segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Um partido marxista-leninista

O PT é um partido no estilo da velha esquerda, com laivos de via chilena e pitadas de esquerda de campus. Um dinossauro no cenário das democracias liberais e sua “crise de meia-idade” —como diz David Ruciman em seu “How Democracy Ends” (como acaba a democracia). O atavismo político e social brasileiro sustenta a vivacidade de nosso debate político.

O PT pretende, desde sua fundação, chegar ao poder e não sair dele nunca mais. Se há nele “elementos democráticos” (como respeitar a ordem institucional), esses “elementos” existem na dependência da sobrevivência do partido como ferramenta viável de chegada ao poder e sua manutenção por tempo indeterminado.

Entre a ordem institucional e a defesa da manutenção do poder, escolhe-se a segunda. Para o PT, o Lula é a ordem institucional, dane-se o resto.


Pergunta-se, por exemplo, se as Forças Armadas quebrariam a ordem institucional. Mas há uma pergunta anterior, cujos indícios podemos perceber por toda parte —e a insistência do PT em fazer de Lula seu candidato mesmo após sua condenação em segunda instância só reforça essa percepção.

Qual a função da democracia liberal burguesa e sua ordem institucional para a visão política marxista-leninista que é a raiz filosófico-política das inteligências que alimentam o PT e grande parte da esquerda nacional?

Respondo: a função da democracia liberal burguesa é apenas servir de trampolim para sua posterior destruição.

Sei. Dirão que essas são categorias históricas superadas. Mas grande parte da estrutura política latino-americana é atávica mesmo. 

Se patinamos em modos coloniais de funcionamento, repetindo estruturas herdadas da escravidão, repetimos também modos políticos que vão do século 19 à Guerra Fria do 20, no tocante à expectativa “democrática revolucionária” do tipo leninista, trotskista ou maoísta. Somos atrasados até nisso: a “esperança” da esquerda brasileira é voltar para a primeira metade do século 20. Ela ainda quer “derrubar” a ditadura.

Se a esquerda fala tanto da ditadura militar no Brasil é porque ela está, ainda, mentalmente e politicamente, naquele lugar. A União Soviética ruiu, mas não na América Latina. Cuba e o delírio que intelectuais brasileiros mantêm com a ilha mantida na miséria são as provas evidentes desse atavismo mental e político.

Para qualquer pessoa letrada em marxismo e leninismo, é evidente que questões como corrupção, respeito à ordem institucional, defesa da liberdade de expressão e afins só importam enquanto servirem como retórica para tomada e manutenção do poder, jamais como valores intrínsecos.

E a razão é a própria teoria marxista, que tem desprezo pelo vocabulário e imaginário da democracia liberal burguesa. Se o burguês é dado a uma forma hipócrita de humanismo (chora por crianças com fome e demite seus pais pelo lucro), ele também fala de democracia, contanto que “as massas exploradas” continuem servindo cafezinho. E, portanto, a democracia da burguesia não vale nada. E sua ordem institucional tampouco.

Sim. Dirão que o PT é um partido da social-democracia europeia. Direi que não. Até pode haver laivos nele disso, mas social-democracia europeia é coisa de rico. No Brasil, estaria mais ligado ao povo chique que vive entre a praça Panamericana e Higienópolis, tipo o PSDB histórico (a Sorbonne do então PMDB).

O discurso do PT e da esquerda brasileira se aproxima mais da “via chilena” dos anos 1970: chegar ao poder via voto popular e dele não sair nunca mais. Isso implicava, e implica, a transformação da ordem institucional para sustentar sua própria concepção de democracia. A mesma transformação de Cuba e Venezuela (com diferenças aqui e ali). 

A esquerda destruiria a ordem institucional facilmente, com apoio, inclusive, de grande parte da inteligência pública, na mídia e nas universidades.

Faça um teste: pergunte o que grande parte dessa moçada pensa de Cuba e Venezuela. O que o PT pensa já sabemos. Seus governos foram íntimos aliados e defensores (inclusive com o nosso dinheiro) dos “ditadores democráticos” desses dois países.

E a esquerda de campus? Essa é a nova esquerda, que tem medo de sangue e quer um shopping para chamar de seu. São os departamentos de ciências humanas que “pesquisam” gênero, votam no PT, fariam xixi nas calças diante de Marx e Lênin e detestam gente que cheira a ônibus.

A esquerda marxista-leninista sempre desprezou a ordem institucional. Falam nela para enganar bobo.

Luiz Felipe Pondé

Já tem candidato para deputado?

Na mais imprevisível eleição pós-democratização, na qual o vale tudo testou todos os limites – candidato condenado e preso desafiando a Justiça, topando ser substituído a contragosto no minuto final, e outro esfaqueado em plena campanha -, há algo que não surpreende: o pouco caso frente à escolha de deputados, associada agora à pregação de não se reeleger ninguém ou de anular o voto.

Não é novidade o menosprezo pelas eleições proporcionais. Elas dificilmente frequentam os debates, quase nunca são medidas em pesquisas. Não raro, deputados são números decorados ou rabiscados em colas pelos eleitores pouco antes de chegar às urnas. Mais difícil ainda é encontrar um eleitor que saiba o nome de quem mereceu o seu voto poucos meses depois do sufrágio.


