sexta-feira, 10 de maio de 2019
Cadê a metade do chocolate? Bolsonaro comeu
A trapalhada de ontem foi muito além do que poderiam imaginar os afiados roteiristas de programas do tipo “Zorra Total” e “Pânico”. Toda quinta-feira à noite vai ao ar no Facebook uma nova edição da “live” estrelada pelo presidente Jair Bolsonaro e auxiliares.
Desta vez houve um quadro para explicar o corte de 30% na verba para as universidades públicas. O ministro da Educação, Abraham Weintraub, espalhou 100 chocolates sobre uma mesa. E usou-os para dizer que o corte não passa de um contingenciamento.
Como realizou o prodígio? Separou três chocolates do restante. Partiu outro pela metade com a ajuda de Bolsonaro. E disse que o governo apenas queria que os três chocolates e a metade do outro só fossem comidos pelos brasileiros depois de setembro próximo.
Enquanto o ministro falava, e errava na conta porque 30% de 100 é igual a 30 e não a 3 e meio, Bolsonaro mastigava o pedaço do chocolate partido. Quem assistiu ao programa não entendeu o que o ministro disse e saiu desconfiado de que fora enganado.
Quando nada, cadê a metade do chocolate que só deveria ser consumida a partir de setembro? Bolsonaro comeu.
Comunicado
Na frente ocidental nada de novo.
O povo
Continua a resistir.
Sem ninguém que lhe valha,
Geme e trabalha
Até cair.
Miguel Torga
O povo
Continua a resistir.
Sem ninguém que lhe valha,
Geme e trabalha
Até cair.
Miguel Torga
Faroeste
Parece obsessão e é mesmo: com tantos problemas gravíssimos no Brasil, econômicos, fiscais, sociais, éticos, o presidente Jair Bolsonaro só pensa em ampliar a posse e agora escancarar o porte de armas a níveis nunca antes vistos ou imaginados. Assim, causa a euforia dos armamentistas e o pânico dos que são contra.
Pode-se deduzir que Bolsonaro dedicou os dois primeiros projetos realmente dele à flexibilização da posse e do porte de armas por uma questão político-eleitoral. Ele estaria dando satisfação a seus eleitores e mantendo a “bancada da bala” nutrida e unida a seu favor. Mas não é só.
Por trás dos decretos, está a paixão incontida do presidente por armas, uma paixão que ele transferiu de pai para filho e transformou em política de governo num país onde tiroteios, balas perdidas e mortes de policiais, criminosos, cidadãos e cidadãs comuns são parte da paisagem. Multiplicar as armas em circulação vai reduzir esse banho de sangue? Se até policiais justificadamente armados morrem nos confrontos a tiros, por que os leigos estarão mais protegidos?
O anúncio do novo decreto de Bolsonaro foi um tanto atípico, curioso: ele fez solenidade no Planalto para a assinatura e anúncio, deixou vazar uma ou outra medida e guardou a grande surpresa (ou o grande susto) para o dia seguinte, com o texto publicado no Diário Oficial da União (DOU).
São tantos os absurdos que cada jornal pôde escolher sua manchete, cada telejornal abordou um ângulo, cada coluna deu um enfoque diferente. Foi uma farra de novidades a serem anunciadas, digeridas e, por muitos, repelidas. O próprio ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, disse um tanto constrangido que a medida é “em função das eleições”. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, anunciou estudos sobre a constitucionalidade. Partidos e entidades começam a entrar na justiça. Aparentemente, só os bolsonaristas de raiz, além de quem faz das armas um negócio e tanto, estão soltando fogos. Enquanto não soltam tiros.
Armas que sempre foram de uso restrito das Forças Armadas vão passar a circular por aí em mãos de leigos. Quem mora em área rural está liberado para portar um revólver no coldre. Usuários de aviões sentarão lado a lado de pessoas armadas. Crianças e adolescentes não precisarão mais de autorização judicial para aprenderem a atirar, basta os pais deixarem – ou melhor, incentivarem.
