sábado, 19 de outubro de 2024
Mergulhados numa plutocracia
Não, [a democracia] não está em perigo, mas está amputada, foi desencaminhada. Virou uma farsa. Os candidatos fazem uma promessa e logo depois a esquecem. Não é verdade que vivemos numa democracia. Estamos mergulhados numa plutocracia. E o cidadão é a primeira vítima dessa mentira generalizada.
José Saramago
É possível resistir às big techs?
Uma das crenças que costuma percorrer as mentes no Vale do Silício é a da inevitabilidade da tecnologia, ou seja, a ideia de que o progresso acontecerá invariavelmente e que parte de seu impacto será inescapável. É como se o risco da inteligência artificial um dia eliminar milhares de empregos fosse um caminho sem volta. Ou como se o domínio de uma megaempresa que acaba por sufocar pequenos empresários seja uma “disrupção” inquestionável.
O que une Mark Coeckelbergh, professor de Filosofia e Tecnologia da Universidade de Viena, na Áustria, e o escritor Danny Caine, dono de uma livraria em uma pequena cidade americana, é justamente a contraposição a essa suposta irreversibilidade do ritmo (e da forma) que rege o avanço dos algoritmos na sociedade.
Os dois estiveram juntos pela primeira vez na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), na quinta-feira. Com uma programação mais quente este ano, a 22ª edição do evento pela primeira vez incluiu na programação oficial uma mesa sobre dados e inteligência artificial, com o nome sugestivo de "Dormindo com o inimigo".
Autor de quinze livros de não-ficção no campo da filosofia da tecnologia, Coeckelbergh estuda as implicações éticas da IA muito antes do mundo voltar os olhos ao tema com o lançamento do ChatGPT, em 2022. Ele é pesquisador da Rede Mundial de Tecnologia (WTN) e membro do grupo de especialistas que aconselha a Comissão Europeia sobre Inteligência Artificial.
Dono da Raven, uma livraria independente em Lawrence, no Kansas, Caine tem atuado há anos em defesa dos pequenos comerciantes nos Estados Unidos, e se tornou uma das vozes mais importantes do país em uma espécie de ativismo anti-Amazon. No Brasil, lançou "Como resistir à Amazon e por quê" (Editora Elefante) no ano passado. A obra expõe as entranhas da gigante varejista que tem negócios de comércio eletrônico, IA, logística, segurança, nuvem e entretenimento.
Apesar de atuarem em áreas distintas, ambos refletem sobre como a tecnologia, alavancada pelo poder das grandes corporações, impacta a sociedade. E quais são as saídas para que efeitos colaterais negativos sejam tratados.
Se as IAs estão fadadas a serem cada vez mais parte da vida cotidiana, questões éticas importantes vão precisar ser enfrentadas, argumenta Coeckelbergh no livro “Robôs, Inteligência Artificial e Ética”, lançado no início deste ano pela Ubu
"Quem é responsável pelos danos da tecnologia quando seres humanos delegam decisões à IA?", questiona o pesquisador no livro. E se o custo de um sistema com bom desempenho é a falta de transparência, devemos usá-lo indistintamente?, pergunta ele em outro trecho.
Publicada no Brasil no início deste ano, mas escrita em 2020, a obra foca em dilemas éticos da IA pré-explosão dos sistemas generativos, como o ChatGPT. O filósofo belga radicado na Áustria explora questões como a responsabilidade moral de decisões tomadas por inteligências artificiais em situações críticas.
Um exemplo é o caso de um carro autônomo que precisa decidir entre diferentes cenários de risco que podem resultar em um acidente. Se salvar a vida do passageiro implica em colocar em risco um pedestre, qual escolha a IA, um sistema que não foi programado para ter um moral, deve fazer?
Quando algo dá errado, é difícil determinar se a inteligência artificial ou outro componente do sistema é o responsável, ressalta o pesquisador. Um desafio adicional é a "caixa-preta" por trás dessas decisões. São processos tão complexos quando opacos, e até mesmo programadores têm dificuldade de explicar exatamente o que levou a determinado resultado, diz ele.
— Esse problema é ainda mais acentuado no caso desses grandes modelos de linguagem (os LLMs, que são os "cérebros" que alimentam ChatGPT e outros). — diz Coeckelbergh, ao GLOBO. —Se essa tecnologia for usada em governos, por exemplo, para decidir sobre o bem-estar das pessoas ou em seguradoras, para decidir sobre pedidos de sinistros, ela poderá fazer coisas que nem o usuário nem o desenvolvedor poderiam prever.
O autor defende que mostrar como essas tecnologias funcionam é uma forma de capacitá-las a tomar decisões mais conscientes e evitar a dependência cega em sistemas automatizados.
Em “Como resistir à Amazon e por quê", Caine está interessado em "caixas-pretas". Mais especificamente, em expor como a maior varejista digital do mundo trabalha por trás das entregas rápidas e preços baixíssimos no mercado americano. O exemplo que abre o livro é do preço de livros. Um best-seller que está nas prateleiras da Raven está à venda por US$ 26. Na Amazon, pode ser comprado por US$ 9,59. Mas esse mesmo exemplar é vendido pela editora a livraria por US$ 14.
