domingo, 26 de novembro de 2017
Com Temer, os ratos estão saindo de suas tocas
Em 2015, durante uma sessão da CPI da Petrobras, um funcionário do Congresso soltou um punhado de ratos que começaram a correr entre as pernas de suas senhorias espantadas. Era só uma brincadeira. Hoje, quem saiu de suas tocas são os ratos que passeiam com a cabeça erguida pelo Congresso e ninguém se espanta. O que mudou para que os representantes do povo exibam seus instintos mais retrógrados, como saídos da Idade Média, cortando direitos já adquiridos a favor do diferente, excomungando a cultura, e querendo transformar o Congresso, coração da laicidade do Estado, em um templo religioso em que a Bíblia, lida incorretamente, começa a ser mais importante do que a Constituição?
É verdade que esses ratos já existiam, não vieram de fora. Hibernavam ali. Só que enquanto antes se moviam nas sombras, agora levantam orgulhosos a cabeça e se sentem com força e autoridade para agir ditando regras. É possível que a ex-presidenta Dilma, que deixou em frangalhos a economia do país, mas que tem em sua biografia as marcas da tortura infligida pelos lacaios da ditadura, impusesse um certo respeito aos ratos que se conformavam em agir à sombra, sem atreverem-se a roer as liberdades pelas quais tantos lutaram e morreram.
Com Temer parece que aqueles ratos na reserva voltaram à atividade, e dessa vez em plena luz do dia. Hoje sentem que o Congresso é sua casa, passeiam sentenciando obscurantismo como novos profetas do atraso. Não foram criados por Temer. Sempre existiram, mas com ele parece que perderam o medo. Estão tomando conta da casa do povo e até os deputados mais inocentes — quantos restam? — percorrem perplexos e solitários aquele templo que parece ter perdido seu rumo.
Se há somente dois anos simples ratos soltos no Congresso fizeram os deputados correr e gritar de susto, hoje os ratos passeiam altaneiros como donos do quintal. Até quando? Dependerá da responsabilidade dos brasileiros em eleger nas próximas eleições, para renovar o Congresso, pessoas de bem, conectadas à modernidade, à defesa das liberdades e ao respeito pelos diferentes e às minorias. Hoje os ratos têm nome e sobrenome. Bastará lembrá-los no confessionário das urnas.
É a sociedade com uma nova tomada de consciência que tem a possibilidade de desratizar o Congresso para transformá-lo em uma ágora de discussão e no local onde os deputados legislem pensando não em seus interesses, mas nos de todos os brasileiros, com um olhar especial aos eternos esquecidos pelo poder. Só então os poucos ratos que conseguirem sobreviver voltarão cabisbaixos às suas tocas.
É verdade que esses ratos já existiam, não vieram de fora. Hibernavam ali. Só que enquanto antes se moviam nas sombras, agora levantam orgulhosos a cabeça e se sentem com força e autoridade para agir ditando regras. É possível que a ex-presidenta Dilma, que deixou em frangalhos a economia do país, mas que tem em sua biografia as marcas da tortura infligida pelos lacaios da ditadura, impusesse um certo respeito aos ratos que se conformavam em agir à sombra, sem atreverem-se a roer as liberdades pelas quais tantos lutaram e morreram.
Com Temer parece que aqueles ratos na reserva voltaram à atividade, e dessa vez em plena luz do dia. Hoje sentem que o Congresso é sua casa, passeiam sentenciando obscurantismo como novos profetas do atraso. Não foram criados por Temer. Sempre existiram, mas com ele parece que perderam o medo. Estão tomando conta da casa do povo e até os deputados mais inocentes — quantos restam? — percorrem perplexos e solitários aquele templo que parece ter perdido seu rumo.
Se há somente dois anos simples ratos soltos no Congresso fizeram os deputados correr e gritar de susto, hoje os ratos passeiam altaneiros como donos do quintal. Até quando? Dependerá da responsabilidade dos brasileiros em eleger nas próximas eleições, para renovar o Congresso, pessoas de bem, conectadas à modernidade, à defesa das liberdades e ao respeito pelos diferentes e às minorias. Hoje os ratos têm nome e sobrenome. Bastará lembrá-los no confessionário das urnas.
