sábado, 25 de maio de 2024

Pensamento do Dia

 


Justiça climática no país depende de combate à desigualdade

As enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul no início de maio deixaram um rastro de destruição. As piores consequências, porém, devem ser sentidas pelos grupos sociais mais vulnerabilizados. De acordo com especialistas, eventos extremos como esse aprofundam desigualdades sociais anteriores à tragédia e, sem políticas para combatê-las, será impossível alcançar a justiça climática no país.

"As populações mais vulnerabilizadas conseguem contar apenas com os abrigos que estão ainda em uma situação de bastante necessidade, de doação, de investimentos públicos, que que não chegam na velocidade que precisam chegar, as pessoas têm dificuldade de se alimentar, de ter acesso a produtos de higiene. Esse é um exemplo claro desse impacto desigual", diz a gerente da Oxfam Brasil, Maitê Gauto.

O Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden), em parceria com o IBGE, monitora a incidência de eventos climáticos no Brasil e constatou que 8,2 milhões de pessoas vivem em áreas de risco para deslizamentos, inundações e enxurradas. Cerca de 26,1% deles moram em áreas sem acesso a saneamento básico adequado.

"A justiça climática, ligada ao racismo ambiental, alerta sobre cuidado para olhar para esses grupos mais vulneráveis e pensar sobre adaptação climática, e entender, a partir da pesquisa científica, como tirar as pessoas desses lugares de risco e evitar mortes e perdas", explica Juliane Souza, membro do coletivo Pretas B.


O conceito de justiça climática remonta à década de 1990, quando grupos de ambientalistas denunciavam os prejuízos da indústria do petróleo. Por isso, o termo carrega a noção de combate à mudança climática a partir da responsabilização de agentes que contribuíram para o cenário de desastre e alerta para a desigualdade dos impactos desses eventos.

No Brasil, o Ministério do Meio Ambiente considera a justiça climática um "eixo transversal do novo Plano Clima", afirmando que a descarbonização da economia deve incorporar "uma transição justa que impulsione o desenvolvimento sustentável, enfrente as desigualdades e promova a resiliência do país". O ministério recomenda que ações de adaptação corrijam também deficiências estruturais histórica para evitar, além de perdas e danos, o agravamento das desigualdades.

Com relação à tragédia no Rio Grande do Sul, os governos federal e estadual têm anunciado uma série de medidas para socorrer as famílias gaúchas. Entre as ações anunciadas estão o pagamento de um Auxílio Reconstrução que será liberado em uma parcela única de R$ 5,1 mil, e a possível construção de quatro cidades temporárias para os desabrigados. Cerca de 70% deles estão concentrados em abrigos da região metropolitana de Porto Alegre.

Para o porta-voz do Greenpeace Brasil, Rodrigo Jesus, as ações são positivas do ponto de vista de emergência, mas não levam em consideração medidas de longo prazo. Ele diz que ações de prevenção integram a promoção da justiça climática pois, com o mapeamento da população vulnerável, é possível contornar os impactos do evento extremo.

Gauto também reconhece que as ações emergenciais são essenciais para mitigar os estragos, mas que as políticas de adaptação climática e transição energética precisam ser revisadas para considerar o combate às desigualdades estruturais. "Se não, nunca vamos viver cenário de justiça climática".

Sobre o desastre no Rio Grande do Sul, Souza diz que "ninguém foi pego de surpresa" pois as medidas de prevenção são negligenciadas no país. "Quando tem esse componente, será que não é desastre ambiental, e sim um crime político? Precisamos refletir". Ela reforça que o Brasil tem uma legislação ambiental robusta, mas que essa é descumprida. "Só olham para isso quando a situação já aconteceu".

Gauto defende a incorporação do conceito de justiça climática pelo Judiciário para resguardar os direitos da população afetada pelos eventos extremos. "Tem que atuar, exigir que o município, o estado ou a União garantam as condições necessárias para que as populações, de maneira geral, mas principalmente, as mais vulneráveis, consigam reconstruir as suas vidas e não deixar ninguém para trás. Precisamos construir agora as respostas que vão ser efetivas em um futuro".