Como a Amazon pode oferecê-lo por um preço mais baixo do que o das próprias editoras o fazem para as livrarias? A empresa de Jeff Bezos pode se dar ao luxo de vender livros com prejuízo porque compensa as perdas com os lucros de outros serviços, como o Prime, lembra ele. A gigante também otimiza estratégias com a coleta de dados dos consumidores (inclusive a partir da Alexa) e com controle de parte do marketplace (a Amazon é tanto plataforma para vendedores como vendedora, o que significa que ela compete com os próprios negócios que estão lá)
— Seus algoritmos podem ser treinados com base nas compras dos consumidores, e isso é muito mais valioso para a Amazon do que os poucos livros que eles venderiam pelo preço cheio. E eles competem no próprio marketplace. Então, é como num jogo de futebol, em que são ao mesmo tempo árbitro e jogador — diz Caine.
O livreiro acrescenta que, nos Estados Unidos, o controle da Amazon sobre o mercado de livros é tão vasto que a empresa acaba por influenciar o que é publicado e como. Se um livro não tiver chance de sucesso na plataforma, uma editora pode ficar menos propensa a publicá-lo, diz.
Caine também aponta outro problema: a proliferação de livros gerados por IA na Kindle Store, que tem "inundado" a plataforma com títulos de baixa qualidade. Esses livros, muitas vezes criados rapidamente, aproveitam a popularidade de temas, autores ou gêneros em alta para "driblar" os algoritmos e aparecerem para os leitores. Isso não apenas confunde o consumidor, mas também torna ainda mais difícil para autores legítimos e livrarias independentes competirem de maneira justa, avalia.
Coeckelbergh diz que as discussões entre os bilionários da tecnologia sobre a possibilidade de a IA um dia superar a mente humana — com a criação da chamada Inteligência Artificial Geral (AIG) — são uma distração dos impactos reais e imediatos que esses sistemas vêm gerando, como a distorção no mercado editorial.
Sobre a entrada dos algoritmos na área, ele lembra ainda que há uma questão sobre o significado da criatividade em um contexto em que máquinas são capazes de reproduzir a linguagem.
— As máquinas, em última análise, se alimentam da criatividade humana como vampiros. Mas mesmo que simulem a criatividade, acabam presas em ciclos baseados em dados do passado. O que os humanos fazem de verdadeiramente novo está enraizado em nossa subjetividade. Mas acho que as pessoas nas humanidades estão sendo desafiadas a isso: o que significa para mim, como escritor, se essas tecnologias também melhorarem?— questiona.
O pesquisador não propõe a interrupção do desenvolvimento da IA, assim como Caine não sugere que as pessoas simplesmente boicotem a Amazon como forma de resistência.
— Não estou dizendo para as pessoas não apoiarem a Amazon. Estou muito mais interessado em dizer: apoie os pequenos negócios na sua comunidade, porque eles vão perceber a diferença. Até mesmo uma única venda de livro pode ser a diferença entre um dia lucrativo e um dia não lucrativo para a livraria — afirma o escritor, que também acredita em uma regulação antimonopolista como caminho para reduzir as distorções no mercado
Para os dilemas éticos que envolvem a IA, Coeckelbergh destaca a necessidade de três pilares: a regulação internacional, uma educação sobre tecnologia e a conscientização crítica dos consumidores da inteligência artificial, em um esforço conjunto que não deixe as decisões apenas na mão das big techs.
—Temos que forçar essas empresas influentes a serem mais éticas e jogarem pelas regras que acreditamos serem boas para as pessoas. E nós, humanos, talvez tenhamos que aprender a moldar nossa vida e a nós mesmos de forma mais consciente, e isso significa ter capacidade de pensar criticamente sobre a nossa relação com a tecnologia.
É preciso descobrir por que o planeta tem pulsão destrutiva
O filósofo Heidegger vasculhou a obra de Freud e não encontrou nenhuma explicação dele na escolha da palavra “análise” para nomear seu trabalho. Então descobriu que o poeta Homero, que viveu na Grécia Antiga, foi quem primeiro usou o termo no segundo livro da Odisseia, para descrever o que Penélope fazia todas as noites: ela desmontava o tecido que fizera durante o dia. Em grego, “análise” significa desfazer uma trama, soltar, libertar alguém da prisão e até desmontar os pedaços de uma construção.
A etimologia do termo “análise” é formidável para ilustrar aquilo a que se destina, tanto nos labirintos do sintoma do indivíduo quanto nos da cultura: revelar e desfazer a trama inconsciente ou irrefreável que os causa. Não é difícil imaginar sujeitos que não conseguem se livrar de atitudes, vícios e repetições que, não obstante, os prejudicam. Torna-se cada vez mais patente a dificuldade de reverter a violência das guerras e o rumo do aquecimento global, com a deterioração climática e seus efeitos — como os incêndios pelo mundo.
