segunda-feira, 9 de dezembro de 2024
Uma crônica, as pautas e o Brasil que queremos
Poucos dominaram tão bem a arte de tocar o coração das pessoas com uma escrita leve, mas de significado profundo, quanto o capixaba Rubem Braga. Prova disso é que suas crônicas - gênero efêmero por natureza - reverberaram por gerações.
Das historinhas da coleção Para Gostar de Ler, onde muitos que têm mais ou menos a minha idade se iniciaram nos livros, até textos que há algum tempo faziam muito sucesso circulando em correntes de e-mail, suas colunas publicadas nos jornais e revistas de décadas atrás continuam emocionando e levando a reflexões - embora eu suspeite que, ainda que curtas e objetivas, suas crônicas não caibam mais nos poucos segundos dos TikToks e reels.
Num texto que saiu na revista “Manchete” em 1957, época de ouro em que a imprensa brasileira trazia textos diários de Carlos Drummond, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos, Nelson Rodrigues, Rachel de Queiroz, entre outros gigantes, Rubem Braga publicou o desejo de ter a inspiração para criar “uma história maravilhosa”.
“Eu queria contar uma história tão engraçada que aquela moça que está doente naquela casa cinzenta quando lesse minha história no jornal risse, risse, risse tanto que chegasse a chorar e dissesse: ‘ai meu Deus, que história mais engraçada!’”, almejou o cronista.
A sensação de bem-estar provocada na leitora (“como um raio de sol, irresistivelmente louro, quente e vivo”) seria tão grande que ela seria passada adiante num boca-a-boca que chegaria a diversas pessoas enfrentando situações difíceis. O casal em crise, as prostitutas detidas na delegacia, enfermos em hospitais, familiares enlutados, solitários de todas as naturezas: todos deixariam suas agruras de lado por alguns instantes para se divertir com um causo gracioso, irresistível e colorido.
A onda de bem-estar gerada pelas palavras imaginadas por Rubem Braga então ganharia o mundo, a ponto de as pessoas perderem a referência de quem a escreveu. E ela seria contada e recontada das mais variadas formas, e independentemente da língua, a história maravilhosa manteria seu encanto, sua frescura e sua pureza.
O fim de ano vem aí e a gente fica mais melancólico. Antes de o Natal e o Ano Novo aparecerem para renovar nossas esperanças com um Brasil e um mundo melhores (começando por nós mesmos, claro), chega a terrível hora dos balanços, da “retrospectiva 2024”.
Eu me lembrei da crônica “Uma História Maravilhosa” (republicada com o título de “Meu Ideal Seria Escrever...” na coletânea As Cem Melhores Crônicas Brasileiras, organizada por Joaquim Ferreira dos Santos) nesta semana, ao vagar num momento de procrastinação por mensagens antigas de WhatsApp e me deparar com o convite da querida Maria Cristina Fernandes para ser colunista do Valor. Lá se vão seis anos, e eu recordei o frio na barriga que me deu ao dizer “sim” para essa loucura que é tentar ser um cronista dos fatos econômicos e políticos do Brasil - sem, obviamente, ter o talento e a arte de um Rubem Braga.
Nestes dias de melancolia e reflexão com o fim do ano que se aproxima, bateu aqui uma ponta de desesperança com o Brasil. Ao pensar nas reações a propostas voltadas para o bem-comum, em detrimento dos interesses de alguns poucos, o texto de Rubem Braga me veio à mente para me dar forças e não desistir dessa tarefa inglória de refletir semanalmente sobre os problemas do nosso país.
Parafraseando o autor de Cachoeiro do Itapemirim, eu queria contar uma história tão persuasiva que convenceria os empresários brasileiros que o bem-estar de seus empregados e colaboradores é tão ou mais importante do que seus lucros, e que é possível pensar em novos arranjos de trabalho que resultem em maior produtividade, e não em prejuízos.
Meu ideal seria escrever uma coluna tão repleta de dados que forçassem deputados e senadores a admitir que o modelo de emendas parlamentares não traz melhorias para a população, e acabam em desvios de recursos e obras eleitoreiras.
Eu queria redigir uma coluna com argumentos tão poderosos que levassem juízes, promotores, procuradores, fiscais e outras carreiras da elite do funcionalismo a se despir dos argumentos de autoridade, reconhecendo que são servidores do público e que ganhar menos do que o teto é mais do que adequado à sua contribuição pessoal à sociedade.
Meu sonho seria compor um texto forte o suficiente para que a autodeclarada “classe média” aceitasse que lucros, dividendos, aluguéis, rendimentos de aplicações financeiras, doações recebidas e afins são todas formas de renda, e como tal deveriam ser tributados com alíquotas calibradas ao seu necessário compromisso com um país menos desigual.