No Brasil, os casos de litigância climática, que são as ações judiciais movidas após denúncias de violações ambientais, estão em alta. Em 2013, apenas cinco processos desse tipo estavam em tramitação, segundo o monitoramento de pesquisadores da PUC-Rio. Durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, a quantidade de ações cresceu, e agora somam 82.

No Brasil, não há um modelo que sirva de padrão para justiça climática. Contudo, há experiências de respostas às mudanças climáticas em regiões de periferia que podem servir de inspiração para essas políticas, diz Rodrigo Jesus. "Se construir um banco de soluções, teremos um grande acervo".

Já Juliane Souza afirma que, para enfrentar a mudança climática, é preciso avaliar os problemas ambientais do país, como o desmatamento, e também rever o modelo de negócios baseado na extração de recursos naturais. "A indústria responsável pela emissão de gás carbônico tem que se reinventar. O processo de mudança é lento, mas tem a ver com uma economia de desenvolvimento sustentável".

A Europa que pode morrer

Não vivemos tempos normais. Pela primeira vez desde o fim da II Guerra Mundial, uma ameaça armada à liberdade e ao estilo de vida da Europa está às suas portas. A Ucrânia é um problema europeu. Se a Rússia alcançar os seus objectivos em Kiev por meios militares, a Europa não voltará a ser o que é ou era dantes. Melhor: a simples invasão em 2022 mudou por completo o quadro estratégico do continente.

Escrevo a dias das eleições europeias. A Ucrânia permanece no centro de todos os nossos desafios políticos. A Rússia não concorre com uma lista de candidatos, mas nem por isso deixa de estar presente. Durante os últimos anos batalhou por influenciar a opinião pública europeia e as campanhas eleitorais, de forma a desestabilizar todas as nossas instâncias políticas.

A União Europeia e os Estados que mais pesam na relação de forças internas ficarão “dormentes” até à eleição da nova direcção europeia, ou seja, sem grande capacidade de iniciativa. A Rússia aposta numa subida das extremas-direitas, onde conta com activos apoiantes. A troca entre o sacrifício dos ucranianos e a “paz universal” não funciona. O exemplo é que, mesmo no momento em que está em vantagem militar, Vladimir Putin volta a ameaçar com o uso de armas nucleares. Ele tem beneficiado da fragmentação e do “vazio das decisões” na UE. Está em causa a política russa da Europa.


Esta guerra sempre foi um assunto europeu. Uma Ucrânia russificada abriria uma vasta zona de destabilização e insegurança da Estónia à Polónia, da Roménia à Turquia, escrevem na Foreign Affairs analistas Liana Fix e Michael Kimmage. “A presença russa na Ucrânia será interpretada pelos vizinhos da Ucrânia como uma ameaça à sua segurança.” Mas, lamentavelmente, “uma vitória da Rússia na Ucrânia não é ficção científica”.

Entra em jogo um outro factor. À medida que a política americana se voltou a concentrar no Médio Oriente, a guerra ucraniana torna-se ainda mais europeia. A pax americana, muitas vezes imposta pela força e pouco respeitadora da soberania e dos interesses dos aliados, garantiu à Europa um período de paz, prosperidade e segurança, em contraste com a “Europa trágica” da primeira metade do século XX.

A impotência da superpotência torna o mundo mais perigoso e não mais pacífico. A impotência de Biden em travar Netanyahu em Gaza é um péssimo sintoma. Aviva ainda mais a espiral do ódio recíproco entre israelitas e palestinianos, gerando uma escalada de inaudita ferocidade.

