quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Aprendizes de Adolf Hilter

A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) agora acusa o governo de manter assessores encarregados de disparar fake news para destruir a reputação de pessoas que até anteontem cerravam fileiras com o presidente. As redes sociais são o campo de batalha da guerra interna que consome as falanges bolsonaristas. As armas incluem, segundo a deputada, perfis falsos, notícias fraudulentas e calúnias.

As denúncias ainda precisam ser comprovadas. O que não mais precisa de comprovação, porque já está mais que escancarado, é o método político do círculo mais próximo do presidente. Esse “núcleo duro”, o núcleo filial sob a liderança paterna, vem se notabilizando por ataques à queima-roupa, desleais e baixos, contra ministros ou servidores (como foi feito com gente do BNDES e do Inpe, há pouco tempo), pelas campanhas desinformativas (como a alegação de que não havia queimadas no Brasil) e por teorias conspiratórias abiloladas (como esta, agora, de dizer que as manifestações no Chile e as manchas de petróleo nas praias do Nordeste se articulam num complô da esquerda sul-americana contra o governo brasileiro).

Esse método de fazer política se vale de mentiras e de difamação, mas seu objetivo é maior do que difamar esse ou aquele ex-aliado: a meta estratégica é destruir a verdade factual e, no lugar dela, instaurar o fanatismo. O núcleo presidencial-familiar canaliza uma voragem antissistêmica que, mesmo não sendo bem-sucedida, vai minando a institucionalidade da política e comprometendo a saúde da democracia.


A esta altura, o nosso maior problema não é se fulano ou beltrana serão vítimas da artilharia caluniosa do clã (que se vale de estratagemas perversos que até outro dia esses mesmos ex-aliados apoiavam), mas a persistência do método que substitui a verdade factual pela propaganda. Esse método explora o medo dos desavisados com paranoias conspiratórias e vai queimando, uma a uma, as pontes da política. Esse é o nosso problema.

Por certo que o método não é uma invenção do clã. Quem fazia política (ou antipolítica) com essa cartilha era Adolf Hitler, o tal que demonstrou na prática que a propaganda é a arma do totalitarismo. Em seu livro Mein Kampf (Minha Luta), publicado em 1935, tudo se expõe de forma cabal. Hitler repete 180 vezes o termo propaganda, como observou recentemente o professor Edgard Rebouças, da Universidade Federal do Espírito Santo. Invariavelmente, a palavra vem associada ao propósito de fabricar verdades. “Compreendi, desde logo, que a aplicação adequada de uma propaganda é ´uma verdadeira arte”, escreve Hitler na abertura do capítulo VI, A propaganda de guerra.

Não surpreende que Hitler e seus imitadores (conscientes ou não) desprezem a educação e supervalorizem as tecnologias de comunicação. O Führer deixou lições expressas a esse respeito: “O fim da propaganda não é a educação científica de cada um, e sim chamar a atenção da massa sobre determinados fatos, necessidades, etc. (...) Como (...) a sua finalidade (...) é a de despertar a atenção da massa, e não ensinar aos cultos ou àqueles que procuram cultivar seu espírito, a sua ação deve ser cada vez mais dirigida para o sentimento e só muito condicionalmente para a chamada razão”.

Hitler acreditava que a Alemanha fora derrotada na 1.ª Guerra Mundial porque não sabia se comunicar com as massas. Para ele, tudo era uma questão de propaganda. Para ele, os ingleses foram muito mais eficientes que os alemães nessa matéria, pois eram mais capazes de transformar mentiras em verdades: “A prova do conhecimento que tinham os ingleses do primitivismo do sentimento da grande massa foram as divulgações das crueldades do nosso exército, campanha que se adaptava a esse estado de espírito do povo. Essa tática serviu para assegurar, de maneira absoluta, a resistência no front, mesmo na ocasião das maiores derrotas. (...) Foi essa mentira repetida e repisada constantemente, propositadamente, com o fito de influir na grande massa do povo, sempre propensa a extremos. O desideratum foi atingido. Todos acreditaram nesse embuste”.