Se o desafio que enfrentamos consiste na missão quase impossível de desfazer a trama econômica, social e política que produz o risco de catástrofe, como nos libertar dessa prisão e desmontar a máquina destrutiva que o progresso material e tecnológico construiu — na crença absurda de que a suposta inesgotável natureza está à disposição apenas para nos servir? Na verdade, não me situo entre os que consideram inevitável o desastre climático, uma nova guerra mundial ou a emergência de outra grave pandemia. Mas é inquietante observar na atualidade a crescente onda pessimista nessa direção.
Talvez porque nunca tenha ocorrido, como nos últimos anos, uma invasão tão intensa de graves acontecimentos assolando a subjetividade das pessoas. Além do mais, está tudo conectado em tempo real. A confiança nas pulsões de vida e na capacidade humana de reverter seu impulso à autodestruição parece diluir-se ante uma época cínica e caótica, em que é inédito o arsenal — de armas, de ódio e de negacionismo — à disposição de uma destrutividade que parece contratar um time invencível.
doriA formidável expansão tecnológica e científica vem se revelando inversamente proporcional à paradoxal regressão civilizatória. Estamos de novo diante de questões que julgávamos ultrapassadas, o que expõe a força das infiltrações subterrâneas que atacam a ética, a democracia, a paz e o respeito entre povos e nações. Tudo se parece com a metáfora que surgiu de um debate entre os filósofos Peter Sloterdijk e Alain Finkielkraut sobre o que é compreender a contemporaneidade: um olhar para um céu cheio de estrelas que já desapareceram, mas cujos brilhos — ou trevas — continuam chegando até nós.
Filósofos e artistas captam sinais e antecipam o desastre. Paul Klee fez uma gravura, em que Walter Benjamin se inspirou, para criar o conceito de anjo da História: uma figura assustada, com as mãos se defendendo da tragédia para a qual o futuro nos arrastaria. A gravura hoje está no Museu de Israel, em Jerusalém. O próprio Benjamin escreveu “Aviso de incêndio”, sobre as graves ameaças de um progresso descontrolado. Sloterdijk fez livro sobre o arrependimento de Prometeu: o ladrão do fogo divino ficaria decepcionado com o que fizeram de sua dádiva. Antes dele, Hans Jonas se referiu ao perigo de um Prometeu desacorrentado e clamou por uma ética que, por meio de freios voluntários, impedisse o poder dos homens de se converter numa desgraça para si mesmos. Antes da série de incêndios, Giorgio Agamben lançou a distopia “Quando a casa queima”. As cidades, as ruas e as casas estão ardendo em chamas:
— Vivemos num mundo que está queimando, mas não sabemos.
Não?
Resta o desafio de desfazer nossa própria trama, desmontar o manto sombrio que vimos tecendo ao longo do que — de forma arrogante —chamamos de progresso. Freud disse que a função da análise é tornar consciente o que não era. Tal função tem hoje o caráter de urgência.
A etimologia do termo “análise” é formidável para ilustrar aquilo a que se destina, tanto nos labirintos do sintoma do indivíduo quanto nos da cultura: revelar e desfazer a trama inconsciente ou irrefreável que os causa. Não é difícil imaginar sujeitos que não conseguem se livrar de atitudes, vícios e repetições que, não obstante, os prejudicam. Torna-se cada vez mais patente a dificuldade de reverter a violência das guerras e o rumo do aquecimento global, com a deterioração climática e seus efeitos — como os incêndios pelo mundo.
Se o desafio que enfrentamos consiste na missão quase impossível de desfazer a trama econômica, social e política que produz o risco de catástrofe, como nos libertar dessa prisão e desmontar a máquina destrutiva que o progresso material e tecnológico construiu — na crença absurda de que a suposta inesgotável natureza está à disposição apenas para nos servir? Na verdade, não me situo entre os que consideram inevitável o desastre climático, uma nova guerra mundial ou a emergência de outra grave pandemia. Mas é inquietante observar na atualidade a crescente onda pessimista nessa direção.
Talvez porque nunca tenha ocorrido, como nos últimos anos, uma invasão tão intensa de graves acontecimentos assolando a subjetividade das pessoas. Além do mais, está tudo conectado em tempo real. A confiança nas pulsões de vida e na capacidade humana de reverter seu impulso à autodestruição parece diluir-se ante uma época cínica e caótica, em que é inédito o arsenal — de armas, de ódio e de negacionismo — à disposição de uma destrutividade que parece contratar um time invencível.
doriA formidável expansão tecnológica e científica vem se revelando inversamente proporcional à paradoxal regressão civilizatória. Estamos de novo diante de questões que julgávamos ultrapassadas, o que expõe a força das infiltrações subterrâneas que atacam a ética, a democracia, a paz e o respeito entre povos e nações. Tudo se parece com a metáfora que surgiu de um debate entre os filósofos Peter Sloterdijk e Alain Finkielkraut sobre o que é compreender a contemporaneidade: um olhar para um céu cheio de estrelas que já desapareceram, mas cujos brilhos — ou trevas — continuam chegando até nós.