É a sociedade com uma nova tomada de consciência que tem a possibilidade de desratizar o Congresso para transformá-lo em uma ágora de discussão e no local onde os deputados legislem pensando não em seus interesses, mas nos de todos os brasileiros, com um olhar especial aos eternos esquecidos pelo poder. Só então os poucos ratos que conseguirem sobreviver voltarão cabisbaixos às suas tocas.
Preferência pela riqueza em detrimento do país
As sociedades modernas oferecem muitas opções quanto à ideologia, ao trabalho, ao lazer e às relações afetivas, motivando os jovens a insistir em suas escolhas para obtenção de prazer, conhecimento e prosperidade. Surgem divergências, resvalando, às vezes, para conflito, mas o saldo é positivo quanto à delimitação de direitos e deveres de cada cidadão, instrução de alta qualidade, liberdade de expressão, segurança em todos os ambientes e austeridade fiscal. Isso é garantido por governantes eleitos por uma população intolerante com abusos em benefício próprio e pronta para manter o bem-estar conquistado após a Segunda Guerra Mundial.
Uma análise sobre as motivações dessas escolhas por dirigentes brasileiros é revoltante, porque indica como são insaciáveis por riqueza e poder, tendo todas as oportunidades para construir bela biografia como gestores do patrimônio nacional se agissem com lisura, competência e amor à pátria. Optaram, entretanto, pela arrogância, mentira e desonestidade, sem resolver os inúmeros problemas dos financiadores compulsórios de sua descompostura. Não se tocam que despertariam a admiração dos eleitores se suas decisões estivessem voltadas para a comunidade, mas irritam-se quando são alvo de impropérios que têm acontecido em diferentes lugares e nas redes sociais. Afinal, vários grupos estão demonstrando cansaço com tantos desmandos, péssimos serviços públicos e, especialmente, futuro nebuloso.
Todos os setores do Estado estão dominados por bandos de saqueadores do erário que inviabilizam, diariamente, nossos sonhos para a construção de um país justo, solidário e próspero. Os candidatos para 2018 são movidos pela vaidade, demagogia e sede de poder. Não têm propostas efetivas para a educação de qualidade, assistência médica, revitalização dos rios, proteção das fronteiras e ocupação organizada do território, entre muitos outros problemas que nos tornam cada vez mais infelizes.
Gilda de Castro
'Classe C não usa Facebook para mobilização política'
O antropólogo Juliano Spyer mergulhou no cotidiano de um povoado no norte da Bahia por 15 meses. Instalou-se, criou laços, adicionou e foi adicionado em centenas de contatos no Facebook e em seus grupos de WhatsApp. Passou a compartilhar os dramas sociais, enredos amorosos e memes da paisagem real e virtual, tanto pública quanto privada, da comunidade de cerca de 15.000 habitantes cujo nome ele preferiu preservar.
O resultado da incursão, seu doutorado na University College London (UCL), no Reino Unido, se transformou no recém-lançado Social Media in Emergent Brazil, um dos estudos qualitativos mais completos disponíveis (o download é livre e uma versão em português deve sair em 2018) de como as classes populares no Brasil usam e incorporam a Internet e as redes sociais. A obra faz parte de uma série da universidade britânica que compara o panorama em nove países. Na entrevista abaixo, Spyer aponta um abismo que separa o tipo de uso político das redes nas classes mais abastadas e nos estratos mais pobres do país e fala do impacto dos evangélicos nessas comunidades. O grupo impressionou tanto o autor que ele já prepara novo livro sobre o tema que, por ora, leva o título Crentes, uma revolução popular brasileira.
Seu livro conta que não é comum na comunidade que você estudou postar opiniões políticas, mas mostra, por exemplo, o caso de uma evangélica que publicou as fotos de seu casamento no Facebook para marcar a vitória ante o pastor local que se negou a casá-la porque ela já morava com o namorado. As redes são armas políticas para as classes populares, mas não como a gente pensa?
