terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Paisagem brasileira

Centro histórico do Ribeirão, Florianópolis (SC)

Demitir trabalhadores é um desastre para a economia de qualquer país

Esta semana a General Motors anunciou a demissão de 15 mil trabalhadores e o fechamento de montadoras nos Estados Unidos e no Canadá. O presidente Donald Trump afirmou-se indignado e ameaçou cortar subsídios fiscais para a empresa que figura entre as maiores do mundo. O fato de que o desligamento era importante para as finanças da GM não quer dizer, por si só, que os reflexos não atinjam negativamente a economia do país em que se verifica a redução de mão de obra. Tanto assim que o Banco Mundial e o FMI em suas análises sobre o panorama econômico incluem como fator importante o nível de emprego.

A demissão de trabalhadores implica na diminuição do parque fabril, por consequência da queda do consumo. Além disso, com a redução do consumo, é evidente, declina a receita de impostos.

No Brasil, o desemprego não só diminui a receita tributária, como também a arrecadação do INSS. Claro, como a Previdência Social arrecada sobre a folha de salário, se esta diminui, também a captação legal de recursos financeiros é deprimida…

Em nosso país o nível de desemprego permanece altíssimo, uma vez que o IBGE na sua última pesquisa calculou a existência de 12 milhões de trabalhadores e trabalhadoras na luta pelo seu retorno ao mercado de trabalho.

No caso brasileiro também acontece o seguinte processo: quando os empregados e empregadas permanecem por vários anos numa empresa seus vencimentos situam-se acima dos salários atualmente pagos àqueles que se iniciam ou retornam ao mercado Então o problema não é só o desemprego, é também o reemprego com menor remuneração.

Isso porque com o desemprego no alto a oferta de mão de obra segue com intensidade. Sistemas empresariais, diante deste quadro, reduzem a oferta de remuneração.

Assim o problema no Brasil não é apenas o índice de desempregados, é também uma forte e constante queda no rendimento do trabalhador.

Hora de pôr as cartas na mesa

Vou lendo colunas e encontro o Brasil dando esbarrões animadores em velhas verdades. Mas são ainda apenas esbarrões. O foco continua concentrado no esforço de coibir a manifestação dos efeitos das nossas doenças, em vez de no tratamento das suas causas.

Na educação já se pode falar na ditadura que há, mas a aposta continua sendo de que tudo se resolva com a adoção de mais uma “política pública” elaborada por um par de “especialistas” que valerá para todo este quase continente... exatamente a distorção que criou a condição para a instalação da ditadura que se quer combater. A centralização é sempre o prelúdio do aparelhamento gramsciano. Os saxônicos vão, como sempre, de descentralização e democracia, com cada bairro elegendo entre pais de alunos o board da sua respectiva escola pública encarregado de contratar e cobrar resultado dos professores que melhor se adequarem às necessidades de seus filhos de modo a fazer, em cada cantinho do país e todos os dias um pouquinho, “a verdadeira revolução que abrange e chacoalha de alto abaixo o sistema em seus aspectos organizacionais e pedagógicos” com que sonham confusamente que lhes caia do céu os latinos.

A própria ideia de “debate” entre os latinos pressupõe uma disputa em que um lado ganha e o outro perde. Nada que ver com a ideia de convivência entre contrários que tem como corolário a de tolerância eventualmente elevada a valor inegociável, fazendo tudo desaguar na democracia vista como manual de navegação, e não como local precisamente identificado de destino.

Ainda havemos de chegar lá...

E na seara de Sergio Moro, teremos um Ministério da Segurança Pública ou um Ministério da Justiça? O plano do ex-juiz é inequívoco. Incrementar a integração da Polícia Federal, com o Ministério Público Federal e unidades de inteligência financeira, em especial o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), para verificar o uso dos valores por organizações criminosas. Funciona, não há dúvida nenhuma. E como é de salvar vidas que estamos falando, não há como não comemorar.

Mas ainda é das pessoas e não do “sistema” que se trata. Este está mais amarrado ao conceito de justiça. Mas o que são os órgãos do Poder Judiciário hoje? Esse STF que cuida de trocar aumentos de salário por penduricalhos? São quase sindicatos; instrumentos de criação e “petrificação” de privilégios corporativos. Quem ou o que há por cima deles disposto a discipliná-los?