Filósofos e artistas captam sinais e antecipam o desastre. Paul Klee fez uma gravura, em que Walter Benjamin se inspirou, para criar o conceito de anjo da História: uma figura assustada, com as mãos se defendendo da tragédia para a qual o futuro nos arrastaria. A gravura hoje está no Museu de Israel, em Jerusalém. O próprio Benjamin escreveu “Aviso de incêndio”, sobre as graves ameaças de um progresso descontrolado. Sloterdijk fez livro sobre o arrependimento de Prometeu: o ladrão do fogo divino ficaria decepcionado com o que fizeram de sua dádiva. Antes dele, Hans Jonas se referiu ao perigo de um Prometeu desacorrentado e clamou por uma ética que, por meio de freios voluntários, impedisse o poder dos homens de se converter numa desgraça para si mesmos. Antes da série de incêndios, Giorgio Agamben lançou a distopia “Quando a casa queima”. As cidades, as ruas e as casas estão ardendo em chamas:
— Vivemos num mundo que está queimando, mas não sabemos.
Não?
Resta o desafio de desfazer nossa própria trama, desmontar o manto sombrio que vimos tecendo ao longo do que — de forma arrogante —chamamos de progresso. Freud disse que a função da análise é tornar consciente o que não era. Tal função tem hoje o caráter de urgência.
'Exterminem todas as bestas'. As crianças também
Tenho à minha frente o raio-x do crânio de uma criança pequena. Vê-se nitidamente uma bala. Apontada para baixo em direção à nuca. Sinto uma náusea. Acabei de deixar os meus filhos na escola e, enquanto bebo um café, vejo as imagens partilhadas com o The New York Times por uma médica, chamada Mimi Syed, que trabalhou em Gaza entre 8 de agosto e 5 de setembro. É fisicamente doloroso ler os relatos compilados para o jornal por um outro médico, Feroze Sidhwa, sobre o que se passa nos hospitais da Palestina. Mas não posso desviar os olhos. Não podemos desviar os olhos.
Feroze Sidhwa já foi voluntário na Ucrânia e no Haiti. Mas nada o preparou para o que viu em Gaza. Durante quase todos os dias em que esteve na Palestina, viu entrarem pelas urgências crianças pequenas alvejadas na cabeça ou no peito. “Na altura, assumi que isto devia ser obra de um soldado particularmente sádico a lutar nas redondezas. Mas, depois de regressar a casa [nos Estados Unidos], conheci um médico que tinha trabalhado noutro hospital em Gaza dois meses antes de mim”. Nesse encontro, Sidhwa partilhou o seu choque perante a quantidade de crianças que vira baleadas na cabeça. “Sim, eu vi o mesmo. Todos os dias que lá estive”, respondeu o outro médico.
A resposta e a forma como a Palestina se tornou um buraco negro para a informação, graças às restrições cada vez maiores ao trabalho dos jornalistas naquela zona, fez com que Feroze Sidhwa fosse à procura de outros médicos que, como ele, tivessem estado a trabalhar na região e estivessem dispostos a partilhar o que viram. Falou com 65, dos quais 57 aceitaram contar as suas histórias, identificando-se, enquanto oito pediram anonimato “ou por ainda terem familiares em Gaza ou na Cisjordânia ou por temerem sofrer retaliações nos seus locais de trabalho”.
O que se segue são páginas e páginas de histórias que me deixaram atordoada. Falam de crianças que pedem para morrer, meninos a quem são feitas amputações sem analgésicos e não vertem uma lágrima, médicos que numa única noite recebem seis crianças com idades entre os cinco e os 12 anos cada uma delas com uma bala na cabeça ou uma bebé de 18 meses também com o crânio desfeito por um tiro.
“Vi muitas crianças. Na minha experiência o ferimento era quase sempre na cabeça”, diz o Dr. Ndal Farah. “Um dia, quando estava nas urgências, vi uma criança de três anos e outra de cinco, cada uma com um tiro na cabeça. Quando perguntei o que se tinha passado, o pai e o irmão disseram que tinham ouvido dizer que Israel estava a retirar de Khan Younis e resolveram voltar para ver se tinha sobrado alguma coisa da sua casa. Havia, contaram, um sniper à espera, que baleou as duas crianças”, relata o Dr. Khawaja Ikram.
O pessoal médico que esteve em Gaza fala de fome extrema, de mães incapazes de amamentar os filhos por estarem desidratadas e subnutridas que imploram por leite de fórmula que não existe, de operações feitas com material reutilizado sem qualquer esterilização, de médicos e enfermeiros que não têm sequer como lavar as mãos. Há um buraco que se me abre no peito enquanto leio estes relatos.
Vem-me à cabeça o título do livro sobre colonialismo do sueco Sven Lindqvist, que é ao mesmo tempo um grito de desumanidade e um resumo de um projeto político. “Exterminem todas as bestas”. É uma frase que Lindqvist vai buscar ao romance de Joseph Conrad O Coração das Trevas, escrito em 1899, numa altura em que a colonização era apresentada como um programa de progresso e civilização.
O grau de extermínio e crueldade de que são capazes colonizadores e nazis só é suportável depois de se desumanizarem as suas vítimas. E isso é verdade em qualquer época histórica. Só depois de olharmos para os outros como “bestas” os podemos aniquilar, convencidos até de que o fazemos por um bem maior. E esse é um mecanismo que conhecemos bem e que podemos compreender.
