sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Brasil das crianças


O clima esquenta, a agropecuária sofre

É uma notícia que certamente contrariará os chamados “céticos do clima”, que põem em dúvida informações – até de cientistas respeitados – sobre o avanço alarmante dos problemas climáticos no mundo e seus possíveis desdobramentos, fruto em grande parte do chamado efeito estufa, gerado por emissões de gases para a atmosfera (dióxido de carbono, óxido nitroso e metano) desde o início da era industrial. Segundo o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), já estamos muito perto de atingir na primeira metade deste século o limite de aumento de 1,5 grau Celsius, ou mesmo de 2 graus, na temperatura terrestre – considerado pelos cientistas um nível mais seguro para o planeta e para as espécies que o habitam. É um limite desejável consagrado pelo Acordo de Paris (2015), assinado por quase todas as nações. E terá repercussões graves se for ultrapassado. principalmente para o setor agropecuário, que responde por 70% das emissões brasileiras (com a fermentação entérica dos rebanhos, o uso de fertilizantes e novos desmatamentos) – esses gases respondem por 25% a 33% das emissões globais.

Segundo relatório da Embrapa divulgado este mês, as emissões de gases estufa triplicaram nos últimos 50 anos, inclusive em escala mundial, por causa do aumento do consumo per capita, do crescimento da população (dobrou no período para mais de 7 bilhões hoje) e de seu padrão de vida e consumo. Para o Brasil a situação poderá ser muito difícil, ainda mais lembrando que o País na próxima década, segundo a FAO-ONU, terá a maior produção agrícola da mundo e será o maior exportador de alimentos e fibras – mas para isso ainda terá de resolver problemas complexos de desmatamento, perda da biodiversidade, eutrofização e acidificação de corpos d’água. São questões relacionadas com a necessidade de avanço para uma agricultura mais sustentável.

Já em 2009, na COP-15, em Copenhague, o Brasil se comprometeu a reduzir até 2020 entre 36,1% e 38,95% de seus gases – e para isso criou um Plano Setorial de Mitigação a Adaptação ao Clima. Na COP-21, de 2015, a proposta foi de 37% sobre os gases do efeito estufa emitidos em 2005 – proposta para vigorar até 2027 e subir para 43% daí até 2030. Hoje são 14 milhões de hectares no sistema que congrega lavouras, pecuária e florestas.

Mas uma análise do Institute of Atmospheric Physics já projeta, com novo método de análise, um aquecimento de 4 graus Celsius (comparado com níveis pré-industriais) até 2084. Na China há análises semelhantes. E muitos outros institutos preveem até o fim deste século esse mesmo aumento de 4 graus. Com efeitos como calor recorde, inundações pesadas, secas extremas, aquecimento de oceanos.

São previsões que exigem mudanças imediatas e sem precedentes na economia mundial, como se discutiu na recente Conferência de Incheon, com fortes reações de EUA e Emirados Árabes, que defenderam os combustíveis fósseis. Mas ao final houve acordo conciliador.

Membro do IPCC, o professor Paulo Artaxo, da USP, pensa que muitos efeitos do aquecimento já são percebidos e serão intensificados antes que o aumento da temperatura atinja 1,5 grau. Entre os que já discutem o aumento, são citados escassez de alimentos, redução da biodiversidade, enchentes, mortalidade em massa de recifes de corais, elevação do nível do mar, ondas de calor, ciclones tropicais, disseminação de doenças.

O que acontecer entre 2018 e 2030 será determinado pelas emissões de dióxido de carbono. Entre os fatores mais citados pelos cientistas nesse âmbito, surge com insistência a necessidade de banir os combustíveis fósseis, principais geradores de emissões. Mas enfrentam resistência muito forte de empresas que atuam na produção e no comércio nesse setor. Assim como do setor que trabalha com madeiras na Amazônia brasileira. Relatório especial do IPCC, preparado a pedido do Fórum Mundial dos Cientistas, recomenda reduzir à metade os crimes globais nessa área, até 2020. Porque florestas têm papel central no panorama, assim como savanas e outras formas de vegetação natural, para captura do dióxido de carbono já presente na atmosfera. Também é indispensável trabalhar na restauração de florestas.

A resistência, diz o relatório, está na agropecuária, que responde por 70% das emissões, incluindo a fermentação entérica, e essa é mais uma razão para acelerar a transição para uma matriz energética neutra em carbono. Essa é, porém, uma das notícias que costumam ser contestadas pelos que têm interesses particulares questionados. Trata-se, entretanto, de estudos que põem em xeque análises atuais sobre matrizes energéticas e suas relações como a economia global ou investimentos estatais e privados. Precisam ser considerados e induzir modificações.

Na atual campanha presidencial, o candidato Jair Bolsonaro, em entrevistas, disse que a permanecer no acordo o Brasil teria de pagar “um preço caro para atender às exigências” e que “a soberania do País está em jogo”; Fernando Haddad, em seu plano de governo, comenta “como instituir uma política de transição para uma economia de baixo carbono e que pretenda honrar o acordo” (naofracking Brasil, 9/10).