Para Hitler, as massas acreditam em qualquer “embuste” desde que ele seja “repetido e repisado” mil vezes. Goebbels também dizia isso, para bajular o chefe. Os nazistas não tinham compromisso com a verdade factual e com a boa-fé. Seus plagiadores também não. Quem põe em marcha esse método de comunicação tem desprezo pelo pensamento, pela ilustração, pela cultura e pela liberdade de opinião dos que estão sob seu comando. Basta ler esta outra passagem de Mein Kampf: “Toda propaganda deve ser popular e estabelecer o seu nível espiritual de acordo com a capacidade de compreensão do mais ignorante dentre aqueles a quem ela pretende se dirigir. Assim a sua elevação espiritual deverá ser mantida tanto mais baixa quanto maior for a massa humana que ela deverá abranger”.

Apostando na pobreza de espírito e perenizando a desinformação, os aprendizes de totalitarismo dos nossos dias esperam consolidar seu poder, pois sabem que seu poder depende da ignorância e da submissão da sociedade. É por isso que odeiam a imprensa e difundem ofensas contra jornalistas e contra as redações profissionais.

Hitler também atacava jornalistas sistematicamente. Costumava xingar os jornais de Lügenpresse (imprensa mentirosa), como lembrou na semana passada o historiador americano Timothy D. Snyder (How Hitler Pioneered ‘Fake News’, em The New York Times, 16 de outubro). Se você pensou em Trump, acertou: o presidente dos Estados Unidos, ao dizer diariamente que os jornais só publicam fake news, nada mais faz do que plagiar Adolf Hitler. Trump, por sua vez, inspira os plagiários de segunda mão.

Atenção: o fato de o clã local não entender uma vírgula sobre o que seja método não significa que não tenha um. Ele o tem – e o método que ele tem é o pior de todos.

Estranho projeto de poder

O país vive um momento delicado. Diria até extremamente delicado em sua vida política e institucional. De sua trajetória, emergem discursos autoritários, inconformismos incompatíveis com os fundamentos legitimadores do Estado de Direito e manifestações de grave intolerância que dividem a sociedade.
Todos agravados pela atuação sinistra de delinquentes que vivem na atmosfera sombria do submundo digital, em perseguição a um perigoso e estranho projeto de poder
Celso de Mello, decano do STF

Do que a família Bolsonaro tem mais medo

De repente, não mais do que de repente, incomodado com a CPI das Fake News na Câmara que deverá convocá-lo para depor, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), o Zero Dois do presidente da República, se fez arauto da liberdade de expressão e escreveu no Twitter: "Boa! Oposição? Vamos lá falar umas verdades a esses porcarias".

Fora a guerra interna do PSL, deflagrada pelo presidente Jair Bolsonaro que tenta se apossar da chave do caixa milionário do partido, nada incomoda mais a nova família imperial brasileira do que a CPI que investiga a produção de falsas notícias. Cada um sabe onde tem o rabo preso.



Incompreensível, observam com ironia os desafetos dos Bolsonaros. Eles sempre negaram a produção e distribuição de notícias falsas pelas redes sociais, não foi? Jamais assumiram a autoria de uma só delas. Por que então estrebucham desesperados na maca? Têm medo do quê?

O frustrado embaixador que foi sem nunca ter sido, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o Zero Três, suou a camisa como um condenado para impedir a instalação da CPI. Pintou e bordou. Acabou derrotado. É de se ver se como líder do PSL será mais bem sucedido. Improvável. Como líder, ele é um bom atleta.

A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), ex-líder do governo no Congresso, destituída do cargo pelo presidente da República, diz ter como provar a existência de uma milícia virtual, paga com dinheiro público, que produz notícias falsas de dentro do Palácio do Planalto. O tal do gabinete do ódio.

Estranho que só agora ela tenha descoberto isso. Hasselmann foi convidada para depor na CPI, bem como o Delegado Waldir, ex-líder do PSL na Câmara, e outra vítima do expurgo em curso dentro do partido sob o patrocínio dos Bolsonaros. É bom ter cuidado com essa gente que promete e depois recua.

Se a CPI for fundo de fato na apuração, poderá até não encontrar as digitais dos garotos e do seu pai nas falsas notícias que atingem a reputação de pessoas e de instituições que se opõem ou que simplesmente atrapalham os planos da família mais empoderada do país. Atrapalhar é suficiente para virar alvo.

