Já por tempo de mais aqui andamos
A fingir de razões suficientes.
Sejamos cães do cão: sabemos tudo
De morder os mais fracos, se mandamos,
E de lamber as mãos, se dependentes.
José Saramago
sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018
Troca-troca partidário envolve oferta de dinheiro
Prepare-se para retirar as crianças da sala no mês que vem. Os políticos se autoconcenderam uma autorização para mudar de partido durante o mês de março sem sofrer punições. Abriu-se o que eles chamam de “janela partidária”. Nesse exato momento está acontecendo uma aberração que logo escalará as manchetes na forma de mais um escândalo: a pretexto de seduzir políticos com bom potencial de votos, partidos lavajatistas estão oferecendo dinheiro. É verba pública. Sai do fundo eleitoral. Alega-se que tudo será usado na campanha. Sabe Deus! Há ofertas de mais de R$ 2 milhões.
O Tribunal Superior Eleitoral acaba de potencializar esse balcão ao autorizar os partidos a despejaram na caixa registradora da eleição o dinheiro público do Fundo Partidário, que serve para bancar o funcionamento das legendas. Com isso, o fundo eleitoral, que era de R$ 1,7 bilhão, pode ser vitaminado em mais R$ 888 milhões, saltando para mais de R$ 2,5 bilhões.
Arma-se nos subterrâneos da política uma arapuca para o próximo presidente da República. Partidos fisiológicos de porte médio não gastarão dinheiro com candidatos ao Planalto. Muitos não disputarão nem os governos estaduais. Por quê? Querem concentrar seus investimentos na eleição de congressistas. Com bancadas maiores, os caciques desses partidos terão mais dinheiro do Fundo partidário e mais força para chantagear o sucessor de Michel Temer. Seja quem for, o próximo presidente será prisioneiro do mesmo círculo vicioso que produziu a Lava Jato. Os políticos desonestos não perdem por esperar. Eles sempre ganham.
O grande roubo
Repararam na denúncia contra o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu? 100 mil dólares, menos de 340 mil reais, esse é o valor de presentes que ele teria recebido de um empresário amigo - segundo denúncia formal da polícia. Claro que corrupção é corrupção - foram presentes em troca de favores do governo - mas vamos reconhecer: uma mixaria, um dinheiro de troco quando comparado aos valores descobertos pela Lava Jato aqui e na América Latina.
Eis alguns números: Israel tem uma população de 8,3 milhões e um PIB de US$ 350 bilhões. Portanto, um país de renda elevada. O governo lá gasta em torno de US$ 102 bilhões ao ano.
Tomemos agora El Salvador. População de 6,2 milhões, para um produto total de US$ 27,1 bilhões. O PIB per capita é muito pobre, de apenas US$ 4,3 mil/ano. E o governo tem despesas anuais de meros US$ 6,7 bilhões.
Quanto maior o governo e maiores suas despesas, maiores as possibilidades de corrupção, certo? Mas não foi bem assim.
O ex-presidente de El Salvador Mauricio Funes foi recentemente condenado pela Justiça de seu país a devolver ao governo 200 mil dólares. Seu filho, Diego Funes, tem que devolver um pouco mais, US$ 212 mil, mas pelo mesmo motivo, enriquecimento ilícito.
Ou seja, o roubo per capita, digamos assim, é infinitamente maior em El Salvador. Tem mais, porém. O marqueteiro João Santana disse que Lula e Antônio Palocci mexeram os pauzinhos para que a Odebrecht financiasse a campanha de Funes, isso em 2009. Marcelo Odebrecht disse que atendeu o pleito e mandou mais de US$ 1,5 milhão para a campanha em El Salvador.
Entre parênteses: eleito, Funes recebeu empréstimo do BNDES, para cuja assinatura recebeu o então presidente Lula. E mais uma "coisinha": processado depois que deixou o governo, Funes conseguiu asilo político na Nicarágua, presidida por seu amigo bolivariano, Daniel Ortega. Interessante, não é mesmo?