Seja como for, a questão terá de ser encarada frontalmente. Aquecimento global, atingindo todos os continentes, todos os países, todos os viventes, não é problema que possa ser enfrentado apenas sacudindo os ombros e seguindo em frente com um assovio. Os preços são altos. Por mais que os “céticos do clima” neguem os efeitos desastrosos, eles estão diante dos olhos de quem queira ver. E afetam o bolso dos produtores.

É urgente que em cada país afetado os governos competentes concebam e executem planos de emergência, seguidos de políticas de maior prazo. Capazes de tranquilizar os países importadores. E os produtores locais. Além de afastar em escala global os dramas que começam a atingir todos produtores, importadores, consumidores.

O formidável ritual democrático

Quando Max Weber fala de poder ele faz distinções importantes para a compreensão da democracia. Um regime político centrado numa premissa revolucionária, pois é o único que periodicamente confirma pessoas em seus cargos, o que produz uma instabilidade estrutural paradoxalmente regulada.

Tanto isso é verdade que, quando se dá um golpe, se fala em tudo, menos em eleição. Esse grande rito garantidor de mudanças por dentro, esse formidável teste que une pessoas comuns a altos cargos necessários à administração pública. Política e sociedade estão juntas nas democracias e divorciadas nas ditaduras.

Weber é claro quando distingue poder de dominação. Algo básico para entender o governo dos humanos pelos humanos – esses bichos cujo programa é não ter programa sendo, por isso mesmo, dependente do que Weber chamou de legitimação. A dimensão que domestica o monopólio da força, justificando-a e racionalizando-a numa autoridade o que evita o caos ou, como dizia um outro clássico, a “guerra de todos contra todos”.

A dominação comunica quem manda e quem obedece. A passagem da força bruta para a dominação mediada e racionalizada por um sistema religioso ou jurídico é o que chamamos de sistema cultural – uma ordem capaz de lidar com suas diferenças, tomando-as como “naturais”.

Se o rei é ungido por Deus e se não existe dúvida sobre a existência de que as relações humanas são um produto de ancestrais míticos, que as criaram e engendraram os “costumes” com os quais vivemos, então a obediência não é devida à pessoa, mas ao papel que as pessoas desempenham, o qual tem uma chancela como divina ou legal.


O poder tem sempre o seu lado arbitrário e opressivo, mas a dominação é fundada em normas e gestos originários de narrativas sagradas ou de códigos ancestrais ou de leis naturais, fundadores da ordem humana. É assim que ela escapa da história e passa a impressão de eternidade.

O poder depende da força. A dominação requer acordos. “Tomar o poder” como querem os imbecis é uma banalidade; atingir – entretanto – um sistema razoável de dominação requer senso de justiça entre o mandante e o obediente. Pois entre eles existem normas e rituais que legitimam suas diferenças e podem revertê-las.

Tudo isso nos leva além de Weber para Arnold Van Gennep – o revelador da estrutura elementar dos rituais, essa base comportamental da legitimidade. Ele diz:

1. Os estágios críticos do ciclo de vida que começa com o nascimento, passa pela puberdade, casamento, paternidade, e, finalmente, chega com a morte; ainda que estejam relacionadas a eventos fisiológicos, são definidos socialmente;

2. A entrada e a saída desses estágios críticos são sempre marcadas por rituais e cerimônias não apenas nas “sociedades primitivas”, mas também na civilização cristã e nas civilizações da antiguidade;

3. Esses “ritos de passagem” incluem sempre três fases: separação (que remove os sujeitos do seu campo social rotineiro), transição ou margem e, finalmente, incorporação num novo campo e papel social.

Nas democracias, essas passagens ocorrem de tempos em temos naquilo que chamamos de eleição – esse grandioso processo cerimonial no qual legisladores e executivos são substituídos numa ampla competição determinada pelo “voto”. Por uma promessa representativa de lealdade e confiança.

Nesse sentido, a eleição é um ritual cujo objetivo explícito é a renovação – essa marca registrada do viés democrático. Ela é também uma ocasião na qual a sociedade pode reclamar aquilo a que aspira e ver-se a si mesma como um feixe de opiniões divergentes. Pode também servir como correção para governantes que traíram a confiança dos seus eleitores.

Foi exatamente a isso que assistimos tranquilamente neste último domingo e que iremos assistir novamente no “segundo turno” quando será finalizada a associação de um candidato (que passa) ao cargo de presidente da República (que permanece).

Temos hoje uma conjuntura eleitoral marcada por divergências somadas a ressentimentos que impedem agir com a tal racionalidade que o campo do político dizia possuir na sua definição moderna. Que Deus, esse representante de tudo o que tentamos enxergar, nos ajude e nos livre da violência, da extorsão e da impostura em nome da democracia.

A força da democracia

Calma, pessoal: nem o Brasil vai virar uma Venezuela, nem voltar à ditadura militar. Enquanto petistas denunciam o militarismo de Bolsonaro e os bolsonaristas atacam o bolivarianismo de Haddad – disputa dominante nas redes sociais – os dois candidatos caminham na direção do centro e da moderação.