Na solenidade do Planalto, Bolsonaro produziu uma foto histórica, cercado de políticos de terno e gravata, fazendo gestos que simbolizam armas. Pou! Fogo! Mas, mesmo nesse meio, o presidente se limitou a anunciar que o decreto facilitaria o porte de armas para caçadores, colecionadores, atiradores esportivos e praças das Forças Armadas. Que nada!
No dia seguinte, a edição do DOU trazia uma lista de 20 categorias liberadas para saírem em ruas, avenidas, locais públicos em geral, com suas armas fartamente carregadas. O atual limite de 50 cartuchos deu um salto estonteante para mil.
Não precisarão mais comprovar a efetiva necessidade de portar armas todos os políticos com mandato no País, advogados indiscriminadamente, caminhoneiros autônomos, habitantes de áreas rurais acima de 25 anos, até jornalistas que atuem na área policial. Em 2018, os brasileiros com porte de armas somavam 36,7 mil. Agora, vão disparar para perto de 20 milhões. Um grande, imenso e incerto faroeste. E com 13 milhões de desempregados.
Com seus decretos, armas, cartuchos e Olavos, o presidente só mantém o que já tem: sua tropa na internet. Ele precisa olhar para o que está perdendo e ampliar sua agenda. Ou melhor: conectar a agenda e o governo com a realidade.
Bolsonaro não escancara o porte de armas por questão política, mas por obsessão.
Pode-se deduzir que Bolsonaro dedicou os dois primeiros projetos realmente dele à flexibilização da posse e do porte de armas por uma questão político-eleitoral. Ele estaria dando satisfação a seus eleitores e mantendo a “bancada da bala” nutrida e unida a seu favor. Mas não é só.
O anúncio do novo decreto de Bolsonaro foi um tanto atípico, curioso: ele fez solenidade no Planalto para a assinatura e anúncio, deixou vazar uma ou outra medida e guardou a grande surpresa (ou o grande susto) para o dia seguinte, com o texto publicado no Diário Oficial da União (DOU).
São tantos os absurdos que cada jornal pôde escolher sua manchete, cada telejornal abordou um ângulo, cada coluna deu um enfoque diferente. Foi uma farra de novidades a serem anunciadas, digeridas e, por muitos, repelidas. O próprio ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, disse um tanto constrangido que a medida é “em função das eleições”. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, anunciou estudos sobre a constitucionalidade. Partidos e entidades começam a entrar na justiça. Aparentemente, só os bolsonaristas de raiz, além de quem faz das armas um negócio e tanto, estão soltando fogos. Enquanto não soltam tiros.
Armas que sempre foram de uso restrito das Forças Armadas vão passar a circular por aí em mãos de leigos. Quem mora em área rural está liberado para portar um revólver no coldre. Usuários de aviões sentarão lado a lado de pessoas armadas. Crianças e adolescentes não precisarão mais de autorização judicial para aprenderem a atirar, basta os pais deixarem – ou melhor, incentivarem.
Na solenidade do Planalto, Bolsonaro produziu uma foto histórica, cercado de políticos de terno e gravata, fazendo gestos que simbolizam armas. Pou! Fogo! Mas, mesmo nesse meio, o presidente se limitou a anunciar que o decreto facilitaria o porte de armas para caçadores, colecionadores, atiradores esportivos e praças das Forças Armadas. Que nada!
No dia seguinte, a edição do DOU trazia uma lista de 20 categorias liberadas para saírem em ruas, avenidas, locais públicos em geral, com suas armas fartamente carregadas. O atual limite de 50 cartuchos deu um salto estonteante para mil.
Não precisarão mais comprovar a efetiva necessidade de portar armas todos os políticos com mandato no País, advogados indiscriminadamente, caminhoneiros autônomos, habitantes de áreas rurais acima de 25 anos, até jornalistas que atuem na área policial. Em 2018, os brasileiros com porte de armas somavam 36,7 mil. Agora, vão disparar para perto de 20 milhões. Um grande, imenso e incerto faroeste. E com 13 milhões de desempregados.