Exato. A rede pode ser e é usada no jogo local de poderes, como ferramenta para mostrar conquistas ou atacar rivais, mas não para discutir visões sobre a política como fazem os setores mais escolarizados. A classe C não usa o Facebook para mobilização política. Para os meus vizinhos no povoado a política é palpável. Eles querem saber se o posto de saúde vai ficar aberto 24 horas, se a rua será asfaltada, se a escola que fechou porque o Governo suspendeu o pagamento dos funcionários terceirizados da limpeza vai reabrir. Mães estão sendo incorporadas ao mundo do trabalho formal, o que confere grandes vantagens para a família em termos de benefícios e estabilidade, mas traz novas dores de cabeça. Essas mães não estarão na vizinhança para ficar do olho nos filhos e por isso elas querem saber quando o Governo oferecerá atividades que deem alternativa para que a filha ou o filho não fiquem pela rua desacompanhados – por exemplo, atividades físicas ou aulas de línguas. Eles não precisam da Internet para saber desses problemas porque são dificuldades diárias da vida no brasileiro das camadas populares. E eles também não precisam das mídias sociais para se articularem, porque essa articulação já existe nas redes tradicionais de ajuda mútua, que se baseiam na proximidade física entre as pessoas.
Nem durante a campanha esse tipo de post político aparece?
Os moradores não discutem política por entenderem que os políticos os veem como cidadãos de segunda categoria. O candidato aparece nas campanhas prometendo mundos e, depois que é eleito, desaparece. Veja um caso relativamente comum de um tema político que motivou protesto no povoado: um grupo de moradores se organizou para fretar ônibus e fazer manifestação na frente da prefeitura contra a presença de caminhões de carga transitando irregularmente no povoado. A passagem desses caminhões quebra o asfalto, levanta poeira e provoca problemas respiratórios. Desde que eu saí de lá, há três anos, a situação piorou porque os caminhões agora passam de madrugada, poluindo o ar e também, por causa do barulho intenso, atrapalhando o sono das pessoas que acordam de madrugada para trabalhar.
Você estava em campo em junho de 2013 e na campanha de 2014. Como os grandes protestos foram acompanhados de lá?
Eu acompanhei os grandes protestos de junho de 2013 simultaneamente de dois pontos de vista. Enquanto os meus amigos intelectuais de classe média de São Paulo dedicavam muitas horas discutindo política e repassando informação sobre as mobilizações, no povoado esse tema chegou apenas via TV, e ela praticamente não gerou conversas cara a cara nas ruas nem pela Internet. Meus vizinhos do povoado assistiram às notícias dos protestos que aconteciam a 100 quilômetros dali, em Salvador, da mesma forma como assistiram os protestos da Primavera Árabe ou do Occupy Wall Street nos Estados Unidos. Como eu expliquei anteriormente, política governamental é um tema que frequentemente os lembra de sua condição de cidadãos de segunda categoria, porque, segundo eles explicam, políticos aparecem nas campanhas depois somem. Há pessoas que se manifestam online e offline, nesses períodos de campanha, a favor de um ou outro candidato, mas pelo que eu vi esse tipo de apoio muitas vezes tem a ver com vínculos dessas pessoas com grupos políticos específicos. Quem apoia e faz campanha pelo candidato – vereador, deputado estadual, prefeito – geralmente espera recompensa, principalmente sendo contratado para um cargo no serviço público. O que circulou muito em 2014, principalmente via WhatsApp, foi conteúdo ridicularizando políticos e concordando com essa ideia pessimista sobre o político ser essencialmente um interesseiro. Essa raiva contra a classe política lembra o clima aqui do Reino Unido, que levou à vitória do Brexit, e nos Estados Unidos, que elegeu Trump, e que se manifesta hoje, nas camadas populares brasileiras, pelo apoio a Bolsonaro. Em outras ocasiões essa revolta apareceu no voto pelo Tiririca (“pior que tá não fica”), mas a crise econômica desses últimos anos e o consequente o empobrecimento desses setores parece que azedaram o humor desse grupo, que quer ver os outros grupos da sociedade saírem de sua zona de conforto.
