quinta-feira, 17 de agosto de 2023

A ironia de Bolsonaro que está se afogando no escândalo das joias

Na história grotesca de Jair Bolsonaro, que colocou o Brasil à beira de um golpe militar e tentou promover uma guerra civil na ânsia de armar o país para lutar contra o espectro de um comunismo que não existe, um imponderável inesperado se fez presente. Esta é uma nova faceta que pode acabar com ele na prisão, algo que mais de uma dúzia de processos judiciais em andamento muito maiores não conseguiram fazer.

Desta vez é sobre o chamado escândalo do tráfico de joias de ouro e diamantes que ele e sua esposa Michelle receberam de presente dos Emirados Árabes Unidos, avaliadas em mais de três milhões de dólares, que deveriam ter ido para o patrimônio nacional e acabaram no bolso do então presidente da República.

A história dessas joias daria um filme cômico sobre pequenos traficantes, como tê-las trazido escondidas no fundo de uma mochila militar e que parte desses objetos preciosos, como um colar todo de diamantes para a mulher de Bolsonaro, continua detido na alfândega do São Paulo sem que se consiga recuperá-lo.

A notícia da venda de valiosos relógios Rolex e Pateck Philippe feitos de ouro e pedras preciosas vendidos silenciosamente nos Estados Unidos e que foram parar no bolso da família Bolsonaro é ainda mais grave porque altos funcionários dos três corpos do Exército, aparentemente, são cúmplices do ex-presidente.

Estamos diante de um histórico de tráfico de joias preciosas que deveriam ser propriedade do Estado e que têm sido vendidas secretamente, o que já está trazendo o maior descrédito a Bolsonaro e sua família, principalmente em seu eleitorado mais pobre e fiel, como o das igrejas pentecostais. Acontecimentos muito mais graves, como a tentativa de golpe ou o seu escárnio da epidemia de covid que provocou perto de um milhão de mortos, afetam-no menos do que o de ladrão de joias.


Para seu eleitorado mais fiel, nada poderia ser mais devastador do que ver seu ídolo, considerado um messias e enviado por Deus, com a Bíblia sempre em mãos para combater comunistas corruptos como Lula, acusado de ser um “ladrão”. Isso é demonstrado pelo fato de que imediatamente sua presença nas redes sociais, que foram o fulcro de sua eleição, desmoronou e até mesmo os políticos que até ontem lhe eram fiéis começam a dar sinais de distanciamento e se aproximam de Lula e do seu governo .

A isso se soma que o Exército, que havia sido o maior baluarte do governo Bolsonaro, já que foi ele quem o trouxe de volta ao poder sem a necessidade de golpes, acabou encurralado e desacreditado até mesmo popularmente, sendo visto como cúmplice na venda das já lendárias joias.

O curioso de toda essa história é que de repente um punhado de ouro e diamantes passou a ser o pior veneno não só para Bolsonaro como para o Exército, tanto que ele começa a se ver nu perante a opinião pública como cúmplice de mais uma pequena empresa do que altos comandantes militares.

Nada poderia ser mais negativo para os milhões de pobres e evangélicos que votaram em Bolsonaro para se livrar do “corrupto Lula”; Bolsonaro, aquele que hoje é seu ídolo, escolhido por Deus que o salvou da morte após o atentado sofrido em plena campanha eleitoral, aparece à vista da opinião mundial como um simples ladrão de bicicletas.

E não apenas para os pobres. Também para o mundo dos negócios e os mais ricos que votaram em Bolsonaro para colocar com ele uma extrema-direita liberal no poder, o seu apoio está a revelar-se um espinho no sapato do qual não sabem como se livrar. Daí a queda vertical nos dias de hoje nas redes sociais de tudo relacionado ao bolsonarismo e o inesperado apoio ao novo governo progressista de Lula até mesmo de partidos de direita que lutam para participar do governo com seus próprios ministros.

Alguns dizem, meio brincando e meio sério, que um dia o Brasil terá que agradecer aos países árabes pelos presentes de ouro e diamantes dados ao então presidente Bolsonaro, já que eles estão fazendo o milagre de conter o movimento bolsonarista que ameaçava se militarizar no país.

Para entender a força e a importância dessa nova denúncia contra Bolsonaro, é preciso lembrar que ele, da nulidade que era como político, chegou à Presidência graças à guerra desencadeada contra os então supostos escândalos de corrupção política que recaíram sobre Lula, que estava na prisão, e sobre a maioria das forças políticas. O capitão sem histórico no Exército que o expulsou e no Congresso, no qual passou por nove partidos diferentes e nenhum de peso, chegou ao ápice do poder devido à rejeição geral à época da esquerda como protagonista da corrupção no escândalo da Lava Jato.

A história tem suas ironias e se Bolsonaro fosse parar na cadeia nas próximas semanas por ladrão de joias e não por suas tentativas de golpe, o Brasil poderia transformar toda essa história curiosa e ao mesmo tempo dramática em um bom roteiro para os próximos carnavais. O famoso antropólogo Roberto DaMatta situa, com efeito, a alma dos carnavais nos aspectos mais interessantes, originais e criativos da alma brasileira.

República da Muamba e dos Camelôs está cada vez mais com medo

O que foi pior para os envolvidos no roubo das joias do Estado brasileiro vendidas no exterior para enriquecer ainda mais o ex-presidente Jair Bolsonaro, e recompradas para tentar salvá-lo da acusação por mais um crime?