Nenhum deles, ainda, escreveu carta ao povo brasileiro, mas fizeram clara manifestação na entrevista ao JN. Ambos descartaram a proposta de tentar uma nova constituição – que seria o passo inicial de mudança de regime. Bolsonaro desautorizou seu vice, o general Mourão, que falara na viabilidade de um “autogolpe”. Haddad desclassificou a fala de José Dirceu, para quem o objetivo do PT é tomar o poder, não apenas ganhar a eleição.


Pode-se suspeitar que essas manifestações foram da boca para fora. E de fato, no campo petista, há muita conversa bolivariana. Por exemplo: os ataques à imprensa, que levam às propostas de “controle social da mídia”, uma censura mal disfarçada;

. a defesa de líderes que promoveram o petrolão, um assalto ao Estado para comprar a política, a maior ofensa à democracia praticada desde o fim do regime militar;

. a defesa de ditaduras esquerdistas;

. e, claro, a Globo é a culpada pela disseminação da extrema-direita.

No campo bolsonarista, então, encontram-se ideias e condutas autoritárias para qualquer lado que se olhe. Por exemplo: o problema da segurança se resolve com a matança do maior número possível de bandidos, para o que é preciso armar os cidadãos – quando se sabe que as melhores polícias do mundo são também as que menos matam;

. minorias de todos os tipos, na política e nos costumes, devem ficar caladas e seguir as regras ditadas pela maioria – uma violação ao mais simples princípio democrático, que preza o respeito e garante a voz das minorias;

. a desumanidade do imperdoável elogio a torturadores;

. e, claro, a Globo é a culpada pela disseminação do esquerdismo.

Há mais barbaridades e mentiras nas redes, mas fiquemos com estas amostras.

A questão é outra. Por que Haddad precisou dizer explicitamente que o PT não quer conquistar o poder? Porque se continuar com esse viés ideológico, não ganha nem a eleição.

E lá se vai ele para o centro, para tentar ganhar a eleição – objetivo, aliás, difícil, dada a enorme diferença de votos do primeiro turno. Reparem: gostando ou não, contrariando ou não os seus radicais sinceros, Haddad nem ganharia a eleição, nem conseguiria governar se ficasse só com sua turma.

Resumindo: o PT foi de Lula para garantir a posse de sua base; agora vai de Haddad para buscar alguma coisa no centro e no anti-establishment dominantes. A chance é remota, mas é a única.

Já Bolsonaro está mais confortável. É favorito, sobretudo pela clara ascensão no final do primeiro turno. Ele precisa de poucos votos para confirmar a vitória e deve contar com parte do eleitorado que escolheu candidatos de direita e centro.

Está tão confortável que nem parece preocupado em obter apoios, por exemplo, dos candidatos a governador que foram ao segundo turno. Tem ocorrido um movimento contrário: candidatos estaduais declarando voto em Bolsonaro, sem qualquer negociação prévia, tentando pegar a onda conservadora.

O risco para Bolsonaro está do lado dele mesmo: uma declaração muito errada, algo de extremo radicalismo, antidemocrático, o abandono das propostas liberais em política econômica, ações violentas de seus seguidores.

Assim como Haddad não vai perder seu eleitorado e a militância mais à esquerda, mesmo que se aproxime do centro, também Bolsonaro não vai perder sua base mais radical no caso de um mesmo movimento.

Mas pode perder os líderes e eleitores que têm visão liberal e democrática, não apreciam a extrema direita, acham que Bolsonaro é um candidato fraco, mas menos ruim que a opção petista. Esse pessoal pode ir, por exemplo, para o voto nulo.

Foi a força da democracia, manifestada na votação de domingo, que levou os candidatos a jurar pela Constituição. Seria bom que não ficassem só nas declarações, mas tratassem de segurar seus radicais. 

Pensamento do Dia


Índice global aponta aumento da fome no Brasil

 O Brasil caiu 13 colocações no Índice Global da Fome deste ano em comparação com dados divulgados em 2017, refletindo uma tendência na direção equivocada mundo afora, alerta a Ação Agrária Alemã (Welthungerhilfe), uma das organizações responsáveis pelo índice atualizado anualmente.

Publicado nesta quinta-feira, o índice compilado também pela organização irlandesa Concern Worldwide e pelo Instituto Internacional de Investigação sobre Políticas Alimentares (IFPRI, na sigla em inglês) coloca o Brasil em 31° lugar entre 119 países, com 8,5 pontos, um valor que ainda é considerado baixo.

O Brasil obteve 5,4 pontos no índice de 2017, indicando que uma menor parcela da população passava fome. No ano passado, o país também figurava entre as nações que conseguiram diminuir a fome em mais de 50% a partir de 2000.

O estudo anual calcula o índice de fome com base nos dados consolidados mais atuais relativos a quatro indicadores: subnutrição, caquexia infantil (grau de extremo enfraquecimento e emagrecimento), atraso no crescimento e mortalidade infantil.

