domingo, 10 de maio de 2015
Lula na TV, samba de Gonzaguinha, e marqueteiro baiano
“Ô muié/Traga a panela/Pr'eu bater no fundo delaFoi tiro e queda, do jeito que se diz lá no meu sertão, à beira do Rio São Francisco: Lembrei logo da letra do samba do saudoso e visionário filho de Luiz Gonzaga, quando o pernambucano líder maior e fundador do Partido dos Trabalhadores, Luis Inácio Lula da Silva - ex-presidente da República e campeão de antigas pesquisas de popularidade - pronunciou as primeiras palavras no programa político de seu partido no rádio e na TV, e o protesto começou.
Com o cabo da cuié/Pois senão não tem feijão
Ora vamo fazer um arrasta-pé /(Não é?)
Eu já vivi muito tempo/ E vou viver muito mais
Já vi coisa nessa vida/De fazer cair pra trás
O mandado é quem faz tudo/O mandador é quem desfaz
O mandado não tem nada/ O mandador tem é demais (qual é)”(Versos do samba “Pá-nela”, composição de Gonzaguinha, sucesso na interpretação de Roberto Ribeiro)
As panelas e as buzinas começaram a zoar como jamais se havia escutado e visto antes em Salvador - propagandeado "paraíso petista" implantado há anos à beira da Baia de Todos os Santos. Impressionante. Mesmo tendo vivido e presenciado tantas voltas e reviravoltas da vida e da política do País, era difícil acreditar no que estava acontecendo na terceira maior capital do Brasil, na noite de terça-feira, 5 , para não esquecer. "O lugar onde devo ter nascido em outra encarnação", segundo o próprio Lula. Tirada espiritualista de palanque em comício eleitoral no Farol da Barra, tempo não muito distante, quando Antonio Carlos Magalhães era ainda quem mandava na Bahia.
Nos 10 minutos do panelaço desta semana, a capital que sediará, com pompas e circunstâncias já anunciadas, no mês de junho, o congresso nacional do partido no poder com Dilma Rousseff (a presidente que se esconde até das comemorações dos 70 anos da vitória das forças aliadas contra o nazismo na II Guerra Mundial), virou de pernas para o ar. O "santuário" político e eleitoral de Lula, herdado por Dilma nas duas últimas disputas presidências, parecia outra vez tomada pelo espírito indomável que deu a Salvador, a fama histórica de "cidadela de oposição".
Em segundos, a silenciosa rua em que moro no bairro de classe média do Itaigara (e imediações), onde é possível ouvir um inseto voando - mesmo nos dias de maior zoada do furdunço do carnaval baiano – foi tomada por um barulho ensurdecedor. Taque, Taque, Taque, nas janelas e sacadas dos prédios. Fon, Fon, Fon, nas ruas e avenidas adjacentes. E na cidade quase inteira, uma incrível sintonia de sinais luminosos tremelicando nas casas e nos edifícios, apesar da contenção dos gastos com energia elétrica, para tentar driblar a escorcha das contas de luz. Até aqui, uma das marcas mais gritantes do conto eleitoral no segundo governo da mandatária petista.
Um espetáculo de indignação política e social de uma cidade estimulante de ver. Mas difícil de acreditar e entender (mesmo para calejados jornalistas e analistas políticos) "na capital mais lulista e dilmista do Brasil", no dizer de boca cheia dos petistas locais.
Ainda mais, quando o intenso e incessante bater de panelas e buzinaço nas ruas, durante todo o tempo do programa na TV, vinham acompanhados de gritos e palavras de ordem impensáveis até bem pouco tempo. Pelo menos antes do processo do Mensalão e da Operação Lava Jato, que começaram a penetrar e expor os intestinos corruptos e corruptores do poder atual no país: "Fora PT", "Fora Dilma", "Fora Lula". "Pega Ladrão", "Mentiroso".
Fiquemos por aqui, porque outras palavras de ordem gritadas e gravadas nas principais zonas da capital baiana, além Itaigara (Pituba, Stiep, Rio Vermelho, Barra, Brotas, Centro, Cidade Baixa...) são impróprias para menores. Mas os vídeos foram mostrados depois em noticiários de TV, sites dos jornais, blogs e, principalmente, postados fartamente nas redes sociais.