O que é absolutamente incompreensível para mim é a forma como as democracias liberais ocidentais estão a fingir que não veem o que se passa na Palestina. Não é que não ignorem também os horrores do Saara Ocidental, do Sudão ou de outros pontos do globo. Mas Gaza é, apesar de tudo, um horror que desfila perante os nossos olhos indiferentes todos os dias. E escolhemos ignorar.
“Não é de informação que carecemos. O que nos falta é a coragem para compreender o que sabemos e tirar conclusões”, escreveu Sven Lindqvist, que morreu em 2019.
Uma das conclusões que mais me inquieta é a sentença de morte que estamos a escrever à democracia. A política convive com um certo grau de hipocrisia a que em jargão diplomático se chama realpolitik, mas o sistema em que vivemos não sobreviverá à escalada da desumanização, à destruição da mais básica decência, à aniquilação de direitos que consagrámos na lei depois dos horrores do Holocausto nazi.
E, se durante muito anos, convivemos com massacres e horrores fora do mundo ocidental, o globo encolheu hoje a tal ponto que é impossível que essa barbárie não nos contamine a todos. Nós somos os bárbaros. Sempre fomos. Mas seremos também as bestas. Hoje, são os filhos de Gaza com as cabeças desfeitas por balas. Amanhã serão os nossos. Estamos a abrir o caminho para isso.
Feroze Sidhwa já foi voluntário na Ucrânia e no Haiti. Mas nada o preparou para o que viu em Gaza. Durante quase todos os dias em que esteve na Palestina, viu entrarem pelas urgências crianças pequenas alvejadas na cabeça ou no peito. “Na altura, assumi que isto devia ser obra de um soldado particularmente sádico a lutar nas redondezas. Mas, depois de regressar a casa [nos Estados Unidos], conheci um médico que tinha trabalhado noutro hospital em Gaza dois meses antes de mim”. Nesse encontro, Sidhwa partilhou o seu choque perante a quantidade de crianças que vira baleadas na cabeça. “Sim, eu vi o mesmo. Todos os dias que lá estive”, respondeu o outro médico.
A resposta e a forma como a Palestina se tornou um buraco negro para a informação, graças às restrições cada vez maiores ao trabalho dos jornalistas naquela zona, fez com que Feroze Sidhwa fosse à procura de outros médicos que, como ele, tivessem estado a trabalhar na região e estivessem dispostos a partilhar o que viram. Falou com 65, dos quais 57 aceitaram contar as suas histórias, identificando-se, enquanto oito pediram anonimato “ou por ainda terem familiares em Gaza ou na Cisjordânia ou por temerem sofrer retaliações nos seus locais de trabalho”.
O que se segue são páginas e páginas de histórias que me deixaram atordoada. Falam de crianças que pedem para morrer, meninos a quem são feitas amputações sem analgésicos e não vertem uma lágrima, médicos que numa única noite recebem seis crianças com idades entre os cinco e os 12 anos cada uma delas com uma bala na cabeça ou uma bebé de 18 meses também com o crânio desfeito por um tiro.
“Vi muitas crianças. Na minha experiência o ferimento era quase sempre na cabeça”, diz o Dr. Ndal Farah. “Um dia, quando estava nas urgências, vi uma criança de três anos e outra de cinco, cada uma com um tiro na cabeça. Quando perguntei o que se tinha passado, o pai e o irmão disseram que tinham ouvido dizer que Israel estava a retirar de Khan Younis e resolveram voltar para ver se tinha sobrado alguma coisa da sua casa. Havia, contaram, um sniper à espera, que baleou as duas crianças”, relata o Dr. Khawaja Ikram.
O pessoal médico que esteve em Gaza fala de fome extrema, de mães incapazes de amamentar os filhos por estarem desidratadas e subnutridas que imploram por leite de fórmula que não existe, de operações feitas com material reutilizado sem qualquer esterilização, de médicos e enfermeiros que não têm sequer como lavar as mãos. Há um buraco que se me abre no peito enquanto leio estes relatos.
Vem-me à cabeça o título do livro sobre colonialismo do sueco Sven Lindqvist, que é ao mesmo tempo um grito de desumanidade e um resumo de um projeto político. “Exterminem todas as bestas”. É uma frase que Lindqvist vai buscar ao romance de Joseph Conrad O Coração das Trevas, escrito em 1899, numa altura em que a colonização era apresentada como um programa de progresso e civilização.
O grau de extermínio e crueldade de que são capazes colonizadores e nazis só é suportável depois de se desumanizarem as suas vítimas. E isso é verdade em qualquer época histórica. Só depois de olharmos para os outros como “bestas” os podemos aniquilar, convencidos até de que o fazemos por um bem maior. E esse é um mecanismo que conhecemos bem e que podemos compreender.
O que é absolutamente incompreensível para mim é a forma como as democracias liberais ocidentais estão a fingir que não veem o que se passa na Palestina. Não é que não ignorem também os horrores do Saara Ocidental, do Sudão ou de outros pontos do globo. Mas Gaza é, apesar de tudo, um horror que desfila perante os nossos olhos indiferentes todos os dias. E escolhemos ignorar.
“Não é de informação que carecemos. O que nos falta é a coragem para compreender o que sabemos e tirar conclusões”, escreveu Sven Lindqvist, que morreu em 2019.