Com seus decretos, armas, cartuchos e Olavos, o presidente só mantém o que já tem: sua tropa na internet. Ele precisa olhar para o que está perdendo e ampliar sua agenda. Ou melhor: conectar a agenda e o governo com a realidade.
Bolsonaro não escancara o porte de armas por questão política, mas por obsessão.
Olavo, um Rasputin tropical
É estranho que um grande mestre, morando há 15 anos nos Estados Unidos, nunca tenha dado aulas em nenhuma grande, média ou pequena universidade americana, onde tantos brasileiros lecionam. Seu forte são os cursos à distancia para brazucas, uma espécie de madrassa digital que forma fanáticos por suas ideias.
Chamado pelo general Villas Bôas de “Trotski de direita” (que é equivalente ao clássico “É um Rimbaud. Mas sem o talento”, de Hélio Pellegrino), está mais para um Rasputin tropical. Com sua vasta cabeleira argentée, cigarro no canto da boca e ternos saídos dos anos 70, vaidoso, debochado e desbocado, tem domínio absoluto sobre a família real, que o idolatra, embora não demonstre mínimos conhecimentos políticos, filosóficos e sociológicos para compará-los com as pregações olavistas. Há algo de religioso no culto que prestam ao evangelho ultraconservador do mestre.
Olavo começou a ficar famoso quando vendeu mais de 300 mil cópias do livro “O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota”, com críticas devastadoras ao PT, à esquerda, ao coletivismo e ao globalismo, e logo conquistava mais de 500 mil seguidores nas redes sociais, se tornando dono das cabeças da família Bolsonaro, a ponto de entrar em guerra com a elite militar que apoia o capitão.
Apesar de sua desastrosa indicação do patusco Vélez para ministro da Educação, defenestrado por total incompetência, Olavo continua com seu prestígio inabalado, dando munição para o Mito e seus minimitos atacarem os generais moderados que tentam dar algum equilíbrio e racionalidade ao governo.
Olavão deve se divertir com a idolatria dos ignorantes e com o poder que lhe dão, pela incapacidade de contestá-lo intelectualmente e pela fé cega no mestre.
Se fosse ficção, seria um incrível personagem numa grande tragicomédia fantástica latino-americana, pena que é real.
Um país em tumulto e inércia
Uma Selic menor não faria efeito algum neste 2019, afora o de poupar um troco em juros da dívida pública. Como vai se saber do destino da reforma da Previdência lá por julho, o BC tomaria um atitude lá pelo terceiro trimestre, se tanto. Uma taxa de juros menor faria efeito, se algum, em 2020.
Não é pergunta retórica. Não há índice de sofrimento ou bem-estar econômico que ajude a predizer revoltas, que o diga Junho de 2013. Tampouco há movimento político organizado que dê sentido ou voz aos aflitos. Oposição, em português claro.
“Indicadores recentes da atividade econômica sugerem que o arrefecimento observado no final de 2018 teve continuidade no início de 2019”, escreveu o pessoal do BC ao explicar nesta quarta-feira (8) a decisão de manter a Selic onde está faz quase 15 meses, em 6,5% ano. O comunicado de março dizia que “...a economia brasileira segue em processo de recuperação gradual”.
Não há motivo para esperar nada muito diferente de “arrefecimento” até pelo menos o trimestre final deste 2019 (quase a mesma situação por quase três anos, ainda dentro do buraco da recessão cavada em 2015-2016).
Há, portanto, inércia política e de atividade. Por quanto tempo os insatisfeitos serão distraídos pela confusão do show de calouros ferozes do governo?
Não há inflação, mas os preços da comida aumentam como não se via desde 2016, na maior parte devido a tempo ruim.
Devem continuar um pouco pressionados por causa do custo das carnes, que vai subir, pois os porcos chineses estão morrendo de doença e a China vai ao mercado mundial cobrir a escassez. O povo miúdo sente a inflação de alimentos perto de 9%.