E que o governo finalmente entendesse que cortar benefícios fiscais e revisar gastos é o único caminho para tirar da retórica o desejo de “colocar o pobre no orçamento e o rico no imposto de renda”.
Apesar de tantas coisas belas e profundas que escreveu, Rubem Braga nunca conseguiu escrever sua “história maravilhosa” - embora nunca tenha perdido de vista a moça doente da casa cinzenta do interior. Que neste dezembro de balanços e renovação de esperanças, também não esqueçamos de lembrar dela nas posições que tomamos sobre os assuntos em pauta no Brasil.
Das historinhas da coleção Para Gostar de Ler, onde muitos que têm mais ou menos a minha idade se iniciaram nos livros, até textos que há algum tempo faziam muito sucesso circulando em correntes de e-mail, suas colunas publicadas nos jornais e revistas de décadas atrás continuam emocionando e levando a reflexões - embora eu suspeite que, ainda que curtas e objetivas, suas crônicas não caibam mais nos poucos segundos dos TikToks e reels.
Num texto que saiu na revista “Manchete” em 1957, época de ouro em que a imprensa brasileira trazia textos diários de Carlos Drummond, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos, Nelson Rodrigues, Rachel de Queiroz, entre outros gigantes, Rubem Braga publicou o desejo de ter a inspiração para criar “uma história maravilhosa”.
“Eu queria contar uma história tão engraçada que aquela moça que está doente naquela casa cinzenta quando lesse minha história no jornal risse, risse, risse tanto que chegasse a chorar e dissesse: ‘ai meu Deus, que história mais engraçada!’”, almejou o cronista.
A sensação de bem-estar provocada na leitora (“como um raio de sol, irresistivelmente louro, quente e vivo”) seria tão grande que ela seria passada adiante num boca-a-boca que chegaria a diversas pessoas enfrentando situações difíceis. O casal em crise, as prostitutas detidas na delegacia, enfermos em hospitais, familiares enlutados, solitários de todas as naturezas: todos deixariam suas agruras de lado por alguns instantes para se divertir com um causo gracioso, irresistível e colorido.
A onda de bem-estar gerada pelas palavras imaginadas por Rubem Braga então ganharia o mundo, a ponto de as pessoas perderem a referência de quem a escreveu. E ela seria contada e recontada das mais variadas formas, e independentemente da língua, a história maravilhosa manteria seu encanto, sua frescura e sua pureza.
O fim de ano vem aí e a gente fica mais melancólico. Antes de o Natal e o Ano Novo aparecerem para renovar nossas esperanças com um Brasil e um mundo melhores (começando por nós mesmos, claro), chega a terrível hora dos balanços, da “retrospectiva 2024”.
Eu me lembrei da crônica “Uma História Maravilhosa” (republicada com o título de “Meu Ideal Seria Escrever...” na coletânea As Cem Melhores Crônicas Brasileiras, organizada por Joaquim Ferreira dos Santos) nesta semana, ao vagar num momento de procrastinação por mensagens antigas de WhatsApp e me deparar com o convite da querida Maria Cristina Fernandes para ser colunista do Valor. Lá se vão seis anos, e eu recordei o frio na barriga que me deu ao dizer “sim” para essa loucura que é tentar ser um cronista dos fatos econômicos e políticos do Brasil - sem, obviamente, ter o talento e a arte de um Rubem Braga.
Nestes dias de melancolia e reflexão com o fim do ano que se aproxima, bateu aqui uma ponta de desesperança com o Brasil. Ao pensar nas reações a propostas voltadas para o bem-comum, em detrimento dos interesses de alguns poucos, o texto de Rubem Braga me veio à mente para me dar forças e não desistir dessa tarefa inglória de refletir semanalmente sobre os problemas do nosso país.
Parafraseando o autor de Cachoeiro do Itapemirim, eu queria contar uma história tão persuasiva que convenceria os empresários brasileiros que o bem-estar de seus empregados e colaboradores é tão ou mais importante do que seus lucros, e que é possível pensar em novos arranjos de trabalho que resultem em maior produtividade, e não em prejuízos.
Meu ideal seria escrever uma coluna tão repleta de dados que forçassem deputados e senadores a admitir que o modelo de emendas parlamentares não traz melhorias para a população, e acabam em desvios de recursos e obras eleitoreiras.