Uma das conclusões que mais me inquieta é a sentença de morte que estamos a escrever à democracia. A política convive com um certo grau de hipocrisia a que em jargão diplomático se chama realpolitik, mas o sistema em que vivemos não sobreviverá à escalada da desumanização, à destruição da mais básica decência, à aniquilação de direitos que consagrámos na lei depois dos horrores do Holocausto nazi.
E, se durante muito anos, convivemos com massacres e horrores fora do mundo ocidental, o globo encolheu hoje a tal ponto que é impossível que essa barbárie não nos contamine a todos. Nós somos os bárbaros. Sempre fomos. Mas seremos também as bestas. Hoje, são os filhos de Gaza com as cabeças desfeitas por balas. Amanhã serão os nossos. Estamos a abrir o caminho para isso.
'Tive que demolir minha casa por ordem de Israel'
Andando em meio às ruínas do que costumava ser sua casa, Ahmad Musa al-Qumbar, de 29 anos, diz que sempre temeu que um dia as autoridades da cidade de Jerusalém viessem atrás dele.
O palestino casado e pai de quatro filhos construiu uma modesta casa de apenas um pavimento há sete anos, em terras de sua propriedade e onde sua família vive há gerações.
Mas Ahmad nunca teve autorização oficial para construir.
Ele mora no distrito de Jabal Mukaber, em Jerusalém Oriental. Com vista para a Cidade Velha e seus muitos monumentos religiosos históricos, trata-se de uma das partes mais densamente povoadas e fortemente disputadas da região.
O distrito foi tomado por Israel da Jordânia na guerra do Oriente Médio de 1967 e depois anexado, mas é internacionalmente amplamente considerado território palestino.
O controle de Jerusalém é uma das questões mais controversas do conflito de décadas. Os palestinos reivindicam oficialmente Jerusalém Oriental como sua capital, enquanto Israel considera toda a cidade sua capital.
“Quem” tem permissão para construir e “onde” é grande parte do conflito.
E o ritmo com que casas palestinas estão sendo demolidas na Jerusalém Oriental ocupada quase dobrou desde o início do conflito em Gaza, dizem grupos de direitos humanos e organizações de monitoramento. As demolições são ordenadas pela autoridade municipal de Israel, que diz que muitas construções, como a de Ahmad, foram erguidas de forma ilegal, sem permissão.
Uma ONG, Ir Amim, diz que “sob o disfarce da guerra”, Israel está “deslocando os palestinos à força de suas casas e da cidade”.
“Eu tive que demolir minha casa após ser alvo de penalidades pela polícia e pelos tribunais israelenses”, conta Ahmad nos escombros do que costumava ser sua cozinha.
“Eu não poderia pagar as multas e correr o risco de perder coisas como plano de saúde e o seguro das crianças. Claro, recorremos ao tribunal, mas eles se recusaram.”
Como muitos na mesma situação, Ahmad contratou ele mesmo, a contragosto, máquinas pesadas para derrubar sua casa. E conta que as autoridades da cidade de Jerusalém teriam cobrado o equivalente a US$ 100 mil se tivessem sido elas a realizar o serviço.
O que talvez tenha tornado tudo ainda mais doloroso - destruir o trabalho de sua família e o futuro de seus filhos com as próprias mãos.
Quase todas as tentativas de solicitar permissão de planejamento feitas por famílias palestinas em Jerusalém Oriental são negadas pelas autoridades israelenses. E famílias em crescimento dizem não ter escolha a não ser construir ilegalmente e enfrentar as possíveis consequências - multas enormes e ordens de demolição.
Alguns dizem que a lei e os tribunais estão sendo deliberadamente usados para suprimir o crescimento e as ambições palestinas.
“Essas comunidades palestinas pedem permissão, e entre 95% e 99% dos pedidos são negados”, diz Shay Parnes, porta-voz da organização israelense de direitos humanos B'Tselem.
“Isso vem acontecendo há anos”, continua Parnes.
“Às vezes eles usam motivos de segurança para justificar, mas é sempre sob parte do mesmo processo de expulsar palestinos... porque a lei é diferente para diferentes comunidades que vivem lado a lado na mesma cidade.”
No lado ocidental predominantemente judaico da cidade, o que costumava ser um horizonte de edifícios de pedra branca relativamente baixos mudou drasticamente nos últimos anos. A construção está em ritmo acelerado.. Os guindastes operam praticamente 24 horas por dia, 7 dias por semana, com novos arranha-céus residenciais e comerciais subindo e aquele lado de Jerusalém se expandindo.
A construção também é intensa em algumas áreas de Jerusalém Oriental em que a terra foi reivindicada por Israel para dar lugar aos assentamentos judaicos. Em Har Homa, estima-se que 25.000 pessoas agora vivem em casas novas, em terras formalmente expropriadas por Israel em 1991.
Do outro lado da estrada estão as aldeias palestinas de Umm Tuba e Sur Baher, onde muitas instalações públicas são claramente inferiores às de Har Homa.