A queda de um tico do desemprego será notada apenas na estatística, o subemprego ainda se dissemina, e o salário médio cresce devagar. Empresas adiam ou cortam planos de investimentos, se ouve e já aparece nas estatísticas.
Índices e indícios de confiança econômica vão mal. O gasto mensal dos brasileiros com pagamentos de suas dívidas diminui desde 2016, mas não há animação de consumo (trata-se daqui da média nacional). O endividamento total, ainda no nível médio e alto desta década, empregos ruins e incerteza devem explicar a reticência.
Não há medida resumida e recente da qualidade dos serviços públicos, de saúde em particular, assunto sempre no pódio das prioridades populares. Há histórias de falta de remédios, lotação maior de hospitais, cortes em merendas escolares. No geral, é difícil de acreditar em melhoras, dados a falência de cada vez mais estados e o começo evidente da asfixia do governo federal.
A oposição, exilada na sua falta de imaginação e de projeto alternativo, espera sentada que a gota d’água seja justamente essa, serviços públicos à míngua. Espera manifestações de estudantes e professores contra o corte de verbas ou algum rumorejo contra a reforma da Previdência, no entanto algo menos impopular.
O país está em tumulto, mas inerte.
Tudo por poder
Bolsonaro ataca a liberdade de expressão e deslegitima a independência das instituições democráticas. Ele parece fazer tudo para produzir uma desilusão com as instituições que talvez o ajude a concentrar mais poderYascha Mounk
De onde vem a fé
O Departamento de Pesquisa do Fundo Monetário Internacional (FMI) organizou recentemente uma conferência sobre os determinantes do populismo. Vou repetir: o FMI, a instituição que ninguém associa à análise de tendências políticas no mundo, foi o anfitrião de uma conferência de dia inteiro sobre o populismo. Se isso não ilustra a relevância do tema nos debates de política econômica mundo afora, não sei o que mais o faria. Estive na conferência e apresentei, com meu coautor, um paper acadêmico sobre o nacionalismo econômico — tantas vezes associado ao que chamamos de “populismo” — que será publicado em breve. As discussões sobre essa e as outras análises apresentadas foram muito interessantes, sobretudo pela diversidade do grupo. Lá estavam economistas, cientistas políticos e pessoas que pesquisam psicologia comportamental.Andar com fé eu vou/Que a fé não costuma faiáGilberto Gil
Talvez a análise mais interessante tenha sido a apresentada por Alberto Alesina, professor de economia política de Harvard. Ele e coautores formularam questionários para entender o comportamento dos eleitores em relação a diversas questões hoje encampadas pelos movimentos populistas-nacionalistas de extrema-direita. Embora a pesquisa de campo tenha sido conduzida nos Estados Unidos e na Europa, ela revela traços comportamentais que poderiam caracterizar qualquer país. Por exemplo: as pessoas tendem a acreditar nas “narrativas” internas — detesto a palavra “narrativa” pelo quê de clichê —, a despeito dos dados e fatos. Para constatar isso de forma inequívoca, os autores apresentaram vários fatos aos grupos entrevistados antes de fazer as perguntas. Quando o assunto era imigração, por exemplo, mostraram para as pessoas os dados sobre o nível de educação dos imigrantes em cada país, além da quantidade de gente de fora presente. Ainda assim, os entrevistados subestimaram o nível de educação e superestimaram o número de imigrantes em todos os países sobre os quais foram perguntados, mesmo tendo visto os dados reais antes de qualquer pergunta. Os pesquisadores também apresentaram dados sobre os níveis de pagamento de impostos e de uso de serviços e benefícios públicos de imigrantes e nativos. Imigrantes pagam, de modo geral, o mesmo nível de tributos e tendem a usar menos os benefícios públicos, sobretudo quando se trata de seguridade social, nos países analisados. Ainda assim, os entrevistados afirmaram que imigrantes pagavam menos impostos e se beneficiavam mais do sistema público do que os nativos.
