sexta-feira, 20 de julho de 2018

Pensamento do dia

O país das falsificações


A lembrança que o mundo levará do Brasil nesta Copa do Mundo não será a da equipe que jogou e perdeu com honra, mas a da que tentou ganhar com desonra —representada por Neymar rolando pelo gramado a cada falta real ou imaginária. Numa era mágica como a nossa, em que as câmeras podem esmiuçar cada imagem em qualquer ângulo ou velocidade, Neymar tornou-se piada mundial. E, para muitos, mais uma prova de que somos mesmo uns malandros.

Aos olhos de fora, já éramos o país que produziu Eike Batista, o sétimo homem mais rico do mundo no ranking da revista Forbes —“Crio riquezas do zero”, ele disse— e, de repente, descobriu-se que, sem monumentais manipulações e acordos com o então governo brasileiro, sua riqueza era mesmo zero. E o que dizer da Odebrecht, a empreiteira que parecia dominar o mundo, e hoje se sabe que, de mãos dadas com aquele mesmo governo, geriu o que se considera o maior caso de corrupção internacional da história?


Políticos que fizeram carreira passando-se por vestais ou por arautos de uma inédita prosperidade estão presos e condenados por corrupção. Pior ainda, sabe-se agora que seus números eram uma fraude. Milhões que acreditaram neles revoltam-se por terem sido feitos de trouxas e não querem repetir o erro —daí os altos índices de abstenção que se espera nas próximas eleições.

A economia acompanha a desmoralização política e vai para o buraco. Como investir num país em que não se sabe se o ministro com quem se conversa hoje não será apanhado e mandado para trás das grades antes de fechado o negócio? Até mesmo a Justiça está sub judice —para o povo, há juízes que, além da capa preta, deveriam usar máscara.

Diante desses casos, o grand-guignol de Neymar foi até inocente. O Brasil deveria disputar a Copa das falsificações. Um dia, teremos de pedir desculpas ao Paraguai pelo que já pensamos dele.
Ruy Castro  

'Mãe' do Brasil

A delinquência do poder é a mãe de todas as delinquências
Eduardo Galeano, "De pernas pro ar"

O túmulo dos ditadores que ninguém quer recordar

Na sexta-feira 17 de maio de 2013, um carcereiro encontrou Jorge Rafael Videla sentado na privada da cela que ocupava em Marcos Paz, uma cadeia para presos comuns, com sinais de “rigidez ocular” e sem pulso. O ditador morreu horas antes, na solidão de uma madrugada entre as grades, após uma queda que aos seus 87 anos foi fatal. Videla ficou por uma semana em uma gaveta do necrotério judicial, à espera da autópsia. Quando a Justiça por fim entregou o corpo, a família não soube o que fazer com ele. Não encontrou lugar no panteão militar em Chacarita, o maior cemitério da cidade de Buenos Aires, por medo de manifestações de repúdio. Também não foi bem-vindo em Mercedes, sua cidade natal. Videla acabou enterrado em um cemitério particular no subúrbio de Buenos Aires, sob uma placa de mármore com a inscrição “Família Olmos”, anônimo ao olhar dos curiosos.

A tradição militar diz que os oficiais de alto escalão têm um nicho reservado no panteão de Chacarita. Videla não pôde ir para lá, assim como seus dois cúmplices na Junta que em 24 de março de 1976 derrubou a viúva de Juan Domingo Perón, María Estela Isabelita Martínez. A poucos metros do ditador, no cemitério Memorial de Pilar, também com o nome mudado, está o ex-chefe da Marinha e criador da ESMA, o maior centro de torturas e prisões ilegais da ditadura, Emilio Massera, falecido em 8 de novembro de 2010 no Hospital Naval. Seu homólogo na Força Aérea, o brigadeiro Orlando Ramón Agosti, morto em outubro de 1997, ocupa outro lote no mesmo cemitério particular. A família de Videla pediu em 2015 permissão ao juiz para cremar seus restos, mas apesar de conseguir o aval nunca realizou o trâmite, como o EL PAÍS pôde confirmar com fontes da Justiça.