Jair Bolsonaro é que não é. Agora já são seis os militares no Ministério. Uma parte disso nos fala, digamos, da falta de diversidade da rede de relacionamentos do presidente eleito. E desde a nomeação de Carlos Alberto dos Santos Cruz, o general que a ONU encarregou de acabar com as guerrilhas do Congo, para a Secretaria de Governo, a outra instância da coordenação política com partidos e “bancadas”, uma dúvida, ao menos, se desfez. O presidente parece ter sentido a necessidade de instalar ouvidos menos sedados nesse departamento. Agora quem quiser que faça àquele arquétipo do “homem cordial” brasileiro as suas propostas indecentes.

Bom sinal. Mas sem grandes ilusões. O presidente eleito queimou seus navios ao pôr Sergio Moro onde está e agora está queimando pontes à medida que avança. É uma faca de dois gumes. Os militares não são a “reserva moral da Nação” porque sejam feitos de material diferente de nós, mas porque se têm mantido há 33 anos à distância dos focos mais notórios de contaminação. Aqueles entre eles que os tocaram não saíram incólumes, como é o caso seja dos que cederam à tentação na curta temporada da missão de combate direto ao crime organizado, seja dos que se mantiveram em funções por onde transitava muito dinheiro, como é o caso dos mais graduados até entre os feitos ministros que chegaram a ganhar menções em ações da Lava Jato. Alto lá, portanto, com esse negócio de querê-los “governando por 20 anos”.

Mas esses são só os casos extremos. Os militares mantiveram-se longe do poder, mas não tão longe quanto o resto do povo brasileiro. Menos que o Judiciário e que os políticos, mas mais que o que seria saudável. Como vamos confirmando pela persistência desse silêncio, as corporações militares também aprenderam a gostar dos direitos que “adquiriram”. Mas nem a obscenidade dos exageros da ponta de cima, que eles reconhecem e, menos vocalmente do que o caso pede, repudiam, suplanta a consciência de que o barco em que vão eles todos é o mesmo.

Estão certíssimos. Esse é mais um departamento onde não existe meia gravidez. Ou há igualdade perante a lei ou há privilégio. Como, portanto, não há solução fora da fórmula de Temer, que, na velocidade que for, e com as ressalvas que a razão admite, termina na igualdade entre nobres e plebeus, esse silêncio quanto a qual é a reforma da Previdência de Jair Bolsonaro se torna mais atroador a cada minuto que passa. Tão atroador quanto o dos jornalistas com raízes fincadas no mesmo maná “através de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive”, conforme reza a lei, que nos querem fazer crer que só o que falta ao Brasil é coibir a apropriação do “troco” que representa o que a “privilegiatura” nos toma por fora da lei que a estabeleceu como casta merecedora de mais, muito mais do que nós mortais merecemos.

O silêncio de Paulo Guedes e equipe a esse respeito é imposto, mas não pode mais ser admitido. Ele manteve da equipe de Temer os mais vocais entre os arautos da dimensão telúrica da explosão que vem vindo não por acaso. Mas todos estão, agora, igualmente reduzidos ao silêncio. A realidade obrigará Jair Bolsonaro a rompê-lo, mas a um custo impensável se ele o arrastar até depois do terremoto. A fábrica de misérias do Brasil continua aberta, e mais um pouco que demore o anúncio da data do cumprimento da sua sentença de morte e o mercado começa a trazer a valor presente o desastre que estão tentando tapar com uma peneira.

É hora de pôr as cartas na mesa.

Jogando para a plateia

Prestem atenção a todas as capas dos jornais de ontem: o presidente eleito, Jair Bolsonaro, no centro da cena, empunhando a taça do Palmeiras, em meio a uma multidão em festa. Não foi por acaso, não foi a primeira nem será a última vez. Essa cena será comum, fará parte do dia a dia do governo e do País.

O novo presidente da República terá o papel de animador da torcida, sempre em evidência e em contato com a população, para manter o apoio e o otimismo dos seus milhões de eleitores, entre bolsonaristas puros e antipetistas agregados.