Mas foi um panelaço do tamanho do Brasil, e o mundo inteiro ficaria sabendo disso quando o fato virou notícia, logo em seguida, no Jornal Nacional, e pegou também a estrada internacional. É verdade, tudo bem!.
Acontece que em Salvador, um protesto desta envergadura contra Lula, o Governo Dilma e o PT, é algo praticamente inédito. E, seguramente, o alto comando estadual petista, a começar pelo governador Rui Costa, vai pensar nisso, antes da magna reunião nacional do PT, marcada para acontecer em breve na cidade.
Por enquanto, segue a caça aos bodes para jogar a culpa pelo fiasco monumental do programa do Partido dos Trabalhadores. Sabe-se, desde a primeira hora, que a ausência de Dilma no programa do PT, foi sugerida por Lula, que virou "âncora" do fracasso, ao lado do presidente nacional do partido, Rui Falcão. Este recebeu gritos de "mentiroso" no panelaço soteropolitano, quando anunciou na TV que os petistas, comprovadamente com culpa no cartório do Lava Jato, serão expulsos do partido.
"Sabe de nada, inocente!", diria o compadre Washington na Bahia.
Diz-se, também, agora aos quatro ventos: por motivos "de contenção de despesas, diante da crise geral", o tradicional responsável pela propaganda nacional do PT (João Santana) foi substituído por Maurício Carvalho: um marqueteiro de Salvador, notório propagandista com pouco senso de realidade e '"ego do tamanho de um bonde'', como dizem os soteropolitanos. O tipo ideal para ser o bode da vez dos que mandam e realmente decidem no PT. A conferir.
O país cresce feito rabo de burro
Da reforma política não se fala mais. Desmanchou-se no ar. Não há consenso para nada de importante, no Congresso. Sequer o distritão, que levaria para a Câmara os mais votados em cada estado, quanto mais a proibição de doações das empresas nas campanhas eleitorais. Muito menos a redução do número de partidos de aluguel. Até a extinção dos suplentes de senador não vai passar. Fim da reeleição e mandato de cinco anos para presidentes, governadores e prefeitos? Nem pensar, porque a ambição da maioria, mesmo ilusória, funciona a todo vapor.
Marcada para o final do mês uma semana de discussões e votações intensivas na Câmara, sequer há certeza de que venha a realizar-se. A conclusão surge clara: o país é esse mesmo, milagres inexistem. Deputados e senadores elegem-se há tempos dentro das regras atuais, mesmo canhestras e distorcidas. Por que contribuiriam para mudá-las e arriscar-se a não voltar, na próxima Legislatura?
Esvaiu-se o discurso fácil de que nossos problemas desapareceriam com a reforma política, ainda mais com a fantasia de uma Constituinte Exclusiva, bobagem endossada por quem jamais recebeu uma aula de Direito Constitucional. O poder constituinte que dá origem a uma Constituição só pode ser exercido quando há a ruptura das instituições, a falência da ordem anterior. E o poder constituinte derivado, inerente ao Congresso, não pode ser delegado a nenhum corpo estranho. Qualquer mudança na lei fundamental, e algumas tem sido praticadas desde 1988, só por iniciativa de deputados e senadores. Os mesmos que não votarão a reforma política, ao menos no que ela teria de essencial para aprimorar as instituições.
Outro empecilho ao sonho da reforma política situa-se na resistência das elites à aplicação prática dos dispositivos constitucionais atuais. Onde anda a reforma agrária? A participação dos empregados no lucro das empresas? A cogestão? A determinação de que o salário mínimo deve bastar para o trabalhador e sua família enfrentarem despesas com educação, saúde, alimentação, moradia, vestuário, transportes e até lazer? O estado de bem-estar social limita-se à esmola do Bolsa Família?
Há mais de doze anos com o Partido dos Trabalhadores no poder, quantos princípios da Constituição atual deixam de ser cumpridos? Até os direitos trabalhistas, em vez de aumentados, tem sido reduzidos. Ainda agora acabam de ser atingidos o seguro-desemprego e o abono salarial, enquanto multiplica-se o lucro dos bancos.