O túmulo de Videla em maio de 2013, dias depois de
seu sepultamento no cemitério Memorial de Pilar
Videla e Massera não tiveram o final dourado que imaginaram quando lideraram a ditadura militar mais sanguinária da América do Sul, com um saldo de 30.000 mortos e desaparecidos. O regresso à democracia os encontrou em 1984 sentados em um tribunal que os condenou por crimes de lesa humanidade. Em 1990 foram indultados pelo presidente Carlos Menem, mas voltaram à prisão quando o kirchnerismo reabriu os casos na Justiça. A morte de Videla foi paradigmática. Despejado de Chacarita, a família tentou sepultá-lo no panteão que tem em Mercedes, um povoado de antiga tradição militar onde Agosti também tem laços de sangue. As manifestações contra o enterro arruinaram os planos.

“A morte de Videla e o fato de que a família tentou levá-lo a Mercedes nos pegou de surpresa. O repúdio foi unânime e nos reunimos na porta do cemitério, em uma espécie de guarda para evitar que o enterrassem ali. A família, no final, desistiu, mas não soubemos para onde iria”, diz Ciro Lalla, historiador e membro da Comissão pela Memória do município. O repúdio a Massera, por sua vez, foi silencioso, mas suficiente para impedir os planos de sepultá-lo no panteão que o Círculo Naval tem em Chacarita. “Queriam trazê-lo para cá e até me fizeram limpar todo o lugar. Mas depois soubemos que precisaram montar vigilância, porque nessa noite pessoas estiveram rondando, ativistas dos direitos humanos. Por isso não veio, o mandaram a Pilar”, conta um antigo funcionário do panteão que prefere não dar seu nome.

Roberto Viola, sucessor de Videla após um golpe, morreu em 30 de setembro de 1994, quando ainda estavam vigentes os indultos de Menem aos chefes do regime. Viola encontrou espaço no panteão militar, um alto edifício de mármore, com capela no seu interior e três subsolos. Mais de 1.000 militares estão enterrados lá em nichos com tampas de aço inoxidável, entre fotos, placas de bronze e algumas flores perdidas. Não há rastros de Viola. Os funcionários do cemitério e do arquivo nada sabem dele. Um funcionário diz que foi cremado, mesmo que tenha algumas dúvidas. “Está no velho panteão”, diz outro empregado, mas lá também não existe nenhuma placa que diga Roberto Viola. “O problema é que são sepultados com nomes diferentes para que não sofram alguma represália”, diz o encarregado do lugar.

A chave do enigma está, por fim, com uma mulher que toma conta dos velhos documentos do cemitério e que não está autorizada a dar informações. Após abrir uma pasta, retira uma folha solta e lê com atenção. Ao lado do nome de Viola existe uma inscrição feita à mão, realizada há mais de dez anos por um pesquisador que em algum momento se preocupou em recuperar a memória do panteão militar. “Levado a Entre Ríos”, diz. A versão é verossímil. Viola se casou com uma mulher de Concordia e o filho dos dois mora lá, mas o rastro do corpo se perde nessa cidade.

“Tomaram muito cuidado para que não apareçam ligados a suas próprias forças, ninguém tem interesse em recordá-los”, diz Carlos Loza, membro da Associação de Ex-Presos Desaparecidos (AEDD) pela ditadura. Passados 40 anos, a Argentina ainda tem abertos julgamentos por crimes de lesa humanidade e passou de geração em geração o espírito de Nunca Mais que marcou o retorno da democracia. “A condenação social que existiu na sociedade argentina fez com que seja vergonhoso para as famílias dos ditadores, muitos de seus filhos chegaram a recusar a paternidade, outros mudaram seus sobrenomes”, afirma Loza.

O destino de Leopoldo Fortunato Galtieri, o sucessor de Viola, também se perdeu na memória. O general que levou a Argentina à Guerra das Malvinas em 1982 morreu em silêncio em janeiro de 2003, aos 76 anos, quando cumpria condenação por roubo de crianças nascidas durante o cativeiro de suas mães nos centros de tortura. Seu corpo foi levado ao panteão militar, como diz a tradição. Naquela época mereceu as honras de uma banda militar e até algumas palavras do comandante do Exército, Ricardo Brinzoni. O ato foi possível porque ainda não existia a lei que em 2009 proibiu qualquer tipo de despedida oficial aos repressores. Após o enterro, um desconhecido quebrou as coroas de flores e pichou o túmulo recém-inaugurado, mas isso foi tudo. Galtieri caiu rapidamente no esquecimento, tanto que hoje poucos sabem que o militar já não está em Chacarita. “Sua irmã o retirou há seis anos, para cremá-lo”, revela um funcionário do panteão.