Mas basta encontrar as digitais dos responsáveis pelo crime, e estabelecer a ligação entre eles e os Bolsonaros, para desatar uma crise política de grandes proporções com cheiro de impeachment e capaz de ameaçar a sobrevivência do governo. É o que teme a sagrada família. É o que pode vir a acontecer.

STF gosta de falar, mas tem de aprender a ouvir

Abriu-se no julgamento do Supremo sobre a prisão na segunda instância, nesta quarta-feira, uma janela para que o decano da corte, Celso de Mello, acenasse para a rua. Numa manifestação feita à margem dos autos, a pretexto de festejar os dez anos da posse do colega Dias Toffoli, o ministro mais antigo da Suprema Corte despejou diante das lentes da TV Justiça palavras que soaram como uma bronca no pedaço da opinião pública que pressiona pela manutenção da regra que permite prender condenados na segunda instância.

É curioso notar o encadeamento da retórica de Celso de Mello. Ele falou de "espectros", um outro nome para assombrações. Mencionou "surtos autoritários", "manifestações de grave intolerância que dividem a sociedade". Citou "delinquentes" que vivem "no submundo digital". Insinuou que essa gente que ele não identifica tem um projeto de poder que ameaça "a República democrática e laica". Depois, disse que o Supremo, a despeito das pressões, não deixará de cumprir o seu papel constitucional.


O ministro precisa dar nome às suas assombrações. Uma coisa é a delinquência, outra bem diferente é o sacrossanto direito à livre manifestação. Se há delinquentes rondando o Supremo, que sejam abertos os inquéritos, com a participação do Ministério Público. Se o que chega ao Supremo são mensagens com críticas à possibilidade de recuo na regra que permitiu o encarceramento da delinquência com pedigree, os ministros que abram os olhos. Que abram, sobretudo, os ouvidos.

O Supremo gosta muito de falar. Mas precisa começar a aprender a ouvir. As punições do mensalão e do petrolão fizeram brotar na alma dos brasileiros uma espécie de mania de justiça, um sentimento civilizatório. Para satisfazer esse sentimento, a Justiça precisa levar às últimas consequências o princípio segundo o qual todos são iguais perante a lei. E esse princípio não estará assegurado se for restabelecido o ambiente em que, acima de um certo nível de renda e poder, ninguém será punido no Brasil.

O ciclo da frustração

Não é difícil encontrar um denominador comum para as sucessivas e paralelas crises que tomaram conta (por ordem alfabética) de Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru e Venezuela, para ficar apenas com a América do Sul. O “ciclo” atual desses países é o da “era do descontentamento”. Ou da era da frustração, como preferir.

Em seu conjunto, os países desta região só se comparam aos do Oriente Médio quanto ao número de seus habitantes que declaram ter vontade de seguir a vida em outro lugar (no Brasil, alcança a faixa dos 30%; fonte é o Gallup). São os países nos quais existe a mais aguda percepção no planeta de que seus regimes políticos são tomados pela corrupção. E os de mais baixo desempenho econômico na comparação com todas as outras regiões.

Tomados individualmente, cada um desses países teria razões próprias, locais, culturais e históricas para os períodos de crise econômica, turbulência e instabilidade políticas. Mas há algo comum a todos: um sentimento difuso de frustração trazido pela demora em romper a perceptível estagnação que caracteriza um conjunto de nações preso à armadilha da renda média, e cuja distância em relação aos países mais avançados continua praticamente a mesma de uma geração atrás.


A punição a quem está no poder é quase imediata, não importa se de esquerda ou direita. Na Argentina, no Chile ou no Brasil, recentes resultados eleitorais dividem um mesmo pano de fundo: um acentuado desejo de mudança trazido menos pela esperança num futuro melhor e muito mais pela indignação com a corrupção, medo com a criminalidade e profunda desconfiança na capacidade do “sistema” de resolver problemas agudos – “sistema” passa a ser tudo, da administração pública à imprensa, passando (claro) pelo Judiciário. Ganha quem prometer derrotar o “sistema”.

Acabam sendo literalmente catapultados para o centro de decisões figuras de políticos de personalidades e biografias bastante diversas (como são Bolsonaro, Macri e Piñera, para ficar apenas nos casos de Brasil, Argentina e Chile), mas todos herdeiros de contextos políticos caracterizados, de um lado, por ausência de claras maiorias parlamentares. E pela presença, por outro lado, de bem constituídos grupos de interesses e corporações dentro da máquina do Estado (Brasil e Argentina), por delicadas situações fiscais que obrigam os governos a reduzir ou acabar com subsídios em setores como combustíveis ou transporte (Chile), no que acaba sendo entendido como afronta a uma população já atravessando graves dificuldades.