Voltando ao tema central: não se trata de absolver Netanyahu por roubar pouco. Trata-se aqui de mostrar o tamanho inacreditável da corrupção espalhada pela América Latina, especialmente via Odebrecht.
Alguns exemplos: no Equador (população de 16,2 milhões, PIB de US$ 98,5 bilhões), o atual vice-presidente , Jorge Glas, está condenado a seis anos de prisão. Segundo a delação da Odebrecht, foram nada menos que US$ 33 milhões as propinas pagas a agentes públicos, incluindo o vice-presidente.
No Peru (31 milhões de habitantes, produto de US$ 210 bilhões) a Odebrecht declara pagamentos superiores a US$ 50 milhões. Um ex-presidente está preso, Ollanta Humala, um foragido, Alejandro Toledo, e o atual, Pedro Paulo Kuczynski, escapou do impeachment por oito votos. Todos acusados de serem "beneficiados" por recursos ilegais da Odebrecht.
No pequeno Panamá (população de 3,7 milhões, PIB de US$ 59 bilhões), a Odebrecht tinha, ainda tem, muitas obras - aeroporto, estradas e metrô - além de ter levantado um belíssimo museu, desenhado pelo celebrado arquiteto Frank Gehry. Na entrada desse museu, está lá: "Patrono Odebrecht". Segundo as delações da empreiteira brasileira, foram mais de US$ 60 milhões em propinas, boa parte do dinheiro depositada diretamente na conta dos filhos do então presidente Ricardo Martinelli.
É certamente a maior corrupção per capita da América Latina. O ex-presidente foi preso nos Estados Unidos, pela Interpol, depois de condenado em seu país. Os filhos estão foragidos. O governo do Panamá também recebeu financiamentos do BNDES.
Mario Vargas Llosa ironizou. Algum dia, comentou, a gente vai ter que dar um prêmio, levantar um monumento, alguma coisa assim, para a Odebrecht. Isso mesmo, por ter desvendado o tamanho da corrupção nesta América Latina.
Ela mesmo paga.
Roubar está sempre errado. Mas roubar tanto, em países tão pobres, com populações tão carentes, é certamente um grande roubo.
Em tempo: o ex-presidente da Guatemala Alvaro Colom foi preso na última terça-feira, com vários ex-ministros. Mas desta vez, a Odebrecht não está n o meio. Teria sido propina na compra de ônibus.
E todos, claro, incluindo Netanyahu, negam tudo.
Eis alguns números: Israel tem uma população de 8,3 milhões e um PIB de US$ 350 bilhões. Portanto, um país de renda elevada. O governo lá gasta em torno de US$ 102 bilhões ao ano.
Tomemos agora El Salvador. População de 6,2 milhões, para um produto total de US$ 27,1 bilhões. O PIB per capita é muito pobre, de apenas US$ 4,3 mil/ano. E o governo tem despesas anuais de meros US$ 6,7 bilhões.
Quanto maior o governo e maiores suas despesas, maiores as possibilidades de corrupção, certo? Mas não foi bem assim.
O ex-presidente de El Salvador Mauricio Funes foi recentemente condenado pela Justiça de seu país a devolver ao governo 200 mil dólares. Seu filho, Diego Funes, tem que devolver um pouco mais, US$ 212 mil, mas pelo mesmo motivo, enriquecimento ilícito.
Entre parênteses: eleito, Funes recebeu empréstimo do BNDES, para cuja assinatura recebeu o então presidente Lula. E mais uma "coisinha": processado depois que deixou o governo, Funes conseguiu asilo político na Nicarágua, presidida por seu amigo bolivariano, Daniel Ortega. Interessante, não é mesmo?
Voltando ao tema central: não se trata de absolver Netanyahu por roubar pouco. Trata-se aqui de mostrar o tamanho inacreditável da corrupção espalhada pela América Latina, especialmente via Odebrecht.
Alguns exemplos: no Equador (população de 16,2 milhões, PIB de US$ 98,5 bilhões), o atual vice-presidente , Jorge Glas, está condenado a seis anos de prisão. Segundo a delação da Odebrecht, foram nada menos que US$ 33 milhões as propinas pagas a agentes públicos, incluindo o vice-presidente.
