quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Aprendizes de Adolf Hilter

A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) agora acusa o governo de manter assessores encarregados de disparar fake news para destruir a reputação de pessoas que até anteontem cerravam fileiras com o presidente. As redes sociais são o campo de batalha da guerra interna que consome as falanges bolsonaristas. As armas incluem, segundo a deputada, perfis falsos, notícias fraudulentas e calúnias.

As denúncias ainda precisam ser comprovadas. O que não mais precisa de comprovação, porque já está mais que escancarado, é o método político do círculo mais próximo do presidente. Esse “núcleo duro”, o núcleo filial sob a liderança paterna, vem se notabilizando por ataques à queima-roupa, desleais e baixos, contra ministros ou servidores (como foi feito com gente do BNDES e do Inpe, há pouco tempo), pelas campanhas desinformativas (como a alegação de que não havia queimadas no Brasil) e por teorias conspiratórias abiloladas (como esta, agora, de dizer que as manifestações no Chile e as manchas de petróleo nas praias do Nordeste se articulam num complô da esquerda sul-americana contra o governo brasileiro).

Esse método de fazer política se vale de mentiras e de difamação, mas seu objetivo é maior do que difamar esse ou aquele ex-aliado: a meta estratégica é destruir a verdade factual e, no lugar dela, instaurar o fanatismo. O núcleo presidencial-familiar canaliza uma voragem antissistêmica que, mesmo não sendo bem-sucedida, vai minando a institucionalidade da política e comprometendo a saúde da democracia.


A esta altura, o nosso maior problema não é se fulano ou beltrana serão vítimas da artilharia caluniosa do clã (que se vale de estratagemas perversos que até outro dia esses mesmos ex-aliados apoiavam), mas a persistência do método que substitui a verdade factual pela propaganda. Esse método explora o medo dos desavisados com paranoias conspiratórias e vai queimando, uma a uma, as pontes da política. Esse é o nosso problema.

Por certo que o método não é uma invenção do clã. Quem fazia política (ou antipolítica) com essa cartilha era Adolf Hitler, o tal que demonstrou na prática que a propaganda é a arma do totalitarismo. Em seu livro Mein Kampf (Minha Luta), publicado em 1935, tudo se expõe de forma cabal. Hitler repete 180 vezes o termo propaganda, como observou recentemente o professor Edgard Rebouças, da Universidade Federal do Espírito Santo. Invariavelmente, a palavra vem associada ao propósito de fabricar verdades. “Compreendi, desde logo, que a aplicação adequada de uma propaganda é ´uma verdadeira arte”, escreve Hitler na abertura do capítulo VI, A propaganda de guerra.

Não surpreende que Hitler e seus imitadores (conscientes ou não) desprezem a educação e supervalorizem as tecnologias de comunicação. O Führer deixou lições expressas a esse respeito: “O fim da propaganda não é a educação científica de cada um, e sim chamar a atenção da massa sobre determinados fatos, necessidades, etc. (...) Como (...) a sua finalidade (...) é a de despertar a atenção da massa, e não ensinar aos cultos ou àqueles que procuram cultivar seu espírito, a sua ação deve ser cada vez mais dirigida para o sentimento e só muito condicionalmente para a chamada razão”.

Hitler acreditava que a Alemanha fora derrotada na 1.ª Guerra Mundial porque não sabia se comunicar com as massas. Para ele, tudo era uma questão de propaganda. Para ele, os ingleses foram muito mais eficientes que os alemães nessa matéria, pois eram mais capazes de transformar mentiras em verdades: “A prova do conhecimento que tinham os ingleses do primitivismo do sentimento da grande massa foram as divulgações das crueldades do nosso exército, campanha que se adaptava a esse estado de espírito do povo. Essa tática serviu para assegurar, de maneira absoluta, a resistência no front, mesmo na ocasião das maiores derrotas. (...) Foi essa mentira repetida e repisada constantemente, propositadamente, com o fito de influir na grande massa do povo, sempre propensa a extremos. O desideratum foi atingido. Todos acreditaram nesse embuste”.

Para Hitler, as massas acreditam em qualquer “embuste” desde que ele seja “repetido e repisado” mil vezes. Goebbels também dizia isso, para bajular o chefe. Os nazistas não tinham compromisso com a verdade factual e com a boa-fé. Seus plagiadores também não. Quem põe em marcha esse método de comunicação tem desprezo pelo pensamento, pela ilustração, pela cultura e pela liberdade de opinião dos que estão sob seu comando. Basta ler esta outra passagem de Mein Kampf: “Toda propaganda deve ser popular e estabelecer o seu nível espiritual de acordo com a capacidade de compreensão do mais ignorante dentre aqueles a quem ela pretende se dirigir. Assim a sua elevação espiritual deverá ser mantida tanto mais baixa quanto maior for a massa humana que ela deverá abranger”.

Apostando na pobreza de espírito e perenizando a desinformação, os aprendizes de totalitarismo dos nossos dias esperam consolidar seu poder, pois sabem que seu poder depende da ignorância e da submissão da sociedade. É por isso que odeiam a imprensa e difundem ofensas contra jornalistas e contra as redações profissionais.

Hitler também atacava jornalistas sistematicamente. Costumava xingar os jornais de Lügenpresse (imprensa mentirosa), como lembrou na semana passada o historiador americano Timothy D. Snyder (How Hitler Pioneered ‘Fake News’, em The New York Times, 16 de outubro). Se você pensou em Trump, acertou: o presidente dos Estados Unidos, ao dizer diariamente que os jornais só publicam fake news, nada mais faz do que plagiar Adolf Hitler. Trump, por sua vez, inspira os plagiários de segunda mão.

Atenção: o fato de o clã local não entender uma vírgula sobre o que seja método não significa que não tenha um. Ele o tem – e o método que ele tem é o pior de todos.

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