Eu queria redigir uma coluna com argumentos tão poderosos que levassem juízes, promotores, procuradores, fiscais e outras carreiras da elite do funcionalismo a se despir dos argumentos de autoridade, reconhecendo que são servidores do público e que ganhar menos do que o teto é mais do que adequado à sua contribuição pessoal à sociedade.
Meu sonho seria compor um texto forte o suficiente para que a autodeclarada “classe média” aceitasse que lucros, dividendos, aluguéis, rendimentos de aplicações financeiras, doações recebidas e afins são todas formas de renda, e como tal deveriam ser tributados com alíquotas calibradas ao seu necessário compromisso com um país menos desigual.
E que o governo finalmente entendesse que cortar benefícios fiscais e revisar gastos é o único caminho para tirar da retórica o desejo de “colocar o pobre no orçamento e o rico no imposto de renda”.
Apesar de tantas coisas belas e profundas que escreveu, Rubem Braga nunca conseguiu escrever sua “história maravilhosa” - embora nunca tenha perdido de vista a moça doente da casa cinzenta do interior. Que neste dezembro de balanços e renovação de esperanças, também não esqueçamos de lembrar dela nas posições que tomamos sobre os assuntos em pauta no Brasil.
'Método Cowboy' – A estratégia de anexação
O exército israelense expulsa rotineiramente fazendeiros palestinos de suas terras e facilita o assédio de colonos judeus ilegais.
A mídia israelense tem estado alvoroçada com as recentes declarações do Ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, que anunciou que Israel confiscou 24.000 m² de terras na Cisjordânia.
Para os palestinos, no entanto, essa revelação não é nenhuma surpresa, já que operações de confisco de terras ocorrem quase diariamente, confiscando descaradamente suas terras em plena luz do dia.
Só os confiscos deste ano equivalem à metade de todas as terras confiscadas nos últimos 30 anos, um acontecimento amplamente considerado um desastre, mas que recebeu pouca ou nenhuma resposta internacional.
Na cidade de Aqraba, localizada a leste de Nablus e abrangendo vastas terras conectadas ao Vale do Jordão, a situação é terrível.
Desde que o atual governo extremista israelense chegou ao poder há dois anos, mais de 25.000 m² de terras de Aqraba foram confiscados para expansão de assentamentos.
Salah Bani Jaber, o prefeito de Aqraba, disse ao The Palestine Chronicle que a área total da cidade é comparável a três quartos da Faixa de Gaza, um fato que a tornou um alvo principal para apreensões de terras israelenses. A maioria das terras da cidade já foi tomada.
Este ano, o município recebeu duas decisões para confiscar um total de 12.715 m² sob o pretexto de que a terra havia se tornado “propriedade do Estado”, uma alegação frequentemente usada pelo exército israelense para justificar confiscos e impedir que moradores apresentassem objeções.
Bani Jaber observou que “todas as aldeias que se estendem até o Vale do Jordão enfrentaram confiscos de terras para expansões de assentamentos, privando os moradores locais da capacidade de usar suas terras”.
Somente nas terras de Aqraba, três assentamentos, sete postos avançados de assentamentos e quatro postos avançados de assentamentos pastoris foram estabelecidos, consumindo milhares de dunums sem dissuasão.
“Além disso, os colonos empregam o que é conhecido como 'método cowboy', onde eles soltam suas vacas em pastos palestinos. Uma vez que o gado pasta na terra, os colonos reivindicam a propriedade dela”, explicou Bani Jaber.
Essa prática se tornou a norma em todas as aldeias palestinas. De acordo com documentos de organizações de direitos humanos e especialistas, os colonos agem com o apoio financeiro total do governo israelense, não como indivíduos.
Essas operações de confisco de terras são acompanhadas por ataques sistemáticos aos palestinos, mesmo em áreas classificadas como Área B, que, segundo o acordo de Oslo II de 1995, está sob controle de segurança israelense, com autoridade administrativa palestina.
O exército israelense expulsa rotineiramente fazendeiros palestinos de suas terras e facilita o assédio de colonos judeus ilegais.
Milhares de ataques foram registrados somente neste ano, impedindo os palestinos de acessar mais de meio milhão de dunums de terras agrícolas.
Além disso, mais de 9.600 árvores palestinas, principalmente oliveiras, foram destruídas, arrancadas ou envenenadas, de acordo com dados da Comissão de Resistência ao Muro e aos Assentamentos.
O primeiro assentamento a se beneficiar desses confiscos é Ma'ale Adumim, que será expandido em mais de 2.600 m² para conectá-lo ao assentamento de Kedar, no sul, uma medida que ocorre às custas de terras pertencentes às comunidades beduínas palestinas.