No Peru (31 milhões de habitantes, produto de US$ 210 bilhões) a Odebrecht declara pagamentos superiores a US$ 50 milhões. Um ex-presidente está preso, Ollanta Humala, um foragido, Alejandro Toledo, e o atual, Pedro Paulo Kuczynski, escapou do impeachment por oito votos. Todos acusados de serem "beneficiados" por recursos ilegais da Odebrecht.
No pequeno Panamá (população de 3,7 milhões, PIB de US$ 59 bilhões), a Odebrecht tinha, ainda tem, muitas obras - aeroporto, estradas e metrô - além de ter levantado um belíssimo museu, desenhado pelo celebrado arquiteto Frank Gehry. Na entrada desse museu, está lá: "Patrono Odebrecht". Segundo as delações da empreiteira brasileira, foram mais de US$ 60 milhões em propinas, boa parte do dinheiro depositada diretamente na conta dos filhos do então presidente Ricardo Martinelli.
É certamente a maior corrupção per capita da América Latina. O ex-presidente foi preso nos Estados Unidos, pela Interpol, depois de condenado em seu país. Os filhos estão foragidos. O governo do Panamá também recebeu financiamentos do BNDES.
Mario Vargas Llosa ironizou. Algum dia, comentou, a gente vai ter que dar um prêmio, levantar um monumento, alguma coisa assim, para a Odebrecht. Isso mesmo, por ter desvendado o tamanho da corrupção nesta América Latina.
Ela mesmo paga.
Roubar está sempre errado. Mas roubar tanto, em países tão pobres, com populações tão carentes, é certamente um grande roubo.
Em tempo: o ex-presidente da Guatemala Alvaro Colom foi preso na última terça-feira, com vários ex-ministros. Mas desta vez, a Odebrecht não está n o meio. Teria sido propina na compra de ônibus.
E todos, claro, incluindo Netanyahu, negam tudo.
Judiciário brasileiro é 3,5 vezes mais caro que o alemão
O custo do Poder Judiciário brasileiro voltou aos holofotes após a revelação de que juízes da Operação Lava Jato recebem auxílio-moradia mesmo quando possuem imóveis nas cidades em que trabalham. Em 2017, o auxílio-moradia para juízes e procuradores custou 399 milhões de reais aos cofres públicos. O valor, no entanto, empalidece quando comparado aos gastos totais do Judiciário: 84,8 bilhões de reais em 2016, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Os brasileiros pagam por um dos sistemas judiciários mais caros do mundo. O valor de 2016 representou 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. No mesmo período, os gastos com a Justiça na Alemanha alcançaram apenas 0,4% do PIB. Ou seja, o Judiciário brasileiro custa, relativamente, 3,5 vezes mais aos cofres públicos do que o alemão. A diferença é expressiva mesmo se for considerado que o PIB alemão é o dobro do brasileiro.
Outras comparações também evidenciam como os brasileiros gastam mais. Em 2015, o Judiciário alemão custou em média 150 euros (cerca de 600 reais) por habitante. No Brasil, a proporção foi de 413,51 reais no mesmo período. O valor mais alto na Alemanha não significa que seus habitantes pagaram proporcionalmente mais, já que a renda per capita dos alemães é quase cinco vezes a dos brasileiros.
Na questão salarial, o Brasil também destoa da Alemanha, especialmente no pagamento aos juízes. Segundo dados do CNJ, cada juiz custou aos cofres públicos 47,7 mil reais em 2016. O valor supera claramente o teto constitucional de 33 mil reais.
Para contornar o limite, salários são turbinados com extras, como o auxílio-moradia, auxílio-alimentação, auxílio-paletó, auxílio-educação, adicional mais alto nas férias, entre outros, que não são descontados no imposto de renda. Graças a esses penduricalhos, os magistrados ganham em média 572 mil reais por ano.