O resultado da incursão, seu doutorado na University College London (UCL), no Reino Unido, se transformou no recém-lançado Social Media in Emergent Brazil, um dos estudos qualitativos mais completos disponíveis (o download é livre e uma versão em português deve sair em 2018) de como as classes populares no Brasil usam e incorporam a Internet e as redes sociais. A obra faz parte de uma série da universidade britânica que compara o panorama em nove países. Na entrevista abaixo, Spyer aponta um abismo que separa o tipo de uso político das redes nas classes mais abastadas e nos estratos mais pobres do país e fala do impacto dos evangélicos nessas comunidades. O grupo impressionou tanto o autor que ele já prepara novo livro sobre o tema que, por ora, leva o título Crentes, uma revolução popular brasileira.
Seu livro conta que não é comum na comunidade que você estudou postar opiniões políticas, mas mostra, por exemplo, o caso de uma evangélica que publicou as fotos de seu casamento no Facebook para marcar a vitória ante o pastor local que se negou a casá-la porque ela já morava com o namorado. As redes são armas políticas para as classes populares, mas não como a gente pensa?
Exato. A rede pode ser e é usada no jogo local de poderes, como ferramenta para mostrar conquistas ou atacar rivais, mas não para discutir visões sobre a política como fazem os setores mais escolarizados. A classe C não usa o Facebook para mobilização política. Para os meus vizinhos no povoado a política é palpável. Eles querem saber se o posto de saúde vai ficar aberto 24 horas, se a rua será asfaltada, se a escola que fechou porque o Governo suspendeu o pagamento dos funcionários terceirizados da limpeza vai reabrir. Mães estão sendo incorporadas ao mundo do trabalho formal, o que confere grandes vantagens para a família em termos de benefícios e estabilidade, mas traz novas dores de cabeça. Essas mães não estarão na vizinhança para ficar do olho nos filhos e por isso elas querem saber quando o Governo oferecerá atividades que deem alternativa para que a filha ou o filho não fiquem pela rua desacompanhados – por exemplo, atividades físicas ou aulas de línguas. Eles não precisam da Internet para saber desses problemas porque são dificuldades diárias da vida no brasileiro das camadas populares. E eles também não precisam das mídias sociais para se articularem, porque essa articulação já existe nas redes tradicionais de ajuda mútua, que se baseiam na proximidade física entre as pessoas.
Nossa sociedade é tão segregada que o contato que temos com grupos populares geralmente se resume às conversas com a empregada e a situações de assalto
Nem durante a campanha esse tipo de post político aparece?
Os moradores não discutem política por entenderem que os políticos os veem como cidadãos de segunda categoria. O candidato aparece nas campanhas prometendo mundos e, depois que é eleito, desaparece. Veja um caso relativamente comum de um tema político que motivou protesto no povoado: um grupo de moradores se organizou para fretar ônibus e fazer manifestação na frente da prefeitura contra a presença de caminhões de carga transitando irregularmente no povoado. A passagem desses caminhões quebra o asfalto, levanta poeira e provoca problemas respiratórios. Desde que eu saí de lá, há três anos, a situação piorou porque os caminhões agora passam de madrugada, poluindo o ar e também, por causa do barulho intenso, atrapalhando o sono das pessoas que acordam de madrugada para trabalhar.
Você estava em campo em junho de 2013 e na campanha de 2014. Como os grandes protestos foram acompanhados de lá?
Eu acompanhei os grandes protestos de junho de 2013 simultaneamente de dois pontos de vista. Enquanto os meus amigos intelectuais de classe média de São Paulo dedicavam muitas horas discutindo política e repassando informação sobre as mobilizações, no povoado esse tema chegou apenas via TV, e ela praticamente não gerou conversas cara a cara nas ruas nem pela Internet. Meus vizinhos do povoado assistiram às notícias dos protestos que aconteciam a 100 quilômetros dali, em Salvador, da mesma forma como assistiram os protestos da Primavera Árabe ou do Occupy Wall Street nos Estados Unidos. Como eu expliquei anteriormente, política governamental é um tema que frequentemente os lembra de sua condição de cidadãos de segunda categoria, porque, segundo eles explicam, políticos aparecem nas campanhas depois somem. Há pessoas que se manifestam online e offline, nesses períodos de campanha, a favor de um ou outro candidato, mas pelo que eu vi esse tipo de apoio muitas vezes tem a ver com vínculos dessas pessoas com grupos políticos específicos. Quem apoia e faz campanha pelo candidato – vereador, deputado estadual, prefeito – geralmente espera recompensa, principalmente sendo contratado para um cargo no serviço público. O que circulou muito em 2014, principalmente via WhatsApp, foi conteúdo ridicularizando políticos e concordando com essa ideia pessimista sobre o político ser essencialmente um interesseiro. Essa raiva contra a classe política lembra o clima aqui do Reino Unido, que levou à vitória do Brexit, e nos Estados Unidos, que elegeu Trump, e que se manifesta hoje, nas camadas populares brasileiras, pelo apoio a Bolsonaro. Em outras ocasiões essa revolta apareceu no voto pelo Tiririca (“pior que tá não fica”), mas a crise econômica desses últimos anos e o consequente o empobrecimento desses setores parece que azedaram o humor desse grupo, que quer ver os outros grupos da sociedade saírem de sua zona de conforto.