Para calcular os valores para 2018, as organizações compilaram dados internacionais relativos à subnutrição no período de 2015 a 2017. Os dados sobre o retardo do crescimento e a caquexia levaram em consideração o período entre 2013 e 2017, com os dados mais atuais disponíveis. E a mortalidade infantil levou em conta os dados de 2016.

Para observar a evolução no longo prazo, o índice indicou como referência os anos de 2000, 2005 e 2010. O Brasil registrou queda constante da fome nos períodos analisados, com uma média respectiva de 13, 7 e 6,6 pontos, respectivamente. Entre 2010 e 2018, a média voltou a subir, para 8,5 pontos.

Por outro lado, tanto o percentual de pessoas subnutridas no Brasil quanto o da mortalidade infantil diminuíram nos períodos de referência. Em 2000, 11,9% da população brasileira sofria de subnutrição. Em 2018, são 2,5%, e a tendência dessa é de queda, mostram os gráficos do estudo divulgados no site do índice.

As taxas de mortalidade de crianças com menos de cinco anos de idade também caíram nos períodos analisados, ainda que a curva seja mais rasa: de 3,6% em 2000 para 1,5% em 2018.

Já a taxa de disseminação da caquexia entre crianças com menos de cinco anos aumentou de 1,6% em 2005 para 5,5% em 2018, e o atraso no crescimento também registrou alta entre 2005 e 2018: de 7,1 para 13,4%.

A escala do Índice Global da Fome vai de 0 (sem fome) a 100 e tem as categorias "baixo" (de 0 a 9,9 pontos), "moderado" (de 10 a 19,9 pontos), "sério" (20 a 34,9 pontos), "muito sério" (36 a 49,9 pontos) e "grave" (número de pontos igual ou maior a 50).

Apesar de o índice de fome no mundo ter caído 28% desde 2000, o número de pessoas que passam fome no planeta aumentou para 821 milhões de pessoas, em parte devido a conflitos armados e efeitos das mudanças climáticas.

Segundo o especialista Klaus von Grebmer, da Ação Agrária Alemã, a tendência voltou a ir "na direção errada". "Se o ritmo do combate à fome continuar igual, 50 países não conseguirão eliminar a fome até 2030 [meta global]", disse a organização em comunicado nesta quinta-feira, durante a apresentação do relatório.

Em 51 países do mundo, a Ação Agrária Alemã avalia a situação como preocupante ou muito preocupante. A presidente da organização, Bärbel Dieckmann, exigiu mais empenho na eliminação de conflitos. "Não podemos vencer essa luta sem soluções políticas", afirmou.

As crianças são o grupo mais atingido pela fome no mundo: 151 milhões apresentam atraso no crescimento devido à subnutrição, e 51 milhões de crianças sofrem de extremo enfraquecimento e emagrecimento.

Das 821 milhões de pessoas que passam fome no mundo, cerca de 124 milhões sofrem de fome aguda, diz a Ação Agrária Alemã. O número representa um aumento expressivo em relação aos 80 milhões computados há dois anos, diz o Índice Global da Fome.

Todas as noites toca um telefone na lua

Todas as noites toca um telefone na Lua.
Sou eu, sou eu a marcar o número automático dos poetas de hoje
para gritar cá de baixo em código de astros:
Está lá? Está lá? Aqui Terra, zero, zero, zero, zero, zero.
S. O. S! Fome, ódio de mil patas, tiranos com cutelos de cinzas,
bandeiras de pele humana, olhos furados de cardos,
mortos que só vêem o céu através dos caminhos das raízes
— e as mães a baterem nos filhos
para lhes ensinarem a instrução primária das lágrimas.


Aqui escravos, preguiça, azorragues de chumbo derretido,
exportação de tédio dos palácios dos ricos, carregamentos de bocejos,
suor em latas para discursos de demagogos,
mordaças com restos de bocas de cadáveres,
fúria de túmulos, guerra, raptos, incestos, automóveis imbecis,
saques, mandíbulas nos olhos a roerem o azul
— e os dedos de súbito de ferro-em-brasa nos seios das mulheres,
lodo de sol aparente
que continuam a ser deusas nos jantares de cerimónia
com os colos luzidios das horas empertigadas.

Aqui planeta zero, zero, zero, nada, torres de musgo,
punhais a rasgarem noites em vez de chagas,
países de arame farpado, vulcões de sangue,
batalhas trespassadas do frio dos esqueletos concretos
— e ainda por cima a carne das mulheres só é real um momento,
um momento apenas
e em vão tentamos fixá-la com um sopro de frio
no rasto deste defunto com um caixão às costas
cheio de corações vivos.
José Gomes Ferreira

Brasil elegerá no segundo turno a melhor encenação

O segundo turno da disputa presidencial tornou-se um triste espetáculo. Nele, Fernando Haddad executa um striptease. E Jair Bolsonaro brinca de esconde-esconde. Haddad se despe de tudo o que possa lembrar o PT. Já não usa a máscara de Lula. Livrou-se do vermelho nas peças de campanha. Não bate mais ponto na cadeia de Curitiba. Parou de dizer nas entrevistas “boa noite, presidente Lula”. Baniu Dilma da memória.