Em suma, o país cresce feito rabo de burro, sem a menor perspectiva de promover a reforma política. Melhor seria, ao menos, aplicar os dispositivos que já existem.
Nada mais canhestro do que a exigência, na Lei da Bengala, de passarem por nova sabatina no Senado os ministros do Supremo Tribunal Federal beneficiados com o aumento de 70 para 75 anos de idade o prazo para suas aposentadorias. Já não foram sabatinados quando de suas indicações? E se por hipótese rejeitados pelos senadores, estariam demitidos?
Mamma Mia!
A barulhenta reação durante programa de rádio e TV do partido acendeu o alerta vermelho. Foi contra o PT. Contra o até então intocável Lula
No mesmo palanque, Dilma se aprochegou do chefe e aceitou publicamente o papel.
O temperamento irascível auxiliava na criação da imagem de durona, exigente, intransigente. Faltava-lhe quase tudo que um presidente da República precisa ter. Sobrava-lhe arrogância, característica que Lula, dono de igual ou maior soberba, subestimou.
Naquele ano, Lula acabara de bater o primeiro de seus muitos recordes de popularidade. Alcançara, segundo o Datafolha, 55% de aprovação que, 10 meses depois, chegariam a inacreditáveis 70%%, e em nada menos que 78% dois meses antes das eleições. Seu governo chegou a obter 82% na soma de ótimo e bom.
O céu – e a Constituição que lhe proibia disputar um terceiro mandato consecutivo – era o limite. A solução segura era a fiel mãe do PAC, que conduziria o governo sem criar sombras.
Deu tudo errado.
A pupila começou bem. No final de março de 2011 chegou a desbancar o imbatível Lula, alcançando 56% de aprovação, o maior percentual de um presidente no primeiro trimestre de mandato. Substituiu com sucesso a mãe do empacado PAC pela faxineira que demitia corruptos do governo, ampliando ainda mais sua popularidade.
Os números lhe subiram à cabeça, fazendo-a crer que era o que não é.
Multiplicaram-se os desmandos, as políticas do atraso, as besteiras. Interveio nos bancos e empresas estatais, desequilibrou o setor elétrico, com consequências drásticas para o consumidor que hoje tem de pagar a conta. E está envolvida diretamente, ainda que por omissão, no escândalo da Petrobras, o maior da história, com desvios confessos em balanço de nada menos de R$ 6 bilhões, e perdas superiores a R$ 40 bilhões por má gestão.
Dilma foi longe demais para quem não daria um passo com as próprias pernas. Brigou com quem não podia e afagou quem não devia. Irritou aliados e desagradou o seu partido.
Com aprovação de apenas 12%, o pior índice que um presidente já teve, Dilma se tornou símbolo de tudo que o país não quer.
Mas, em tempos de denúncias que não deixam o PT respirar, ter Dilma como mãe de todos os males não era de todo ruim. Até o último dia 5.
A barulhenta reação durante programa de rádio e TV do partido acendeu o alerta vermelho. Foi contra o PT. Contra o até então intocável Lula.
E não adianta apelar para as mães. Elas também batem panelas.
Confusão total: PT se descola de Dilma para tentar sobreviver
A jornalista Clarissa Oliveira, editora de Política do portal iG, registra que dirigentes petistas ainda saem em defesa da presidente Dilma Rousseff e das medidas do ajuste fiscal, mas nos bastidores, porém, a estratégia é fazer com que o PT se desvincule cada vez mais da presidente Dilma Rousseff e reforce seu vínculo com Lula.
Traduzindo: os próprios petistas já consideram que o governo e a presidente Dilma Rousseff não têm possibilidade de recuperação. Acham que daqui para a frente, a tendência é a situação piorar, porque Dilma Rousseff não mostra carisma nem competência para liderar a recuperação do país – uma constatação óbvia, pois ela não tem maioria no Congresso nem apoio da população, não pode sair às ruas nem aparecer na TV, é um fracasso redundante, e até foi obrigada a terceirizar a condução da economia e a articulação política.