Os resultados dessa pesquisa foram corroborados pelo estudo de uma professora e cientista política da Universidade de Georgetown, Charlotte Cavaillé. Ao analisar o comportamento de eleitores, ela identificou quadrantes determinados por dois eixos: no eixo vertical, quanto de fé no mercado cada indivíduo tem, a crença de que “todo esforço paga o que é justo”; no eixo horizontal, a justiça redistributiva, isto é, quanto as pessoas acreditam que “quem recebe benefícios públicos é merecedor” desses benefícios. Em seguida, ela também entrevistou pessoas para identificar seu posicionamento político. Descobriu que os que mais se identificavam com a extrema-direita eram aqueles cuja fé na justiça do mercado era inabalável, mas cuja crença nas políticas redistributivas era muito baixa, inexistente ou bastante negativa — “quem recebe benefícios é preguiçoso, não quer trabalhar”.
Por outro lado, as pessoas que se situavam nos extremos da esquerda exibiam sistema de fé oposto: as políticas redistributivas acima de todos, o mercado abaixo de tudo. Os autodenominados moderados demonstravam alguma fé nos mercados, mas não completa, e alguma fé nas políticas redistributivas, mas com ressalvas. Identifico-me com eles, pois a fé é sobrevalorizada e algum ceticismo é sempre saudável. Somos minoria.
Chegamos ao fim da conferência sem conclusões sobre como agir para combater as tendências extremistas — nesta modernidade, está difícil de enxergar um novo Iluminismo que se sobreponha à fé
"A fé tá na maré/Na lâmina de um punhal/
É a floresta, estúpido!
Atualmente, o mundo olha para o Brasil com um misto de preocupação e meneios de cabeça. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, por exemplo, anunciou cortes de 95% dos recursos para ações de combate aos efeitos das mudanças climáticas. Isso ocorreu exatamente no momento em que as Nações Unidas apresentaram o seu assustador relatório sobre a extinção global de espécies.
Porém, mais espantoso que o "timing" foi o fato de que, de qualquer maneira, o orçamento do ministério previa apenas R$ 11,8 milhões para a luta contra o aquecimento global. Enquanto alunos do ensino médio na Europa fazem greves por uma política ambiental melhor, o assunto parece não interessar a quase ninguém no Brasil. Pelo menos, não no governo.
Com isso, o Brasil joga fora o prestígio construído sob os ex-presidentes Lula e Dilma nas conferências internacionais do clima. Nessa época, na área do meio ambiente e das mudanças climáticas, o Brasil era um global player, um agente global. E, com isso, tinha nas mãos um poder de persuasão que dava peso ao país nas negociações internacionais. Será que, de fato, tudo isso está em risco?
Talvez o presidente Bolsonaro tenha copiado de seu ídolo Donald Trump a maneira como se alinhavam bons acordos. Assim, talvez, ele consiga elevar o preço que os países industrializados estão dispostos a pagar para salvar as florestas brasileiras. É que uma coisa é certa: sem o Brasil, nenhum acordo global do clima realmente eficaz poderá funcionar.
Por outro lado, não é possível enxergar qual é o grau de racionalidade da política de Bolsonaro. Será que ele realmente acredita em teorias da conspiração que dizem que as Nações Unidas querem roubar a Amazônia juntamente com os povos indígenas brasileiros?
E até que ponto Bolsonaro, como presidente, se deixa influenciar por ofensas pessoais? Assim, ele divulgou na quarta-feira que quer fazer mudanças, por decreto, na Estação Ecológica de Tamoios. Apenas lembrando: foi lá que, em 2012, Bolsonaro foi multado por pesca ilegal. O fiscal do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) responsável pela multa foi exonerado em março.
Agora, Bolsonaro quer transformar a região em torno de Angra dos Reis numa "nova Cancún no Brasil". O exemplo mexicano é conhecido pelas suas fortalezas hoteleiras de cimento e pelas áreas de lazer onde estudantes universitários americanos bebem até ficarem inconscientes durante as férias de primavera (o chamado spring break).