O general Sérgio Etchegoyen, do GSI, ratificou ontem um alerta do seu sucessor, o também general Augusto Heleno: há ameaças a Bolsonaro e ele deve se preservar e ser cauteloso, inclusive na posse. Mas, além de a Polícia Federal ter investigado as ameaças e não endossar o mesmo grau de temor, Bolsonaro construiu sua imagem pública e sua campanha no contato com multidões, gosta disso, fica feliz. Não vai abdicar dessa parte boa do poder.

Ao observar o equilíbrio no seu governo, fica ainda mais claro que Bolsonaro vai deixar a equipe carregar o piano, enquanto ele viaja pelo País, vai a estádios, se reúne com grandes setores aliados, faz festa para sua militância, dá declarações informais à mídia tradicional e usa e abusa das redes sociais para fazer anúncios e dar recados.

Nesse papel, aliás, terá a grande ajuda de um personagem chave: Michelle Bolsonaro, mulher bonita, jovem, despojada, que estudou libras, é mãe da única filha do presidente e vem de uma cidade satélite de classe média baixa do DF. Nem todos vão entender essa afirmação, mas é um luxo, um orgulho, ter uma primeira-dama da Ceilândia num País desigual como o Brasil.

Enquanto Bolsonaro anima plateias e arquibancadas, seu vice, Hamilton Mourão, terá vida própria e os demais generais do Planalto e arredores vão ser cães de guarda do governo, centralizando informações estratégicas (inclusive sobre potenciais colaboradores) e controlando o dinheiro público, a eficiência da administração, o avanço da infraestrutura e as grandes obras.

Até Dilma Rousseff, com todas as suas idiossincrasias, reconhecia que os militares, especialmente do Exército, eram imbatíveis ao garantir eficiência, segurança, prazos e valores de obras públicas. Como também elogiava a Defesa Cibernética do Exército.

Paulo Guedes manda e desmanda na economia, com um time recebido com entusiasmo pelo mercado. Sérgio Moro cria uma superestrutura, ou super-Lava Jato, ou ainda super-PF contra a corrupção e o crime organizado, com amplo apoio popular. Espera-se que também com apoio do Congresso...


As áreas temáticas estão bem entregues, com o almirante Bento Albuquerque em Minas e Energia, a agrônoma Tereza Cristina na Agricultura e o astronauta, engenheiro do ITA e tenente-coronel da reserva da FAB Marcos Pontes em Ciência e Tecnologia. Saúde, com Luiz Henrique Mandetta, e Cidadania, com Osmar Terra, também estão em boas mãos.

Em meio a tudo isso, há dúvidas sobre o grau de autonomia e a munição de Onyx Lorenzoni na articulação política e Gustavo Bebianno na Secretaria-Geral. São duas ilhas civis num Planalto superlotado de militares, aliás, de generais.

Mas, se há áreas potencialmente explosivas, são Relações Exteriores e Educação, enquanto Seu Lobo não vem para Meio Ambiente e Direitos Humanos, cercadas de preconceito com a forte guinada à direita no País e com os filhos do presidente mandando mais do que a maioria dos ministros, e em áreas estratégicas.

O governo vai tomando forma, agradando mais do que desagradando e deixando interrogações no ar. Mas uma coisa é certa: depois de subir a rampa, Bolsonaro continuará em campanha. Ele pegou o gosto.

Gente fora do mapa


Fim da pasta do Trabalho revela insensibilidade

O compromisso assumido por Jair Bolsonaro com seus eleitores era o de racionalizar o governo, reduzindo a 15 o número de ministérios. Num modelo assim, a extinção do Ministério do Trabalho seria um tema passível de discussão. Mas o enxugamento da máquina estatal virou conversa mole de campanha. Haverá na Esplanada de Bolsonaro mais de 20 ministérios. Num formato assim, mais elástico, acabar com a pasta do Trabalho é uma decisão que oscila entre o erro e a pura maldade.

A decisão é errada porque chega num momento em que o trabalho passa por uma revolução. As mudanças conduzem a um futuro com mais computadores do que braços de carne e osso. Na tradução do próprio Jair Bolsonaro vive-se uma era em que o trabalhador será cada vez mais compelido a aceitar um número menor de direitos para ter algum trabalho. Em português claro, está em curso a implantação de um modelo, digamos, empregocida.