Em forte contraste com o trabalho de construção do outro lado da rodovia, várias casas foram demolidas à força por aqui nos últimos anos, no que a Anistia Internacional descreve como “uma violação flagrante do direito internacional e parte de um padrão sistemático das autoridades israelenses para deslocar os palestinos à força”.
A situação é semelhante no assentamento de Gilo, que se expande rapidamente no que é considerado internacionalmente como Jerusalém Oriental ocupada, enquanto, argumenta-se, aos subúrbios palestinos vizinhos não é permitido crescer no mesmo ritmo.
A comunidade internacional considera os assentamentos israelenses em Jerusalém Oriental ilegais sob o direito internacional, mas o governo israelense contesta. Israel também nega que as demolições fazem parte da política deliberada de discriminação que ganhou ritmo coberta pela distração acusada pela guerra em Gaza.
Em um comunicado, o município de Jerusalém disse que as acusações eram “absolutamente falsas” e que tinha apoio local para “grandes planos de construção em quase todas as áreas de Jerusalém Oriental”.
Os planos “visam dar opções para a expansão do bairro, abordar a questão generalizada da construção ilegal e designar áreas para a construção de estruturas de serviço municipal”, acrescentou.
Mas não é difícil encontrar exemplos de onde as ordens de demolição israelenses contra casas palestinas estão sendo aplicadas em Jerusalém Oriental.
No subúrbio de Silwan, logo abaixo da Cidade Velha, encontramos outra casa palestina em ruínas. Lutfiyah al-Wahidi diz que o anexo havia sido construído para a família de seu filho há mais de uma década, mas agora as autoridades vieram atrás.
“Mesmo que ergamos apenas um tijolo, as autoridades vêm e o demolem. Como nossa casa os prejudicou? É em terra na qual duvido que as autoridades tenham interesse.”
A avó diz que pagou milhares de dólares em multas judiciais ao longo dos anos em vã tentativa de manter a propriedade.
“Meu filho tem uma família de seis pessoas com apenas um provedor. Que mal eles estão fazendo? Ainda querem demoli-la”, diz ela, com sua família ainda maior e dispersa por outras partes da cidade.
Em uma análise compreensiva, a organização Ir Amim descobriu que, desde a eclosão da guerra em Gaza, em 7 de outubro de 2023, "houve uma grande aceleração na promoção e liberação de novos planos de assentamento em Jerusalém Oriental e um aumento dramático na taxa de demolições de casas palestinas".
"O governo israelense está claramente explorando a guerra para criar mais fatos", continua.
Estima-se que haja pelo menos 20.000 pedidos de demolição pendentes em Jerusalém Oriental - pedidos que não têm limite de validade.
Especialistas também dizem, no documento, que desde 7 de outubro, membros de extrema-direita do governo de Benjamin Netanyahu e do Município de Jerusalém ficaram mais seguros para expressar publicamente sua intenção de ver mais casas judaicas construídas em terras ocupadas ou contestadas.
E embora os palestinos, como as famílias de Ahmad e Lutfiyah, ficam visivelmente com mais medo de perder suas casas, eles insistem que ficarão e, eventualmente, reconstruirão suas vidas aqui em Jerusalém Oriental.
O palestino casado e pai de quatro filhos construiu uma modesta casa de apenas um pavimento há sete anos, em terras de sua propriedade e onde sua família vive há gerações.
Mas Ahmad nunca teve autorização oficial para construir.
Ele mora no distrito de Jabal Mukaber, em Jerusalém Oriental. Com vista para a Cidade Velha e seus muitos monumentos religiosos históricos, trata-se de uma das partes mais densamente povoadas e fortemente disputadas da região.
O distrito foi tomado por Israel da Jordânia na guerra do Oriente Médio de 1967 e depois anexado, mas é internacionalmente amplamente considerado território palestino.
O controle de Jerusalém é uma das questões mais controversas do conflito de décadas. Os palestinos reivindicam oficialmente Jerusalém Oriental como sua capital, enquanto Israel considera toda a cidade sua capital.
“Quem” tem permissão para construir e “onde” é grande parte do conflito.
Har Homa é um dos maiores e polêmicos assentamentos judeus em Jerusalém Oriental |
E o ritmo com que casas palestinas estão sendo demolidas na Jerusalém Oriental ocupada quase dobrou desde o início do conflito em Gaza, dizem grupos de direitos humanos e organizações de monitoramento. As demolições são ordenadas pela autoridade municipal de Israel, que diz que muitas construções, como a de Ahmad, foram erguidas de forma ilegal, sem permissão.
Uma ONG, Ir Amim, diz que “sob o disfarce da guerra”, Israel está “deslocando os palestinos à força de suas casas e da cidade”.
“Eu tive que demolir minha casa após ser alvo de penalidades pela polícia e pelos tribunais israelenses”, conta Ahmad nos escombros do que costumava ser sua cozinha.
“Eu não poderia pagar as multas e correr o risco de perder coisas como plano de saúde e o seguro das crianças. Claro, recorremos ao tribunal, mas eles se recusaram.”
Como muitos na mesma situação, Ahmad contratou ele mesmo, a contragosto, máquinas pesadas para derrubar sua casa. E conta que as autoridades da cidade de Jerusalém teriam cobrado o equivalente a US$ 100 mil se tivessem sido elas a realizar o serviço.