A perversidade dessa desimportância está no fato de que não há democracia sem Parlamento. Mais: embora todo poderoso, presidente da República algum consegue administrar sem maioria na Câmara e no Senado. Não é demais dizer que a qualidade de um governo depende diretamente do perfil do Congresso, ainda que muitos de seus integrantes se rendam com facilidade às ofertas nada republicanas feitas em nome da governança.

Curiosamente, esses cambalachos acabaram por demonizar mais os deputados do que os chefes do Executivo responsáveis pelas propostas indecorosas.

Embora muitos, propositalmente, misturem todos no mesmo saco, a maior parte da bandidagem apurada pela Lava-Jato situa-se nos tempos de Lula e Dilma Rousseff e nos governos estaduais da época, tendo Sérgio Cabral como ícone. E, ainda que alguns sejam réus e acusados por mais de um crime (55 dos 513 deputados são suspeitos ou investigados por corrupção), 70% dos parlamentares federais não respondem a qualquer processo. Podem até ter vários defeitos, e têm, mas não há indicativos de que roubem. São, portanto, vítimas da generalização.

Sumidos entre o pipocar quase cotidiano de pesquisas eleitorais para a Presidência da República e para os governos estaduais, os 8,4 mil postulantes a deputado federal são candidatos de segunda categoria; os 17,8 mil que disputam as assembleias estaduais, de terceira. No horário obrigatório de rádio e TV, praticamente se resumem a um nome e um número, com, no máximo, uma frase de efeito para enfeitar a aparição.

As regras parecem injustas. E são. Foram feitas para manter benesses dos parlamentares, incluindo as dos que dizem repudiar privilégios. Postura que aumenta a confusão, corroborando para o eleitor enfiar tudo e todos no mesmo balaio maldito. Normas criadas para afastar o eleitor e perpetuar currais de votação. Para impedir caras novas e minar as chances de políticos sérios, que, mesmo trabalhando com afinco, se deixam misturar ao joio.

Assim sendo, como enxergar o trigo? Como repor a necessária dignidade a um Poder tão maltratado por boa parte das excelências que o ocupa?

Não são poucas as dissonâncias, impropriedades e mazelas das casas legislativas. É urgente mudá-las, exigir e cobrar muito mais do que o quase nada que elas têm ofertado. Mas como não há democracia sem elas, de nada adianta campanhas por nulidade do voto ou contra qualquer um que tenta se reeleger. A renovação é sempre bem-vinda, revigora e energiza a política. Mas o novo pelo novo não é aval de qualidade e seriedade.

Principal instrumento da democracia, o voto – um direito que não deveria ser obrigação – vai além da urna. Eleger alguém não coloca um ponto final. Ao contrário, inicia-se um ciclo. Ao eleitor cabe definir se de negação ou vitalidade.
Mary Zaidan

O PT e o PCC

O PCC está fazendo escola. Estabeleceu uma forma de organização presidida por criminosos em presídios, que dão ordens a todos os seus membros. Comandam da carceragem toda uma série de operações, que são executadas por comparsas agindo enquanto homens livres. Seu raio de ação abarca o território nacional graças a uma hierarquia claramente estabelecida, estendendo seus braços até para o exterior, como é o caso do comércio de armas e do narcotráfico. Presidente é presidente, independentemente de ser presidiário. Chefe é chefe e, como tal, deve ser obedecido.

Seria de esperar que esse modelo de atuação, além de ser devidamente combatido, ficasse restrito à sua esfera específica de influência. Evidentemente, a segurança do País disso depende. Esse modelo, porém, para surpresa geral foi imitado pelo PT, em particular por seu chefe, que segue, do ponto de vista formal, os mesmos moldes de operação.


O que menos se poderia esperar é que a política seguisse o modelo de uma organização criminosa. A política, em sua inspiração ateniense, seria um modo de congregação pública pela via da razão, não o apêndice de um partido que chama a si toda uma hegemonia pela ação de um presidiário. Presidiário condenado em todas as instâncias legais e constitucionais do País, tendo exercido o seu livre direito de defesa e sustentando publicamente suas posições, graças, em boa medida, a uma mídia e a jornais complacentes.

O ex-presidente Lula, condenado, está cumprindo pena. Goza, porém, de condições carcerárias não autorizadas para outros cidadãos. Trata-se de um criminoso especial. Costuma falar da igualdade de todos os brasileiros, mas não aceita, de modo algum, ser considerado um igual. Acima de todos os cidadãos e acima até mesmo das leis do seu país. Sua cela se tornou um centro de comando, com a anuência das autoridades públicas que deveriam ter exercido controle sobre essa falta de limites morais e jurídicos. Recebe partidários mascarados de advogados, com os quais discute a estratégia partidária a ser seguida. De lá emanam ordens que vão ser, depois, seguidas pelo partido. Ao contrário do PCC, que guarda sigilo, Lula e o PT fazem isso à luz do dia.