Bolsonaro sacode um atestado médico e foge dos debates. Já cancelou quatro. Com larga vantagem sobre o rival, o capitão se esconde na trincheira das redes sociais, oferecendo-se ao eleitor em fragmentos. Quem gosta de armas, encontrará um Bolsonaro de sua preferência numa frase do WhatsApp. Quem acha que bandido bom é bandido morto assistirá um Bolsonaro ao seu feitio num vídeo do YouTube. Quem não suporta corrupção, ouvirá um Bolsonaro do seu agrado num áudio do Twitter.

Às voltas com a necessidade de compor uma “frente democrática”, Haddad faz de tudo para convencer a pessoas de que é maior do que o PT. Mas tudo parece não querer nada com Haddad. Quanto a Bolsonaro, quando tudo o que você vê do personagem nas redes sociais é subtraído de tudo o que você ignora, o que sobra é nada. Mantido o ritmo, o eleitor brasileiro elegerá neste segundo turno não o melhor presidente, mas a melhor encenação.

Os últimos capítulos do ciclo de 2013

O primeiro turno das eleições de 2018 praticamente esgotou o ciclo do sistema partidário iniciado na Nova República e consolidado com o impeachment de Collor. Esperava-se uma grande mudança política no pleito presidencial, mas não o tsunami - ou "bolsonami" - que atingiu as governadorias, as Assembleias Legislativas, a Câmara Federal e o Senado.

Tudo isso que parece ser completamente inusitado, na verdade não é. Trata-se do penúltimo capítulo da novela iniciada em junho de 2013. O fim da história - a escolha do presidente e a estruturação de seu governo - ainda está em aberto. Seja qual for o resultado, algo novo emergirá.

As manifestações de 2013 iniciaram o processo de derrocada de um sistema que foi muito estável durante 20 anos. Sem dúvida, esse arranjo político trouxe vários resultados positivos, como a estabilização econômica, a ampliação das políticas sociais e a manutenção e fortalecimento da democracia, o que permitiu inclusive uma crítica aguda da sociedade contra os partidos e políticos, bem como o "empoderamento" de instituições de controle no combate à corrupção.

Os passos seguintes vieram com a Operação Lava-Jato, o impeachment e o sentimento de total desesperança instalado durante o governo Temer, o presidente mais mal avaliado desde o inicio da redemocratização. Como resultado da soma de crises, o sentimento antissistema cresceu muito. Ele já havia se revelado em 2016 e, agora, teve seu ápice com a votação de Bolsonaro e de muitos de seus aliados nos Estados. À primeira vista, trata-se apenas de uma vitória do conservadorismo, no entanto, talvez seja mais complicado entender o epílogo de um processo de renovação política.


Para evitar a visão de quem já sabe o fim da história, é preciso compreender bem o recado das urnas, inclusive com suas contradições e lacunas. O aspecto que mais chama a atenção é um processo de renovação com perfil mais conservador. Isso ficou claro nos nomes que vão disputar o segundo turno em governadorias importantes, como Rio de Janeiro e Minas Gerais, ou que já ganharam no primeiro turno, como no Paraná. Mais do que isso, o PSL, vindo praticamente do nada, tornou-se o segundo maior partido na Câmara. O "bolsonarismo", mesmo que ainda seja um ideário difuso, mostrou que terá um lugar central no Brasil dos próximos anos. Sua prova de fogo, como a de todos os movimentos novos, será sua prática nos governos que vier a ocupar.

O crescimento conservador não significa que ele será majoritário no sistema político. Nos Etados, terá que negociar com vários governadores que se situam do centro para a esquerda. No Senado e na Câmara, está bem de longe da maioria. E mesmo com o estupendo desempenho de Bolsonaro, ele não ganhou no primeiro turno, tem 45% de rejeição e pode ter uma vitória tão apertada quanto a de Collor, ou mesmo perder. No caso de vitória, sem o apoio de outros grupos sociais, especialmente do centro do eleitorado, e sem conversar com adversários políticos com cargos institucionais, o "bolsonarismo" no poder precisará seguir um caminho mais bonapartista, algo que em nossa democracia não tem dado certo, como provam figuras políticas tão distintas quanto Jânio e Dilma.

Tão relevante quanto o crescimento do conservadorismo foi a enorme derrocada dos tradicionais MDB e PSDB, que diminuíram muito de tamanho nas eleições legislativas e no plano do Executivo. Foi a pior votação dos tucanos desde o surgimento do partido e o medebismo foi drasticamente reduzido na Câmara, passando de 66 deputados eleitos em 2014 para 34 agora.