Para evitar que o PT seja tragado nesse turbilhão, a saída que os dirigentes julgam encontrar é incentivar Lula a embarcar num amplo giro de viagens pelo país, missão que ele próprio sugeriu e já se comprometeu a fazer. Segundo a jornalista Clarissa Oliveira, este plano já começou a ser debatido internamente e deve passar pelo crivo da Executiva Nacional na reunião do dia 18.
O mais curioso é que o Planalto faz movimento idêntico. Na tentativa de sobreviver e evitar o impeachment, Dilma e sua entourage tentam desesperadamente se descolar do PT e já chegaram ao ponto absurdo de atribuir ao partido a causa do superpanelaço de terça-feira.
Detalhe importante: a equipe petista mais próxima a Dilma é toda formada por políticos sem mandato, como Aloizio Mercadante, Ricardo Berzoini, Miguel Rossetto, Edinho Silva e Aldo Rebelo. Se Dilma cair, eles ficam fora da política até 2018. Daí o desespero.
É claro que essas manobras não darão certo. Nem o PT conseguirá se descolar de Dilma, nem ela se livrará do partido, nem Lula vai sair desta encrenca simplesmente repetindo que não sabia de nada e pregando o ódio social e racial, culpando as “zelites” que odeiam o povo e não querem que ele tenha carro nem viaje de avião.
Além do mais, é preciso saber como Lula será recebido nessa excursão pelo país. A previsão do tempo político registra que há novos panelaços em formação, ameaçando o Triângulo das Bermudas.
A pedra de Sísifo e os trabalhadores prejudicados
O mito grego da pedra do rei grego Sísifo, que Homero narra na Odisseia, me veio à memória neste momento de inquietude de milhões de trabalhadores brasileiros aos quais a crise econômica pode privar, mais do que a outros mais favorecidos, de seus direitos trabalhistas.
O rei Sísifo foi condenado pelos deuses a subir uma montanha empurrando uma pesada pedra. Quando chegava ao topo, a pedra escorregava de suas mãos e rolava de novo até o chão. E Sísifo devia carregá-la de volta montanha acima, repetidas vezes, até o infinito.
Uma das interpretações mais conhecidas do mito grego é a do escritor e filósofo francês Albert Camus, que afirma que “não existe castigo mais terrível que o do trabalho inútil e sem esperança”.
Os trabalhadores que dependem de um salário para viver e sustentar sua família, têm de fazer muitas contas para não cair nas garras do cheque especial ou dos juros estratosféricos do cartão de crédito, têm de fazer cada vez mais malabarismos para terminar o mês sem dívidas.
A classe trabalhadora brasileira suporta uma das maiores cargas tributárias do mundo e recebe muito menos do Estado em benefícios sociais que seus colegas dos países mais desenvolvidos.
Esses trabalhadores que sempre encontravam trabalho e que hoje começam a temer o fantasma do desemprego são os menos escolarizados e profissionalizados, os primeiros a escorregar para o desemprego forçoso.
É essa sensação de inutilidade de que escrevia Camus que devem sentir milhões de trabalhadores brasileiros cada vez que veem cortados seus direitos, diminuir seu salário e aumentar os preços. Eles nos recordam o castigo que os deuses impuseram a Sísifo.
No Brasil, um país rico e de pessoas criativas, os trabalhadores sentem a angústia do personagem do mito grego de ter de fazer, todo mês, o esforço de subir a montanha com a pedra de seu trabalho até que, por fim, ela escorregue e se vejam outra vez de mãos vazias ou, o que é pior, sujas de dívidas.
Como recordou com ironia o professor de Políticas Públicas da Universidade de Harvard Felipe Campante em um simpósio da Fecomercio em São Paulo, não é verdade que os governos brasileiros são incompetentes. Pelo contrário, segundo ele, existe um campo em que o Brasil se mostra mais desenvolvido que a maioria dos governos do mundo: na arte de impor aos trabalhadores impostos diretos ou indiretos.