Todos apresentam um quadro muito semelhante de desequilíbrio, concentração e desigualdade de renda. É consideravelmente distinto o apego de faixas da população a postulados ideológicos quando se compara o Chile (onde há um espectro clássico de “social-democracia” versus “democracia cristã”), Argentina (e seu peronismo, que dificilmente encontra comparações) e o Brasil (no qual impera uma maçaroca ideológica). Em geral, porém, parcelas significativas da população, embora não detenham conhecimento exato das respectivas taxas de crescimento de suas economias, têm uma noção clara do fato do prometido futuro tardar tanto a chegar.

A questão, portanto, não é a do “contágio” ao qual vozes do governo brasileiro se referiram quando, finalmente, perceberam a gravidade do que acontece em vizinhos como Argentina e Chile. Muito menos se trata de alguma “conspiração” (o “esquerdista” Evo Morales está sendo contestado assim como os “direitistas” no Chile e Argentina). A questão é levar adiante reformas amplas e profundas que rompam um ciclo de estagnação.

Que, ao se transformar em ciclo de frustração, cobra altíssimo preço político.

Relaxe


Vida

Do primeiro dia ao último, sempre essa ilusão, esse engano: você pensa que está vivendo – qual! – e todo o tempo você está morrendo. Ninguém vive, todo mundo apenas morre. Acontece somente que o processo de morrer é lento, e a esse acabar-se devagarinho é que os homens chamam de viver. Nasce um menino, por exemplo. Veio roxo e mudo, é um pequeno defunto maltratado. O médico faz as manipulações clássicas, cabeça para baixo, palmada, ar no pulmão – o menino solta um grito agudo e dilacerante e o pai sorri, deslumbrado: "Meu filho está vivendo, começou a viver!" Viver nada, seu idiota, seu filho começou foi a morrer. Sim, desde aquele primeiro instante. Porque vida é um processo negativo, enquanto a morte é que é o processo positivo. Viver é andar para trás, é ceder terreno, é assim como um perde-ganha. A gente faz a conta da idade; quantos anos já viveu? Para que essa conta, senão por um único motivo: para fazer o cálculo provável do quanto ainda nos resta, antes de morrer. A cada ano, a cada dia, a cada hora e minuto, você tem menos vida dentro de si: menos coração, menos veia, menos músculo, menos reserva de fonte de energia. Viver, para resumir, é usar-se. Lanterna de bolso, com a pilha que não se substitui. Acabou-se a pilha, acabou-se tudo, joga fora o casco inútil, que luz não sai mais dali.

E assim, portanto, não adianta ambição. Você trabalhando por um lado, a morte trabalhando pelo outro, são como duas cobras que se mordem pela cauda. Você se agitando, cuidando que está construindo, enquanto ela, silenciosa, rói sem parar, a estrutura interna, deixando apenas a ilusão da superestrutura: mas é oca, já não tem nada dentro. Você compra, vende, aprende alemão, constrói casa própria e faz ginástica. Tudo isso a serviço de quem se supõe vivo – pelo menos por um prazo; como se o relógio parasse para você gozar um momento a paisagem e o ar bom! Porém, na verdade, você desde o começo é um meio-morto, que aos poucos vai se entregando – todo dia um pedacinho, até a entrega definitiva.

E depois não adianta orgulho. Você ergue a voz, mas sabe por acaso com o que conta para apoiar a sua arrogância? Talvez na sua caixa do peito só reste um fole vazio. Seu passo é firme, agora, mas pode estar cambaleando dentro de dez minutos. Sabe, talvez você há anos esteja se mantendo de pé apenas por autossugestão.

E escute mais: nem o pudor adianta. Esse ciúme de si mesmo que muitos pensam que é virtude, essa valorização da carne viva, esse mistério, que nem aos olhos amantes se desvenda total, essa fração de corpo secreta e triste que todos escondemos até de nossa própria vista, talvez hoje, talvez daqui a pouco, seja tirada ao seu controle, entregue às mãos dos outros, exposta, manipulada, retratada. E aí, de que serviram tantos anos de recato? Para chegar a tal exibição?