Nesse mundo, a legislação trabalhista não consegue mais regular as relações entre capital e trabalho. A reforma promovida sob Michel Temer mal foi aprovada e já clama por ajustes. O problema é que, ao extinguir o Ministério do Trabalho, pulverizando suas atribuições em outras três pastas —Economia, Cidadania e até a pasta da Justiça—, Bolsonaro sinaliza um desinteresse que não orna com o tamanho do desafio.

Não há dúvida de que o velho paternalismo terá de ser substituído por formas mais modernas de proteção social. Mas a flexibilização deve resultar em racionalização, não num vale-tudo que transforme a globalização num avanço mercantil capaz de devolver o trabalhador ao século 19.

 Josias de Souza

Corrupção, o efeito devastador que destrói também a política social do país

Calcula-se que de 2016 a 2018, só no Rio de Janeiro, a corrupção tenha causado um prejuízo financeiro da ordem de 1 bilhão e 500 milhões de reais. Reportagem de Rafael Galdo, edição de O Globo, focaliza o tema e sustenta que em 15 operações, incluindo a Lava Jato no Rio, os corruptores e corruptos causaram um prejuízo financeiro desse montante. Entretanto, é preciso levar em conta o que deixou de ser feito em consequência dos sucessivos assaltos às finanças públicas.

Rafael Galdo acentua que um cálculo inicial revela uma série de investimentos públicos que deixaram de ser feitos principalmente no campo da saúde.

Fico pensando, diante desse quadro, quantas pessoas morreram em consequência do desaparelhamento dos hospitais que formam a rede pública. Então concluo que o prejuízo econômico e social, na realidade é no mínimo 10 vezes maior do que os roubos descaradamente praticados.

Passamos assim ao universo por mim estimado na casa de 15 bilhões de reais. Afinal não se pode considerar estatísticas frias os fatos decorrentes dos assaltos. A vida e a saúde não podem ser medidas em valores financeiros. Assim, chegamos à conclusão que o desastre do Rio de Janeiro, sem dúvida, torna-se um dos maiores, senão o maior de todo o país. Sua fração ultrapassa a imaginação, porém serve para ressaltar uma sensação de estarrecimento diante do que os ladrões, inclusive os de casaca praticaram.

Basta considerarmos que o orçamento deste ano no Estado do Rio de Janeiro oscila em torno de 80 bilhões de reais. Mas se deslocarmos nossa atenção para todo o país, incluindo o vandalismo que assaltou a Petrobrás, vamos verificar a extensão real do cataclisma corrupto que açoitou a população brasileira. Especialmente os grupos sociais de menor renda, e daí podemos propor que os cientistas políticos e os economistas projetem um sistema capaz de medir, de forma meridiana, o que eu chamo de PNBC – Produto Nacional Bruto da Corrupção.

O PNBC seria uma espécie de termômetro capaz de medir a extensão e a temperatura da roubalheira desenfreada que assolou o país nos últimos 15 anos.

O total, creio eu, se elevaria a casa de 1 trilhão de reais pelo menos nas duas últimas décadas que marcaram a tempestade que conseguiu levar o desespero e o descrédito à população brasileira.

Imoralidade

Como não há insulto ao qual não se possa adicionar a injúria, o Senado decidiu aplicar a seus servidores já neste mês, inclusive para o 13.º salário, o novo teto remuneratório do funcionalismo público. Estabelecido depois de vergonhoso arranjo entre os Poderes Executivo e Judiciário, o novo teto deveria valer somente a partir do ano que vem, mas a Mesa do Senado resolveu favorecer desde já os servidores que hoje acumulam vencimentos que superam o limite atual, de R$ 33,7 mil, e portanto estão sujeitos ao desconto do chamado “abate teto” – mecanismo que corta do salário tudo o que supera aquele limite.