O assentamento Yafit no Vale do Jordão sofreu a maior expansão, ganhando 20.000 m² adicionais.
O analista político Firas Yaghi disse ao Palestine Chronicle que os anúncios de Smotrich marcam um passo significativo desde a assinatura dos Acordos de Oslo.
Segundo ele, os confiscos fazem parte de uma estratégia mais ampla para impor a soberania israelense sobre a Cisjordânia antes do possível retorno de Donald Trump à Casa Branca.
Smotrich estaria coordenando seus passos com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, cujo objetivo estratégico, segundo Yaghi, é minar a noção de um estado palestino e impor fatos irreversíveis no terreno, seja na Cisjordânia ou em Gaza.
“Netanyahu colocou a questão da anexação em sua agenda, pretendendo apresentá-la como uma recompensa de Trump no contexto de quaisquer negociações relacionadas a Gaza”, disse Yaghi.
As atuais apropriações de terras adicionam novas áreas aos blocos de assentamentos na Cisjordânia, reforçando a proposta de que 40% das terras sejam anexadas a Israel sob o chamado "Acordo do Século".
Apesar do consenso internacional apoiando uma solução de dois Estados, Netanyahu e Smotrich parecem encorajados pelas políticas americana e israelense, que são decisivas nesta questão.
Muitos acreditam que o retorno de Trump ao poder aceleraria esse plano, que, especulou Yaghi, também pode incluir partes do território sírio, dados os atuais acontecimentos na região.
“O plano de anexação vem se desenrolando sistematicamente de acordo com uma estrutura estabelecida por Smotrich desde seu primeiro dia no cargo. Todos estão antecipando o retorno de Trump, pois ele defende a expansão do território limitado de Israel”, afirmou Yaghi.
“Acredito que essa expansão abrangerá a Cisjordânia e potencialmente partes do território sírio, dados os atuais desenvolvimentos lá”, concluiu.
A mídia israelense tem estado alvoroçada com as recentes declarações do Ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, que anunciou que Israel confiscou 24.000 m² de terras na Cisjordânia.
Para os palestinos, no entanto, essa revelação não é nenhuma surpresa, já que operações de confisco de terras ocorrem quase diariamente, confiscando descaradamente suas terras em plena luz do dia.
Só os confiscos deste ano equivalem à metade de todas as terras confiscadas nos últimos 30 anos, um acontecimento amplamente considerado um desastre, mas que recebeu pouca ou nenhuma resposta internacional.
Na cidade de Aqraba, localizada a leste de Nablus e abrangendo vastas terras conectadas ao Vale do Jordão, a situação é terrível.
Desde que o atual governo extremista israelense chegou ao poder há dois anos, mais de 25.000 m² de terras de Aqraba foram confiscados para expansão de assentamentos.
Salah Bani Jaber, o prefeito de Aqraba, disse ao The Palestine Chronicle que a área total da cidade é comparável a três quartos da Faixa de Gaza, um fato que a tornou um alvo principal para apreensões de terras israelenses. A maioria das terras da cidade já foi tomada.
Este ano, o município recebeu duas decisões para confiscar um total de 12.715 m² sob o pretexto de que a terra havia se tornado “propriedade do Estado”, uma alegação frequentemente usada pelo exército israelense para justificar confiscos e impedir que moradores apresentassem objeções.
Bani Jaber observou que “todas as aldeias que se estendem até o Vale do Jordão enfrentaram confiscos de terras para expansões de assentamentos, privando os moradores locais da capacidade de usar suas terras”.
Somente nas terras de Aqraba, três assentamentos, sete postos avançados de assentamentos e quatro postos avançados de assentamentos pastoris foram estabelecidos, consumindo milhares de dunums sem dissuasão.
“Além disso, os colonos empregam o que é conhecido como 'método cowboy', onde eles soltam suas vacas em pastos palestinos. Uma vez que o gado pasta na terra, os colonos reivindicam a propriedade dela”, explicou Bani Jaber.
Essa prática se tornou a norma em todas as aldeias palestinas. De acordo com documentos de organizações de direitos humanos e especialistas, os colonos agem com o apoio financeiro total do governo israelense, não como indivíduos.
Essas operações de confisco de terras são acompanhadas por ataques sistemáticos aos palestinos, mesmo em áreas classificadas como Área B, que, segundo o acordo de Oslo II de 1995, está sob controle de segurança israelense, com autoridade administrativa palestina.
O exército israelense expulsa rotineiramente fazendeiros palestinos de suas terras e facilita o assédio de colonos judeus ilegais.
Milhares de ataques foram registrados somente neste ano, impedindo os palestinos de acessar mais de meio milhão de dunums de terras agrícolas.