E então para que todo o esforço? Para que glorificar o que é um simples processo de desgaste e enfeitá-lo com paixões, conquistas e esperanças? Se viver é a própria negação da vida, ou a sua destruição, para que sofrer e lutar, enfrentando esse duro caminho que não leva a lugar nenhum? É como nadar de terra para o mar alto. Adiante não há mais nada, só água funda, oceano. Terra não há, nem ilha, nem nova praia; só a água funda, comedeira. Então que loucura é essa de oferecer o peito à vaga, furar a rebentação, cortar a água com os braços? Por mais que se esforce o nadador, mais hora menos hora terá que parar, exausto, mergulhando de vez na onda amarga. Digam, digam para que deixar a praia, se há a certeza de que nada espera o nadador, nada, senão a asfixia final?
Rachel de Queiroz Jornal da Barra - 1987

Brasil pode pagar caro por descaso ambiental

Há quase dois meses, manchas de óleo e tapetes de piche atingem praias, rios e manguezais do Nordeste do Brasil, mas até hoje o governo de Jair Bolsonaro age como se essa catástrofe ambiental não lhe dissesse respeito. Como nos incêndios amazônicos em julho, através de suspeitas, meias-verdades e omissão, Brasília tenta se esquivar da responsabilidade de solucionar o desastre.

Quando o presidente e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, se pronunciaram pela primeira vez sobre a catástrofe, um mês (!) mais tarde, a questão era encontrar um culpado no exterior para responsabilizar, e afirmaram que se tratava de petróleo originário da Venezuela. Pesquisadores da Petrobras e o Ibama confirmaram. Mas até hoje as análises não foram divulgadas.

Em seguida, Bolsonaro insinuou – sem ter visitado as regiões afetadas – que criminosos estariam tentando sabotar o megaleilão de campos de petróleo estatais offshore do pré-sal, a se realizar dentro de poucos dias. O ministro Salles, por sua vez, polemizou contra grupos ambientalistas como o Greenpeace, que não estariam ajudando no saneamento das costas. De resto, contentou-se em sobrevoar a área de helicóptero algumas vezes, nas últimas semanas, e declarar que não há "inação dos órgãos públicos" diante da situação.


No entanto, a população, os municípios e os estados das regiões afetadas estão basicamente tendo que limpar sozinhos as praias, recifes e manguezais atingidos pelas manchas de óleo. Agora, 5 mil militares deveriam ajudar, mas eles haviam acabado de ser enviados à Amazônia para controlar os incêndios na região.

Tampouco está esclarecido como os restos de óleo recolhidos são descartados, e que medidas devem ser tomadas para proteger a população, os pescadores e o setor turístico.

Enquanto isso, todos se calam: o Ibama, a Marinha, a Agência Nacional de Petróleo, Gás e Combustíveis (ANP) e a própria Petrobras, cujos especialistas em princípio dispõem do know-how para lidar com vazamentos de óleo.

"É o maior acidente ambiental da história do Brasil e não pode ser tratado, depois de 50 dias, da forma improvisada como a gente está vendo", criticou o governador de Pernambuco, Paulo Câmara.

Na última quinta-feira (17/10) o Ministério Público Federal entrou com uma ação contra o governo federal por omissão, diante do maior desastre ambiental no litoral brasileiro, exigindo que a Justiça Federal obrigasse a União a colocar em ação, dentro de 24 horas, o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional (PNC).

Em abril, o governo Bolsonaro extinguiu 50 conselhos da administração federal de que ONGs participavam. Entre eles estavam dois comitês que integravam o PNC, instituído em 2013.

"Estamos sendo feitos de tolos", comentou Yara Schaeffer Novelli, conceituada professora de biologia marinha do Instituto de Oceanografia da Universidade de São Paulo (USP), sobre a situação nas praias do Nordeste. Por um lado, o Brasil dispõe de saber acadêmico, técnicos nos órgãos públicos e satélites, para constatar de onde vem o petróleo, ressalta; por outro, também de medidas legais e planos de emergência definindo o que deveria acontecer num momento desses.