Com o novo teto, de R$ 39,2 mil, esses servidores receberão agora o que os ministros do Supremo Tribunal Federal, para os quais o aumento salarial se aplicava originalmente, só ganharão em 2019. Nem é o caso de discutir aqui se o impacto disso no Orçamento será grande ou pequeno; o que chama a atenção é que, ao comportamento deplorável dos sindicalistas de toga e à leniência do Executivo, soma-se o oportunismo do Legislativo, cuja ânsia de aumentar os contracheques criou um inusitado “efeito cascata invertido” – em que a consequência do aumento do teto do funcionalismo acontece antes mesmo de seu próprio fator gerador.


Tal desfecho é condizente com todo o processo que resultou no aumento para os ministros do Supremo. O País testemunhou, impotente, a nata do Judiciário desfigurar a Constituição para obter o reajuste salarial que reivindicavam.

Primeiro, por meio de uma liminar, o Supremo estendeu a concessão do auxílio-moradia para todos os magistrados e procuradores do País, mesmo para aqueles que possuem imóvel na cidade em que trabalham. Não faltaram ministros que se dispuseram a insultar a inteligência do contribuinte ao tentar justificar tamanha desfaçatez, quando já estava claro que o auxílio-moradia estava sendo de fato incorporado ao salário.

A manobra ficou ainda mais explícita quando o Supremo, na negociação com os demais Poderes, ofereceu barganhar o fim do auxílio-moradia pela incorporação desse valor ao salário. Um verdadeiro quid pro quo, expressão latina para o famoso toma lá dá cá. Ou seja, o Supremo criou um problema para vender uma solução.

E nada impede que isso possa voltar a ser feito no futuro, já que, como salientou o ministro Luiz Fux, autor da liminar que havia presenteado todos os magistrados do País com o auxílio-moradia, “a Constituição é um documento vivo, em constante processo de significação e ressignificação”. Ou seja, sempre que houver necessidade, o Supremo encontrará justificativas hermenêuticas para impor seus interesses corporativos, fazendo para isso a leitura constitucional que lhe aprouver.

A decisão do Senado de aplicar desde já um aumento salarial que só deveria ser pago no ano que vem é a consequência lógica do pensamento segundo o qual o interesse do corpo de funcionários públicos estará sempre acima dos interesses dos contribuintes que o sustentam – sempre sob o argumento de que esses servidores estão a desempenhar papel crucial para o bom funcionamento do País e, por isso, merecem tratamento diferenciado em relação ao resto dos trabalhadores. Como a ilustrar esse ponto, o presidente do Supremo, Dias Toffoli, argumentou que o reajuste serviria para “resgatar a dignidade da magistratura” e que, sem o aumento, “a magistratura para”. E o ministro perguntou: “Quem é que vai pôr as pessoas na cadeia? Eles vão se ‘auto-pôr’ na cadeia?”.

Nem é preciso lembrar que os servidores públicos, com destaque para os do Judiciário, já são, na média, os trabalhadores mais bem pagos do País; tampouco é preciso recordar que tanto os juízes como os legisladores brasileiros estão entre os mais bem remunerados do mundo, com benefícios que não se encontram em nenhum outro lugar. O mais importante a salientar em tudo isso é a total incapacidade dessas corporações de entender a dura situação do País, com alto desemprego e contas públicas em frangalhos. O fato de que podem, numa canetada, atender a seus interesses trabalhistas não significa que devam fazê-lo.

Brasil na parede


Lula não é Mandela

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em carta dirigida à direção do PT, questionou a legitimidade das eleições presidenciais de 2018. “Esta não foi uma eleição normal. O povo brasileiro foi proibido de votar em quem desejava, de acordo com todas as pesquisas. Fui condenado e preso, numa farsa judicial que escandalizou juristas do mundo inteiro, para me afastar do processo eleitoral. O Tribunal Superior Eleitoral rasgou a lei e desobedeceu a uma determinação da ONU, reconhecida soberanamente em tratado internacional, para impedir minha candidatura às vésperas da eleição.” Lula foi impedido de disputar as eleições pela Lei da Ficha Limpa porque está condenado pela Operação Lava-Jato em segunda instância a 12 anos e 1 mês de prisão, por ocultação de patrimônio e recebimento de propina, mas não aceita o resultado das urnas.