O Brasil figura, de fato, entre os países com maior carga tributária do planeta. Com 36,4%, a maior em 30 anos, os brasileiros são hoje os que pagam mais impostos entre os países da América Latina, segundo a OCDE, e estão entre os 14 países mais taxados do mundo.
É cruel que países como os Estados Unidos tenham uma carga tributária de 24,3% ; o Japão, de 28%; a Suíça, de 28%; o Canadá, de 30% e até o México, de 19,7% e o Chile, de 20,8%, e o Brasil ganhe de todos eles com seus 36,4%, que o governo ainda gostaria de aumentar.
Com a diferença de que nesses outros países o Estado oferece aos trabalhadores uma série de serviços públicos e sociais de primeira qualidade do berço até a morte. Pagam, mas recebem. Os brasileiros, pagam e recebem serviços que só os mais pobres usam. Disso resulta que uma família de classe média é mais sacrificada no Brasil que em outros países com impostos maiores.
Segundo o Índice de Arrecadação Tributária (IVAT), a carga fiscal brasileira cresceu 164,40% entre 2001 e 2010 e, desde então, não parou de aumentar. No primeiro governo Dilma, aumentou quase 2%.
Os especialistas calculam que um trabalhador brasileiro precisa trabalhar cinco meses para pagar impostos e outros cinco para pagar serviços públicos que deveriam estar a cargo do Estado, como transportes de qualidade, ensino ou saúde. O que sobra para viver?
E enquanto o Brasil é um dos países mais sobrecarregados de impostos, o PIB per capita contrasta com o de outros países.
Em uma lista do PIB de 80 países, o Brasil figura, segundo dados do FMI, entre os três últimos, com menos riqueza pessoal.
Enquanto o PIB brasileiro seria hoje, segundo a cotação do dólar, de pouco mais de 8.000 dólares, o dos Estados Unidos, por exemplo, é de 51.248, o do Canadá, 43.594, o da Alemanha, 39.993, o da França, 35.942 e o do Reino Unido, 51.248.
Até na América Latina, o PIB per capita brasileiro é menor que o do Chile (19.475) ou que o do México (15,932) e até menor que o da Venezuela (13.634)
Os números podem parecer frios, mas a realidade dos trabalhadores que sofrem uma das maiores cargas tributárias do mundo, que gozam de um PIB per capita menor e sofrem índices de violência que estão entre os maiores do planeta, constitui uma triste realidade.
Não se parecem esses trabalhadores brasileiros com o rei Sísifo, condenado pelos deuses ao trabalho duro e inútil de subir a montanha com uma pedra para, ao final de tanto esforço, ficar de mãos vazias?
Às vezes cruzo na rua com algum desses trabalhadores socialmente mais frágeis, que limpam o que ninguém quer limpar, erguem edifícios pendurados no vazio e na insegurança ou vigiam as noites tristes dos doentes amontoados nos hospitais públicos.
Minha tentação é pensar que estão realizando o castigo dos deuses imposto a Sísifo, mas prefiro ficar com a interpretação do mito grego que fazia Camus, quando escrevia que devemos, apesar de tudo, fazer um esforço para conseguir “ver Sísifo feliz”, às voltas com sua pedra montanha acima.
Esses trabalhadores cujos direitos o poder tem a tentação de morer quando aumentam as crises, são, como dizia o escritor francês, “donos de seu destino”, orgulhosos do que fazem por vocação ou necessidade.
Sem eles, o mundo, a começar pelo dos privilegiados cuja pedra outros levam montanha acima, seria um deserto ou um inferno.
Eles não merecem ser as cinderelas da crise, os sacrificados, mas sim os mais bem cuidados e protegidos.
O rei Sísifo foi condenado pelos deuses a subir uma montanha empurrando uma pesada pedra. Quando chegava ao topo, a pedra escorregava de suas mãos e rolava de novo até o chão. E Sísifo devia carregá-la de volta montanha acima, repetidas vezes, até o infinito.
Os trabalhadores que dependem de um salário para viver e sustentar sua família, têm de fazer muitas contas para não cair nas garras do cheque especial ou dos juros estratosféricos do cartão de crédito, têm de fazer cada vez mais malabarismos para terminar o mês sem dívidas.
