quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Brasil sempre com a mesma cara

 


Bolsoriarty ou Mabusonaro

Jair Bolsonaro acaba de nomear mais um aliado para um cargo-chave na administração. Desta vez, trata-se de um indivíduo com autoridade para bloquear, ignorar ou mesmo apagar as investigações contra um de seus filhos pela extorsão de funcionários chamada "rachadinha". Qual é a novidade? Todo dia, Bolsonaro infiltra em cargos-chave elementos de sua confiança. É sua prerrogativa, mas nunca um presidente amarrou tão bem o sistema visando a proteger-se, assegurar impunidade ou eternizar-se no cargo.


Bolsonaro já se garantiu na rede de procuradorias, corregedorias, controladorias, delegacias, órgãos públicos de busca e informação e até no STF, no qual implantou dois pinos. Tem pelo menos um cúmplice em cada tribunal. Foi fazendo isso aos poucos, em silêncio, enquanto nos distraía com a chusma de militares, nem tão decisivos, que transplantou para o governo. O resultado desse enraizamento está na tranquilidade com que afronta diariamente a lei e sai assobiando, como se se soubesse fora do alcance dela.

A literatura e o cinema criaram dois personagens igualmente sinistros: o professor Moriarty, arqui-inimigo de Sherlock Holmes, e o Dr. Mabuse, imortalizado em três filmes de Fritz Lang. O primeiro controlava Londres; o segundo, a partir de Berlim, fitava o mundo. O alcance de ambos compreendia desde uma carteira furtada no metrô até a manipulação de leis, passando pelo hipnotismo de gente influente, espionagem eletrônica e controle de organismos essenciais.

Quando, ao fim de uma história, achava-se que Moriarty e Mabuse estavam mortos ou derrotados, crimes como os deles continuavam acontecendo. Eram de seus auxiliares deixados impunes ou de estudiosos de seus métodos e que conseguiam replicá-los. O terror não tinha fim.

Bolsonaro, um dia, descerá da cadeira e responderá por seus crimes. Resta ver até que ponto os homens que impregnou no sistema impedirão que pague por eles.

Uma democracia de poucos

Volto a um tema presente em muitos dos meus artigos, mas cuja discussão é cada vez mais urgente: a qualidade da nossa vida democrática. O Brasil é um enigma difícil de ser decifrado. Temos os recursos e as condições para ser uma das nações mais ricas do mundo.

Temos uma grande agricultura, toda a energia de que precisamos – água em abundância, energia, petróleo e minerais, tudo o que é escasso em quase toda a parte. Mas permanecemos um país pobre que cresce menos que a maioria das nações. Uma das causas só pode ser a impotência do Estado devido à má qualidade da nossa vida democrática.

Nossa população deveria estar sempre indignada e numa busca incessante por algo realmente novo para transformar o país. Mas se as pesquisas de intenção de voto para as próximas eleições estiverem corretas, parece que os brasileiros estão em sua grande maioria dispostos, sem muita reflexão, a voltar ao passado, tal o horror que sentem do presente.

O sentimento dominante tornou-se a procura do mal menor, um dos disfarces preferidos do conformismo e da apatia social.

A impressão é que as novas gerações de brasileiros são gerações sem esperança. É a explicação que me ocorre para a passividade e até para o cinismo político das nossas maiorias eleitorais. Creio que o pensamento dominante está contido numa passagem de Shakespeare: o que ficou irremediável, se tornou indiferente.


Há alguma razão para isso, pois nosso sistema político é um ambiente à parte da vida do país. O debate político não contém praticamente nada de interesse público como políticas de crescimento e de proteção social, por exemplo, tudo que diz respeito à vida das pessoas numa sociedade tão privada de tudo e tão dependente do Estado.

Nada disso separa os partidos que, na verdade, não têm ideologia, nem ideias, nem posições. Seu único propósito é participar dos condomínios do poder e o fazem sem nenhum pudor e com grande competência.

A conclusão é que a classe política na sua maioria, pois há exceções à regra nos dois lados do espectro político, embora bastante minoritárias, apropriou-se do Estado, seus recursos e seus instrumentos, apenas em benefício próprio, passando ao largo do interesse comum.

Em alguma medida isto sempre ocorreu, mas numa escala infinitamente menor. Hoje, a dominação do Estado pela corte política assumiu proporções sem precedentes, mesmo para a história de nossa velha cultura patrimonialista.

Deputados e senadores sempre tiveram um pequeno limite no orçamento para beneficiar as suas bases. Agora, além destes recursos, o Parlamento criou uma rubrica de grande valor para ser distribuída aos parlamentares de forma secreta, como se fossem recursos privados.

A soma das emendas, secretas e públicas, em 2022, está próxima de 40 bilhões de reais, enquanto o total dos investimentos públicos não chega a 45 bilhões. De um lado o país, com seus 200 milhões de habitantes, de outro, nossos 500 parlamentares, em pé de igualdade no orçamento da República. Não é mais uma República.

Como é sabido, o apoio parlamentar ao governo tem como contrapartida a indicação, por deputados e senadores, de nomes para preencher os melhores cargos da administração federal. Por que pessoas eleitas para fazer as leis tem interesse nestas nomeações? É uma pergunta que fica no ar.

Nesta semana, o Ministro da Economia solicitou à Controladoria Geral da União a criação de um sistema que revele os nomes dos “padrinhos” de cada indicação, para conhecimento de todos. A Controladoria não respondeu e as lideranças políticas se indignaram com a ingenuidade ou a falta de tato do Ministro. Quem prefere as sombras para agir, certamente tem motivos muito fortes.

São apenas dois exemplos. Há muitos outros, sempre a demonstrar que a democracia brasileira tem donos e estes donos são poucos. Que a devolução do Estado à população não esteja na pauta de nenhum dos candidatos é um sinal de que muito pouca coisa vai mudar nas eleições de outubro.