Na Alemanha, os valores podem variar conforme o tribunal (instâncias superiores pagam mais), o cargo (posições de chefia têm salário maior), o tempo de serviço e o estado da Federação. Os maiores salários são pagos aos juízes das cortes federais superiores. A média na Alemanha é de 110 mil euros anuais (442 mil reais) – consideravelmente inferior ao salário dos juízes do Brasil.
Nas cortes distritais, os valores são ainda mais baixos. Um juiz alemão experiente, com pelo menos 20 anos de carreira num tribunal distrital, pode almejar 77 mil euros anuais (310 mil reais) – quase a metade do salário dos ganhos médios dos juízes brasileiros.
Para os juízes em início de carreira, os valores são ainda mais baixos. Em alguns tribunais estaduais, como em Baden-Württemberg, um magistrado em início de carreira recebe 3.347 euros (13.450 reais) por mês.
Em média, quando consideradas as variações regionais, o salário inicial de um juiz é de 45 mil euros anuais (180.800 reais), segundo dados da Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça – juízes brasileiros podem receber o triplo desse valor já no início da carreira, graças ao salário-base e os penduricalhos.
Também não há extras comparáveis ao sistema brasileiro. Uma das raras benesses que os juízes alemães recebem é um auxílio para pagamento de despesas médicas. O mesmo vale para os procuradores.
Na Europa em geral, o auxílio-moradia que causou discórdia no Brasil só existe em países como Portugal, Ucrânia, Rússia, Turquia e Montenegro, segundo dados da Comissão Europeia.
Alguns estados alemães pagam um "bônus de Natal" para os servidores públicos (inclusive juízes), mas os valores não passam de algumas centenas de euros. Em Berlim, por exemplo, o bônus rendeu entre 640 e 900 euros extras para os magistrados no final do ano passado.
Tal como os juízes brasileiros, os alemães também costumam se queixar dos salários. Os ganhos iniciais de juízes estaduais e de instâncias superiores são menores do que em países vizinhos, como Áustria e Bélgica.
Em 2014, um grupo de juízes e procuradores do estado alemão de Saxônia-Anhalt se queixou dos valores junto ao Tribunal Constitucional Federal. Meses depois, a corte avaliou que, de fato, os salários de início de carreira do estado estavam abaixo do necessário para a subsistência. Recentemente, juízes e procuradores da Baixa Saxônia apresentaram queixa similar.
Segundo associações de juízes da Alemanha, tais salários desestimulam candidatos à magistratura, que acabam sendo levados a seguir a carreira advocatícia, onde os ganhos potenciais são maiores. Hoje há um déficit de 2 mil juízes nos tribunais estaduais do país, e os estados enfrentam dificuldades para preencher as vagas.
Em média, os juízes alemães em início de carreira ganham apenas 16% a mais que a renda média do país. No Brasil, os juízes ganham em média 2.100% a mais.
O contraste entre o sistema alemão e o brasileiro também ocorre no pessoal. Mesmo sendo mais caro até mesmo em valores absolutos (em 2015 o Judiciário alemão custou cerca de 50 bilhões de reais), o Brasil tem menos juízes do que o país europeu. São oito para cada grupo de 100 mil habitantes. Já a Alemanha tem cerca de 24 juízes por 100 mil habitantes.
Em ambos os países, o grosso do orçamento vai para o pagamento de pessoal. Mas as semelhanças param por aí. No Brasil, a folha de pagamento consumiu 89,5% dos 84,8 bilhões em 2016. Só que a maior parte desse valor não foi destinada aos magistrados, mas aos servidores (ativos e inativos) e auxiliares (terceirizados, estagiários, entre outros). Na Alemanha, a percentagem de gasto com pessoal se manteve em 70% do orçamento do Judiciário nos últimos anos.
O quadro do Judiciário brasileiro contava com 424 mil pessoas em 2016, e a proporção alcançou 205 funcionários para cada grupo de 100 mil habitantes. Na Alemanha, mal alcança 67 para cada 100 mil habitantes.
