terça-feira, 12 de abril de 2022

A 'Cupinização' do Estado

Vive-se, por aqui, um cenário de barbárie, de digestão mal comportada e de degradação da estrutura administrativa do Estado e das políticas públicas, sobretudo aquelas que tratam da fiscalização e do controle do manuseio de recursos. A administração pública no Brasil está cem anos atrasada, e não surge ninguém, em eleição alguma, preocupado em projetar-lhe uma forma e um sentido. Ao contrário, o Estado é que parece ser um grande transgressor.

Ninguém que transitou pelo estrutura gestora do Estado, mesmo transgressivamente, é condenado. Perfil infrator até parece uma pré-condição para o credenciamento a um cargo público. O Tribunal de Contas da União, vez por outra, pune um motorista com a demissão. O da Justiça, um ou outro juiz, com a aposentadoria, mas com direitos e salários da ativa. A Receita Federal tem uma sala exclusiva para os grandes caloteiros. Ex-presidentes da República recebem do Estado para falar contra ele. Nem o que está escrito na Constituição é protegido. Não tem mutirão que consiga hoje organizar o que vem sendo historicamente desarrumado.

Em um longo e bem articulado voto, a ministra do Supremo Tribunal Federal, Carmem Lúcia, com ares de grande corregedora, tocou em um ponto crucial do descompromisso dos ocupantes de cargos públicos com a máquina do Estado. Além de cobrar medidas urgentes do IBAMA e da Funai para conter o desmatamento na Amazônia e o avanço sobre as terras indígenas, apelidou de "cupinização" a silenciosa e invisível ação e omissão política que sistematicamente corrói a estrutura e a alma do Estado.

Ela se fundamentou nas tentativas de desqualificar e esvaziar os órgãos de fiscalização ambiental e dos direitos territoriais dos indígenas, ao interpretar uma Arguição de Descumprimento do Preceito Fundamental - ADPF 760, originada de um grupo de partidos políticos, cobrando o esvaziamento do IBAMA, da Funai, do Fundo da Amazônia, do Conama e outros. Mas, dentro da máquina do Estado, a questão não parece ser apenas pontual. A complexidade é bem maior. Quem a corrói são os próprios políticos, e não as empresas, que agem passivamente. As cobranças vem de dentro do próprio Estado.

As aparentes boas intenções dos partidos políticos vão muito além, e até dos candidatos à Presidência da República. Nenhum ministério, empresa, autarquia, órgão público de maneira geral, tem a primazia da proteção institucional. Nem patrimônio da União, que deveria manter o Ministério Público sempre de prontidão.

No seio do Estado, tudo o que é sólido desmancha-se no ar. A consequência vem da estratégia do confundir para dividir e do iludir para dirigir. Foi o caso das conclusões e recomendações contra os Anões do Orçamento, do Mensalão e da Lava Jato. O Estado nunca tem razão. Assaltado, sistematicamente, paga indenizações aos assaltantes, funcionando quase como um prêmio, para a ampliação das operações transgressoras.

Chegam as eleições, os "cupins" estão excitados. Entender o papel do Estado e a sua estrutura não é algo para iniciantes, mas os despreparados, ávidos, se antecipam. No primeiro ano de gestão, os governantes eleitos não produzem nada de significativo. Governam apenas dois anos em cada mandato de quatro anos, porque o primeiro ano é dedicado a apreender o sentido do Estado e aparelhar a sua estrutura, segundo as conveniências particulares e partidárias. O último ano é voltado para uma reeleição ou a eleger um companheiro conivente.

A cupinização do Poder do Estado pelas elites - a concentração do dinheiro e do Poder nas mãos de poucos - concorre para a destruição, por dentro da estrutura e dos objetivos da máquina pública, pela apropriação direta ou indireta das políticas públicas e dos órgãos que as administram. É um amigo aqui, um cabo eleitoral ali. Um com a função de propor uma nova política pública, outro de redirecioná-las para os interesses pessoais ou de grupos, outros com a missão de desmantelá-las mesmo. Ninguém entra para explicar ou com a solucionática. A governabilidade é o espaço privilegiado para confundir ainda mais a administração pública.

Cada projeto de lei aprovado no Congresso, a título de esclarecer, confunde ainda mais. Assim são também as diferentes reformas administrativas porque tem passado o Estado brasileiro. Nenhuma delas consolidou uma política pública ou deu configuração definitiva para a estrutura de Estado. À fórceps, é verdade, mas justiça seja feita, só os militares conseguiram. Nos governos civis, o País chegou a variar de 18 a 36 ministérios.

Assim, fora dos anos de chumbo, ocorreu e ocorre com os ministérios do Planejamento, do Trabalho, da Indústria e Comércio, do Meio Ambiente, da Irrigação, da própria Administração; em órgãos como o DNOCS, Sudene, Sudam, Sudeco, Sudesul, Sudepe, Emater, Sunab, Funai, Ibama, Secretarias da Amazônia, órgãos estratégicos do Estado, que são destruídos e reconstruídos sistematicamente. A apropriação desses espaços tornou-se muito sofisticada com a "cupinização".

Tivemos presidentes que criaram ministérios para explicitamente gerar empregos e poder de barganha político-partidária. Os espaços do Estado tornaram-se balcões de negócios, a pinguela que une o público e o privado debaixo de um mesmo guarda sol: o Estado é paternal. Não, o Estado é sistematicamente assaltado, à luz do dia. Há 100 anos, o presidente argentino Domingos Faustino Sarmiento fez uma reforma geral das estruturas de poder no seu país. Elas ganharam configurações institucionais históricas e respeito da população. Saíram do estado de barbárie em que, por aqui, estivemos sempre mergulhados.