A Administração Biden refirmou o seu compromisso de apoio militar a Kiev e de garante da segurança da Europa através do artigo 5.º da carta da NATO. Nos dois primeiros anos da guerra, os EUA assumiram o principal contributo à defesa da Ucrânia, até que esse apoio foi posto em causa no Congresso. Com Trump ou sem Trump, não voltará a ser o que era.

“Antes da presença americana no continente, a Europa nunca desenvolveu uma ordem de segurança própria, de modo a reconciliar a trindade ‘liberdade, unidade e segurança’”, sublinha o analista Benjamin Rhode do International Institute for Strategic Studies (IISS, Londres). Liberdade, unidade e segurança são três objectivos difíceis de conciliar e que alguns autores designaram por “impossível trindade” ou “trilema da Europa”. A Europa é agora convidada a pagar a sua segurança. Este é o doloroso preço para enfrentar o desafio russo e salvaguardar os próprios laços atlânticos.

“Os Estados Unidos são um aliado cada vez mais distante e um defensor mais relutante”, escreve o jornalista alemão Wolfgang Munchau. “E não se trata apenas de Trump. Para a Europa, chegou o momento de assumir as suas responsabilidades.”

Animais tratados como pessoas no drama ecológico

Na catástrofe ecológica na região brasileira do Rio Grande do Sul, com centenas de mortos e quase um milhão de desabrigados de suas casas, surgiu um caso único na operação de resgate de vítimas arrastadas pelas águas. Pela primeira vez, a mesma atenção que tem sido dada, tanto pelas autoridades como pelos voluntários, para salvar vidas de pessoas foi demonstrada no resgate de animais domésticos e selvagens.

Até o momento, mais de 12 mil animais foram salvos da morte. Além disso, os feridos têm sido atendidos por veterinários com o mesmo interesse que as pessoas nos hospitais, enquanto caminhões e aviões carregados de alimentos chegam para eles de todo o país. Isso levou o colunista Eduardo Affonso, do jornal O Globo, a afirmar: “Aos poucos vamos percebendo que tudo que é vivo nos importa. A próxima revolução, a dos animais, já começou.”

Uma mudança no Brasil na valorização e na dignidade que os animais merecem começou de alguma forma com a polêmica posse do novo presidente Lula da Silva, a quem seu antecessor, Jair Bolsonaro, se recusou a dar a tradicional faixa de comando. Janja, esposa do presidente, organizou uma comissão formada por anônimos para entregar o poder, representantes de categorias normalmente ignoradas pelos detentores do poder, desde um catador de lixo, uma indígena e até o cachorro de sua família, chamado Resistencia.


Desta vez, na nova tragédia ecológica, a família presidencial teve um papel importante no resgate dos animais, dando-lhes a mesma atenção e importância que as pessoas. Isto tornou evidente que é cada vez mais real nas pesquisas sobre a inteligência do que chamamos de animais que talvez o Homo Sapiens não seja tão diferente deles e em alguns aspectos os animais possam até ser muito superior a nós.

Ao escrever este artigo, lembro-me há muitos anos de uma das colunas do brilhante Manuel Vicente. Foi um ano de Jogos Olímpicos. Com a fina ironia que o caracteriza, riu dos esforços “subumanos” que durante um ano inteiro os candidatos a competir nas Olimpíadas fizeram para conseguir alguns décimos de segundo na corrida de cem metros ou para vencer por algumas braçadas numa piscina olímpica. Vicent, maliciosamente, escreveu que deveríamos rir daqueles esforços de uma lebre ou de um simples peixe que venceriam as corridas sem precisar de um ano de esforço físico.

E cada vez mais o orgulhoso Homo Sapiens começa a perceber que os animais, todos e não apenas os mamíferos, sabem sentir e amar, por vezes, tanto ou mais do que os chamados humanos. É uma consciência que tanto os cientistas como quem convive com os animais começam a ter. Hoje sabemos que a grande maioria do que chamamos de insetos, até mesmo formigas, possui uma série de qualidades que nos faltam. Pense no que precisamos para voar no espaço e como é fácil para uma águia ou um simples pintassilgo.