Não deixa, contudo, de causar espanto o fato de o PT se prestar a tal serviço. Historicamente, o PT apresentou-se, num passado que parece agora remoto, como o partido da ética na política. Dizia aceitar os valores da democracia representativa e transmitia a imagem de uma nova vida partidária, encarregada de regenerar o País. Muitos caíram nesse encantamento e chegaram mesmo a ser considerados parceiros social-democratas dos tucanos, apesar de relutarem em aceitar tal denominação.

A queda foi vertiginosa, ao tornarem-se a corrupção e o desvio dos recursos públicos um meio de governar e de fazer avançar um projeto próprio de poder, à revelia daqueles valores e princípios que outrora dizia defender. A questão, aliás, que deveria ser posta por aqueles que permanecem adeptos desses valores e princípios reside em como obedecer às ordens de uma organização partidária que segue o modelo do crime. Ou o PT enfrenta seriamente essa questão, ou estará programática e moralmente perdido.

Acontece que a corrente majoritária no partido adotou o modelo de atuação do PCC. Ordens de comando de dentro da carceragem são transmitidas para fora e obedecidas. A narrativa ainda mantém o ranço das posições socialistas/comunistas em sua nova roupagem do “nós” contra “eles”, dos “ricos” contra os “pobres”, dos “progressistas” contra os “conservadores”. Só uma academia cega ideologicamente consegue aceitar e propagar tais disparates, além dos propriamente incultos, por falta de informação e formação.

A narrativa politicamente correta é o que ampara as ações internacionais dessa organização. Criminosos comuns fazem isso pelo contrabando, pela violência e pela completa ilegalidade. Essa esquerda o faz pela transmissão ideológica amparada numa suposta defesa dos direitos humanos, sustentada por acadêmicos que comungam tais confissão e fanatismo. O artifício não deixa de ser eficaz, embora não consiga esconder a sua perfídia.

A operação internacional foi realizada a partir da atuação junto a uma Comissão de Direitos Humanos cujas recomendações não são vinculantes e, sobretudo, não se sobrepõem ao ordenamento jurídico do País. Ora, utilizando-se de seus contatos ideológicos, o PT conseguiu que dois ditos peritos dessa comissão de 18 membros declarassem Lula como usufruindo direitos políticos para disputar eleições, quando isso é expressamente vedado pela Lei da Ficha Limpa, pelo mesmo Lula promulgada quando presidente. Seria hilário, não fosse dramaticamente real.

Imaginem se a moda pega nesta “comissão” e no Conselho dos Direitos Humanos da ONU. Aliás, este último é constituído por países que são costumeiros na violação dos verdadeiros direitos humanos, como atentado à integridade física das pessoas, violência generalizada, desigualdade entre homens e mulheres, ausência de liberdade de imprensa e de expressão, e assim por diante. Junta-se assim uma maioria de países que não comungam nenhum valor de liberdade e democracia, que imporia ao Brasil uma “decisão” tomada por um grupo de esquerdistas desse naipe, alguns francamente religiosos.

Compartilhando as posições de um editorial deste jornal, em boa hora o general Villas Bôas, comandante do Exército, se insurgiu contra tal postura, afirmando que a soberania nacional não é negociável, nem pode estar subordinada a nenhuma organização externa, muito menos à de um grupo de esquerdistas que procuram minar internamente o Estado Democrático de Direito. Cumpriu sua missão constitucional, expondo com clareza os perigos que assolam nosso país. Mais vale um alerta lúcido do que as consequências nefastas de uma renúncia à soberania nacional.

Imagem do Dia


O grande dejà vu

A três semanas das eleições, começam a se definir as alternativas reais de poder à esquerda e à direita na disputa pela Presidência da República, num processo de polarização e radicalização política que parece irreversível. A única possibilidade de barrá-lo seria o reagrupamento dos eleitores de centro em torno de uma candidatura mais robusta, o que parece cada vez mais difícil, em razão do esgarçamento político provocado pela disputa acirrada entre os candidatos que disputam essa fatia do eleitorado.

Na pesquisa Datafolha divulgada na sexta-feira, estava delineado este cenário: mesmo fora da campanha, hospitalizado, Jair Bolsonaro (PSL) atingiu 26% das intenções de voto, uma variação positiva de dois pontos, fruto da inércia de sua atuação nas redes sociais e, obviamente, do atentado à faca do qual foi vítima; o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT), no vácuo do prestígio eleitoral do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está preso, cresceu mais três pontos, confirmando o êxito da audaciosa estratégia petista, chegando ao mesmo patamar de Ciro Gomes (PDT), ambos com 13% dos votos.

Além de Ciro Gomes, tentam chegar ao segundo turno Geraldo Alckmin (PSDB), que oscilou de 10% para 9%; e Marina, que caiu de 11% para 8%, ou seja, a metade das intenções de voto que tinha em agosto (16%). João Amoêdo (Novo), Henrique Meirelles (MDB) e Álvaro Dias (Podemos), todos com 3%, completam a fragmentação do eleitorado de centro. Esses candidatos somam 23% dos votos, ou seja, o suficiente para levar um nome de centro ao segundo turno. Se adicionarmos os 13% de Ciro, teríamos uma fatia de 36% dos eleitores que rejeitam Bolsonaro e Haddad, ou seja, um candidato a um passo da vitória, como aliás mostram as simulações, até com folga. O esgarçamento das relações políticas entre esses candidatos, porém, dificulta a convergência de seus eleitores em direção ao centro no primeiro turno; é mais fácil os eleitores se dividirem em dois blocos e embarcarem na nefasta radicalização esquerda versus direita, no segundo turno.