Facções políticas revolucionam sistema prisional
A presença de líderes de facções políticas na cadeia deflagrou um movimento com potencial para revolucionar o sistema prisional brasileiro. Os sinais mais eloquentes são percebidos no Rio de Janeiro. Cérebro do Primeiro Comando do PMDB, Sérgio Cabral dedica-se a um projeto-piloto de introdução da cozinha gourmet no xadrez. Cabeça da Facção Molequinha, Anthony Garotinho inaugurou, por assim dizer, um núcleo teatral que pode ser o embrião de um programa de ressocialização de presos viciados em cinismo.
Gilmar Mendes foi premonitório ao revogar a transferência de Cabral. Se o ex-governador tivesse migrado para o presídio federal do Mato Grosso, como queria o juiz Marcelo Bretas, o Ministério Público do Rio não teria flagrado na última sexta-feira a notável evolução no cardápio da cadeia carioca de Benfica.
Gilmar Mendes foi premonitório ao revogar a transferência de Cabral. Se o ex-governador tivesse migrado para o presídio federal do Mato Grosso, como queria o juiz Marcelo Bretas, o Ministério Público do Rio não teria flagrado na última sexta-feira a notável evolução no cardápio da cadeia carioca de Benfica.
Cabral e seus comparsas do bando peemedebista evoluíram das velhas quentinhas para novos pratos, ingredientes e iguarias que denunciam a qualificação do paladar da população carcerária: camarão, bacalhau, queijo de cabra, presunto de parma, castanhas, iogurtes… Pode-se prever, para um futuro próximo, a introdução no presídio de uma boa carta de vinhos.
Acomodado numa ala vazia de Benfica, Garotinho aproveitou a solidão para esboçar um script fabuloso. Nele, um desconhecido invade sua cela de madrugada, critica-o por falar demais, golpeia seu joelho com um porrete, esmaga-lhe um par de dedos do pé, balbucia uma ameaça e evapora. Não vai render o Oscar de melhor roteiro original, pois as câmeras do circuito interno não captaram a ação. Mas, com pequenos ajustes, a peça pode ser encenada por presos-atores de todo país. Transferido para Bangui 8, o próprio Garotinho pode iniciar a difusão de sua arte.
Preso, Garotinho exibe o joelho que diz ter sido alvejado pelo porrete de um agressor invisível.
Considerando-se que a Lava Jato vem encarcerando também alguns corruptores, pode-se imaginar que os empreiteiros terão interesse em construir penitenciárias mais confortáveis. Prestes a deixar o complexo penal paranaense, Marcelo Odebrecht conheceu o flagelo por dentro.
O príncipe da Odebrecht passará um bom tempo arrastando uma tornozeleira eletrônica na sua mansão no bairro paulistano do Morumbi. Olhando ao redor, ele pode encontrar inspiração para desenvolver projetos de condomínios prisionais elegantes —com piscinas, saunas e salas de cinema.
As construtoras se esmerariam na execução dos projetos, erguendo complexos dignos de receber seus próprios executivos. Se tudo correr bem, haverá um novo ciclo de delações no país. Corruptos e corruptores confessarão seus crimes não para escapar, mas para assegurar suas vagas nas filas que se formarão defronte dos condomínios prisionais. Neles, larápios de elite viverão o ideal de segregação: muros altos, policiamento 24 horas e convívio seleto.