Além disso, mais de 9.600 árvores palestinas, principalmente oliveiras, foram destruídas, arrancadas ou envenenadas, de acordo com dados da Comissão de Resistência ao Muro e aos Assentamentos.
O primeiro assentamento a se beneficiar desses confiscos é Ma'ale Adumim, que será expandido em mais de 2.600 m² para conectá-lo ao assentamento de Kedar, no sul, uma medida que ocorre às custas de terras pertencentes às comunidades beduínas palestinas.
O assentamento Yafit no Vale do Jordão sofreu a maior expansão, ganhando 20.000 m² adicionais.
O analista político Firas Yaghi disse ao Palestine Chronicle que os anúncios de Smotrich marcam um passo significativo desde a assinatura dos Acordos de Oslo.
Segundo ele, os confiscos fazem parte de uma estratégia mais ampla para impor a soberania israelense sobre a Cisjordânia antes do possível retorno de Donald Trump à Casa Branca.
Smotrich estaria coordenando seus passos com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, cujo objetivo estratégico, segundo Yaghi, é minar a noção de um estado palestino e impor fatos irreversíveis no terreno, seja na Cisjordânia ou em Gaza.
“Netanyahu colocou a questão da anexação em sua agenda, pretendendo apresentá-la como uma recompensa de Trump no contexto de quaisquer negociações relacionadas a Gaza”, disse Yaghi.
As atuais apropriações de terras adicionam novas áreas aos blocos de assentamentos na Cisjordânia, reforçando a proposta de que 40% das terras sejam anexadas a Israel sob o chamado "Acordo do Século".
Apesar do consenso internacional apoiando uma solução de dois Estados, Netanyahu e Smotrich parecem encorajados pelas políticas americana e israelense, que são decisivas nesta questão.
Muitos acreditam que o retorno de Trump ao poder aceleraria esse plano, que, especulou Yaghi, também pode incluir partes do território sírio, dados os atuais acontecimentos na região.
“O plano de anexação vem se desenrolando sistematicamente de acordo com uma estrutura estabelecida por Smotrich desde seu primeiro dia no cargo. Todos estão antecipando o retorno de Trump, pois ele defende a expansão do território limitado de Israel”, afirmou Yaghi.
“Acredito que essa expansão abrangerá a Cisjordânia e potencialmente partes do território sírio, dados os atuais desenvolvimentos lá”, concluiu.
A ética ganha impulso
A ética volta com força à paisagem política? Uma explicação plausível para o fenômeno é o sucateamento das velhas ferramentas que mexem com os valores da política, a corrupção que continua a solapar as bases da democracia, a ausência de critérios racionais na gestão da res publica, o jogo de interesses onde os cartolas e os dirigentes partidários dão as cartas, a violência que se espraia nos vãos e desvãos do edifício político, entre outras.
Os espaços na mídia se mostram propensos a acolher um novo ciclo ético, conforme pode ser observado por impulsos dados por algumas organizações, como o Instituto Não Aceito Corrupção, diligentemente comandado pelo valoroso procurador de Justiça, de São Paulo, Roberto Livianu, que acaba de inaugurar um novo programa na mídia eletrônica (leia-se a TV Cultura) para disseminar a semente da ética. P.S. Diga-se, a propósito, que a TV Cultura atravessa uma fase promissora em sua programação, abrindo espaços para as correntes sociais e puxando para o foro de debates temas da maior relevância da pauta nacional.
A pertinência da questão se relaciona, conforme se pode deduzir, aos movimentos pela depuração ética, que brotam no seio da sociedade e o motor principal foram os eventos que sujaram as páginas da administração pública, desde os tempos da Lavajato, quando o fantasma da corrupção ceifou parte da credibilidade que banhava as estatais, a partir da Petrobras. Os recentes movimentos orientados para atestar a ideia de denúncias vazias e de que não teria havido corrupção nos governos do PT não conseguem convencer os defensores de um Brasil limpo, probo e justo.
Vou mais além. O impeachment do presidente Collor, lá atrás, foi a tocha que acendeu a chama ética na sociedade brasileira; e a fogueira ética que hoje ilumina o cenário político é resultante de uma tendência não apenas brasileira, mas internacional, que desloca eixos tradicionais de poder para a sociedade. Ela passa a ser mais autogestionária e determinada a cumprir as suas metas de bem-estar.