PSDB e MDB, juntos com o PT, foram os principais pilares do sistema partidário que se estabilizou a partir do governo Itamar Franco e, especialmente, com a primeira vitória de Fernando Henrique à Presidência da República. De fato, há um clamor para renovar o modelo político e essas duas legendas precisarão se remodelar fortemente, ou serão substituídas por outras. O problema é que elas detinham quadros políticos profissionalizados para a articulação política e para a produção de políticas publicas (principalmente os tucanos), qualificações que não serão facilmente substituídas, pois demandam tempo e prática governamental.

O sistema político ficou ainda mais fragmentado, se levarmos em conta a distribuição de governadorias e o Legislativo: 30 legendas terão representantes na Câmara e 20 elegeram senadores, dois recordes do período da redemocratização. É possível que o bloco do Centrão seja novamente a forma de organizar os partidos do centro para a direita. Mas seus métodos vão ser colocados em questão muito mais do que noutras épocas, por conta dos novos atores que se elegeram em 2018.

Da tríade que alicerçou o jogo político desde o impeachment, o PT foi o que menos colecionou derrotas. Ele continua sendo o partido com maior número de deputados, ganhou o governo de três Estados - Bahia, Ceará e Piauí - e está ainda no segundo turno em outro, o Rio Grande do Norte. O desempenho petista no Nordeste foi ótimo. Na verdade, para além do petismo, a votação da centro-esquerda (PT, PSB, PDT e PCdoB) foi hegemônica entre os eleitores nordestinos, elegendo mais de um terço dos deputados e conquistando cinco Estados no primeiro turno. Porém, esse predomínio contrasta com sua perda de importância no Centro-Sul do país, cujos cidadãos se inclinaram mais à direita.

Mais do que isso: a enorme onda bolsonarista que se manifestou na reta final do primeiro turno relaciona-se fortemente com o antipetismo. É inegável que o PT continua sendo uma peça-chave do sistema, com um candidato presidencial com quase 30% dos votos nacionais, uma grande bancada no Congresso e uma força enorme no Nordeste, segunda Região com mais eleitores no país. Contudo, o voto no Centro-Sul brasileiro revelou um grande sentimento antipetista da população, que não só torna mais difícil uma vitória na eleição presidencial como gera barreiras a um possível governo Haddad.

As urnas trouxeram, portanto, várias configurações políticas e ninguém terá uma hegemonia clara. O país está dividido por diferentes medos, que assolam eleitores dos dois lados. Se quiserem vencer e, sobretudo, governar, Bolsonaro e Haddad terão de fazer acenos mais concretos ao centro e se mostrar dispostos a dialogar com múltiplos atores. O presidenciável do PSL precisará reduzir a desconfiança quanto a um possível comportamento autoritário e refratário aos direitos humanos. Suas falas e de seus aliados nos últimos anos deixam em pânico quase metade da população. Já o candidato petista assusta quase a outra metade, por conta do fracasso econômico da era Dilma, das denúncias de corrupção e da ambiguidade com que muitos líderes do PT tratam regimes autoritários como o da Venezuela.

Qualquer que seja o vencedor em 2018, ele terá de comandar a montagem de um sistema político cujas estruturas começaram a ruir em 2013 e deram um sinal fatal agora. Não há uma forma única de fazer isso. Lembro aos leitores que no princípio de tudo isso, em 2013, houve milhares de pessoas que foram às ruas gritar o lema "Sem partidos", o mesmo que havia sido cantado pelos fascistas comandados por Mussolini na Marcha sobre Roma. O sentimento antissistema é positivo na crítica às mazelas do sistema partidário, marcado por vários focos de corrupção e pela criação de uma oligarquia que barrou a renovação das lideranças políticas do país em quase todas as legendas. Não obstante, é preciso pensar numa refundação política que mantenha e fortaleça a democracia, e não jogar a criança fora junto com a água do banho.

Para fazer uma efetiva modernização da política brasileira, todos os espectros políticos terão que se repensar. O PT e a centro-esquerda precisam reformular seu programa de governo, buscando sua finalidade de combate à desigualdade por meio de políticas públicas renovadas, o que significa abandonar todo o legado dilmista. Além disso, precisam reafirmar a importância da democracia em todos os lugares do mundo e aumentar sua capacidade de diálogo com os diferentes. Nesta linha, o petismo será melhor se for menos hegemonista e mais inclusivo com outras forças políticas.

Do outro lado da disputa atual, é fundamental que o novo conservadorismo reafirme suas credenciais democráticas e aprenda com a experiência internacional de países governados por conservadores civilizados. Bem perto daqui há o caso do Chile, onde Sebastián Piñera faz políticas públicas geralmente lastreadas em evidências - e não no senso comum e em visões figadais - e demitiu recentemente um ministro que elogiara a ditadura. Uma corrente conservadora é importante em todas as democracias, mas quando ela é marcada por autoritarismos e amadorismos é um passo para o abismo.