Previdente, Michel Temer talvez se anime a injetar verbas federais na construção dos paraísos carcerários. A Câmara, como se sabe, congelou as denúncias em que a Procuradoria acusou o presidente de corrupção. Mas Temer continua sendo uma ação penal esperando para acontecer depois que ele deixar o Planalto. Ao se dar conta da revolução iniciada pelas facções políticas no Rio de Janeiro, o presidente decerto ordenará aos seus ministros investigados: “Tem que manter isso, viu?”
Foro, entre dedos e anéis
Os três Poderes da República unem-se, já há algum tempo, em torno de um mesmo propósito: reduzir o alcance e a eficácia da Lava Jato. Se não é possível liquidá-la na base, isto é, na primeira instância, muito pode ser feito a partir de Brasília. E tem sido.
A bola da vez, e que mobilizou esta semana a cúpula da trindade institucional, chama-se foro por prerrogativa de função, conhecido também pela alcunha de foro privilegiado.
Sua clientela, segundo a Consultoria Legislativa do Senado, abrange 54 mil, 990 autoridades. São aqueles que não serão julgados nas mesmas circunstâncias reservadas ao cidadão comum.
Além dos que estão no topo da cadeia alimentar – parlamentares, presidente e vice da República, ministros de Estado e de tribunais superiores -, há muitos outros, a serem sacrificados, dentro do princípio de entregar os anéis para salvar os dedos.
Fazem parte dessa casta governadores, prefeitos, juízes, comandantes militares, membros do Ministério Público (federal e estaduais), chefes de missão diplomática, conselheiros de tribunais de contas (federal e estaduais), e outras categorias mencionadas nas constituições estaduais.
Há seis meses, o STF preparava-se para reduzir drasticamente esse universo, dando ao dispositivo constitucional nova interpretação, segundo a qual só terão direito ao foro políticos federais acusados por crimes cometidos no exercício do mandato e a ele relacionados. Em síntese, crimes comuns, vala comum. Luís Roberto Barroso, relator do caso, excluiu as demais autoridades.
Já seria um avanço, embora o princípio do privilégio se mantivesse. Mudanças maiores, no entanto, só via Legislativo.
O julgamento começou em maio. E já estava em oito a zero, quando o recém-nomeado Alexandre de Moraes pediu vista. O tema somente voltou ao plenário na quinta-feira, 23, seis meses depois, à espera dos três votos restantes. Eis que o ministro Dias Toffoli, alegando também a necessidade de melhor estudá-lo, pediu vistas.
É improvável, digamos assim, que o ministro desconheça as nuances da matéria, hoje de domínio público. Domingo passado, 19, ele foi chamado por Michel Temer ao Palácio do Jaburu para uma conversa fora da agenda. Ao sair, disse que fora apenas “bater um papo” com o presidente, que é seu amigo.
É difícil, para dizer o mínimo, dissociar o “papo” do gesto posterior do ministro, que, a partir de setembro do próximo ano, sucederá Carmem Lúcia à frente do STF. Tanto é assim que Toffoli alegou também haver uma emenda constitucional, já aprovada no Senado, em tramitação na Câmara. Conviria, pois, aguardar.
Não é exatamente assim. O STF, ao estabelecer a interpretação restritiva, aliviaria de imediato sua pauta e aceleraria a Lava Jato, sem prejuízo do que tramita no Congresso.
A PEC aprovada no Senado – e também na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara - reduz ainda mais o alcance do foro, restringindo-o ao presidente e vice-presidente da República, ao chefe do Judiciário e aos presidentes da Câmara e do Senado.
Proíbe também que constituições estaduais criem novas categorias de foro privilegiado. Parece formidável, porém... não há prazo para que a PEC seja votada em plenário (pode até não ser), e nada impede que receba emenda que acrescente mais um cliente ao foro: os ex-presidentes da República.
E é disso, concretamente, que se trata, em manobra que une neste momento quase todos os partidos. O beneficiário maior – e imediato - é Lula, que se livraria do juiz Sérgio Moro. Mas não só ele.