Lula se recusa a qualquer autocrítica dos escândalos de corrupção envolvendo o PT e os erros políticos que cometeu. Também não abre mão de liderar o partido de dentro da prisão: “O PT nasceu na oposição, para defender a democracia e os direitos do povo, em tempos ainda mais difíceis que os de hoje. É isso que temos de voltar a fazer agora, com o respaldo dos nossos 47 milhões de votos, com a responsabilidade de sermos o maior partido político do país.” O ex-presidente atribui a vitória de Jair Bolsonaro esse resultado ao fato de não ter sido candidato e à “indústria de mentiras no submundo da internet, orientada por agentes dos Estados Unidos e financiada por um caixa dois de dimensões desconhecidas, mas certamente gigantescas”. Ou seja, tudo foi obra do imperialismo ianque.

Embora esteja preso por decisão em segunda instância, do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região, com sede em Porto Alegre, Lula ataca a Justiça Eleitoral e atribui sua condenação à perseguição política do ex-juiz federal Sérgio Moro, que o condenou em primeira instância: “Se alguém tinha dúvidas sobre o engajamento político de Sergio Moro contra mim e contra nosso partido, ele as dissipou ao aceitar ser ministro da Justiça de um governo que ajudou a eleger com sua atuação parcial. Moro não se transformou no político que dizia não ser. Simplesmente saiu do armário em que escondia sua verdadeira natureza.”

A narrativa do golpe que embalou o PT e seus aliados desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff continua na ponta língua, ou melhor, da pena. Segundo a carta do líder petista, o futuro governo tem como objetivo “aprofundar os retrocessos implantados por Michel Temer a partir do golpe que derrubou a companheira Dilma Rousseff em 2016”. E arremata: “Eu não tenho dúvida de que a máquina do Ministério da Justiça vai aprofundar a perseguição ao PT e aos movimentos sociais, valendo-se dos métodos arbitrários e ilegais da Lava Jato. Até porque Jair Bolsonaro tem um único propósito em mente, que é continuar atacando o PT. Ele não desceu do palanque e não pretende descer.”

A carta de Lula foi lida na reunião do diretório nacional do PT pelo ex-ministro Luís Dulci, um dos principais conselheiros do ex-presidente da República antes, durante e depois de ter deixado o poder. Dirigente histórico da legenda, Dulci faz parte do grupo mais ligado ao ex-presidente, ao lado de Gilberto Carvalho e Paulo Okamoto. A carta sinaliza a intenção de barrar qualquer tentativa de autocrítica da legenda, considerando o resultado eleitoral do segundo turno, no qual o ex-prefeito Fernando Haddad aumentou sua votação de 31 milhões para 47 milhões de votos, um endosso popular às práticas políticas do PT: “Como diz a companheira Gleisi, não temos de pedir desculpas por sermos grandes, se foi o eleitor que assim decidiu.”

A vitimização e o baluartismo de Lula, porém, na prática, aumentaram o isolamento da legenda no Congresso. O desempenho nas eleições para a Câmara não teve correspondência nas disputas majoritárias para o Senado, onde a bancada petista foi reduzida de 11 para seis senadores. O PT elegeu 56 deputados, a maior bancada da Câmara; quatro governadores e quatro senadores. O que alavancou a legenda nas eleições proporcionais foi o bom desempenho de Haddad no Nordeste, região na qual o PT governará quatro estados: Bahia, Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte. Nas demais regiões, a legenda é considerada tóxica por antigos aliados, que buscam alternativas desvinculadas do PT.

Lula não é um Nelson Mandela, o líder negro sul-africano que derrotou o apartheid e depois se tornou um presidente da República conciliador e incorruptível. O petista, porém, aspira essa condição, inclusive no plano internacional. É uma estratégia para se livrar da cadeia, pois em nada sua situação se compara à de Mandela, nem mesmo as condições em que está preso. O petista aposta na confrontação aberta e radicalizada com o presidente eleito Jair Bolsonaro, de maneira a ofuscar ou subordinar qualquer outra força de oposição ao governo.

Essa estratégia se retroalimenta, porque também reforça o antipetismo. Os escândalos de corrupção envolvendo o PT desmoralizaram toda a esquerda. Agora, tendem a desmoralizar todos adversários derrotados nas urnas por Bolsonaro, principalmente o PSDB. Ou seja, o discurso de Lula é tudo o que Bolsonaro precisa para neutralizar a oposição junto à opinião pública e articular uma base no Congresso que pode chegar a 350 deputados e mais de 50 senadores.