A ética na política e na administração pública é um dos instrumentos que a sociedade coloca no plano estratégico de suas lutas. O impacto imediato dessa vontade ocorre no palco político. A relação entre ética e política é bastante estreita, tratando a primeira, pela visão aristotélica, da análise das virtudes, a busca da felicidade, a consideração sobre o conceito de justiça e a segunda tratando da análise das normas constitucionais e dos regimes mais adequados para bem servir a comunidade.
Não há justiça, virtude ou felicidade à margem da sociedade política. O plano político afeta o plano ético e vice-versa. Donde se pode concluir que qualquer aperfeiçoamento ético no país tem fortes repercussões sobre a arena política, o terreno da administração pública, a relação entre o poder público e os grupos privados e o perfil da autoridade.
Volto aos fatores por trás da onda ética que se propaga por quase todas as regiões brasileiras. O despertar da racionalidade, como acima foi anotado, é um deles. O Brasil se afasta do ciclo da emoção. A sociedade toma consciência de sua força, da capacidade que tem para mudar, pressionar e agir. Trata-se de uma aculturação lenta, porém firme, no sentido do predomínio da razão sobre a emoção. O crescimento das cidades e, por consequência, as crescentes demandas sociais; o surto vertiginoso do discurso crítico, revigorado por pautas mais investigativas e denunciadoras da mídia; o sentimento de impunidade que gera, por todos os lados, movimentos de revolta e indignação; e, sobretudo, a extraordinária organicidade social, que aparece na multiplicação das entidades intermediárias, hoje um poderoso foco de pressão sobre o poder público – formam, por assim dizer, a base do processo de mudanças em curso.
Tudo isso se faz sentir no próprio conceito de democracia. Já se foram os tempos da democracia direta, aquela que nasceu em Atenas dos IV e V séculos, quando os cidadãos, na praça central, podiam se manifestar diretamente sobre a vida do Estado. Estamos vivendo a plena democracia representativa, que, por vezes, se introjeta de valores da democracia direta, estes que se expressam quando os cidadãos, por regiões ou dentro de suas categorias profissionais, tomam decisões, escolhem representantes e exigem deles mudanças de comportamento.
Uma sociedade pluralista propicia maior distribuição de poder, maior distribuição de poder abre caminhos para a democratização social e, por conseguinte, a democratização da sociedade civil adensa e amplifica a democracia política, de acordo com o pensamento de Norberto Bobbio. No Brasil, estamos caminhando firmes nessa direção e a prova mais eloquente da tendência se verifica na formidável malha de centros de poder instituídos em todos os âmbitos. Aproxima-se de um milhão o número de entidades não-governamentais, mostrando que a organicidade social é o mais impactante vetor de mudanças de nossos tempos. E mais: o Brasil começa a fechar o ciclo da política de oportunidades.
Os espaços na mídia se mostram propensos a acolher um novo ciclo ético, conforme pode ser observado por impulsos dados por algumas organizações, como o Instituto Não Aceito Corrupção, diligentemente comandado pelo valoroso procurador de Justiça, de São Paulo, Roberto Livianu, que acaba de inaugurar um novo programa na mídia eletrônica (leia-se a TV Cultura) para disseminar a semente da ética. P.S. Diga-se, a propósito, que a TV Cultura atravessa uma fase promissora em sua programação, abrindo espaços para as correntes sociais e puxando para o foro de debates temas da maior relevância da pauta nacional.
A pertinência da questão se relaciona, conforme se pode deduzir, aos movimentos pela depuração ética, que brotam no seio da sociedade e o motor principal foram os eventos que sujaram as páginas da administração pública, desde os tempos da Lavajato, quando o fantasma da corrupção ceifou parte da credibilidade que banhava as estatais, a partir da Petrobras. Os recentes movimentos orientados para atestar a ideia de denúncias vazias e de que não teria havido corrupção nos governos do PT não conseguem convencer os defensores de um Brasil limpo, probo e justo.
Vou mais além. O impeachment do presidente Collor, lá atrás, foi a tocha que acendeu a chama ética na sociedade brasileira; e a fogueira ética que hoje ilumina o cenário político é resultante de uma tendência não apenas brasileira, mas internacional, que desloca eixos tradicionais de poder para a sociedade. Ela passa a ser mais autogestionária e determinada a cumprir as suas metas de bem-estar.
A ética na política e na administração pública é um dos instrumentos que a sociedade coloca no plano estratégico de suas lutas. O impacto imediato dessa vontade ocorre no palco político. A relação entre ética e política é bastante estreita, tratando a primeira, pela visão aristotélica, da análise das virtudes, a busca da felicidade, a consideração sobre o conceito de justiça e a segunda tratando da análise das normas constitucionais e dos regimes mais adequados para bem servir a comunidade.