O que talvez tenha tornado tudo ainda mais doloroso - destruir o trabalho de sua família e o futuro de seus filhos com as próprias mãos.
Quase todas as tentativas de solicitar permissão de planejamento feitas por famílias palestinas em Jerusalém Oriental são negadas pelas autoridades israelenses. E famílias em crescimento dizem não ter escolha a não ser construir ilegalmente e enfrentar as possíveis consequências - multas enormes e ordens de demolição.
Alguns dizem que a lei e os tribunais estão sendo deliberadamente usados para suprimir o crescimento e as ambições palestinas.
“Essas comunidades palestinas pedem permissão, e entre 95% e 99% dos pedidos são negados”, diz Shay Parnes, porta-voz da organização israelense de direitos humanos B'Tselem.
“Isso vem acontecendo há anos”, continua Parnes.
“Às vezes eles usam motivos de segurança para justificar, mas é sempre sob parte do mesmo processo de expulsar palestinos... porque a lei é diferente para diferentes comunidades que vivem lado a lado na mesma cidade.”
No lado ocidental predominantemente judaico da cidade, o que costumava ser um horizonte de edifícios de pedra branca relativamente baixos mudou drasticamente nos últimos anos. A construção está em ritmo acelerado.. Os guindastes operam praticamente 24 horas por dia, 7 dias por semana, com novos arranha-céus residenciais e comerciais subindo e aquele lado de Jerusalém se expandindo.
A construção também é intensa em algumas áreas de Jerusalém Oriental em que a terra foi reivindicada por Israel para dar lugar aos assentamentos judaicos. Em Har Homa, estima-se que 25.000 pessoas agora vivem em casas novas, em terras formalmente expropriadas por Israel em 1991.
Do outro lado da estrada estão as aldeias palestinas de Umm Tuba e Sur Baher, onde muitas instalações públicas são claramente inferiores às de Har Homa.
Em forte contraste com o trabalho de construção do outro lado da rodovia, várias casas foram demolidas à força por aqui nos últimos anos, no que a Anistia Internacional descreve como “uma violação flagrante do direito internacional e parte de um padrão sistemático das autoridades israelenses para deslocar os palestinos à força”.
A situação é semelhante no assentamento de Gilo, que se expande rapidamente no que é considerado internacionalmente como Jerusalém Oriental ocupada, enquanto, argumenta-se, aos subúrbios palestinos vizinhos não é permitido crescer no mesmo ritmo.
A comunidade internacional considera os assentamentos israelenses em Jerusalém Oriental ilegais sob o direito internacional, mas o governo israelense contesta. Israel também nega que as demolições fazem parte da política deliberada de discriminação que ganhou ritmo coberta pela distração acusada pela guerra em Gaza.
Em um comunicado, o município de Jerusalém disse que as acusações eram “absolutamente falsas” e que tinha apoio local para “grandes planos de construção em quase todas as áreas de Jerusalém Oriental”.
Os planos “visam dar opções para a expansão do bairro, abordar a questão generalizada da construção ilegal e designar áreas para a construção de estruturas de serviço municipal”, acrescentou.
Mas não é difícil encontrar exemplos de onde as ordens de demolição israelenses contra casas palestinas estão sendo aplicadas em Jerusalém Oriental.
No subúrbio de Silwan, logo abaixo da Cidade Velha, encontramos outra casa palestina em ruínas. Lutfiyah al-Wahidi diz que o anexo havia sido construído para a família de seu filho há mais de uma década, mas agora as autoridades vieram atrás.
“Mesmo que ergamos apenas um tijolo, as autoridades vêm e o demolem. Como nossa casa os prejudicou? É em terra na qual duvido que as autoridades tenham interesse.”
A avó diz que pagou milhares de dólares em multas judiciais ao longo dos anos em vã tentativa de manter a propriedade.
“Meu filho tem uma família de seis pessoas com apenas um provedor. Que mal eles estão fazendo? Ainda querem demoli-la”, diz ela, com sua família ainda maior e dispersa por outras partes da cidade.
Em uma análise compreensiva, a organização Ir Amim descobriu que, desde a eclosão da guerra em Gaza, em 7 de outubro de 2023, "houve uma grande aceleração na promoção e liberação de novos planos de assentamento em Jerusalém Oriental e um aumento dramático na taxa de demolições de casas palestinas".
"O governo israelense está claramente explorando a guerra para criar mais fatos", continua.
Estima-se que haja pelo menos 20.000 pedidos de demolição pendentes em Jerusalém Oriental - pedidos que não têm limite de validade.
Especialistas também dizem, no documento, que desde 7 de outubro, membros de extrema-direita do governo de Benjamin Netanyahu e do Município de Jerusalém ficaram mais seguros para expressar publicamente sua intenção de ver mais casas judaicas construídas em terras ocupadas ou contestadas.
E embora os palestinos, como as famílias de Ahmad e Lutfiyah, ficam visivelmente com mais medo de perder suas casas, eles insistem que ficarão e, eventualmente, reconstruirão suas vidas aqui em Jerusalém Oriental.
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