Deutsche Welle
Outras comparações também evidenciam como os brasileiros gastam mais. Em 2015, o Judiciário alemão custou em média 150 euros (cerca de 600 reais) por habitante. No Brasil, a proporção foi de 413,51 reais no mesmo período. O valor mais alto na Alemanha não significa que seus habitantes pagaram proporcionalmente mais, já que a renda per capita dos alemães é quase cinco vezes a dos brasileiros.
Na questão salarial, o Brasil também destoa da Alemanha, especialmente no pagamento aos juízes. Segundo dados do CNJ, cada juiz custou aos cofres públicos 47,7 mil reais em 2016. O valor supera claramente o teto constitucional de 33 mil reais.
Para contornar o limite, salários são turbinados com extras, como o auxílio-moradia, auxílio-alimentação, auxílio-paletó, auxílio-educação, adicional mais alto nas férias, entre outros, que não são descontados no imposto de renda. Graças a esses penduricalhos, os magistrados ganham em média 572 mil reais por ano.
Na Alemanha, os valores podem variar conforme o tribunal (instâncias superiores pagam mais), o cargo (posições de chefia têm salário maior), o tempo de serviço e o estado da Federação. Os maiores salários são pagos aos juízes das cortes federais superiores. A média na Alemanha é de 110 mil euros anuais (442 mil reais) – consideravelmente inferior ao salário dos juízes do Brasil.
Nas cortes distritais, os valores são ainda mais baixos. Um juiz alemão experiente, com pelo menos 20 anos de carreira num tribunal distrital, pode almejar 77 mil euros anuais (310 mil reais) – quase a metade do salário dos ganhos médios dos juízes brasileiros.
Para os juízes em início de carreira, os valores são ainda mais baixos. Em alguns tribunais estaduais, como em Baden-Württemberg, um magistrado em início de carreira recebe 3.347 euros (13.450 reais) por mês.
Em média, quando consideradas as variações regionais, o salário inicial de um juiz é de 45 mil euros anuais (180.800 reais), segundo dados da Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça – juízes brasileiros podem receber o triplo desse valor já no início da carreira, graças ao salário-base e os penduricalhos.
Também não há extras comparáveis ao sistema brasileiro. Uma das raras benesses que os juízes alemães recebem é um auxílio para pagamento de despesas médicas. O mesmo vale para os procuradores.
Na Europa em geral, o auxílio-moradia que causou discórdia no Brasil só existe em países como Portugal, Ucrânia, Rússia, Turquia e Montenegro, segundo dados da Comissão Europeia.
Alguns estados alemães pagam um "bônus de Natal" para os servidores públicos (inclusive juízes), mas os valores não passam de algumas centenas de euros. Em Berlim, por exemplo, o bônus rendeu entre 640 e 900 euros extras para os magistrados no final do ano passado.
Tal como os juízes brasileiros, os alemães também costumam se queixar dos salários. Os ganhos iniciais de juízes estaduais e de instâncias superiores são menores do que em países vizinhos, como Áustria e Bélgica.
Em 2014, um grupo de juízes e procuradores do estado alemão de Saxônia-Anhalt se queixou dos valores junto ao Tribunal Constitucional Federal. Meses depois, a corte avaliou que, de fato, os salários de início de carreira do estado estavam abaixo do necessário para a subsistência. Recentemente, juízes e procuradores da Baixa Saxônia apresentaram queixa similar.
Segundo associações de juízes da Alemanha, tais salários desestimulam candidatos à magistratura, que acabam sendo levados a seguir a carreira advocatícia, onde os ganhos potenciais são maiores. Hoje há um déficit de 2 mil juízes nos tribunais estaduais do país, e os estados enfrentam dificuldades para preencher as vagas.
Em média, os juízes alemães em início de carreira ganham apenas 16% a mais que a renda média do país. No Brasil, os juízes ganham em média 2.100% a mais.
O contraste entre o sistema alemão e o brasileiro também ocorre no pessoal. Mesmo sendo mais caro até mesmo em valores absolutos (em 2015 o Judiciário alemão custou cerca de 50 bilhões de reais), o Brasil tem menos juízes do que o país europeu. São oito para cada grupo de 100 mil habitantes. Já a Alemanha tem cerca de 24 juízes por 100 mil habitantes.
