociais tornou-se irrepresável, irrefreável, irreparável, é ilusão desconhecer essa realidade.
A morte de Teori Zavascki encheu de esperanças o Planalto e o Congresso, mas a bancada da corrupção não contava com a astúcia da ministra Cármen Lúcia, que convenceu o ministro Edson Fachin a passar para a Segunda Turma e se submeter ao sorteio do novo relator, e as regras do Supremo indicavam que seria ele o escolhido, por ser o mais novo e ter menos processos em estoque.
E logo na primeira semana o relator Fachin mostrou a que veio. Sua primeira decisão de importância foi aceitar a explosiva denúncia da Procuradoria da República contra Renan Calheiros, Romeró Jucá, José Sarney e Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro. O novo relator mandou abrir inquérito contra eles. Uma decepção enorme para o Planalto e o Congresso, pois julgava-se que Fachin fosse mais “compreensivo” em relação à classe política.
Em tradução simultânea, poder-se-ia dizer que não será nada fácil repetir o que aconteceu na Itália e inviabilizar a Lava Jato. Portanto, Karl Marx estava certo ao afirmar que a História somente se repete como farsa, conforme escreveu em seu ensaio “O 18 de Brumário de Luís Bonaparte”. E aqui no Brasil já estamos cansados de farsas.
E logo na primeira semana o relator Fachin mostrou a que veio. Sua primeira decisão de importância foi aceitar a explosiva denúncia da Procuradoria da República contra Renan Calheiros, Romeró Jucá, José Sarney e Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro. O novo relator mandou abrir inquérito contra eles. Uma decepção enorme para o Planalto e o Congresso, pois julgava-se que Fachin fosse mais “compreensivo” em relação à classe política.
Em tradução simultânea, poder-se-ia dizer que não será nada fácil repetir o que aconteceu na Itália e inviabilizar a Lava Jato. Portanto, Karl Marx estava certo ao afirmar que a História somente se repete como farsa, conforme escreveu em seu ensaio “O 18 de Brumário de Luís Bonaparte”. E aqui no Brasil já estamos cansados de farsas.
O pior governo...
O governo Temer aprovou praticamente tudo o que quis no Congresso, e recuperou o controle das finanças públicas. Os sinais da economia são positivos, pois a inflação entrou numa espiral descendente significativa. Mas está perdendo o controle de segurança pública, cuja responsabilidade principal é dos estados. Depois da crise dos presídios do Maranhão, Amazonas e Roraima, depara-se agora com uma grave crise no Espírito Santo. O jurista italiano Norberto Bobbio dizia que todo governo, mesmo o pior, é a forma mais concentrada de poder. Quando nada nele funciona, as tarefas essenciais do Estado são mantidas: arrecadar, normatizar e coagir. Quando um governo perde a capacidade de manter a ordem pública, deixa de ser um governo ruim para ser desgoverno. É o que está acontecendo no Espírito Santo e pode se generalizar.
É paradoxal a situação capixaba (cujo governo aparentemente fez o dever de casa fiscal), que ameaça se alastrar para o Rio de Janeiro (cujo governo faliu ética e financeiramente), onde uma greve da PM teria consequências, digamos, “iraquianas”. Não é a primeira vez que policiais militares se amotinam, isso aconteceu nos governos FHC e Lula, mas é a primeira vez que o Exército, a Marinha, a Aeronáutica e a Força Nacional intervêm num estado, como agora, e não acontece nada. Os amotinados continuam aquartelados, embora 600 militares já tenham voltado a trabalhar. Já passou a hora de entrar no quartel-general da Polícia Militar do Espírito Santo, em Maruípe, para restabelecer a disciplina da tropa.