Não há justiça, virtude ou felicidade à margem da sociedade política. O plano político afeta o plano ético e vice-versa. Donde se pode concluir que qualquer aperfeiçoamento ético no país tem fortes repercussões sobre a arena política, o terreno da administração pública, a relação entre o poder público e os grupos privados e o perfil da autoridade.
Volto aos fatores por trás da onda ética que se propaga por quase todas as regiões brasileiras. O despertar da racionalidade, como acima foi anotado, é um deles. O Brasil se afasta do ciclo da emoção. A sociedade toma consciência de sua força, da capacidade que tem para mudar, pressionar e agir. Trata-se de uma aculturação lenta, porém firme, no sentido do predomínio da razão sobre a emoção. O crescimento das cidades e, por consequência, as crescentes demandas sociais; o surto vertiginoso do discurso crítico, revigorado por pautas mais investigativas e denunciadoras da mídia; o sentimento de impunidade que gera, por todos os lados, movimentos de revolta e indignação; e, sobretudo, a extraordinária organicidade social, que aparece na multiplicação das entidades intermediárias, hoje um poderoso foco de pressão sobre o poder público – formam, por assim dizer, a base do processo de mudanças em curso.
Tudo isso se faz sentir no próprio conceito de democracia. Já se foram os tempos da democracia direta, aquela que nasceu em Atenas dos IV e V séculos, quando os cidadãos, na praça central, podiam se manifestar diretamente sobre a vida do Estado. Estamos vivendo a plena democracia representativa, que, por vezes, se introjeta de valores da democracia direta, estes que se expressam quando os cidadãos, por regiões ou dentro de suas categorias profissionais, tomam decisões, escolhem representantes e exigem deles mudanças de comportamento.
Uma sociedade pluralista propicia maior distribuição de poder, maior distribuição de poder abre caminhos para a democratização social e, por conseguinte, a democratização da sociedade civil adensa e amplifica a democracia política, de acordo com o pensamento de Norberto Bobbio. No Brasil, estamos caminhando firmes nessa direção e a prova mais eloquente da tendência se verifica na formidável malha de centros de poder instituídos em todos os âmbitos. Aproxima-se de um milhão o número de entidades não-governamentais, mostrando que a organicidade social é o mais impactante vetor de mudanças de nossos tempos. E mais: o Brasil começa a fechar o ciclo da política de oportunidades.
Desabafo sírio
Eu conheço a dor, conheço a solidão e também a desesperança que você sente porque o mundo deixou você sofrer e não fez nada a respeito.
Omar al-Shogredisse ficou três anos na prisão de Saydnaya, que a Anistia Internacional considerou um "matadouro humano"
Omar al-Shogredisse ficou três anos na prisão de Saydnaya, que a Anistia Internacional considerou um "matadouro humano"
O senhor da guerra
"Imagine um apocalipse. Você olha à direita, à esquerda, tudo que vê são edifícios destruídos, danificados por fogo, por mísseis, tudo. É Gaza, bem agora." Yuval Green, 26, reservista de Israel, atendeu ao chamado às armas no rastro do 7 de outubro, mas decidiu dar um basta e explicou seu motivo moral à BBC. Ele entendeu que a guerra já não é sobre reféns ou o Hamas. E, depois de contemplar o apocalipse, talvez algum colega tenha lhe contado: Netanyahu, o senhor da guerra, pretende ficar em Gaza.
O Corredor de Netzarim, com cerca de 7 km de comprimento e de largura, corta a Faixa de Gaza do Mediterrâneo à fronteira israelense, pouco ao sul da Cidade de Gaza. Imagens de satélite mostram que as forças de Israel destruíram centenas de edificações situadas ao longo do corredor, dando lugar a 19 bases e dezenas de postos militares. O senhor da guerra tem um plano para o pós-guerra: girar os ponteiros do relógio para antes de 2005, quando Israel retirou suas forças e seus assentamentos da Faixa de Gaza.
Há pouco, em setembro, uma coalizão de 57 países árabes e muçulmanos ofereceu uma paz sustentável. "Todos nós queremos garantir a segurança de Israel num contexto de encerramento da ocupação e permissão do surgimento de um Estado Palestino", esclareceu o ministro do Exterior jordaniano. Seriam três etapas: 1) fim da guerra e retorno dos reféns; 2) uma coalizão internacional hostil ao Hamas sustenta a instalação de um governo da Autoridade Palestina em Gaza; 3) Israel incorpora-se a um acordo regional de segurança destinado a conter o Irã.