Em ambos os países, o grosso do orçamento vai para o pagamento de pessoal. Mas as semelhanças param por aí. No Brasil, a folha de pagamento consumiu 89,5% dos 84,8 bilhões em 2016. Só que a maior parte desse valor não foi destinada aos magistrados, mas aos servidores (ativos e inativos) e auxiliares (terceirizados, estagiários, entre outros). Na Alemanha, a percentagem de gasto com pessoal se manteve em 70% do orçamento do Judiciário nos últimos anos.
O quadro do Judiciário brasileiro contava com 424 mil pessoas em 2016, e a proporção alcançou 205 funcionários para cada grupo de 100 mil habitantes. Na Alemanha, mal alcança 67 para cada 100 mil habitantes.
Deutsche Welle
'A grande tragédia brasileira é que o Estado não tem resposta para a violência'
Desde meados de 2016, as duas maiores facções criminosas do Brasil estão rompidas. A disputa entre a facção paulista Primeiro Comando da Capital (PCC)e o Comando Vermelho (CV) está presente nos conflitos que extrapolaram as cadeias e atingem a população de Manaus, Boa Vista, Porto Velho, Natal e o Rio de Janeiro. Recentemente, o secretário de Segurança Pública e Administração Penitenciária do Goiás, Ricardo Balestreri, admitiu que a disputa entre as facções foi o principal motivo da rebelião que deixou nove mortos e 14 feridos no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia logo no primeiro dia do ano. Semanas depois, no final de janeiro, o Ceará viveu a maior chacina de sua história, com o assassinato de 14 pessoas no bairro de Cajazeiras, periferia de Fortaleza. A imprensa noticiou que os atiradores pertenciam à facção GDE (Guardiões do Estado), aliados locais do PCC, e que as vítimas participavam de um forró promovido pelo CV. A disputa do PCC pelo Estado — em que o CV era predominante — abertamente em áudios divulgados pelo UOL de um grupo de whatsapp que, segundo o portal, é de membros do PCC cearense.
Para Camila Nunes Dias, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP), professora da Universidade Federal do ABC (UFABC) e autora do livro PCC: hegemonia nas prisões e monopólio da violência(Editora Saraiva), o mais preocupante é a incapacidade do Estado em se antecipar à violência gestada nas prisões. “Toda a redução ou o aumento da violência, nas ruas e nas prisões, vai depender da própria população carcerária e dos grupos criminosos”, analisa. Ela vê a disputa pelo domínio nas prisões como o principal motivo do rompimento entre os maiores grupos criminosos do país, diz não haver soluções de curto prazo para o conflito entre as facções e critica a política de guerra às drogas. “Já foi demonstrado que em nenhum lugar do mundo a guerra às drogas teve sucesso, nunca se conseguiu reduzir as demandas pelas substâncias proibidas e, portanto, ela é incapaz de impedir a comercialização”, afirma.
Quais são os principais reflexos do rompimento entre o PCC e o Comando Vermelho nas ruas e nas cadeias passados quase dois anos?
Acho que uma das questões mais centrais quando se trata a respeito dessa questão é a profunda incapacidade do Estado de garantir a segurança dos presos e das populações, sobretudo aquelas que vivem em territórios e regiões controladas por esses grupos. A gente percebe que a disseminação das facções, como esses grupos são chamados, traz um profundo impacto sobre a questão da violência de uma forma geral. Muitas vezes quando se anunciam programas que visam reduzir os homicídios e há uma queda na taxa de homicídios, por exemplo, como aconteceu no Ceará há alguns anos, essa queda muitas vezes está ligada à composição entre esses grupos, a alianças, acordos que eles fazem entre si. Como você teve o anúncio dos números do Ceará Pacífico [programa de redução da violência lançado em 2015 pelo governador Camilo Santana], por exemplo, você vê como essas políticas públicas são frágeis diante das dinâmicas das facções. Uma análise que para mim fica bastante evidente, não só diante desses acontecimentos atuais, mas pegando de uma perspectiva mais de longo prazo e cotejando isso tudo com a questão de política pública, você vê que na verdade não há política pública. Então quando a gente se vê numa situação em que os grupos deixam de conviver entre si e isso se rompe, o Estado, como não tem política pública, é incapaz de prevenir situações de extrema violência como as que estamos vendo agora no Ceará, no Rio Grande do Norte e em vários outros estados brasileiros.