No entanto, nem o ministro do Meio Ambiente, nem o governo federal como um todo procuram o conselho de seus técnicos, prossegue Novelli. Ela acha impossível não terem sido detectadas em imagens de satélite tais quantidades de petróleo, que se espalharam em mais de 2 mil quilômetros de litoral, ao longo de semanas.

Contudo é também possível que o interesse do governo seja reduzir ao mínimo a atenção pela catástrofe, já que em 6 de novembro a ANP realiza o possivelmente maior leilão de cessões para explorar petróleo e gás natural no Brasil. Trata-se, em primeira linha, de campos do pré-sal, com capacidade entre 6 bilhões e 15 bilhões de barris, que se encontram a grande profundeza diante da costa do Rio de Janeiro.

Há meses o governo Bolsonaro se gaba de que será o maior leilão de petróleo da história, devendo render ao país cerca de 26 bilhões de dólares, só com os lances mínimos para os quatro mega-campos de extração. Adicionem-se os pagamentos à Petrobras pelos investimentos já realizados e futuros gastos de prospecção.

Quatorze companhias já se registraram para concorrer, embora não esteja claro se todas participarão dos lances. Num leilão menor, algumas semanas atrás, as empresas recuaram das concorrências para campos próximos a reservas naturais, os quais estão arriscados de ser objeto de futuras confrontações jurídicas com grupos ambientalistas.

O Brasil está agora pagando caro pelo escândalo em sua própria indústria petrolífera: ele elevou o risco de investimento para as empresas, e isso poderá desencorajar os investidores de participar do megaleilão.
Deutsche Welle

Queiroz ainda vive!

Tem mais de 500 cargos, cara, lá na Câmara e no Senado. Pode indicar para qualquer comissão ou, alguma coisa, sem vincular a eles (família Bolsonaro) em nada. 20 "continho" aí para gente caía bem pra c**
Fabrício Queiroz, ex-policial, oito meses depois de exonerado do gabinete de Flávio Bolsonaro (PSL-RJ)

O otimismo do mercado e o mal-estar da sociedade

A conclusão da reforma da Previdência, aprovada ontem pelo Senado, desde o começo da semana exerce no mercado um efeito catalisador, confirmando o otimismo de seus principais analistas em relação ao impacto fiscal positivo da economia de mais de 800 bilhões de reais para o Tesouro, em 10 anos, com os ajustes feitos nas aposentadorias dos servidores federais e dos trabalhadores do setor privado. O impacto social são outros quinhentos, que só o tempo revelará, mas não é essa a principal causa do mal-estar na sociedade, se o fosse, provavelmente, a votação de ontem ocorreria em meio a grandes manifestações de protestos, com vidraças quebradas e muito gás lacrimogêneo nas principais cidades do país. Vamos por partes.

Para a maioria dos economistas, a reforma da Previdência, o teto de gastos e a reforma trabalhista, as duas últimas uma herança do governo Michel Temer, estabeleceram fundamentos para que o gasto público fosse controlado, a inflação se mantivesse abaixo da meta e, consequentemente, a taxa de juros em declínio. Mas a recuperação da economia continua lenta. Os mais otimistas, como o ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros, em artigo publicado na segunda-feira, no Valor Econômico, intitulado La Nave Va, porém, já falam em outra dinâmica da economia, uma “recuperação cíclica”. Segundo ele, a reforma da Previdência evitou uma catástrofe fiscal.

Mendonça de Barros questiona o pessimismo dos que valorizam o peso negativo da estrutura de despesas criadas pela Constituição de 1988 e por leis ordinárias subsequentes, principalmente na educação e na saúde, por exemplo, e pelas respectivas transferências compulsórias para estados e municípios. Também relativiza os problemas do desemprego, da informalidade e da capacidade ociosa da indústria. Segundo ele, são problemas reais e limitadores da força da recuperação cíclica, porém, são compensados pela nova legislação trabalhista, pela autonomia da política monetária e por uma gestão orçamentária competente. O desempenho do agronegócio e a lenta, mas consistente, recuperação do mercado de trabalho seriam indicadores de um novo ciclo de expansão da economia.


O mal-estar da sociedade está diretamente associado às desigualdades, à violência e às injustiças. O sucesso de filmes como Coringa e Bacurau, para citar um blockbuster hollywoodiano e uma produção nacional que também glamoriza a violência, são indicadores de que algo de errado se passa. As notícias que chegam do México, do Equador, da Espanha, do Líbano e, principalmente, do Chile, para citar os que estão em mais evidência, corroboram a tese de que o problema não é isolado, embora se manifeste de forma diferenciada em cada país.