A negociação é conduzida pelas autoridades estaduais, que empurram a situação com a barriga porque há mais de 3 mil homens das tropas federais substituindo a PM. Estão convencidos de que uma intervenção do Exército pode resultar numa tragédia. Conversa fiada. Não existe um precedente, desde a Revolução Constitucionalista de 1932, de tropas estaduais se confrontarem com o Exército. A Constituição estabelece a subordinação hierárquica das polícias militares ao Exército, em casos excepcionais, exatamente porque a antiga Força Pública de São Paulo rivalizava com as tropas da União em poderio bélico. Não serão os militares capixabas que cometerão a loucura de patrocinar um confronto dessa espécie, ainda mais com a maioria da população revoltada com seu comportamento irresponsável e perverso.
Alguma coisa de muito estranha acontece. O governador Paulo Hartung, que reassumirá o governo amanhã, faz um discurso com começo, meio e fim, quanto ao ajuste fiscal e ao respeito à disciplina e à ordem, mas tergiversa quando fala do atual comando da Polícia Militar, que perdeu o controle da situação. O quartel-general de Maruípe continua sendo o reduto dos amotinados, que ameaçam reagir a tiros, caso o Exército disperse o grupo de mulheres que protestam à sua porta. É uma situação desmoralizante, que se alastra para vários quartéis do Rio de Janeiro.
O presidente Michel Temer determinou o envio de tropas na segunda-feira, mas manteve distância regulamentar da crise a semana toda, como todo velho político que mergulha quando a onda quebra. Somente na sexta-feira, pela primeira vez, se manifestou oficialmente. Sua nota é conciliadora, mas, se não for levada em conta — como parece que não será —, sua autoridade sairá desgastada. Ontem, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, desembarcou no Espírito Santo com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Reuniu-se com as autoridades do governo local e depois deu uma boa entrevista. Palavras ao vento, porque o estado-maior do motim continua o faz de conta em Maruípe.
É paradoxal a situação capixaba (cujo governo aparentemente fez o dever de casa fiscal), que ameaça se alastrar para o Rio de Janeiro (cujo governo faliu ética e financeiramente), onde uma greve da PM teria consequências, digamos, “iraquianas”. Não é a primeira vez que policiais militares se amotinam, isso aconteceu nos governos FHC e Lula, mas é a primeira vez que o Exército, a Marinha, a Aeronáutica e a Força Nacional intervêm num estado, como agora, e não acontece nada. Os amotinados continuam aquartelados, embora 600 militares já tenham voltado a trabalhar. Já passou a hora de entrar no quartel-general da Polícia Militar do Espírito Santo, em Maruípe, para restabelecer a disciplina da tropa.
Alguma coisa de muito estranha acontece. O governador Paulo Hartung, que reassumirá o governo amanhã, faz um discurso com começo, meio e fim, quanto ao ajuste fiscal e ao respeito à disciplina e à ordem, mas tergiversa quando fala do atual comando da Polícia Militar, que perdeu o controle da situação. O quartel-general de Maruípe continua sendo o reduto dos amotinados, que ameaçam reagir a tiros, caso o Exército disperse o grupo de mulheres que protestam à sua porta. É uma situação desmoralizante, que se alastra para vários quartéis do Rio de Janeiro.
O presidente Michel Temer determinou o envio de tropas na segunda-feira, mas manteve distância regulamentar da crise a semana toda, como todo velho político que mergulha quando a onda quebra. Somente na sexta-feira, pela primeira vez, se manifestou oficialmente. Sua nota é conciliadora, mas, se não for levada em conta — como parece que não será —, sua autoridade sairá desgastada. Ontem, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, desembarcou no Espírito Santo com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Reuniu-se com as autoridades do governo local e depois deu uma boa entrevista. Palavras ao vento, porque o estado-maior do motim continua o faz de conta em Maruípe.
Uma das características de Temer é a fleuma. Maquiavel, porém, dizia que nem sempre a prudência é uma virtú. Em determinadas circunstâncias, a fortuna exige certa dose de audácia. A aposta do governo nas reformas da Previdência e trabalhista, por exemplo, são iniciativas audaciosas no terreno do combate à crise fiscal e da retomada do crescimento. Mas enfrentam reações das corporações encasteladas no Estado, entre as quais, os oficiais das polícias militares.
