O Departamento de Pesquisa do Fundo Monetário Internacional (FMI) organizou recentemente uma conferência sobre os determinantes do populismo. Vou repetir: o FMI, a instituição que ninguém associa à análise de tendências políticas no mundo, foi o anfitrião de uma conferência de dia inteiro sobre o populismo. Se isso não ilustra a relevância do tema nos debates de política econômica mundo afora, não sei o que mais o faria. Estive na conferência e apresentei, com meu coautor, um paper acadêmico sobre o nacionalismo econômico — tantas vezes associado ao que chamamos de “populismo” — que será publicado em breve. As discussões sobre essa e as outras análises apresentadas foram muito interessantes, sobretudo pela diversidade do grupo. Lá estavam economistas, cientistas políticos e pessoas que pesquisam psicologia comportamental.Andar com fé eu vou/Que a fé não costuma faiáGilberto Gil
Talvez a análise mais interessante tenha sido a apresentada por Alberto Alesina, professor de economia política de Harvard. Ele e coautores formularam questionários para entender o comportamento dos eleitores em relação a diversas questões hoje encampadas pelos movimentos populistas-nacionalistas de extrema-direita. Embora a pesquisa de campo tenha sido conduzida nos Estados Unidos e na Europa, ela revela traços comportamentais que poderiam caracterizar qualquer país. Por exemplo: as pessoas tendem a acreditar nas “narrativas” internas — detesto a palavra “narrativa” pelo quê de clichê —, a despeito dos dados e fatos. Para constatar isso de forma inequívoca, os autores apresentaram vários fatos aos grupos entrevistados antes de fazer as perguntas. Quando o assunto era imigração, por exemplo, mostraram para as pessoas os dados sobre o nível de educação dos imigrantes em cada país, além da quantidade de gente de fora presente. Ainda assim, os entrevistados subestimaram o nível de educação e superestimaram o número de imigrantes em todos os países sobre os quais foram perguntados, mesmo tendo visto os dados reais antes de qualquer pergunta. Os pesquisadores também apresentaram dados sobre os níveis de pagamento de impostos e de uso de serviços e benefícios públicos de imigrantes e nativos. Imigrantes pagam, de modo geral, o mesmo nível de tributos e tendem a usar menos os benefícios públicos, sobretudo quando se trata de seguridade social, nos países analisados. Ainda assim, os entrevistados afirmaram que imigrantes pagavam menos impostos e se beneficiavam mais do sistema público do que os nativos.
Os resultados dessa pesquisa foram corroborados pelo estudo de uma professora e cientista política da Universidade de Georgetown, Charlotte Cavaillé. Ao analisar o comportamento de eleitores, ela identificou quadrantes determinados por dois eixos: no eixo vertical, quanto de fé no mercado cada indivíduo tem, a crença de que “todo esforço paga o que é justo”; no eixo horizontal, a justiça redistributiva, isto é, quanto as pessoas acreditam que “quem recebe benefícios públicos é merecedor” desses benefícios. Em seguida, ela também entrevistou pessoas para identificar seu posicionamento político. Descobriu que os que mais se identificavam com a extrema-direita eram aqueles cuja fé na justiça do mercado era inabalável, mas cuja crença nas políticas redistributivas era muito baixa, inexistente ou bastante negativa — “quem recebe benefícios é preguiçoso, não quer trabalhar”.
Por outro lado, as pessoas que se situavam nos extremos da esquerda exibiam sistema de fé oposto: as políticas redistributivas acima de todos, o mercado abaixo de tudo. Os autodenominados moderados demonstravam alguma fé nos mercados, mas não completa, e alguma fé nas políticas redistributivas, mas com ressalvas. Identifico-me com eles, pois a fé é sobrevalorizada e algum ceticismo é sempre saudável. Somos minoria.
Chegamos ao fim da conferência sem conclusões sobre como agir para combater as tendências extremistas — nesta modernidade, está difícil de enxergar um novo Iluminismo que se sobreponha à fé
"A fé tá na maré/Na lâmina de um punhal/
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