Do ponto de vista econômico, por exemplo, os indicadores brasileiros são piores do que os chilenos. Salário mínimo: R$ 1.700 (Chile) / R$ 998 (Brasil); Renda média anual: US$ 25,2 mil (Chile) / US$ 15,7 mil (Brasil); Desemprego: 7,3% (Chile) / 12,2% (Brasil); Inflação: 2,4% (Chile) / 2,9% (Brasil); Expectativa de alta do PIB neste ano: 2,9% (Chile) / menos de 1% (Brasil). De certa forma, convém ponderar, o que está havendo no Chile ocorreu no Brasil em 2013, com o mesmo estopim: o aumento do preço das passagens. A diferença é que havia um governo de esquerda, que não recorreu às forças armadas, enquanto no Chile, o presidente Sebástian Piñera, de direita, não hesitou em recorrer ao Exército para reprimir os protestos, o que já provocou a morte de 15 pessoas.

Além disso, o Brasil vem de eleições muito recentes, o que dá ao presidente Jair Bolsonaro e sua equipe econômica mais tempo para reverter a situação que herdou na economia, mesmo que seu prestígio popular tenha caído. Tanto que a aprovação da reforma da Previdência mostra reduzida capacidade de mobilização por parte dos sindicatos de trabalhadores, ainda que enfraquecidos com o fim do imposto sindical e pela desmotivação causada pelo fantasma do desemprego.

O crédito de que dispõe Bolsonaro falta ao Congresso, que corre atrás do prejuízo blindando a política econômica do governo. No fundo, a “malaise” na sociedade tem muito mais a ver com a ética na política do que com a situação econômica. E é ainda mais fomentada pela radicalização política e por certas agressões ao bom senso por parte do governo. Entretanto, apostar no “quantos pior, melhor” na economia nem sempre é uma boa estratégia. Quando as coisas começam a dar certo, leva a oposição ao descrédito. Foi o que aconteceu durante o “milagre econômico”, no regime militar, e com o Plano Real, no governo Itamar Franco, com o qual o Fernando Henrique Cardoso se elegeu presidente da República por duas vezes.

Medíocres

Richard Nixon certa vez defendeu a mediocridade do seu governo dizendo que os medíocres também precisavam ser representados. Certa a intenção de Nixon. Os medíocres formam a maior parte da população de qualquer país e condená-los à irrelevância política ou a um governo de notáveis, de autocratas autoungidos ou de generais disfarçados, seria uma maldade antidemocrática. O próprio Nixon foi um exemplo de mediocridade bem-sucedida, pelo menos de acordo com o seu conceito de mediocridade e sucesso. No fim teve que deixar o governo por excesso de mediocridade, mas durante sua carreira foi uma inspiração para a categoria. Poucos medíocres chegaram tão longe.


O Brasil talvez tenha a maior quantidade de políticos medíocres por metro quadrado do mundo. Estão concentrados nas duas casas do Congresso Nacional, mas seu poder se espalha pelos legislativos e executivos estaduais e pelo Judiciário e chega ao Planalto como uma espécie de apoteose da teoria do Nixon. Congressistas brasileiros cuidam das suas vidas e dos seus bolsos e têm pronta a resposta para quem os acusa de medíocres: no Brasil, quem não é? Claro que há exceções, bons políticos cuja excepcionalidade só realça a mediocridade da maioria. A escuridão em volta destaca o brilho. Mas a escuridão não para de aumentar.

No Brasil a Natureza colabora com o artista. Fornece paisagens espetaculares, poemas prontos, beleza por todos os lados. E, quando é preciso, também fornece metáforas e ironias conforme a ocasião. Ninguém descobriu até agora de onde vem o petróleo que está sujando as nossas praias. Existe representação maior e mais apropriada para a nossa situação do que uma sujeira cuja origem ninguém sabe? De onde vem esse negrume nas nossas almas, de que abismo, de que culpa nunca saldada?

Estamos pagando pela nossa mediocridade, será isso? Nos atacam no que temos de mais bonito, as praias. A escuridão já chegou a Itapuã.