Bolsonaro e Haddad protagonizam um grande "déjà vu", expressão francesa que descreve a reação psicológica da transmissão de ideias de que já se esteve em algum lugar ou viu alguma pessoa. Isso não significa necessariamente que se tenha vivido a experiência. Segundo a neurociência, o cérebro possui a memória imediata, responsável, por exemplo, pela capacidade de repetir imediatamente um número de telefone e logo esquecê-lo; a memória de curto prazo, que dura algumas horas ou dias, mas pode ser consolidada; e a memória de longo prazo, que dura meses ou até anos, como a aprendizagem de uma língua. O déjà vu ocorre quando há uma falha cerebral: os fatos que estão acontecendo são armazenados diretamente na memória de longo ou médio prazo, sem passar pela memória imediata, o que nos dá a sensação de já haverem ocorrido.

Na eleição, politicamente, essa sensação é alimentada pela narrativa dos candidatos Bolsonaro e Haddad. O primeiro resgata a memória do regime militar, que somente os eleitores com mais de 50 anos efetivamente vivenciaram. Declarações recentes do vice de Bolsonaro, general Hamilton Mourão, agravam essa sensação, porque ele defende um “autogolpe”, caso Bolsonaro assuma a Presidência e parece ter a fórmula pronta para isso: uma Constituição feita por notáveis, ou seja, outorgada, como as de 1824, de D. Pedro I; e a de 1937, do Estado Novo, da ditadura de Getúlio Vargas. Não vamos nem relembrar os atos institucionais do regime militar.

As declarações de Haddad também fomentam essa sensação, pois ele pretende fazer a roda da história andar para trás e recomeçar tudo outra vez, a partir do governo Lula, o que é no mínimo uma grande desonestidade intelectual. Promete altas taxas de crescimento e de geração de emprego, ao mesmo tempo em que pretende revogar o teto de gastos, a reforma trabalhista e não mexer na Previdência. Para isso, propõe varrer para debaixo do tapete os escândalos do “mensalão” e da Petrobras. E culpa o PSDB pelo fracasso do governo Dilma Rousseff, como se a disparada dos preços, o desemprego de 11 milhões de trabalhadores e a recessão de 4% de queda do Produto Interno Bruto não fossem responsabilidade de quem exercia o poder.

Da mesma forma, porém, as forças políticas de centro não podem responsabilizar Bolsonaro e Haddad pela situação em que se encontram, em particular o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, que até agora não demonstrou capacidade de representar a grande massa de eleitores que não desejam a radicalização política. Os escândalos desnudados pela Operação Lava-Jato atingiram também o PSDB, que se tornou uma legenda tóxica como o PT, mas sem a militância e um líder carismático como Lula. Além disso, há que se considerar o fato de que as mudanças em curso no mundo colocaram em xeque os fundamentos da democracia representativa e os programas socialdemocrata e liberal. Essa fragilidade programática, de certa forma, dificulta a ampla aliança de forças de centro e alimenta a sensação de volta ao passado, o déjà vu nacional-desenvolvimentista, autoritário e populista, proposto por Bolsonaro e Haddad.

Polarização fermenta o privilégio

Conquista das liberdades humanas não se pode realizar no desentendimento ou "guerra" dos sexos, nem no preconceito da superioridade total de um sobre o outro, mas na lealdade, na aceitação das responsabilidades em comum, no sofrimento alegremente compartilhado
José Rodrigues Miguéis," É proibido apontar"

Aos piores fatos, as melhores versões

Durante quase 30 anos, período em que algumas emissoras de rádio e TV mantiveram, aqui em Porto Alegre, programas de debates do tipo dois para lá, dois para cá, me contrapus incontáveis vezes com entusiasmados defensores dos regimes cubano e, mais recentemente, venezuelano.


A cada degrau descido por esses países na escada da perdição, era inevitável subir os morros onde se situam as emissoras para participar de rodadas de debate com o singelo encargo de afirmar o óbvio ante o contorcionismo retórico posto em prática por antagonistas cujo único intuito era o de dissimular o que todos viam. Cuba, diziam, era a coisa mais parecida com o paraíso terrestre, sob um regime que encarnava a beleza dos versos de José Martí tanto quanto o “socialismo bolivariano” evocava o eminente papel histórico de Simón Bolívar.

Aí já começavam a incongruência e a mistificação. Nenhum dos dois – Martí e Bolívar – se respeitados fossem, se consultados pudessem ser, aceitaria qualquer associação com os tiranos que se apossaram de suas imagens. Ambos eram libertadores e não aprisionadores de seus povos. Ambos lutaram contra o inimigo estrangeiro e não contra seus próprios conterrâneos. Mas tudo servia e serve para quem assume a fraudulenta tarefa de vender submissão como sendo autonomia, miséria como sendo abundância, perda de direitos como liberdade, atraso como progresso.