A classe trabalhadora brasileira suporta uma das maiores cargas tributárias do mundo e recebe muito menos do Estado em benefícios sociais que seus colegas dos países mais desenvolvidos.
Esses trabalhadores que sempre encontravam trabalho e que hoje começam a temer o fantasma do desemprego são os menos escolarizados e profissionalizados, os primeiros a escorregar para o desemprego forçoso.
É essa sensação de inutilidade de que escrevia Camus que devem sentir milhões de trabalhadores brasileiros cada vez que veem cortados seus direitos, diminuir seu salário e aumentar os preços. Eles nos recordam o castigo que os deuses impuseram a Sísifo.
No Brasil, um país rico e de pessoas criativas, os trabalhadores sentem a angústia do personagem do mito grego de ter de fazer, todo mês, o esforço de subir a montanha com a pedra de seu trabalho até que, por fim, ela escorregue e se vejam outra vez de mãos vazias ou, o que é pior, sujas de dívidas.
Como recordou com ironia o professor de Políticas Públicas da Universidade de Harvard Felipe Campante em um simpósio da Fecomercio em São Paulo, não é verdade que os governos brasileiros são incompetentes. Pelo contrário, segundo ele, existe um campo em que o Brasil se mostra mais desenvolvido que a maioria dos governos do mundo: na arte de impor aos trabalhadores impostos diretos ou indiretos.
O Brasil figura, de fato, entre os países com maior carga tributária do planeta. Com 36,4%, a maior em 30 anos, os brasileiros são hoje os que pagam mais impostos entre os países da América Latina, segundo a OCDE, e estão entre os 14 países mais taxados do mundo.
É cruel que países como os Estados Unidos tenham uma carga tributária de 24,3% ; o Japão, de 28%; a Suíça, de 28%; o Canadá, de 30% e até o México, de 19,7% e o Chile, de 20,8%, e o Brasil ganhe de todos eles com seus 36,4%, que o governo ainda gostaria de aumentar.
Com a diferença de que nesses outros países o Estado oferece aos trabalhadores uma série de serviços públicos e sociais de primeira qualidade do berço até a morte. Pagam, mas recebem. Os brasileiros, pagam e recebem serviços que só os mais pobres usam. Disso resulta que uma família de classe média é mais sacrificada no Brasil que em outros países com impostos maiores.
Segundo o Índice de Arrecadação Tributária (IVAT), a carga fiscal brasileira cresceu 164,40% entre 2001 e 2010 e, desde então, não parou de aumentar. No primeiro governo Dilma, aumentou quase 2%.
Os especialistas calculam que um trabalhador brasileiro precisa trabalhar cinco meses para pagar impostos e outros cinco para pagar serviços públicos que deveriam estar a cargo do Estado, como transportes de qualidade, ensino ou saúde. O que sobra para viver?
E enquanto o Brasil é um dos países mais sobrecarregados de impostos, o PIB per capita contrasta com o de outros países.
Em uma lista do PIB de 80 países, o Brasil figura, segundo dados do FMI, entre os três últimos, com menos riqueza pessoal.
Enquanto o PIB brasileiro seria hoje, segundo a cotação do dólar, de pouco mais de 8.000 dólares, o dos Estados Unidos, por exemplo, é de 51.248, o do Canadá, 43.594, o da Alemanha, 39.993, o da França, 35.942 e o do Reino Unido, 51.248.
Até na América Latina, o PIB per capita brasileiro é menor que o do Chile (19.475) ou que o do México (15,932) e até menor que o da Venezuela (13.634)
Os números podem parecer frios, mas a realidade dos trabalhadores que sofrem uma das maiores cargas tributárias do mundo, que gozam de um PIB per capita menor e sofrem índices de violência que estão entre os maiores do planeta, constitui uma triste realidade.
Não se parecem esses trabalhadores brasileiros com o rei Sísifo, condenado pelos deuses ao trabalho duro e inútil de subir a montanha com uma pedra para, ao final de tanto esforço, ficar de mãos vazias?
Às vezes cruzo na rua com algum desses trabalhadores socialmente mais frágeis, que limpam o que ninguém quer limpar, erguem edifícios pendurados no vazio e na insegurança ou vigiam as noites tristes dos doentes amontoados nos hospitais públicos.