Será que a mais recente iniciativa de Bolsonaro é uma cruzada de vingança pessoal contra o Ibama e os ambientalistas impopulares? O presidente deve saber que nada atinge mais dolorosamente seus adversários políticos do que um ataque à natureza do Brasil. Cada árvore derrubada também é uma vitória contra o chamado "politicamente correto" tão odiado por ele.
Thomas Milz
Só no Brasil preso por corrupção indulta corruptos
O brasileiro se espanta cada vez menos. Mas a sorte foi traiçoeira com o Supremo Tribunal Federal. Impossível deixar de espetar pontos de exclamação sobre o mais recente absurdo produzido pelo plenário da Suprema Corte.
Nesta quinta-feira, como se sabe, Michel Temer foi preso pela segunda vez numa ação penal em que é apontado como chefe de organização criminosa. No mesmo dia, o Supremo validou o indulto</a></span> que o então presidente Temer concedeu em 2017 a todo tipo de criminoso "não violento", inclusive os corruptos.
Repetindo: o Brasil tornou-se um país esquisito, no qual um preso por corrupção, réu em seis ações criminais, vira benfeitor de larápios com o beneplácito da Suprema Corte. Espanto!
O preso assiste à confirmação de um decreto que assinou com o propósito deliberado de perdoar 80% das penas e 100% das multas impostas aos mais variados tipos de criminosos. Cumprindo apenas 20% do castigo, o sujeito pode ir para casa sem se preocupar com as multas. Pasmo!!</p><p>O Supremo não se constrange em referendar a extensão do indulto aos condenados porpeculato, concussão, corrupção passiva, corrupção ativa, tráfico de influência, fraudes contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa. Assombro!!!
Por 7 votos a 4, prevaleceu o entendimento segundo o qual o decreto de indulto "é um ato discricionário do presidente da República." Coisa insindicável. Nem mesmo o Pretório Excelso pode rever. Essa tese vencedora foi esgrimida em primeiro lugar por Alexandre de Moraes, ministro indicado por Temer. Estupefação!!!!
Ficou entendido que, doravante, os presidentes da República poderão decretar indultos natalinos ainda mais generosos que o de Temer. Como as peças são intocáveis, o inquilino do Planalto poderá reduzir o cumprimento das penas não para 20%, mas para 1%. No limite, pode abolir a pena. Perplexidade!!!!!
Foi para o beleléu o princípio da separação de Poderes. Diante dos superpoderes atribuídos ao presidente da República, as penas fixadas pelo Legislativo e aplicadas pelo Judiciário viraram asteriscos. Pavor!!!!!!
Tudo isso acontece num país em que o autor do decreto de indulto está preso preventivamente; sua antecessora (Dilma) aguarda no banco dos réus; outro ex-presidente (Lula) cumpre pena por corrupção e lavagem de dinheiro; dois ex-chefes da Casa Civil (Dirceu e Palocci) foram condenados por corrupção; um ex-chefe da Secretaria de Governo (Geddel) está preso desde que foi pilhado com R$ 51 milhões num apartamento...
Nesse mesmo país, dois ex-presidentes da Câmara foram presos (Cunha e Henrique Alves); um ex-governador (Cabral) arrasta no sistema prisional a bola de ferro de 198 anos de cana dura; um ex-senador, ex-candidato ao Planalto, hoje deputado federal (Aécio) protagoniza oito processos criminais e uma denúncia por corrupção passiva...
Num cenário assim, tão apodrecido, o aval do Supremo Tribunal Federal ao indulto que o preso Temer concedeu aos larápios condenados revela que o absurdo adquiriu no Brasil uma doce, persuasiva, admirável naturalidade.
Números dos falsos seguidores de @jaribolsonaro
Mas parte considerável (dos seguidores) é fake (bots).
É o que descobri stalkeando o Twitter mais poderoso da República, @jairbolsonaro, que muitos afirmam ser gerido pelo filho Carlos, o vereador mais influente da mesma, pelas agências e auditorias e controle de contas das rede sociais.