Aconteça o que acontecer por lá jamais se ouvirá dos incongruentes qualquer palavra que não seja de justificação e exaltação. Os argumentos são comuns aos dois regimes. Contra os fatos, a versão; contra a história, a narrativa; e, sobre tudo, a culpa dos Estados Unidos. Nessa fraudulenta perspectiva, qualquer país do mundo que mantenha relações comerciais e diplomáticas amistosas com os Estados Unidos empobrecerá por causa dessas relações e qualquer país sobre o qual pesem embargos comerciais norte-americanos, será pobre por causa disso. Apanha pelo sim e apanha pelo não. A coerência que se dane. A história, porém, ensina a quem a estuda: no comunismo, quando o capitalismo joga a toalha, a vida vira uma droga (para usar termo brando).

Se alguém tinha dúvida sobre o tipo de estrago que o chavismo, o socialismo, o bolivarianismo, o comunismo, o castrismo - o que seja, dessa gororoba ideológica - podem fazer num país, creio que a vida dos venezuelanos, sua acelerada degradação social, política e econômica, ajudam a dissipar.

A tirania, agora, proíbe a oposição de participar da eleição presidencial venezuelana. Ausentes os partidos oposicionistas, as chances de uma vitória do governo são, digamos, bem razoáveis. Mas até para isso há fã clube no Brasil. E querendo voltar ao poder.
Percival Puggina

Brasil da Justiça funcionária


Haddad vola à cadeia para receber instruções

Uma semana depois de ser confirmado como presidenciável do PT, Fernando Haddad exercitará sua lulodependência em nova visita ao mentor-presidiário nesta segunda-feira. O hipotético cabeça da chapa petista vai receber instruções de Lula, o cérebro de sua campanha, na cela da superintendência da Polícia Federal, em Curitiba.

Nos últimos 40 dias, Haddad visitou a cela especial de Lula meia dúzia de vezes. Seu ingresso nas dependências da PF é assegurado por uma farsa. Advogado bissexto, Haddad revalidou seu registro profissional para ser incluído no rol de defensores de Lula. Nas suas visitas, cuida de política, não da defesa do preso.

Graças à complacência das autoridades judiciárias, a cela de Lula tornou-se o comitê central da campanha presidencial do PT. Mal comparando, Lula age como os líderes de facções criminosas. Condenado a 12 anos e um mês de reclusão por corrupção e lavagem de dinheiro, transformou a cadeia em escritório político.

Toffoli acena com boia aos náufragos da Lava-Jato

O novo presidente do Supremo Tribunal Federal não disse a que veio em seu discurso de posse. Em 27 páginas, o ministro Dias Toffoli se esquivou de polêmicas e fez uma promessa vaga de “pacificação”. Citou os pensadores Renato Russo e Leandro Karnal, mas não encontrou tempo para falar de mordomias e privilégios. A palavra “corrupção”, que tem dominado a agenda da Corte, foi lembrada apenas duas vezes. Numa delas, o orador discorria sobre um programa de TV.

Horas antes do falatório, Toffoli deu uma pista mais quente do que esperar de sua gestão. Numa canetada, ele suspendeu a ação penal contra o ex-ministro Guido Mantega por corrupção e lavagem de dinheiro. O petista foi acusado de cobrar R$ 50 milhões da Odebrecht em troca da edição de duas medidas provisórias. Segundo o dono da empreiteira, o dinheiro serviu para “fins diversos” e abasteceu a chapa Dilma-Temer na eleição de 2014.


De acordo com a denúncia do Ministério Público Federal, o petista beneficiou a construtora em troca do pagamento de propina. Marcelo Odebrecht disse que o negócio foi fechado em reunião no escritório do Ministério da Fazenda em São Paulo. O delator contou que Mantega exibiu o valor desejado numa folha de papel. Para não deixar rastros, ele teria ficado com a anotação.

A conversa entre o ministro e o empreiteiro ocorreu em 2009, mas o processo só foi aberto em agosto passado. No dia em que completaria um mês, voltou à estaca zero. Toffoli tirou o réu das mãos do juiz Sergio Moro, titular da 13ª Vara Criminal de Curitiba.

O ministro acusou o juiz de “burlar” um entendimento do Supremo. Ele alegou que o processo de Mantega se limitaria à prática de caixa dois. Por isso, deveria correr na Justiça Eleitoral, paraíso dos políticos investigados pela Lava-Jato. Moro já cometeu muitos excessos , mas a denúncia contra o ex-ministro descrevia um caso típico de corrupção.

Há uma diferença sensível entre as duas acusações. A lei é mais dura com os corruptos, que podem pegar até 12 anos de prisão. Quem faz caixa dois responde por falsidade ideológica eleitoral. Neste caso, a pena é de no máximo cinco anos. Na prática, ninguém vai para a cadeia.

A conversa de “pacificação” soa como música para quem não desistiu de estancar a sangria da Lava-Jato. O Supremo tem livrado figurões da tormenta, mas ainda há gente com medo de terminar o ano à deriva. Agora o ministro Toffoli acenou aos náufragos com uma boia.