Lula, Dilma e Pezão cuspiram para os céus e escarraram nos que os elegeram

Lula, Dilma e Pezão formam o trio de governantes que tiveram câncer e ficaram curados. Curados graças à Medicina, a Deus, à situação privilegiada dos cargos públicos que o povo brasileiro deu a cada um deles. Todos tiveram excelentes hospitais, renomados médicos especialistas e nada lhes faltou para se livrarem do câncer. E câncer mata. E eles sobreviveram e voltaram à cena, como se nada tivesse acontecido com sua saúde. Mas não voltaram redimidos de suas faltas, reconhecidos de seus pecados contra o povo brasileiro, agradecidos à cura que alcançaram. Não voltaram humildes e honestos.

A doença que os atingiu e dela todos se livraram não serviu para refletirem sobre os milhões de brasileiros que não tem onde buscar socorro médico para tratamento. Do câncer, todos se livraram. Mas da ganância, do desprezo para com o próximo e da volúpia velhaca e criminosa de roubar o dinheiro do povo e de ter afundado o país numa crise que levará anos e anos para dela sair, desta doença todos eles não se curaram.

“A conta da corrupção no Rio: 1,5 bilhão. Levantamento feito em 15 das principais operações da Lava-Jato no Rio aponta um prejuízo de R$1,5 bilhão aos cofres públicos do estado causado pela corrupção. Essa quantia, que seria apenas a “ponta de um iceberg”, segundo especialistas, daria para bancar durante seis anos o Hospital Souza Aguiar”. Esta é a notícia-chamada de primeira página do jornal O Globo de hoje, domingo, 2 de Dezembro e que se desdobra na página 29. E essa gente não perde perdão. Eles não reconhecem os crimes que cometeram. Não se retratam. Não se arrependem. Não se lembram que todos tiveram câncer e venceram a doença, enquanto a população vitimada-roubada está à míngua, sem condições e sem quem os ampare. Malditos! Eles deveriam governar honestamente e ter todo o máximo pudor com os dinheiros públicos.

Um governante que contrai um câncer e vence a doença tem o dever de mudar sua vida e despojar-se de todas as vaidades e praticar sua autoridade legal e política em benefício de seu povo, de seus eleitores, caso não praticasse antes. E quando assim não procede, comete tremenda ingratidão à sorte que teve pelo tratamento que recebeu em razão do cargo que o coitado do povo-eleitor lhe outorgou. Comete outra grave infração às leis naturais e divinas que regem as relações humanas. Contrai, então, uma doença incurável que nenhuma medicina é capaz de curar. Malditos! Eles cospem para os céus e escarram no povo que os elegeu.

Mercantilização da opinião

O efeito fragmentador da Internet deslocou o papel dos meios de comunicação tradicionais, pelo menos entre as novas gerações. Antes que entrassem em jogo essas tendências centrífugas e atomizadoras das novas mídias, a desintegração da esfera populacional já tinha começado com a mercantilização da atenção pública
Jürgen Habermas:

Diga-me com quem governas e eu te direi quem és!

Bolsonaro, o presidente eleito, está montando sua tropa de elite no figurino lapidar da caserna. Boa parte do primeiro escalão tem esse perfil, à imagem e semelhança do capitão reformado que seguiu para a reserva, mirou a política como destino e assume o poder do País a partir de janeiro próximo. Quase uma dezena de ministros vestindo uniforme verde-oliva mudará o panorama de Brasília, que nunca esteve tão militarizada desde os tempos repressivos da ditadura — embora uma circunstância nada tenha a ver com a outra, uma vez que o time bolsonarista alcança o Planalto pela via do voto, sem armas ou ruptura institucional. De todo modo, é de se esperar uma virada de temperança nas tratativas. Com o Congresso certamente. Um general comandará a articulação com os parlamentares. Algo fora do tom habitual de quem, pelo posto no controle do Executivo, deveria buscar o diálogo e, normalmente, nessas circunstâncias, escolheria um entre os pares da Casa para tamanho trabalho, conforme manda a experiência. Não aconteceu. E se o objetivo foi intimidar, começou mal. Uma coisa é repudiar a politicagem barata e rasteira da coalizão por interesse, na base do toma lá, dá cá. Outra é partir para a porta lacrada à negociação nas pautas de interesse nacional. Se assim ocorrer, deve haver troco. Um Legislativo arredio, barrando demandas ou protelando votações, seguindo estritamente o regimento para sabotar quem não lhe trata bem, já mostrou em muitas ocasiões o quanto pode atrapalhar. Perigo de novo no horizonte.


