A proposta de Renda Cidadã do governo Bolsonaro mostra a confusão ideológica que caracteriza a política brasileira nestes tempos.
Para começar, o governo mais direitista que o Brasil já teve, adota para seu programa o mesmo nome do partido que até poucos anos atrás era o Partido Comunista Brasileiro – PCB – agora Cidadania. As palavras perderam significado; um governo de direita e um partido de esquerda adotam o mesmo nome para seu principal programa ou para o partido em si.
Uma prova da falta de personalidade e caráter dos dois extremos na política nacional, é o fato de que PT e Bolsonaro têm a mesma proposta, seja com o nome de Bolsa Família ou de Renda Cidadã. Nome igual ao defendido por um dos políticos símbolos da esquerda, Eduardo Suplicy, que desde sempre defendeu a Renda Básica da Cidadania. Fica possível imaginar que em 2022 o debate entre PT e Bolsonaro terá os dois defendendo a mesma proposta, se diferenciando apenas pelo nome do programa e pelo tamanho do público a ser beneficiado. Se a PEC do Teto resistir até lá, poderão discordar sobre a fonte de financiamento. Sem a PEC do Teto, nem mesmo esta discordância dominará o debate.
A adoção do Bolsa Família pelo governo conservador de Bolsonaro é uma prova do conservadorismo, positivamente generoso, dos governos do PT, sem realizar reformas estruturais para reduzir a concentração de renda, construir equidade educacional, enfrentar a persistência da pobreza. Apesar de que o Lula e o PT certamente têm sensibilidade e empatia com os pobres, o que não se percebe no Bolsonaro e sua equipe, os dois propõem a mesma visão assistencial, não estrutural para beneficiar conjunturalmente parcelas pobres.
O debate em 2022 deve se limitar aos temas dos costumes, de defesa das liberdades civis e dos direitos de minorias, além da proteção ambiental, É possível que ambos defendam o fim da PEC do Teto, para fazer mais fácil o financiamento do programa comum, Com o Teto, Bolsonaro poderá propor tirar da educação, o PT buscará outra fonte, mas nada indica que qualquer deles vai propor eliminar privilégios, reduzir subsídios e acabar com ineficiências do Estado. Ou poderão se unir na defesa da velha proposta de grupos radicais da esquerda, que propõem a suspensão de pagamento da dívida, e o governo Bolsonaro também defendeu no que se refere ãs dívidas com precatório.
A Renda Cidadã desnudou as propostas da esquerda e da direita, e mostrou que em sua nudez elas ficaram ideologicamente muito parecidas. Pena que a identidade ideológica descaracteriza a ideia da antiga Bolsa Escola, que tinha o propósito de transformador ao condicionar a renda com a educação.
Cristovam Buarque