A novidade que está surgindo no Brasil durante esta tragédia natural para salvar animais em perigo e cuidar deles e também das pessoas, começou com a imagem que correu o mundo do cavalo batizado de Caramelo por causa da cor de sua pele, que ficou três dias preso no telhado de uma casa meio destruída sem conseguir descer.

O primeiro a reagir emocionalmente a essa imagem terna e dolorosa ao mesmo tempo foi o presidente Lula, que comentou que não conseguia dormir pensando na solidão e no desespero de Caramelo e junto com sua esposa Janja pediu ajuda ao Exército para resgatá-lo o mais rápido possível. E o cavalo acabou sendo um símbolo. Desde então, a atenção dos serviços de emergência aos animais em perigo duplicou e chegaram à região aviões de alimentação para os milhares de animais resgatados, muitos deles feridos.

Esta nova consciência da dignidade dos animais está a crescer hoje no mundo e novas descobertas sobre o cérebro estão a revelar que nós, as chamadas pessoas, não somos tão diferentes nos nossos sentimentos e capacidades da grande maioria dos animais. Nós os consideramos inferiores e durante séculos foram tratados como seres com quem poderíamos até nos divertir em jogos sangrentos. Pouco mais que objetos.

Talvez junto com esta nova consciência sobre as qualidades e a importância dos animais, de todos aqueles que Francisco de Assis chamou de “nossos irmãos”, devêssemos começar a mudar a linguagem sobre eles. Costumamos dizer que nós, os chamados humanos, somos “seres pensantes”. Os animais não pensam? Pergunte aos meus gatos Babel e Luna, cujas reações às vezes deixam eu e minha esposa congelados por serem sofisticadas. É por isso que às vezes dizemos que “eles parecem humanos”. E se um dia se descobrisse que, em muitos aspectos, esses animais teriam muito a nos ensinar, humanos orgulhosos?

Netanyahu contra Israel

Já passa da hora de Israel se livrar de Binyamin Netanyahu, mesmo com a guerra em Gaza ainda em curso. O premiê israelense já deu repetidas mostras de que sua prioridade é salvar a própria pele, não fazer o que é melhor para Israel.

Paradoxalmente, o conflito criou uma oportunidade para Tel Aviv. Os EUA estão jogando todo o peso de sua diplomacia para tornar em princípio factível um acordo pelo qual Israel normalizaria suas relações com a Arábia Saudita e a maior parte dos países árabes ditos moderados. É o que Israel sempre quis desde 1948, o ano de sua fundação. Em contrapartida, precisaria aceitar a criação de um Estado palestino autônomo na Cisjordânia e em Gaza.


Em tese, isso não é um problema. Embora a solução de dois Estados tenha perdido apoio popular nos últimos anos, em especial após o ataque terrorista do Hamas, Israel segue oficialmente comprometido com ela. Na prática, porém, Netanyahu sempre trabalhou para sabotar as negociações com os palestinos. E não é só ele. Os partidos de extrema direita que compõem a coalizão governista não apenas são veementemente contrários ao Estado palestino como ainda querem anexar a Cisjordânia e Gaza. É uma posição francamente delirante. Israel não tem condições políticas nem econômicas de governar diretamente esses territórios. Fazê-lo seria perenizar uma situação de apartheid.

A escolha diante dos israelenses, portanto, é entre meter-se num atoleiro moral e militar sem perspectiva de saída e a possibilidade de viver em paz com o mundo árabe. O segundo caminho encerra obstáculos formidáveis e cobraria decisões difíceis, mas é aquilo com o que as gerações anteriores de israelenses sempre sonharam.

Netanyahu não tem vontade nem condição política de seguir essa trilha. Se os israelenses querem uma paz sustentável, precisam pôr um fim à sua administração o quanto antes. A janela de oportunidade não vai durar muito tempo.