Essa resistência ao ajuste fiscal não existe apenas no Espírito Santo. Imaginemos que a tática das “paisanas” venha a ser adotada em todo o país, como já acontece no Rio de Janeiro, e que o comportamento das tropas também se repita, o que felizmente ainda não aconteceu. Qual será a saída para o impasse? Cada um que imagine a resposta, vamos apenas contextualizá-la: a elite política do país nunca esteve tão desgastada, com o Congresso desmoralizado e vários ministros citados nas delações premiadas da Operação Lava-Jato. O que garante o Estado democrático de direito no Brasil não são seus líderes, é o funcionamento de suas instituições políticas. A nossa elite política afronta a sociedade com atitudes e decisões voltadas exclusivamente para seus próprios interesses, num momento em que o bem comum deve falar mais alto. É aí que está o perigo de os governos serem volatilizados, como no Espírito Santo.Lava Jato em perigo
Crescem os rumores de que o governo e o Congresso estão conseguindo sufocar a Operação Lava Jato. São tantos os políticos enrolados na corrupção que vem obtendo sucesso a tentativa de enfraquecer a ação contra a maior roubalheira da História da República. Não são promissoras a ida de Alexandre de Moraes para o Supremo Tribunal Federal, de Edison Lobão para a presidência da Comissão de Constituição e Justiça do Senado e dos presidentes das duas casas do Legislativo. Aguarda-se a nomeação do novo ministro da Justiça para evidenciar a construção de uma muralha de defesa dos que têm contas a ajustar com a Justiça.
Enquanto isso, é inexplicável a demora da divulgação da lista da Odebrecht, designando os quase 200 deputados e senadores denunciados como envolvidos na tramoia da empreiteira. Mobiliza-se também a mídia para desmoralizar o juiz Sérgio Moro e os procuradores de Curitiba.
Trata-se de uma armação com a finalidade de empurrar com a barriga o processo de moralização da vida pública. Há frustração na opinião pública, exigindo uma reação daqueles que se colocaram na linha de frente da moralidade. Basta ver quantos dos já condenados pela lambança encontram-se cumprindo suas penas em casa, beneficiados de luxo e regalias.
Seria necessário o Supremo liberar logo as delações feitas pelos diretores e ex-diretores da Odebrecht, bem como das demais empresas envolvidas em atividades criminosas. Não demora vencerá o prazo para as prescrições, fazendo a alegria dos bandidos.
Trata-se de uma armação com a finalidade de empurrar com a barriga o processo de moralização da vida pública. Há frustração na opinião pública, exigindo uma reação daqueles que se colocaram na linha de frente da moralidade. Basta ver quantos dos já condenados pela lambança encontram-se cumprindo suas penas em casa, beneficiados de luxo e regalias.
Seria necessário o Supremo liberar logo as delações feitas pelos diretores e ex-diretores da Odebrecht, bem como das demais empresas envolvidas em atividades criminosas. Não demora vencerá o prazo para as prescrições, fazendo a alegria dos bandidos.
Brasil terá ao menos 2,5 milhões de 'novos pobres' até o fim do ano
Estudo inédito do Banco Mundial, ao qual o GLOBO teve acesso, aponta que o número de pessoas vivendo na pobreza no Brasil aumentará entre 2,5 milhões e 3,6 milhões até o fim deste ano. Denominados de “novos pobres” pela instituição internacional, porque estavam acima da linha da pobreza em 2015 e já caíram ou cairão abaixo dela neste ano, eles são na maioria adultos jovens, de áreas urbanas, com escolaridade média e que foram expulsos do mercado de trabalho formal pelo desemprego.
