sábado, 25 de maio de 2024

A Europa que pode morrer

Não vivemos tempos normais. Pela primeira vez desde o fim da II Guerra Mundial, uma ameaça armada à liberdade e ao estilo de vida da Europa está às suas portas. A Ucrânia é um problema europeu. Se a Rússia alcançar os seus objectivos em Kiev por meios militares, a Europa não voltará a ser o que é ou era dantes. Melhor: a simples invasão em 2022 mudou por completo o quadro estratégico do continente.

Escrevo a dias das eleições europeias. A Ucrânia permanece no centro de todos os nossos desafios políticos. A Rússia não concorre com uma lista de candidatos, mas nem por isso deixa de estar presente. Durante os últimos anos batalhou por influenciar a opinião pública europeia e as campanhas eleitorais, de forma a desestabilizar todas as nossas instâncias políticas.

A União Europeia e os Estados que mais pesam na relação de forças internas ficarão “dormentes” até à eleição da nova direcção europeia, ou seja, sem grande capacidade de iniciativa. A Rússia aposta numa subida das extremas-direitas, onde conta com activos apoiantes. A troca entre o sacrifício dos ucranianos e a “paz universal” não funciona. O exemplo é que, mesmo no momento em que está em vantagem militar, Vladimir Putin volta a ameaçar com o uso de armas nucleares. Ele tem beneficiado da fragmentação e do “vazio das decisões” na UE. Está em causa a política russa da Europa.


Esta guerra sempre foi um assunto europeu. Uma Ucrânia russificada abriria uma vasta zona de destabilização e insegurança da Estónia à Polónia, da Roménia à Turquia, escrevem na Foreign Affairs analistas Liana Fix e Michael Kimmage. “A presença russa na Ucrânia será interpretada pelos vizinhos da Ucrânia como uma ameaça à sua segurança.” Mas, lamentavelmente, “uma vitória da Rússia na Ucrânia não é ficção científica”.

Entra em jogo um outro factor. À medida que a política americana se voltou a concentrar no Médio Oriente, a guerra ucraniana torna-se ainda mais europeia. A pax americana, muitas vezes imposta pela força e pouco respeitadora da soberania e dos interesses dos aliados, garantiu à Europa um período de paz, prosperidade e segurança, em contraste com a “Europa trágica” da primeira metade do século XX.

A impotência da superpotência torna o mundo mais perigoso e não mais pacífico. A impotência de Biden em travar Netanyahu em Gaza é um péssimo sintoma. Aviva ainda mais a espiral do ódio recíproco entre israelitas e palestinianos, gerando uma escalada de inaudita ferocidade.

A Administração Biden refirmou o seu compromisso de apoio militar a Kiev e de garante da segurança da Europa através do artigo 5.º da carta da NATO. Nos dois primeiros anos da guerra, os EUA assumiram o principal contributo à defesa da Ucrânia, até que esse apoio foi posto em causa no Congresso. Com Trump ou sem Trump, não voltará a ser o que era.

“Antes da presença americana no continente, a Europa nunca desenvolveu uma ordem de segurança própria, de modo a reconciliar a trindade ‘liberdade, unidade e segurança’”, sublinha o analista Benjamin Rhode do International Institute for Strategic Studies (IISS, Londres). Liberdade, unidade e segurança são três objectivos difíceis de conciliar e que alguns autores designaram por “impossível trindade” ou “trilema da Europa”. A Europa é agora convidada a pagar a sua segurança. Este é o doloroso preço para enfrentar o desafio russo e salvaguardar os próprios laços atlânticos.

“Os Estados Unidos são um aliado cada vez mais distante e um defensor mais relutante”, escreve o jornalista alemão Wolfgang Munchau. “E não se trata apenas de Trump. Para a Europa, chegou o momento de assumir as suas responsabilidades.”

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