No Brasil, em tempos de rudeza no entendimento do que seja a coisa pública e o papel do Estado - e não está longe - os órgãos de fiscalização eram incendiados para queimar processos comprometedores. Isso aconteceu no Ministério da Fazenda, com a Receita Federal; com o Ministério da Agricultura, na fiscalização sanitária e com os comprometimentos com os incentivos fiscais do reflorestamento; com o fundo de financiamento à educação; até no Tribunal de Contas da União.

A rudeza das soluções envolvendo os direitos do Estado e os privados não melhorou nesses cem anos de história da República, apenas sofisticaram-se os métodos de apossamento da máquina e dos recursos públicos. As estruturas expandem-se, às vezes; em outras, encolhem-se. Não se põe mais fogo em prédios, contamina-se o sistema de fiscalização com um vírus, ou cria-se um aparato legal que gere exceções e contradições insolúveis desviando o sentido original das leis e das instituições.

As áreas da educação, da ciência, da tecnologia e do meio ambiente são vítimas atualmente da inanição, um outro tipo de estratégia que se dá pela redução drástica dos recursos de custeio (manutenção). É uma espécie de "garrote vil", que aperta até que fique demonstrada a inutilidade daquela instituição ou daquela política pública. No Brasil a necessidade de uma reforma do Estado é premente, mas virou um "bordão" para os políticos. Se depender dos "cupins", nunca irá acontecer.

O que nossos políticos farão pelo meio-ambiente?

A grande virtude de uma democracia é poder indicar, por meio do voto, quem nos representará, quem falará por nós, tanto no poder executivo como no poder legislativo. Uma eleição é um raro momento em que todos os cidadãos têm o mesmo poder. Independente da classe social, nível de escolaridade, religião, cor ou qualquer outra coisa, o voto de um tem o mesmo valor que o voto de outro. Todos somos iguais defronte uma urna de eleição. É um momento em que apenas nossa consciência, nossos princípios e valores devem agir.

Para votar em alguém temos que, no mínimo, saber quem é, de onde veio, o que faz, o que fez e o que pretende fazer. Temos que nos perguntar, eu confio nessa pessoa?

Neste momento, os planos de governo estão sendo trabalhados e novas diretrizes estão sendo propostas. Esta é a hora em que os candidatos podem pensar com responsabilidade em quais compromissos irão assumir e em quais projetos irão priorizar suas forças. Por outro lado, é o momento para o eleitor ficar atento a essas propostas e promessas para que possa cobrar no futuro.

Como todos vivemos em um mesmo planeta, bebemos da mesma água, respiramos o mesmo ar e desejamos um futuro equilibrado para nossos filhos, não podemos deixar de observar quais são esses compromissos ambientais que estão sendo propostos e assumidos por quem nos representará.


Isso porque investir na questão ambiental promove a saúde. Várias doenças ocorrem ou são agravadas devido a ambientes impróprios. A diarreia é a segunda maior causa de mortes em crianças abaixo de 5 anos de idade, segundo a Unicef. Relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) revela que 88% das mortes pela doença no mundo são causadas pelo saneamento inadequado. As crianças são as mais afetadas, representando 84% desse universo. A mesma OMS diz que a poluição atmosférica já é responsável por 7 milhões de mortes prematuras por ano em todo o mundo, sendo mais de 300 mil na região das Américas. Nossos representantes precisam saber e fazer algo sobre isso.

Investir na questão ambiental proporciona qualidade de vida a população. Áreas verdes, parques e praças são opções adequadas para se combater inundações, ilhas de calor e a poluição sonora e do ar, pois, a vegetação, além de produzir oxigênio, ajuda a infiltrar a água no solo, regular a temperatura e a umidade. As árvores promovem também a redução da radiação ultravioleta e do ruído gerado pelo tráfego de veículos. Com isso, as áreas verdes são fundamentais, em especial as de baixa renda que não podem frequentar clubes e praias. Nossos representantes também precisam saber e fazer algo sobre isso.

Investir na questão ambiental gera emprego e renda. A organização Internacional do Trabalho (OIT) indica o aumento do interesse das empresas por profissionais que atuam com processos e tecnologias que reduzem os impactos ambientais e contribuem para a sustentabilidade corporativa, estimando que devem ser gerados 15 milhões de empregos na América Latina até 2030, a maior parte no Brasil. A chamada retomada econômica verde pós-pandemia é o grande destaque da pauta econômica dos países mais ricos do mundo. Nossos representantes também precisam saber e fazer algo sobre isso.

Investir na questão ambiental gera economia nos gastos públicos. Ações ambientais implementadas em órgãos públicos evitam o desperdício e reduzem significativamente os custos com água, energia e resíduos. Além disso, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), para cada dólar investido em água e saneamento são economizados 4,3 dólares em custos de saúde no mundo. Nossos representantes precisam saber e fazer algo sobre isso também.

Assim, não faltam motivos para se investir na questão ambiental.

Já passou da hora desse tema sair dos planos de governo e de se transformar em ações. A natureza já deu vários recados de seu esgotamento e todos nós sofreremos a consequência. É chegado o momento que devemos anotar as promessas que ouvimos hoje para podermos cobrar amanhã. É o momento de exercermos nossa cidadania com responsabilidade, e não lamentarmos depois.