Se quiser estancar o crescimento da pobreza extrema aos níveis de 2015, base mais atual de dados oficiais sobre renda, o governo terá que aumentar o orçamento do Bolsa Família este ano para R$ 30,4 bilhões no cenário econômico mais otimista e para R$ 31 bilhões no quadro mais pessimista, aponta relatório do Banco Mundial. Para 2017, o programa de transferência de renda tem R$ 29,8 bilhões garantidos.
Como o benefício do Bolsa Família varia conforme a composição familiar, número e idade dos dependentes, presença ou não de gestantes, entre outros aspectos, os técnicos da instituição internacional fizeram uma análise complexa para estimar o ajuste necessário no programa. Segundo as projeções, de 810 mil a 1,1 milhão de famílias serão elegíveis para receber o benefício este ano, o que demandará o orçamento adicional calculado.
Por meio de simulações, o relatório projetou a taxa de pobreza extrema no país, calculada em 3,4% em 2015, com e sem o incremento no Bolsa Família. Se o programa não aumentar, aponta o Banco Mundial, a proporção de brasileiros em situação de miséria subirá para 4,2% este ano no cenário otimista e para 4,6% no pessimista. Caso a cobertura seja ampliada, conforme recomendado, a taxa terá um leve crescimento para 3,5% e 3,6%, nos dois quadros econômicos traçados.
A partir dos dados oficiais sobre renda mais recentes, coletados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2015, o Banco Mundial estima que 8,7% da população, ou 17,3 milhões de brasileiros, viviam abaixo da linha da pobreza naquele ano, contra 7,4% em 2014.
Foi o primeiro aumento da pobreza após uma década de quedas sucessivas. E as projeções do Banco Mundial apontam que a curva continuou ascendente em 2016 e assim permanecerá neste ano.
Segundo a instituição, o número de pobres deve chegar a 19,8 milhões de pessoas num cenário otimista de crescimento econômico em 2017, dos quais 8,5 milhões estarão na extrema pobreza. Na previsão pessimista, de mais um ciclo de recessão, serão 20,9 milhões de pobres, sendo 9,4 milhões em estado de miséria.
Leia mais
Se quiser estancar o crescimento da pobreza extrema aos níveis de 2015, base mais atual de dados oficiais sobre renda, o governo terá que aumentar o orçamento do Bolsa Família este ano para R$ 30,4 bilhões no cenário econômico mais otimista e para R$ 31 bilhões no quadro mais pessimista, aponta relatório do Banco Mundial. Para 2017, o programa de transferência de renda tem R$ 29,8 bilhões garantidos.
Por meio de simulações, o relatório projetou a taxa de pobreza extrema no país, calculada em 3,4% em 2015, com e sem o incremento no Bolsa Família. Se o programa não aumentar, aponta o Banco Mundial, a proporção de brasileiros em situação de miséria subirá para 4,2% este ano no cenário otimista e para 4,6% no pessimista. Caso a cobertura seja ampliada, conforme recomendado, a taxa terá um leve crescimento para 3,5% e 3,6%, nos dois quadros econômicos traçados.
A partir dos dados oficiais sobre renda mais recentes, coletados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2015, o Banco Mundial estima que 8,7% da população, ou 17,3 milhões de brasileiros, viviam abaixo da linha da pobreza naquele ano, contra 7,4% em 2014.
Foi o primeiro aumento da pobreza após uma década de quedas sucessivas. E as projeções do Banco Mundial apontam que a curva continuou ascendente em 2016 e assim permanecerá neste ano.
Segundo a instituição, o número de pobres deve chegar a 19,8 milhões de pessoas num cenário otimista de crescimento econômico em 2017, dos quais 8,5 milhões estarão na extrema pobreza. Na previsão pessimista, de mais um ciclo de recessão, serão 20,9 milhões de pobres, sendo 9,4 milhões em estado de miséria.
Leia mais
Assinar:
Postagens (Atom)