*** 

Gilmar Mendes não falha. Na sexta-feira, o supremo ministro libertou Beto Richa. O ex-governador passou apenas três noites na cadeia. A Sociedade Protetora dos Tucanos ainda deve uma estátua ao magistrado.

O habeas corpus também beneficiou Joel Malucelli, suspeito de fraudar licitações e desviar verba pública no Paraná. O empresário é financiador e suplente de Alvaro Dias, o presidenciável que manda o eleitor abrir o olho.

Se não acontece...

As pessoas esquecem-se sempre das profecias a menos que se realizem
Margaret Atwood

Ninguém responde ao general

De novo na estrada, no centro de Minas, a 700 quilômetros do Rio. Deixei um clima político bastante polarizado. A série de entrevistas com candidatos mostrou como o mesmo trabalho pode parecer contrário ou a favor do entrevistado, dependendo do ângulo do espectador.

Eu mesmo fui criticado por não ter respondido ao general Mourão sobre heróis e tortura. As pessoas talvez desconheçam a fronteira entre uma entrevista e um debate.

Como jornalista, ouço as pessoas, registro no meu caderno ou gravo as opiniões colhidas. Às vezes, refaço a pergunta, apenas para obter mais transparência nas ideias e projetos. Quando a entrevista é em conjunto, trata-se de um ritual coletivo que tem como objetivo oferecer uma visão mais completa do personagem, dentro de um determinado prazo.

Se alguém diz “heróis matam”, não posso contestá-lo. E se o fizesse, diria apenas que heróis também matam, a julgar pela História, inclusive da esquerda e das lutas anticoloniais.

Heróis morrem pela liberdade, ora lutando pelos irmãos de cor, como Martin Luther King, ora pela paz, como Mahatma Ghandi. Herói apenas salvam vidas, como a professora Helley Abreu, na escola incendiada em Janaúba.

Às vezes, heróis não matam nem morrem. Simplesmente dedicam-se a ajudar os outros. Conheci Noel Nutels no aeroporto de Belém, e ele me contou como cuidava dos índios, sobretudo de seu pulmão. Fiquei impressionado com ele até hoje. Isso tem mais de meio século.

Não conheci Nise da Silveira pessoalmente. Mas quando vi o que fez pelos doentes mentais, livrando-os do choque elétrico e despertando sua visão estética, compreendi que sua vida também teve um grande propósito.

Quanto à tortura, sou bastante tranquilo ao condená-la. Hoje, o Brasil subscreve acordos internacionais que a varrem de nossas práticas cotidianas. Não significa que cessaram: apenas são ilegais.

Ao defender a tortura em nome de grandes ideais, a direita cai na mesmo equívoco da esquerda. Adota o lema: os fins justificam os meios.

Na minha cabeça, essas coisas são claras. Como tenho a possibilidade de me expressar por artigos e uma longa existência por trás de cada opinião, estou à vontade percorrendo o Brasil, ouvindo as pessoas.

Não me importam se racionais, sensatas, delirantes ou alucinadas: gosto de ouvi-las. O alívio de voltar a elas se deve à sua leveza e complexidade. Uma leveza que não atrai torcidas contra ou a favor, como um candidato. E uma complexidade que não nos seria possível antever, se Shakespeare fosse um escritor com viseiras ideológicas.

Não acho que valha a pena agora uma discussão sobre 1964 ou sobre a Guerra do Paraguai. O agora é muito delicado.

Esta semana tentei usar a França para formular uma hipótese. Lá, depois de um período de barricadas de esquerda, sobrevém um governo de ordem. De Gaulle venceu as eleições depois do Maio de 68. A tendência no Brasil foi a do fortalecimento de uma visão que deseja ordem e seriedade na condução do governo.

Minha dúvida ainda se apoia nessa referência à França. De Gaulle representava um tipo de autoridade. Le Pen e sua filha Marine, da extrema direita, apenas chegaram ao segundo turno das eleições. A ascensão de seu movimento não foi suficiente para ganhar o governo.

Sei como é precário comparar um país com outro. Mas o que posso fazer, senão usar também algumas memórias?

Ninguém sabe do futuro. É possivel usar como exemplo a vitória de Trump. Mas ele tinha uma condição especial: milionário, apoiado por uma rede de TV, integrado, com um pouco de desconforto, num grande partido.

O que restou dessa passagem mais longa pelo Rio, respirando o clima eleitoral, candidatos, equipes, planos, sai um pouco apreensivo.

O clima de radicalização está levando as pessoas a lerem apenas notícias com as quais concordam. Cerca da metade das intervenções na rede negava a facada em Bolsonaro. Se continuarmos assim, abrigados em tribos, acreditando apenas no que queremos acreditar, será cada vez mais difícil a vida de quem não habita os extremos.

Para os intelectuais, é um perigo de morte. Se você acha que sabe tudo, que tem a correta visão do mundo, não precisa ler os outros, confrontar argumentos, corrigir erros, a tendência é a fossilizacão.

E nem para os fósseis a vida está fácil no Brasil, Luzia que o diga.