Ao longo dos 128 anos da República brasileira, jamais houve tantos ex-presidentes vivos e judicialmente implicados. Há cinco: Sarney, Collor, FHC, Lula e Dilma. Destes, só FHC não responde a alguma demanda judicial. E o atual, Michel Temer, em pleno exercício, é denunciado em diversas outras, que o encontrarão na vala comum quando deixar o cargo dentro de um ano e um mês.
Todos, portanto, independentemente de partido ou divergências ideológicas, estão unidos pela causa comum da impunidade. E esta deriva de fato concreto: enquanto a Lava Jato, na sua instância primeira, condenou mais de uma centena de infratores de peso, o STF não condenou nenhum – e soltou alguns.
Há a recorrente explicação de que, sendo corte constitucional, o STF não está aparelhado para agir como tribunal processual penal. É verdade – e é por isso que os detentores do foro querem que tudo permaneça como está. Mas há mais: não há como ocultar sua natureza política, evidenciada nos diversos momentos em que a Lava Jato bateu às portas do Congresso ou do Palácio.
Nesses momentos, armam-se os “bate-papos” entre amigos, como o recente, entre Toffoli e Temer.
A bola da vez, e que mobilizou esta semana a cúpula da trindade institucional, chama-se foro por prerrogativa de função, conhecido também pela alcunha de foro privilegiado.
Sua clientela, segundo a Consultoria Legislativa do Senado, abrange 54 mil, 990 autoridades. São aqueles que não serão julgados nas mesmas circunstâncias reservadas ao cidadão comum.
Além dos que estão no topo da cadeia alimentar – parlamentares, presidente e vice da República, ministros de Estado e de tribunais superiores -, há muitos outros, a serem sacrificados, dentro do princípio de entregar os anéis para salvar os dedos.
Fazem parte dessa casta governadores, prefeitos, juízes, comandantes militares, membros do Ministério Público (federal e estaduais), chefes de missão diplomática, conselheiros de tribunais de contas (federal e estaduais), e outras categorias mencionadas nas constituições estaduais.
Há seis meses, o STF preparava-se para reduzir drasticamente esse universo, dando ao dispositivo constitucional nova interpretação, segundo a qual só terão direito ao foro políticos federais acusados por crimes cometidos no exercício do mandato e a ele relacionados. Em síntese, crimes comuns, vala comum. Luís Roberto Barroso, relator do caso, excluiu as demais autoridades.
Já seria um avanço, embora o princípio do privilégio se mantivesse. Mudanças maiores, no entanto, só via Legislativo.
O julgamento começou em maio. E já estava em oito a zero, quando o recém-nomeado Alexandre de Moraes pediu vista. O tema somente voltou ao plenário na quinta-feira, 23, seis meses depois, à espera dos três votos restantes. Eis que o ministro Dias Toffoli, alegando também a necessidade de melhor estudá-lo, pediu vistas.
É improvável, digamos assim, que o ministro desconheça as nuances da matéria, hoje de domínio público. Domingo passado, 19, ele foi chamado por Michel Temer ao Palácio do Jaburu para uma conversa fora da agenda. Ao sair, disse que fora apenas “bater um papo” com o presidente, que é seu amigo.
É difícil, para dizer o mínimo, dissociar o “papo” do gesto posterior do ministro, que, a partir de setembro do próximo ano, sucederá Carmem Lúcia à frente do STF. Tanto é assim que Toffoli alegou também haver uma emenda constitucional, já aprovada no Senado, em tramitação na Câmara. Conviria, pois, aguardar.
Não é exatamente assim. O STF, ao estabelecer a interpretação restritiva, aliviaria de imediato sua pauta e aceleraria a Lava Jato, sem prejuízo do que tramita no Congresso.
A PEC aprovada no Senado – e também na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara - reduz ainda mais o alcance do foro, restringindo-o ao presidente e vice-presidente da República, ao chefe do Judiciário e aos presidentes da Câmara e do Senado.
Proíbe também que constituições estaduais criem novas categorias de foro privilegiado. Parece formidável, porém... não há prazo para que a PEC seja votada em plenário (pode até não ser), e nada impede que receba emenda que acrescente mais um cliente ao foro: os ex-presidentes da República.
E é disso, concretamente, que se trata, em manobra que une neste momento quase todos os partidos. O beneficiário maior – e imediato - é Lula, que se livraria do juiz Sérgio Moro. Mas não só ele.