A companhia de software SparkToro afirma que 60,9% dos seguidores de Jair Bolsonaro são falsos (spam, bots, propaganda ou inativos).
A SparkToro chegou a esses dados após descobrir que 87% deles quase não têm seguidores, 69% usam locações que não se encaixam, 94% não têm URL e 61% das contas foram criadas há menos de 60 dias, além de outros dados que usam para definir o que é falso.
O site StatusPeople vai mais longe: apenas 27% dos seguidores são comprovadamente reais, 7% são falsos e 66%, inativos.
Já a auditoria TwitterAudit atesta que apenas a metade dos seguidores é real. A outra metade é composta por falsos ou incertos.
Não se sabe ao certo quem segue o presidente. Mas sabemos que, quem interessa a ele, segue.
Manda recados quase diariamente.
Bolsonaro tem tiradas bem-humoradas, quando escreveu, sobre o meme acima (que abre o post), em 6 de maio: “Kkkkk… boa montagem! Vocês são demais!”
Ele tem 4,14 milhões de seguidores. Ganha de todos os concorrentes diretos da campanha de 2018: Marina Silva (2 milhões), Fernando Haddad (1,42 mi), Geraldo Alckmin (1 mil) e Ciro Gomes (644 mil).
Ganha também de Macron (3,91 mi) e Theresa May (836 mil).
Ganha da política de maior expressão da direita francesa, Marine Le Pen (2,24 mi).
Mas perde para seu mentor, Trump (60 mi).
E de lavada para precursor do uso das redes sociais em campanhas políticas, Obama (106 mi).
Alguns nitidamente não foram ele quem escreveu, como: “As expansões das linhas de produção promovidas pelo polo cervejeiro de Pernambuco, concentrado em Igarassu e Itapissuma, têm impactado positivamente nas operações de carga efetuadas pelo porto de Recife”.
Causou uma enxurrada de memes quando anunciou no começo do mês: “Mais uma boa notícia: abertura do mercado da Argentina para abacates do Brasi! A primeira carga chegou em 30/04/19 e estão a caminho mais duas. O mercado foi aberto após a reunião bilateral da Ministra @TerezaCrisMS com representantes do governo argentino, ocorrida em janeiro.”
E já cometeu erros crassos, como confundir “ídolo” com “fã”, o que eu também fazia quando criança. Mal de família, já que o filho Eduardo escreveu num post “fundo do posso”.
As ruas e a Corte
Mas os dois fatos mostram um absurdo ético e político. Mesmo que o custo do luxo dos ministros seja insignificante em comparação com as necessidades das universidades, os dois fatos juntos mostram uma falência mais grave do que a fiscal: a falência do Estado no uso dos recursos públicos. Não importa qual dos três poderes vai gastar este dinheiro, ele sai da mesma fonte: os impostos pagos pelo povo brasileiro. Se estão atribuídos a rubricas diferentes, elas podem mudar, tanto quanto é possível fazer contingenciamento na rubrica para a universidade.
Em qualquer momento, gastar dinheiro público com ostentação, seja arquitetônica seja gastronômica, é indecente, mas em momento de crise fiscal que exige reduzir gastos com educação, além da imoralidade é uma estupidez porque desmoraliza as forças encarregadas de zelar pelo interesse público, tirando delas a legitimidade que necessitam para funcionarem na democracia.
Há exatamente 230 anos, na França, um governo atravessou situação parecida, faltava pão para o povo e a rainha comia bolo, entendendo que os gastos na Corte nada tinham a ver com os gastos nas ruas. Três anos depois ela foi levada pelas ruas em uma carroça até onde havia uma guilhotina.
Felizmente estamos em uma democracia e talvez os três poderes dialoguem para saber se falta ou sobra dinheiro, e se faltar que reduzam o luxo e salvem o ensino.
Cristovam Buarque
Felizmente estamos em uma democracia e talvez os três poderes dialoguem para saber se falta ou sobra dinheiro, e se faltar que reduzam o luxo e salvem o ensino.
Cristovam Buarque
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