Em poucas palavras: Bolsonaro poderá terminar a história iniciada pelas manifestações de 2013 com um rearranjo do sistema político seguindo as regras democráticas, ou poderá ser uma pá de cal na democracia duramente construída desde 1985. Ainda há dúvidas se essa novela iniciada pelo clamor das ruas vai terminar fortalecendo a soberania popular ou iniciar um novo período de trevas, em que os porões serão, novamente, mais importantes do que a luz do sol.

Imagem do Dia

Igreja da Luz, em Ibaraki (Japão) - Tadao Ando

O PT queria o quê?

A equipe de Fernando Haddad reclama do “apoio crítico” do PDT.

O PT queria mais, apoio incondicional semelhante ao já oferecido por Ciro Gomes em outros carnavais eleitorais.

Esperava também uma palavra amiga de Marina Silva e chegou a dar como certa a adesão pública de Fernando Henrique Cardoso devido às boas relações do ex-presidente com o ex-prefeito.


O anseio pela da formação de uma “frente democrática” pró-Haddad ficou só no desejo e não poderia ser diferente.

Inesperada não foi a recusa, mas a esperança do PT de que pudesse ser atendido.

Logo ele que jamais integrou frente alguma, jamais atendeu apelos a integrar movimentos em que não fosse o protagonista absoluto e sempre tratou aliados como inimigos.

Dos agora pretendidos presenteou com manobras de aniquilamento.

Sapecou em FH o carimbo da “herança maldita” após receber dele uma transição muito civilizada, dizimou Marina com sórdidas mentiras na eleição de 2014 e agora não faz 15 minutos que passou uma rasteira em Ciro impedindo uma aliança do PDT com o PSB.

O PT queria o quê?

Semear o fel e colher o mel? Pois é.

A recusa pela formação da “frente” é consequência direta dos maus tratos do partido aos adversários e também a aliados.

No país do caos político, votar em branco é protestar

No rastro do Bolsonaro vão chegar às Câmaras federal, estadual e no Senado 72 militares. O PSL do presidencial elegeu 39 deles. É ou não é um novo estado policialesco que leva para o parlamento policiais que defendem a bandeira pública do Bolsonaro: bandido bom, é bandido morto? Nessas eleições não estava na pauta desses candidatos a construção de novas escolas, postos de saúde, preservação do meio ambiente, construção de casas populares e propostas sociais. Via-se principalmente nos programas deles a construção de novas delegacias, presídios, postos policiais, mais viaturas e mais policiais nas ruas. Pobre país esse nosso que prefere a instalação de presídios a novas escolas.

Aqueles candidatos que não se pautaram pela segurança pública e não levaram à população propostas para protegê-la da violência, infelizmente, ficaram no meio do caminho. O Espirito Santo, por exemplo, elegeu para o Senado dois policiais. Um delegado, que se identificava como o protetor das vítimas do trânsito, e um policial da Swat que se apresentava nos programas com um colete à prova de bala. Ambos passavam a imagem de “homens da lei” dispostos a proteger as famílias em um dos estados mais violentos do país, recordista na morte de mulheres.


O quadro que se desenha para o Brasil no futuro é sombrio. De um lado, Haddad, o candidato do PT, que tem como marqueteiro um ex-presidente condenado a doze anos de prisão por corrupção que dita as regras de dentro do presídio. Do outro, um político fascista, truculento e obscuro, que sustenta propostas policialescas tão radicais que até assusta quando aparece falando na televisão. Incapaz de formular um plano de governo, apela sempre para o economista Paulo (“Posto Ipiranga”) Guedes todas as vezes que é questionado sobre o futuro da economia do país que pode vir a administrar.

Depois do primeiro turno, quando se decidiu quem iria para a próxima etapa, o que se viu na rede social foi um bombardeio de agressões entre Bolsonaro e Haddad, disputando a primazia de quem era mais baixo nível nos insultos. Nenhum deles, portanto, apareceu na internet falando sobre propostas para governar o país. Hadadd, porém, foi o mais original dos dois. Nem bem o dia amanheceu, na segunda-feira, foi o primeiro a entrar no presídio da Polícia Federal para se orientar com o seu guru Lula para essa reta final.

Da cadeia, onde ficou toda manhã, Haddad saiu como um ventríloquo. Falou à Nação orientado pelo guru, que ainda se acha o político mais importante do país. Não sabe ele, coitado!, que o Nordeste, seu último reduto eleitoral, começa a tomar o rumo da direita, pois, na região, o Bolsonaro foi muito bem votado. De sua casa na Barra da Tijuca, de onde falou para o JN, Bolsonaro fez declarações contundentes contra o seu vice, o general Hamilton Mourão. Desqualificou-o por ter dado declarações com as quais ele não concorda como acabar com o décimo terceiro dos trabalhadores e fazer uma nova Constituição de notáveis excluindo o parlamento, a representação popular. É a primeira vez que um capitão repreende um general publicamente, mesmo que timidamente para não ferir a sensibilidade hierárquica de outros comandantes. E para quem achava que o general ia ficar calado depois do esporro, veja o que ele disse em resposta a Bolsonaro: “Tenho minhas críticas. Agora, o presidente é ele. Só não sou um vice anencéfalo (sem cérebro)”.