Minha tentação é pensar que estão realizando o castigo dos deuses imposto a Sísifo, mas prefiro ficar com a interpretação do mito grego que fazia Camus, quando escrevia que devemos, apesar de tudo, fazer um esforço para conseguir “ver Sísifo feliz”, às voltas com sua pedra montanha acima.
Esses trabalhadores cujos direitos o poder tem a tentação de morer quando aumentam as crises, são, como dizia o escritor francês, “donos de seu destino”, orgulhosos do que fazem por vocação ou necessidade.
Sem eles, o mundo, a começar pelo dos privilegiados cuja pedra outros levam montanha acima, seria um deserto ou um inferno.
Eles não merecem ser as cinderelas da crise, os sacrificados, mas sim os mais bem cuidados e protegidos.
A traição ao Brasil
Eis alguns parágrafos da reportagem:
Não é apenas o drama do escândalo que parece uma bola de neve que prende a atenção dos brasileiros. Há uma crescente insatisfação – e raiva – pelo Brasil, um país que parecia tão próximo de se juntar ao grupo das nações desenvolvidas, não consiga chegar lá. Lula inspirou o país com promessas de um “novo Brasil” que iria deixar para trás cinco séculos de pobreza e corrupção. Os brasileiros hoje entendem que a mensagem de Lula era uma fraude, que havia por trás um esquema que enriquecia alguns poucos e atrasou a capacidade competitiva do país.
O escândalo corroeu a democracia brasileira, enfraquecendo o governo de Dilma de uma forma que ele não tem força para passar qualquer lei importante no Congresso. Os índices de aprovação de Dilma caíram para 9% em abril, o pior já registrado para um presidente brasileiro. No dia 15 de março e depois novamente em 12 de abril, multidões foram para as ruas das principais cidades brasileiras pedindo um fim à corrupção e o impeachment da presidente. O destino comprometido ressurgiu, com gosto amargo, o velho e popular refrão “O Brasil é o país do futuro e sempre será”.
Não é apenas o drama do escândalo que parece uma bola de neve que prende a atenção dos brasileiros. Há uma crescente insatisfação – e raiva – pelo Brasil, um país que parecia tão próximo de se juntar ao grupo das nações desenvolvidas, não consiga chegar lá. Lula inspirou o país com promessas de um “novo Brasil” que iria deixar para trás cinco séculos de pobreza e corrupção. Os brasileiros hoje entendem que a mensagem de Lula era uma fraude, que havia por trás um esquema que enriquecia alguns poucos e atrasou a capacidade competitiva do país.
O escândalo corroeu a democracia brasileira, enfraquecendo o governo de Dilma de uma forma que ele não tem força para passar qualquer lei importante no Congresso. Os índices de aprovação de Dilma caíram para 9% em abril, o pior já registrado para um presidente brasileiro. No dia 15 de março e depois novamente em 12 de abril, multidões foram para as ruas das principais cidades brasileiras pedindo um fim à corrupção e o impeachment da presidente. O destino comprometido ressurgiu, com gosto amargo, o velho e popular refrão “O Brasil é o país do futuro e sempre será”.
Bem-vindo ao Brasil
É a fraude em andamento, meus caros leitores. Gente que já não se acanha em ser o que é. Sou até forçado a confessar que sinto algum alívio ao ver que essas provas existam, pois a máxima do “não há crimes sem provas” vem sendo ameaçada pela vigarice endêmica que campeia pelas hordas contratadas por este governo para nos ludibriar, sempre em nome “da causa” que os alimenta. Do STF que não vê uma quadrilha onde já há um exército às oposições que lançam emendas aos desmandos do governo e depois votam contra essas mesmas emendas.