Paisagem brasileira

Igreja Nossa Senhora da Conceição (MG), Georges Wambach (1951)

Salvadores e justiceiros, não

A construção de uma nação é uma tarefa de séculos, sua ruína pode ser precipitada por uma irreparável sucessão de desastres. Um país destroçado, tanta violência no ar, o medo ditando gestos, o ódio na ponta da língua, afiado como a loucura na ponta da faca. Falsos profetas vendem felicidade a preço de voto.

A radicalização entre extremos vem sendo alimentada por aqueles a quem ela interessa. Bolsonaro e o PT alimentam-se um do outro, sacudindo a bandeira do medo, o pior dos conselheiros. Ambos se querem como adversários no segundo turno. Em proveito próprio, reduzem ao “nós contra eles” a complexidade de um país diverso, de uma sociedade perplexa e assustada.

Essa falsa polarização deforma a imagem do Brasil como um espelho de circo. Anula a metade dos eleitores que recusa esses extremos e matiza seu voto nos tons da diversidade de opiniões, do pensamento sem cabresto. Será um trágico mal-entendido se, por um jogo de circunstâncias — uma fragmentação de candidaturas similar à que elegeu Crivella prefeito do Rio — um ou outro extremo sair vencedor, deixando atrás de si mágoas e juras de vingança do derrotado que se arrastarão pelos anos vindouros. E, frustrada e excluída, a metade dos eleitores que se recusam a participar dessa guerra de facções.

O enfrentamento dos problemas que nos assombram caberá a quem souber somar os honestos e competentes, e esses, sim, saberão se multiplicar. Não subtraindo nem dividindo. Falando de paz e não de guerra, de futuro, não de regressão.

É preciso que a razão prevaleça sobre o fanatismo. Uma nação não é um aglomerado de pessoas. É uma comunidade de destino que, quando lastreada na liberdade, não pode eleger o ódio e a intolerância como regra de convivência.

Nesta eleição a sorte do Brasil se joga no primeiro turno. É preciso fortalecer uma opção aos extremos que, no segundo turno, torne possível a derrota de salvadores da pátria que não servem senão a si mesmos e de justiceiros que serão sempre os piores semeadores de injustiças.

Desmatamento para produção de commodities persiste no Brasil e no mundo

Nas últimas décadas, o esforço em prol da preservação ambiental parece ter sido incorporado, em maior ou menor grau, por governos, empresas e cidadãos.

Mas, de acordo com um estudo publicado nesta quinta-feira pela revista Science, há um tipo de problema ambiental, dos mais sérios, que não está sendo reduzido: o desmatamento causado para liberar espaço para a produção de commodities.

O conceito define os produtos que são praticamente uniformes e têm seus preços regulados pelo mercado internacional - tais como café, sal, açúcar, soja e metais como prata, ouro e ferro.

Em geral, a produção de commodities também é dependente de grandes extensões territoriais.


"Mesmo assim, as commodities em si não devem ser vilanizadas, muito embora sua produção contribua significativamente para a perda das florestas", disse à BBC News Brasil o analista de dados Philip Curtis, colaborador da organização não governamental The Sustainability Consortium e o principal autor do estudo.

"À medida que a população mundial aumenta, há uma demanda cada vez maior por alimentos para as pessoas e rações para os animais, de modo que nunca devemos perder de vista o que é ganho quando as florestas são substituídas para a produção de commodities."Image captionRetrato do desmatamento da Amazônia em Madre de Dios, no Peru

O pesquisador verificou que um dos exemplos mais nocivos neste caso é o cultivo para produção de óleo de palma. "Especificamente no Sudeste Asiático", constata.

"Existem alternativas ao óleo de palma e seus derivados, mas elas podem ser mais caras. As certificações ajudam a reduzir o desmatamento, mas não são a solução completa. Quase sempre a decisão de priorizar a proteção das florestas enfrenta forças econômicas como a necessidade de um negócio para obter lucro e a demanda de pessoas por bens menos caros. Assim, governos, empresas e consumidores devem decidir como equilibrar o desejo por produtos baratos com o desejo de proteger as florestas, se quisermos impedir a perda permanente de terras florestais."

Para chegar aos dados, o analista utilizou mapas atuais que mostram as áreas desmatadas no planeta. Curtis analisou as transformações florestais de 2001 a 2015. Além de demonstrar essas mudanças, o estudo ainda concluiu que todas as florestas que passam por mudanças drásticas, mesmo que estas sejam pontuais, acabam sendo alteradas permanentemente.

As imagens foram extraídas dos registros feitos e armazenados pela plataforma Google Earth, a partir de fotografias de satélite. Essas imagens demonstram que 27% do desmatamento global é causado pelas commodities - e, ao contrário dos outros fatores, este é um número que tem se mantido relativamente constante ao longo dos últimos anos.

No artigo, os cientistas ainda frisam que, independentemente de qualquer conclusão adicional, o estudo "indica que as políticas de desmatamento zero não estão sendo implementadas com rapidez suficiente para atingir as metas". Curtis lembra que 450 grandes corporações mundiais já se comprometeram a trabalhar com "desmatamento zero" até 2020.