Ao longo dos 128 anos da República brasileira, jamais houve tantos ex-presidentes vivos e judicialmente implicados. Há cinco: Sarney, Collor, FHC, Lula e Dilma. Destes, só FHC não responde a alguma demanda judicial. E o atual, Michel Temer, em pleno exercício, é denunciado em diversas outras, que o encontrarão na vala comum quando deixar o cargo dentro de um ano e um mês.
Todos, portanto, independentemente de partido ou divergências ideológicas, estão unidos pela causa comum da impunidade. E esta deriva de fato concreto: enquanto a Lava Jato, na sua instância primeira, condenou mais de uma centena de infratores de peso, o STF não condenou nenhum – e soltou alguns.
Há a recorrente explicação de que, sendo corte constitucional, o STF não está aparelhado para agir como tribunal processual penal. É verdade – e é por isso que os detentores do foro querem que tudo permaneça como está. Mas há mais: não há como ocultar sua natureza política, evidenciada nos diversos momentos em que a Lava Jato bateu às portas do Congresso ou do Palácio.
Nesses momentos, armam-se os “bate-papos” entre amigos, como o recente, entre Toffoli e Temer.
À nossa volta
Dois amigos meus desceram no aeroporto de Orly, em Paris. Deixaram as malas no hotel e foram dar uma volta pelo Quartier Latin. Decepcionaram-se com as ruas esburacadas, pedras pelo chão, vidros quebrados, lixo acumulado —nunca tinham visto Paris tão suja e desmazelada. E só foram entender o que estava acontecendo ao ler a manchete de um jornal na banca. Os estudantes estavam em guerra contra o poder. Era maio de 1968.
Outro amigo, músico e muito, muito alienado, pegou seu carro bem cedo em Copacabana e tocou para a zona norte, onde estava gravando um LP. Lá chegando, encontrou o estúdio fechado. Esperou duas horas, ninguém apareceu e ele foi embora. Estranhou que as lojas do Centro também estivessem fechadas e, ao passar pelo Flamengo, viu o prédio da UNE em chamas. E só ao chegar em casa soube que estava em curso no país um golpe militar. Era 1º de abril de 1964.
Outro amigo, músico e muito, muito alienado, pegou seu carro bem cedo em Copacabana e tocou para a zona norte, onde estava gravando um LP. Lá chegando, encontrou o estúdio fechado. Esperou duas horas, ninguém apareceu e ele foi embora. Estranhou que as lojas do Centro também estivessem fechadas e, ao passar pelo Flamengo, viu o prédio da UNE em chamas. E só ao chegar em casa soube que estava em curso no país um golpe militar. Era 1º de abril de 1964.
E, em 1956, mais um amigo, também músico, mas amador, passava férias em Diamantina (MG) quando soube que dona Dadainha, senhora baiana muito respeitada na cidade, estava hospedando um irmão que tocava violão dia e noite e nunca saía à rua. O amigo foi procurá-lo. Tocou a campainha e o próprio rapaz abriu a porta. Ao ouvir que o outro igualmente tocava violão, convidou-o a entrar e mostrou-lhe um samba “diferente” que estava criando.
Meu amigo gostou, despediu-se e não voltou a vê-lo. Dois anos depois, escutou no rádio aquele “samba diferente” e reconheceu o violonista e cantor: João Gilberto. O que ele ouvira em Diamantina era a bossa nova, só que antes de ela existir.
É famosa a passagem de “A Cartuxa de Parma”, de Stendhal, em que o herói se junta a um exército sem saber que está no meio da guerra de Waterloo. É o risco que corremos por não ficarmos de olho à nossa volta.
Meu amigo gostou, despediu-se e não voltou a vê-lo. Dois anos depois, escutou no rádio aquele “samba diferente” e reconheceu o violonista e cantor: João Gilberto. O que ele ouvira em Diamantina era a bossa nova, só que antes de ela existir.
É famosa a passagem de “A Cartuxa de Parma”, de Stendhal, em que o herói se junta a um exército sem saber que está no meio da guerra de Waterloo. É o risco que corremos por não ficarmos de olho à nossa volta.
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