O pau já está comendo na Casa de Noca.

Diante dessa barafunda, onde é embaraçoso se fazer uma opção entre uma organização criminosa que quer se reinstalar novamente no país e um representante fascista que pretende resolver os problemas à bala, o eleitor certamente estará desorientado. Infelizmente, por obrigação, vai ter que optar pelo menos pior. Mas se quiser não compactuar com um desses candidatos, a proposta é votar em branco para não legitimar o vencedor.

Votar em branco também é uma forma de protestar contra essa situação anárquica no país, que tem dois candidatos indesejáveis. E mais: o eleitor que fizer essa opção não vai se sentir culpado e nem se cumpliciar com a tragédia anunciada que se avizinha no país com a vitória de um desses candidatos.

Ajoelhar e rezar. Nossa Senhora, seja agora a nossa Padroeira

Nossa Senhora Aparecida, encarecidamente rogo para que faça valer suas consagrações e a energia que tantos milagres já fizeram. Mas desta vez o pedido é maior. É uma voz em uníssono, nem que seja apenas por meros instantes, de 207,7 milhões de brasileiros. Ah, pode somar aí mais uns milhões de outros que, mesmo não sendo brasileiros, gostam de nós, e creem na sua intervenção, a única intervenção que todos, de uma forma ou outra, acreditamos, a divina.

É tamanha a angústia, que chega até a ser inexplicável, chega a doer no peito, uma enorme tristeza, ansiedade, apreensão. Como se sentisse que algumas portas de dimensões desconhecidas tivessem sido destrancadas, abertas, e delas estivesse emergindo o que de pior há no ser humano – sua inesgotável capacidade de ser cruel, egoísta e disseminar o mal.


Pois olha, tanto, tão forte, que eu pensei. Já pensaram em escrever uma carta para algum santo? Pois não é que não sei se por essa mistura toda de Dia da Criança e Dia da Padroeira, com Dia de eleições e outras datas, semanas de brigas, eu quis escrever um pedido, e logo para a Nossa Senhora Aparecida? Aqui em casa, muito por influência da minha mãe, todos fomos criados muito ligados à Nossa Senhora, ao seu manto azul, à sua imagem que parece refletir exatamente o nosso país. À sua bondade e abrigo a todos. E se ela lembra minha mãe, só posso reconhecer nela o que de melhor há.

Imagem encontrada, pescada do fundo de um rio, despedaçada, cabeça e corpo, vem sendo unida e adorada há três séculos. Novamente destruída em 1978 – ficou em cacos – pelo ataque de um maluco, mais um destes tantos que ouvem vozes apelando pela destruição – foi remontada. Agora, aprisionada em uma cabine de vidro blindada dali só sai uma vez por ano, escoltada.

Pequenina guerreira. Meio estropiada após tantos percalços, feita de barro terracota, 36 centímetros de altura, dois quilos e meio. Ganhou o maior Santuário do Mundo para ela, uma imagem, uma escultura preciosidade que tanta fé impulsiona. Ganhou bênçãos e o reconhecimento de Papas. Da Princesa Isabel ganhou o manto azul ricamente ornado, a coroa de ouro cravejada de diamantes e rubis. Ganhou um Feriado Nacional. Milhares de pessoas chegam a ela todos os dias, com os pés em chagas, joelhos destroçados, caminhando pelas estradas. Fazem filas e sacrifícios apenas para passar diante dela, erguer os olhos e seguir adiante.

Ela é negra nessa imagem, mas há explicações: ou o tempo que ficou no fundo do rio; ou depois, as dezenas de anos que ficou na casa do pescador, sendo adorada pelo povo local, que à sua frente acendeu muitas velas que teriam escurecido sua tez.

A certeza é a de que Nossa Senhora Aparecida está acima de tudo isso – representa o Brasil de todas as raças, cores, credos, idades, times, inclusive. Sim, até teve evangélico que a chutou, mas isso foi um episódio superado. Ela une todos, motiva respeito. Vou dizer mais uma que que acabo de descobrir e que talvez tenha sido a gota d` água para eu pensar em apelar a Ela nesse momento. Nossa Senhora Aparecida, além de Rainha do Brasil, título conquistado em 1904, de ser a Padroeira do Brasil, desde 1931, é também desde 1967 a Generalíssima do Exército Brasileiro. A única.

No instante em que vivemos, nervos à flor da pele, a volta dos tons verdes, insígnias e fardas, em que famílias estão desunidas e que tudo parece ser assim tão só dialético, o Bem e o Mal, o Sim e o Não, me vejo acreditando mais ainda e orando para que se faça luz, que essa luz mostre o prisma tão diversificado.

Que irradie um calor que se espalhe amorosamente e nós, que apenas desejamos caminhar em paz para um futuro, consigamos seguir em frente sem tantos receios por nós mesmos e por todos que amamos ou consideramos. Haja o que houver, que nós todos sejamos respeitados e tenhamos a nossa liberdade individual garantida.

Marli Gonçalves