Os chefes da ditadura argentina, amos e senhores em vida, são apenas uma má recordação na morte. Não têm monumentos e se escondem da história. Os que sofreram com o terrorismo de Estado dizem que os temores de seus herdeiros não têm fundamento, que podem ficar tranquilos. “Mesmo que se trate do corpo de um assassino, os rituais da morte não serão interrompidos por nenhuma das vítimas da ditadura. Não somos como os genocidas”, diz Loza. E lembra, ironias do destino, que foram os repressores que inventaram a figura do desaparecido, como se chamam os milhares de homens e mulheres que morreram sem túmulo.

Federico Rivas Molina/Mar Centenera

Imagem do Dia


O povo como problema

Sempre que o Foro de São Paulo se reúne, recende de seus salões o ranço característico da esquerda autoritária latino-americana. Abundam palavras de ordem contra o “imperialismo americano” e invectivas contra o “neoliberalismo”, como se a guerra fria não tivesse terminado. No encontro, todos os problemas enfrentados pelos governos e partidos esquerdistas da região costumam ser atribuídos aos Estados Unidos, a representação do mal absoluto no discurso desses liberticidas. Na edição deste ano, realizada em Havana, não foi diferente: até mesmo a prisão de Lula da Silva foi caracterizada como parte da “guerra de caráter não convencional” que, segundo o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, os americanos deflagraram contra os “líderes progressistas” do continente.

“Exigimos a liberdade imediata de Lula, depois de uma condenação e prisão sem provas, e o direito a ser candidato presidencial nas eleições de outubro no Brasil, respeitando a vontade da maioria do povo brasileiro. Lula livre! Lula inocente! Lula presidente!”, diz a declaração final da 24.ª reunião anual do Foro de São Paulo – que, é claro, denuncia a “ofensiva reacionária, conservadora e restauradora neoliberal” capitaneada pelos Estados Unidos.


Em seu discurso, o ditador Maduro – que liquidou a oposição em seu país, encarcerou e exilou os dissidentes e reprimiu duramente todo tipo de manifestação contra seu governo, responsável pela penúria venezuelana – caracterizou o Brasil como um regime de exceção. Maduro disse ver o “martírio de Lula com dor, mas não com resignação”, denunciando que seu companheiro petista foi “escondido numa masmorra” para “impedir sua ação política”, porque “sabem que Lula livre ganhará a eleição presidencial no Brasil”. E acrescentou: “Basta!”.

Enquanto estão preocupados com a qualidade da democracia no Brasil, onde a imprensa é livre e as instituições funcionam, o Foro de São Paulo e seus ciosos delegados de partidos de esquerda entendem que a “Nicarágua sandinista”, por exemplo, é uma democracia plena – embora seu ditador, Daniel Ortega, tenha manobrado para se perpetuar no poder e mandado reprimir duramente manifestações contra seu governo, resultando, até agora, em mais de 350 mortos. Segundo o Foro, a Nicarágua de Ortega está sendo vítima da “política intervencionista” dos Estados Unidos, e os manifestantes estariam a serviço de “golpistas” teleguiados pelos americanos.

É evidente que, no léxico do Foro de São Paulo, a palavra “democracia” perde seu sentido estrito, servindo para designar unicamente regimes e partidos autoritários da América Latina que se pretendem legítimos porque julgam expressar a vontade do “povo”. Se o povo não concorda com a interpretação desses seus alegados porta-vozes, pior para o povo. Que o digam os presos políticos de Cuba, governada pela mais longeva ditadura do mundo, anfitriã do encontro “democrático” e “progressista” do Foro de São Paulo.

É em nome desse “povo” que o “campo progressista” latino-americano insiste na libertação de Lula, como se o suposto desejo popular expresso em pesquisas de intenção de voto para presidente fosse mais que suficiente para anular o julgamento que condenou o chefão petista à cadeia. Pouco importam os fatos, as provas e as sentenças de diversos juízes.