O que temos visto é o que um leitor definiu, com muita propriedade, em algum canto deste condomínio: nossos representantes finalmente estão saindo do armário e revelando sua natureza calhorda, corporativa, ideológica ─ e seus mantras picaretas que perdem a essência diante das panelas vazias e do grito dos excluídos. Neste sambinha de uma nota só – os PTrodólares – fica escancarada a posição daqueles que se acovardam diante da farsa, achando que serão herdeiros de toda a criminalidade que hoje floresce neste país-mendigo
Ainda que o petrolão continue sendo o escândalo mais vistoso desta república de bananas, o cortejo interminável de safadezas a que fomos submetidos ultimamente merece uma lista diária de lembretes para sabermos exatamente onde estamos pisando; num dejeto chamado Brasil. Nele, mensalões e petrolões convivem com “extradições”, “contradições”, pátrias educadoras sem dinheiro para sustentar estudantes na escola, urnas superfaturadas, escondidas sob o traseirão dos oposicionistas de mentirinha que cultivamos por aqui.
E há também ciclovias de tinta vagabunda, controlares que ninguém mais sente falta nos pulmões, extintores que não extinguem as chamas mas dão um trabalho danado para encontrar e custam uma pequena fortuna quando são encontrados, asfalto regurgitado, juízes que confessam crimes prescritos, agitadores profissionais com cargos no governo, cuecas e cuecas de grana sendo transportadas em voos domésticos, amantes pagas com dinheiro público e uma gente tacanha que não se cansa de tentar defender o indefensável das formas mais patéticas.
Ao dar a descarga nessa latrina cívica, nem quero imaginar o que farão estes lambedores de vasos sanitários para seguirem em frente no papel de pingentes de tetas governamentais, pendurados em quaisquer governos que lhes apareçam pela proa. É uma gentinha que merece a válvula hidra, não é mesmo? Mas tem gente que aplaude o país relativo. O dissimulado. O covarde. O país que dá nojo. Uma gente que merece cada palmo desse chão, fraudando a urna e cantando o Hino Nacional ao mesmo tempo. Um país de batedores de carteira. É vergonhoso ser brasileiro ao lado dessa gente.
Vlady Oliver
Segundos mais caros do país
O balanço da Petrobras informa: entre 2004 e 2012, a corrupção na estatal saqueada engoliu R$ 110 a cada cinco segundos
Brasil precisa de 'BNDES dos pobres'
Quando os pobres forem autorizados a libertarem a sua energia e criatividade, a pobreza desaparecerá rapidamenteMuhammad Yunus
A ideia, segundo o economista, fundador do banco Grameen de microcrédito, é dar apoio para que integrantes das camadas mais pobres da população desenvolvam sua capacidade empreendedora e "criem seu próprio emprego".
"É preciso separar os serviços bancários e financeiros para os pobres daqueles voltados para os ricos, porque se você não faz isso, no final a instituição em questão acaba focando mesmo nos ricos", disse Yunus, referindo-se ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, instituição de fomento a empresas e outros negócios), em entrevista à BBC Brasil.
"Se o BNDES quer fazer isso (financiar as grandes empresas), tudo bem. Mas deve haver um BNDES para os pobres - apenas para os pobres. Assim a coisa não se confunde. Se o banco faz um pouquinho aqui, outro pouquinho ali, não funciona. É importante que as políticas e as intenções sejam claras para o financiamento dos mais carentes."
Yunus veio ao Brasil para participar de uma série de palestras e de encontros da Fundação da ONU, ONG ligada às Nações Unidas da qual é membro-conselheiro. No Insper, em São Paulo, participou de uma mesa de debate sobre a promoção da igualdade de gênero (96% dos clientes do Grameen são mulheres).
Falando à BBC Brasil sobre o Bolsa Família, Yunus opinou que é preciso garantir que as pessoas que recebem recursos do programa possam empreender e "caminhar com suas próprias pernas".
"Ajudar as pessoas que passam necessidade deve ser uma prioridade para a sociedade. Mas depois que você fez isso, há uma segunda tarefa que é garantir que a pessoa que recebe esses recursos possa se manter sozinha", afirmou o economista.
"Pelo que entendi, o Brasil conseguiu dar conta dessa primeira parte do trabalho. Mas agora é preciso começar a enfrentar essa segunda parte: Como fazer essas pessoas saírem do Bolsa Família e se sustentarem sozinhas, contribuindo para a sociedade?"
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