Do início do ano para cá, já tivemos uma rebelião sangrenta no Goiás e, segundo a imprensa, a maior chacina da história do estado do Ceará. Ambos os episódios foram associados ao PCC e poderiam ser reflexos do rompimento com o CV. Isso sinaliza um aumento dos conflitos em nível regional por conta desse rompimento entre as facções?
Acho difícil avaliar se há uma escalada de crescimento nos conflitos. O PCC e o Comando Vermelho são dois grupos que têm uma maior presença nacional, principalmente o PCC, mas o CV também. Quando, há dois anos atrás, eles anunciaram uma ruptura, era claro que isso apontava para uma perspectiva de ter conflitos graves justamente por serem grupos de presença nacional e até então, desde a fundação do PCC – quando o Comando Vermelho já existia – eles conviviam entre si. Os presos de ambos os grupos ficavam nas mesmas penitenciárias, nas localidades onde um ou outro grupo tinha maior presença, e essa convivência era muitas vezes de colaboração, de parcerias comerciais. Quando há essa ruptura anunciada lá em junho de 2016, houve essa perspectiva de uma grande desestabilização entre os grupos criminosos dentro e fora das prisões. Os dois – CV e PCC – têm presença em quase todos os estados. E a gente vê, de 2016 para cá, que foram muitos momentos, picos de extrema violência e desestabilização. Tivemos episódios em Roraima, no Amazonas, Rio Grande do Norte, Ceará, enfim, vários estados viveram picos e crises de segurança e depois estabilizaram. Essa estabilização eu entendo que é fruto de um lado da própria ação do Estado, no sentido de apagar incêndios, e de outro lado é fruto de uma certa acomodação dos próprios grupos, afinal ninguém aguenta ficar se matando o tempo todo. Depois, ou estoura uma outra crise no mesmo local ou, como tem ocorrido de 2016 para cá, a crise e o pico de violência migram para outra localidade. Infelizmente, no Brasil, a gente não tem uma política de segurança pública e nem uma política prisional, os estados só se mexem e anunciam alguma coisa em situações de crise como essas que estamos assistindo. No Ceará, com essa crise agora, monta-se uma força-tarefa, assim como aconteceu em Alcaçuz [penitenciária estadual no Rio Grande do Norte, palco de uma rebelião que deixou 26 mortes]. Aquilo momentaneamente estabiliza, mas na verdade você não está mudando de uma maneira estrutural. Você momentaneamente segura essa tensão. Quando essas coisas acontecem, os holofotes se viram para o estados e algumas medidas emergenciais são tomadas. Os outros estados vivem situações semelhantes, mas enquanto a crise não explode, nada é feito. O que fica de tudo isso, em uma análise mais global, é que os estados não têm nenhuma capacidade de prevenir essa situação de violência – toda a redução ou o aumento da violência, nas ruas e nas prisões, vai depender da própria população carcerária e dos grupos criminosos. Essa é a grande tragédia brasileira. O Estado não tem respostas para dar a esse cenário. As respostas dadas: policiamento militarizado e mais prisões – essas são a raiz dos problemas e o Estado tem mostrado que não tem respostas.
Quais são os principais reflexos do rompimento entre o PCC e o Comando Vermelho nas ruas e nas cadeias passados quase dois anos?