O pior foi a confissão do muambeiro assumido Frederick Wasseff, ou Wasséfalo, como passou a ser chamado o estridente advogado de Bolsonaro e dos seus filhos? Ou pior foi a incisiva entrevista concedida pelo novo advogado do tenente-coronel Mauro Cid?

Wasséfalo tentou explicar sua participação no episódio amplamente documentado pela Polícia Federal – e deu-se mal. E deixou em maus lençóis os que imaginavam até outro dia que dormiam em berço esplêndido, a salvo de processos e de prisão.


Em nota distribuída no domingo, primeiro Wasséfalo disse:

“Nunca vendi joia, ofereci ou tive posse. Nunca participei de nenhuma tratativa, e nem auxiliei nenhuma venda, nem de forma direta ou indireta. Jamais participei e ajudei de qualquer forma qualquer pessoa a realizar nenhuma negociação ou venda”.

Segundo, no mesmo dia, ele acrescentou:

“Nunca vi esse relógio. Nunca vi joia nenhuma”.


Na terça-feira, confessou ter comprado por 49 mil dólares o Rolex de Bolsonaro que fora vendido em Nova Iorque:

“Usei do meu dinheiro para pagar o relógio. O meu objetivo, quando comprei o relógio, era cumprir a decisão do Tribunal de Contas da União”.

Não foi porque o tribunal ordenou a devolução das joias que Wasséfalo, com dinheiro do próprio bolso (é o que ele diz), recomprou o relógio. Foi para inocentar Bolsonaro no caso de roubo. Wassélo, portanto, mentiu novamente.

Há anos, teve a cara de pau de afirmar que Bolsonaro não sabia que ele escondia em sua casa Fabrício Queiroz, gerente da rachadinha. A Bolsonaro, não faltou cara de pau para dizer que desconhecia o paradeiro de Queiroz, procurado pela polícia.

O segundo abalo sofrido pela República da Muamba e dos Camelôs deveu-se a Cezar Bitencourt, recém-contratado para defender Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Bittencourt disse que seu cliente era apenas um assessor e cumpria ordens:

“Não sei se Jair Bolsonaro tinha, por exemplo, um vice-presidente, um secretário, um ministro que dava essas ordens. Temos que verificar de quem vinham essas ordens que eram dadas a Mauro Cid”.

Sobre uma eventual delação do militar, o advogado respondeu:

“Não está no nosso horizonte”.

Mas se ela se tornar necessária para tirar Mauro Cid da prisão? O advogado respondeu:

“[Nesse caso] vamos conversar”.

Uma delação de Mauro Cid detonaria de vez a República da Muamba e dos Camelôs e mandaria para a cadeia os golpistas do 8 de janeiro.

Caso das joias: ‘Militares estão sujeitos a punições severas’

A graça irresistível revelava antes o ceticismo de quem não se deixa conduzir por grupos ou arautos da salvação. Despir o rei e exibi-lo é uma das mais velhas funções da crônica política. Gregório de Matos escolheu a poesia, Millôr Fernandes, a frase lapidar. Nesta quarta-feira, o escritor que golpeou como poucos o mundo político brasileiro completaria cem anos.

É impossível não lembrar dele diante do escândalo da venda de joias da Presidência. É já sabido o impacto do caso na caserna. E continuará tendo a partir dos desdobramentos do que foi apreendido com o general Mauro Cesar Lourena Cid.


Diante da barafunda do bolsonarismo, o brigadeiro Sérgio Xavier Ferolla, ex-presidente do Superior Tribunal Militar, lembra ter alertado no passado para “a violação dos pilares ‘hierarquia e disciplina’, base de sustentação da instituição militar e dogma sagrado do enaltecido mito de Caxias”. E prossegue: “O presidente (Bolsonaro), um capitão que não teve condição de prosseguir na carreira militar, exatamente por ter, rotineiramente, violado esses dogmas, se valeu das motivações originadas pela execrável política partidária brasileira para mobilizar radicais e chegar à Presidência”.

Segundo ele, “enaltecendo interesses patrióticos, mobilizou seguidores que execravam verdadeiro mar de lama dentre os quais, infelizmente, militares da ativa e da reserva que, se esquecendo dos compromissos assumidos em juramento solene ao ingressarem na carreira das armas, se associaram e apoiaram inimagináveis ações de afronta e desrespeito às instituições e solapando, inclusive e principalmente, a nobreza presidencial”.

Ferolla é duro: “Com as fardas contaminadas pela hipocrisia e dejetos da baixa política, tentaram envolver as Forças Armadas que imaginavam liderar”. Mas, segundo ele, predominou “a inabalável estrutura das instituições democráticas e, no momento, a caserna luta para recuperar o tradicional e histórico respeito do povo brasileiro, origem dos abnegados servidores e combatentes profissionais”.

Agora é a vez de o Judiciário se manifestar. O brigadeiro conclui: “Quanto aos militares envolvidos nos delitos, se condenados e sem qualquer alusão às origens profissionais, caberá à Justiça Militar julgar e aplicar o estabelecido no Código Penal Militar, estando sujeitos, inclusive, a severas penas que incluem a perda de posto e patente”.

Após o relato de Ferolla, impossível não lembrar a reação de Millôr diante da conta bilionária pendurada no erário para pagar indenizações às vítimas da ditadura. Tal como então, pode-se aplicar agora a mesma pilhéria à turma que pregava o golpe. “Quer dizer que aquilo não era ideologia, era investimento?”