Bolsonaro cercou-se daqueles que o confortam com os fundamentos da farda e compartilham, ao seu lado, de uma visão de mundo nacional-estatista e conservadora. Direito legítimo optar pelos camaradas em quem confia. Algo conveniente e ao mesmo tempo arriscado. Não é de bom tom discriminar interlocutores de outras platitudes. Há um inegável déficit de articulação política, tanto em relação ao Congresso quanto junto ao Judiciário. E o generalato não ajuda em nada nesse sentido. No plano da economia, no entanto, a história é outra. Aqui o presidente expressa, por enquanto, alguma sabedoria. Flertou com o modelo neoliberal desde que conheceu o economista Paulo Guedes e enxergou nele a tampa da panela. Juntos cozinharam a pajelança do desmonte do setor público em doses homeopáticas de privatização. Se levarão adiante é outra história. Bolsonaro acredita piamente, desde a fase como parlamentar, no princípio do Estado indutor, com uma agenda de valores e costumes que zela pelos interesses da população, com bancos públicos exercendo funções sociais e o petróleo compondo a partitura de bens estratégicos. Já Guedes, da escola ultraliberal de Chicago, infestou o governo com seus companheiros de mercado, todos de uma competência indiscutível no campo da livre iniciativa, com visão muito peculiar sobre as prerrogativas de um Estado mínimo. Se as duas correntes vão se chocar ou se fundir é um mistério. O presidente eleito, de todo modo, não comprou por completo as teses do czar da economia e já lhe passou pitos públicos quando ele esboçou uma proposta de reedição da CPMF e mesmo quando tratou da reforma previdenciária em modelo mais estendido. O presidente dá corda aos pendores reformistas de Guedes — até porque conhece pouco ou nada de Banco Central independente, negociação de dívida pública, instrumentos contra oscilações monetárias e outras chatices dessa natureza —, mas segue com um pé atrás. Resistiu à nomeação de Joaquim Levy para o BNDES e cedeu com ressalvas: “Quem ferrou o Brasil foram os economistas”, tascou como uma espécie de aviso premonitório de que, lá na frente, pode vir a mexer na escalação do golden boy. Há outras nuances na composição do seu governo. O nepotismo, por exemplo. Não há como negar a força e influência que os três filhos do mandatário terão daqui para frente. Observe-se o comportamento do deputado Eduardo Bolsonaro que, nos últimos dias, liderou uma comitiva diplomática a Washington, tal qual um chanceler informal, e de lá emitiu decisões peremptórias. A embaixada brasileira será em Jerusalém, estabeleceu unilateralmente contra toda e qualquer resistência que havia se formado desde que a ideia foi aventada apenas como possibilidade pelo próprio futuro chefe da Nação. Eduardo, de sua parte, não hesitou em cravar. Pergunta-se: que outro auxiliar, assessor informal ou seja lá a futura função que venha a assumir no governo em formação, teria tamanha ousadia em estabelecer uma escolha dessa envergadura sem o beneplácito do mandatário? Apenas alguém da família que goza de plena autonomia para tanto. Seu irmão, Carlos Bolsonaro, também exibe uma onipresença que irrita aliados e é tido como o mais próximo conselheiro do pai. Já travou batalhas com o ministro Gustavo Bebianno, que irá comandar a Secretaria-Geral de Governo, e atira para todos os lados na rede social contra quem se interpõe a ele. Esse formato peculiar de governo — com tantas variáveis militares, familiares e quetais — começa a ser testado dentro de pouco tempo. Não se pode dizer que é um modelo moldado ao fracasso. É apenas diferente. O tempo dirá o quão bem-sucedido ele eventualmente pode vir a ser.
Carlos José Marques