Acho que uma das questões mais centrais quando se trata a respeito dessa questão é a profunda incapacidade do Estado de garantir a segurança dos presos e das populações, sobretudo aquelas que vivem em territórios e regiões controladas por esses grupos. A gente percebe que a disseminação das facções, como esses grupos são chamados, traz um profundo impacto sobre a questão da violência de uma forma geral. Muitas vezes quando se anunciam programas que visam reduzir os homicídios e há uma queda na taxa de homicídios, por exemplo, como aconteceu no Ceará há alguns anos, essa queda muitas vezes está ligada à composição entre esses grupos, a alianças, acordos que eles fazem entre si. Como você teve o anúncio dos números do Ceará Pacífico [programa de redução da violência lançado em 2015 pelo governador Camilo Santana], por exemplo, você vê como essas políticas públicas são frágeis diante das dinâmicas das facções. Uma análise que para mim fica bastante evidente, não só diante desses acontecimentos atuais, mas pegando de uma perspectiva mais de longo prazo e cotejando isso tudo com a questão de política pública, você vê que na verdade não há política pública. Então quando a gente se vê numa situação em que os grupos deixam de conviver entre si e isso se rompe, o Estado, como não tem política pública, é incapaz de prevenir situações de extrema violência como as que estamos vendo agora no Ceará, no Rio Grande do Norte e em vários outros estados brasileiros.
Do início do ano para cá, já tivemos uma rebelião sangrenta no Goiás e, segundo a imprensa, a maior chacina da história do estado do Ceará. Ambos os episódios foram associados ao PCC e poderiam ser reflexos do rompimento com o CV. Isso sinaliza um aumento dos conflitos em nível regional por conta desse rompimento entre as facções?
Acho difícil avaliar se há uma escalada de crescimento nos conflitos. O PCC e o Comando Vermelho são dois grupos que têm uma maior presença nacional, principalmente o PCC, mas o CV também. Quando, há dois anos atrás, eles anunciaram uma ruptura, era claro que isso apontava para uma perspectiva de ter conflitos graves justamente por serem grupos de presença nacional e até então, desde a fundação do PCC – quando o Comando Vermelho já existia – eles conviviam entre si. Os presos de ambos os grupos ficavam nas mesmas penitenciárias, nas localidades onde um ou outro grupo tinha maior presença, e essa convivência era muitas vezes de colaboração, de parcerias comerciais. Quando há essa ruptura anunciada lá em junho de 2016, houve essa perspectiva de uma grande desestabilização entre os grupos criminosos dentro e fora das prisões. Os dois – CV e PCC – têm presença em quase todos os estados. E a gente vê, de 2016 para cá, que foram muitos momentos, picos de extrema violência e desestabilização. Tivemos episódios em Roraima, no Amazonas, Rio Grande do Norte, Ceará, enfim, vários estados viveram picos e crises de segurança e depois estabilizaram. Essa estabilização eu entendo que é fruto de um lado da própria ação do Estado, no sentido de apagar incêndios, e de outro lado é fruto de uma certa acomodação dos próprios grupos, afinal ninguém aguenta ficar se matando o tempo todo. Depois, ou estoura uma outra crise no mesmo local ou, como tem ocorrido de 2016 para cá, a crise e o pico de violência migram para outra localidade. Infelizmente, no Brasil, a gente não tem uma política de segurança pública e nem uma política prisional, os estados só se mexem e anunciam alguma coisa em situações de crise como essas que estamos assistindo. No Ceará, com essa crise agora, monta-se uma força-tarefa, assim como aconteceu em Alcaçuz [penitenciária estadual no Rio Grande do Norte, palco de uma rebelião que deixou 26 mortes]. Aquilo momentaneamente estabiliza, mas na verdade você não está mudando de uma maneira estrutural. Você momentaneamente segura essa tensão. Quando essas coisas acontecem, os holofotes se viram para o estados e algumas medidas emergenciais são tomadas. Os outros estados vivem situações semelhantes, mas enquanto a crise não explode, nada é feito. O que fica de tudo isso, em uma análise mais global, é que os estados não têm nenhuma capacidade de prevenir essa situação de violência – toda a redução ou o aumento da violência, nas ruas e nas prisões, vai depender da própria população carcerária e dos grupos criminosos. Essa é a grande tragédia brasileira. O Estado não tem respostas para dar a esse cenário. As respostas dadas: policiamento militarizado e mais prisões – essas são a raiz dos problemas e o Estado tem mostrado que não tem respostas.
Assinar:
Postagens (Atom)