O estudo mapeou todas as razões que levam a alterações ambientais por meio do desmatamento. O mais grave é a alteração de uma paisagem florestal a fim de abrir espaço para a produção de bens ditos commodities, tanto na agricultura como na mineração. Esta intervenção é permanente.

Há outros fatores preocupantes, mas estes de caráter temporário: a agricultura itinerante, a extração madeireira controlada e os fatídicos incêndios florestais.

Além da produção de commodities, outros são os fatores que causam o desmatamento de florestas. Vinte e seis por cento dos danos atualmente são atribuídos ao manejo comercial florestal, ou seja, a intervenção nessas áreas com o objetivo de obter madeira ou outros benefícios.

Vinte e quatro por centro são por conta da agricultura - no caso, aquela que não é commodity, ou seja, produções menores e geralmente associadas à subsistência ou a suprir demandas de comunidades do entorno.

Incêndios florestais respondem por 23% dos danos e a urbanização, por menos de 1%.Image captionEstudo mapeou todas as razões que levam a alterações ambientais por meio do desmatamento

"Eu diria que esta é a principal conclusão do estudo", afirma Curtis. "Mais de 99% das perdas florestais globais podem ser classificadas nessas quatro causas principais."

"Por outro lado, descobrimos que 27% da perda florestal dos últimos 15 anos é permanente, devido à produção de commodities", ressalta. Por permanente, vale dizer que os efeitos na vegetação não são recuperados. A área permanece destruída, não havendo sinais de um reflorestamento natural - ao contrário, por exemplo, das regiões afetadas pelos outros tipos de desmatamento.

Além da revista Science, os dados completos da pesquisa devem ser disponibilizados hoje também no site da The Sustainability Consortium e também no Global Forest Watch.

O candidato do PT

Acabou o suspense. O Partido dos Trabalhadores tem seu candidato.

Em entrevista à Globonews no dia 6 de setembro, Fernando Haddad reconheceu alguns erros de Dilma que resultariam em uma pequena crise. A severidade da recessão em 2015-2016, porém, foi consequência de o PSDB não ter aceitado o resultado eleitoral.

A tese é quase divertida. Fica o desafio de um trabalho estatisticamente sério que mostre que a conjectura vai além de conversa de botequim.

O candidato parece ignorar o desastre fiscal do governo, que levou a dívida pública a passar de 50% para 70% do PIB em apenas três anos.

O que preocupa mais é a dificuldade de aprendizado. Lula não errou. Os empréstimos do BNDES, a reconstrução da indústria naval, a mudança do marco regulatório do petróleo, a construção das refinarias, e inúmeras outras medidas não foram erradas.


Recente estudo de Ricardo Barboza e Gabriel Vasconcelos documenta que cada R$ 1 emprestado pelo BNDES gerou R$ 0,50 de investimento.

Qualquer avaliação de custo e benefício das atividades dos BNDES no período petista começa com um desperdício de 50%. Para que a perda não seja inaceitável, nos outros 50% o ganho social do investimento, em excesso ao ganho privado, teria de ser surpreendentemente elevado para que as ações do banco não entrem na lista dos imensos desperdícios da década passada.

Eugênio Gudin em coluna para O Globo em 12 de maio de 1961, citando discursos do deputado Raul Gois, escreveu:

"Cita o ilustre deputado: 'Um navio de 10 mil toneladas, a ser construído em Jacuecanga, foi contratado por Cr$ 1.495.000.000,00, preço este que, devido aos favores contidos no contrato, já hoje ultrapassa a cifra de Cr$ 1.680.000.000,00. E um navio de 10 mil toneladas custa hoje, nos mercados internacionais, com a mesma especificação e a mesma velocidade do 'nacional', US$ 3.400.000,00, ou seja, em moeda brasileira, ao câmbio livre (não ao câmbio de custo) Cr$ 680.000.000,00, isto é, um bilhão de cruzeiros a menos que o navio 'dito nacional' ou construído no Brasil'."

Continua o texto de Gudin: "O Brasil está sofrendo por falta de transporte marítimo e não pelo fato de os navios serem construídos aqui, no Japão ou na China. Ora, o problema do transporte marítimo pode ser equacionado, resumidamente, em poucas palavras: Os navios gastam 50% do tempo nos portos; 27% do tempo em reparações e apenas 20% navegando. As tripulações são quase o dobro das dos navios de outras nacionalidades".

"Pois bem, esse problema, sem dúvida árduo e de penosa solução, resolve-se por uma mágica do Sr. Kubitschek, construindo navios no País pelo dobro ou o triplo do preço."

Não há problema se as discordâncias no debate público ocorrem, pois uns desejam enfrentar o problema fiscal por meio de elevação de receita e outros de queda de gasto. Norberto Bobbio já mostrou que esse é o debate natural e necessário em sociedades democráticas.

O problema ocorre quando não aprendemos com os erros das decisões passadas. Não à toa, repetimos o fracasso da indústria naval nos anos 1950, nos anos 1970 e agora nos anos 2000. Em todos os casos, o resultado foi um monte de estaleiros quebrados e pesada conta para os contribuintes.

Mestre Bobbio ficaria ainda mais espantado com a dificuldade dos economistas de "esquerda" com a aritmética.