O senhor da guerra ignorou a oferta. Por quê? A resposta certa não veio de algum ativista de esquerda que oculta seu antissemitismo na utopia do "Estado único binacional", mas de Moshe Yaalon, ministro da Defesa de Netanyahu entre 2013 e 2016: "O caminho pelo qual eles nos arrastam é de ocupar, anexar e promover limpeza étnica".
Netanyahu tem mais que as proverbiais sete vidas. A ofensiva contra o Hezbollah abriu-lhe um atalho de recuperação parcial de popularidade. O cessar-fogo no Líbano permite-lhe concentrar forças em "ocupar, anexar e promover limpeza étnica" em Gaza –mas também em impulsionar a agressão dos colonos contra a população palestina da Cisjordânia. O senhor da guerra nega oficialmente, mas persegue na prática a estratégia ditada pelos ministros supremacistas de seu gabinete. O triunfo de Trump só o encoraja a avançar na rota do desastre.
Um duplo desastre –para os palestinos, já, e para Israel, no horizonte histórico. Meses antes de morrer, em 2018, o escritor Amos Oz proferiu uma palestra seminal (shorturl.at/yruX8). Reiterou que nunca foi um pacifista, registrou o fracasso geral das experiências de Estados multinacionais e acendeu a luz de alerta.
Sem dois Estados, explicou, o que surgirá será um Estado árabe, "do rio até o mar". O intervalo até tal desenlace poderia ser preenchido por uma ditadura israelense sobre os palestinos ou terríveis violências ou uma etapa de apartheid. Mas a conclusão não mudaria –e os judeus retornariam à condição de minoria perseguida em terra estrangeira. No fim das contas, a demografia manda.
A alternativa encontra-se na proposta árabe de paz, aquela contra a qual o senhor da guerra conduz sua guerra.
O Corredor de Netzarim, com cerca de 7 km de comprimento e de largura, corta a Faixa de Gaza do Mediterrâneo à fronteira israelense, pouco ao sul da Cidade de Gaza. Imagens de satélite mostram que as forças de Israel destruíram centenas de edificações situadas ao longo do corredor, dando lugar a 19 bases e dezenas de postos militares. O senhor da guerra tem um plano para o pós-guerra: girar os ponteiros do relógio para antes de 2005, quando Israel retirou suas forças e seus assentamentos da Faixa de Gaza.
Há pouco, em setembro, uma coalizão de 57 países árabes e muçulmanos ofereceu uma paz sustentável. "Todos nós queremos garantir a segurança de Israel num contexto de encerramento da ocupação e permissão do surgimento de um Estado Palestino", esclareceu o ministro do Exterior jordaniano. Seriam três etapas: 1) fim da guerra e retorno dos reféns; 2) uma coalizão internacional hostil ao Hamas sustenta a instalação de um governo da Autoridade Palestina em Gaza; 3) Israel incorpora-se a um acordo regional de segurança destinado a conter o Irã.
O senhor da guerra ignorou a oferta. Por quê? A resposta certa não veio de algum ativista de esquerda que oculta seu antissemitismo na utopia do "Estado único binacional", mas de Moshe Yaalon, ministro da Defesa de Netanyahu entre 2013 e 2016: "O caminho pelo qual eles nos arrastam é de ocupar, anexar e promover limpeza étnica".
Netanyahu tem mais que as proverbiais sete vidas. A ofensiva contra o Hezbollah abriu-lhe um atalho de recuperação parcial de popularidade. O cessar-fogo no Líbano permite-lhe concentrar forças em "ocupar, anexar e promover limpeza étnica" em Gaza –mas também em impulsionar a agressão dos colonos contra a população palestina da Cisjordânia. O senhor da guerra nega oficialmente, mas persegue na prática a estratégia ditada pelos ministros supremacistas de seu gabinete. O triunfo de Trump só o encoraja a avançar na rota do desastre.
Um duplo desastre –para os palestinos, já, e para Israel, no horizonte histórico. Meses antes de morrer, em 2018, o escritor Amos Oz proferiu uma palestra seminal (shorturl.at/yruX8). Reiterou que nunca foi um pacifista, registrou o fracasso geral das experiências de Estados multinacionais e acendeu a luz de alerta.
Sem dois Estados, explicou, o que surgirá será um Estado árabe, "do rio até o mar". O intervalo até tal desenlace poderia ser preenchido por uma ditadura israelense sobre os palestinos ou terríveis violências ou uma etapa de apartheid. Mas a conclusão não mudaria –e os judeus retornariam à condição de minoria perseguida em terra estrangeira. No fim das contas, a demografia manda.
A alternativa encontra-se na proposta árabe de paz, aquela contra a qual o senhor da guerra conduz sua guerra.
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