No delírio lulopetista, o sistema judicial brasileiro está tão eivado de golpistas que, segundo disse o ex-ministro Gilberto Carvalho a um site do MST, “só há uma forma de tirar Lula da cadeia”: um “levante popular, uma mobilização muito forte, uma radicalização do processo, seja de que forma for, que faça com que eles sintam que está ameaçada a estabilidade do País, e aí, por uma razão de força maior, libertem o Lula”.

O próprio Carvalho, contudo, reconhece que não será tarefa fácil, pois nem sempre o povo está suficientemente esclarecido para defender o PT. Ao comentar a dificuldade de mobilização, o amigão de Lula lamentou: “O povo faltou. O povo faltou no impeachment, o povo faltou na prisão de Lula”. Eis aí, para os espíritos autoritários, o “problema” das verdadeiras democracias: o povo, quando é livre, tem vontade própria.

Contribuinte paga até pão de queijo para deputado federal

Com salários de R$33.723 e mais R$106.866 para contratar aspones, cada deputado federal ainda pode solicitar reembolso de despesas de R$45 mil mensais, em média, para promoção pessoal e para pagar até pão de queijo. E não é força de expressão: Afonso Motta (PDT-RS) apresentou nota fiscal de R$1 na compra de um pão de queijo, despesa certamente relevante no exercício da atividade parlamentar. A informação é da Coluna Cláudio Humberto, do Diário do Poder.

O campeão de gastos neste momento, no ano, é o deputado Hélio Leite (DEM-PA): pediu ressarcimentos que totalizam R$287 mil.

Jarbas Vasconcelos (MDB-PE) comeu no restaurante do Senac e pediu ressarcimento de R$3,27, equivalentes a 0,009% do seu salário.

Jhonatan de Jesus (PRB-RR) foi o que mais gastou este ano com promoção pessoal ou “divulgação da atividade”: R$192 mil.

Afonso Motta, que não deixa passar nem pão de queijo, foi ressarcido em R$1,6 milhão desde a posse, além de R$1,55 milhão em salários.

Meu Deus!

O prefeito Crivella agradece a Deus por “ter nos colocado na prefeitura” e por poder dar vantagens e prioridades ao povo evangélico, que, segundo ele, vai salvar o Brasil, porque “evangélico não rouba”. Como o irmão Eduardo Cunha, né? Aleluia!

Como credencial para salvar o Brasil, diz que o povo evangélico é organizado. “Nós pegamos a oferta do povo, levamos pro escritório, contamos tudo, e a gente constrói igrejas.”

E também constrói um projeto de poder explosivo em que religião e política se misturam.

Se o povo evangélico vai salvar o Brasil, é porque os crentes de outras religiões e os ateus o afundaram? É “povo eleito” X povo eleitor?

Pelo que se sabe, Crivella não é ladrão, mas mente como um pagão, sem escrúpulos ou medo da justiça divina ou dos homens. Evangélicos não mentem, ou será que mentem mais ou menos do que católicos, umbandistas ou ateus?

Deus pode tudo, mas não se pode tomar seu santo Nome em vão e atribuir a Ele os fracassos de seu livre-arbítrio. Foi Deus que o ajudou a escapar do impeachment ou foi a distribuição de verbas e cargos para vereadores “da base”? Deus é parceiro de tramoias?

Crivella quer transformar o povo eleito no povo eleitor, e vice-versa, e trouxe como novidade maligna o “aparelhamento religioso” da prefeitura com propostas indecentes — e ilegais — para que seus devotos furem filas, operem catarata, varizes, façam vasectomia, basta chamar a irmã Márcia.

Com suas feições que parecem moldadas em cera, sua alvura, suas orelhas pontudas e a fala macia, o bispo tem o physique du rôle de um personagem satânico (disfarçado de pastor ) num filme de terror, com Temer interpretando um vampiro. Uma dupla infernal.

Sou um homem de fé, acredito em Deus, em Jesus Cristo, em Nossa Senhora, no Anjo da Guarda, em Oxum, Oxóssi, em Buda, frequentei por dez anos uma igreja batista no Harlem, mas também acredito na liberdade, na democracia e na igualdade de crenças em um Estado laico. Por isso, não acredito em Crivella.

Se Crivella é nosso pastor, tudo nos faltará. Ele nos dá saudades dos nossos piores prefeitos.

#Deus nos livre de Crivella.