segunda-feira, 3 de outubro de 2016
O Estado e seus cidadãos
Nos trópicos, historia sempre se repete. Nunca como farsa. Sempre como tragédia. Esperada, previsível, ciclicamente. Mas sempre trágica.
Ao que falte esperança ou vontade. Ao sim, ano não, os votos caem no fundo da urna a já grávidos do desejo de dias melhores. Às vezes a esperança até supera o medo. Mas logo depois, degenera em desastre.
Falta saúde, segurança, transporte, educação, justiça (e acesso a ela), saneamento básico. E muito mais. Pensando bem, falta quase tudo. Precisa-se do Estado. Urgentemente. Mas ele não comparece. Não funciona. Não vem.
Mas os governos não parecem funcionar. Quase sempre. Prometem com pontualidade e faltam com precisão. Emperram o Estado. Corroem e corrompem os serviços. E cobram impostos. Muitos.
A presença do Estado é imperativa, urgente, desesperadamente necessária. Ruas seguras, casas sem grades, bons hospitais, escolas descentes, justiça acessível. Precisa-se do Estado presente, ativo, competente, eficiente. Cidadania, enfim. Tudo é urgente. Mas não há.
Nos trópicos, a única coisa pior do que a ausência do Estado talvez seja o encontro com ele. É no encontro com o Estado que a realidade esmaga a esperança. Os serviços não funcionam. O Estado não está a serviço do cidadão. Criou vida própria. Concentra energias em manter estatais e monopólios desnecessários. E nega atenção onde é vital. Virou máquina de comer imposto e produzir indiferença. É traumático.
Nada pior que precisa do Estado tropical. Temerário colocar o destino em suas mãos. Vai faltar frequentemente. É injusto. E não dá ao cidadão, acesso a recursos para corrigir injustiças. Cidadania não é prioridade. Não está sequer no radar.
Mas os trópicos gostam de jeitinho. E, ao invés de consertar o Estado, adota paliativos. Loteiam territórios. Constroem muros. Compram grades. Assistem a degradação da escola publica. Convivem com ausência de transporte publico de qualidade. Adaptaram-se ao cheiro da falta de saneamento.
Nada disso é solução. Sem Estado presente, não qualidade de vida. Nem vida civilizada, enfim. Cidadania não vem de graça. É conquistada. E depende da vigilância dos cidadãos.
Sem a presença do Estado, não há esperança. E sem cidadãos, não há cidadania. Nem Estado de direito.
Ao que falte esperança ou vontade. Ao sim, ano não, os votos caem no fundo da urna a já grávidos do desejo de dias melhores. Às vezes a esperança até supera o medo. Mas logo depois, degenera em desastre.
Falta saúde, segurança, transporte, educação, justiça (e acesso a ela), saneamento básico. E muito mais. Pensando bem, falta quase tudo. Precisa-se do Estado. Urgentemente. Mas ele não comparece. Não funciona. Não vem.
Mas os governos não parecem funcionar. Quase sempre. Prometem com pontualidade e faltam com precisão. Emperram o Estado. Corroem e corrompem os serviços. E cobram impostos. Muitos.
A presença do Estado é imperativa, urgente, desesperadamente necessária. Ruas seguras, casas sem grades, bons hospitais, escolas descentes, justiça acessível. Precisa-se do Estado presente, ativo, competente, eficiente. Cidadania, enfim. Tudo é urgente. Mas não há.
Nos trópicos, a única coisa pior do que a ausência do Estado talvez seja o encontro com ele. É no encontro com o Estado que a realidade esmaga a esperança. Os serviços não funcionam. O Estado não está a serviço do cidadão. Criou vida própria. Concentra energias em manter estatais e monopólios desnecessários. E nega atenção onde é vital. Virou máquina de comer imposto e produzir indiferença. É traumático.
Nada pior que precisa do Estado tropical. Temerário colocar o destino em suas mãos. Vai faltar frequentemente. É injusto. E não dá ao cidadão, acesso a recursos para corrigir injustiças. Cidadania não é prioridade. Não está sequer no radar.
Mas os trópicos gostam de jeitinho. E, ao invés de consertar o Estado, adota paliativos. Loteiam territórios. Constroem muros. Compram grades. Assistem a degradação da escola publica. Convivem com ausência de transporte publico de qualidade. Adaptaram-se ao cheiro da falta de saneamento.
Nada disso é solução. Sem Estado presente, não qualidade de vida. Nem vida civilizada, enfim. Cidadania não vem de graça. É conquistada. E depende da vigilância dos cidadãos.
Sem a presença do Estado, não há esperança. E sem cidadãos, não há cidadania. Nem Estado de direito.
Filósofos para quê?
Num sebo dos arredores da Notre Dame encontrei, meio maltratada pelo tempo e o manuseio dos passantes, a primeira edição de Pourquoi des Philosophes? (1957), de Jean-François Revel. Comprei-a e voltei a lê-la, meio século depois da primeira leitura. Este panfleto voltairiano com que Revel iniciou sua carreira literária conserva intacta sua explosiva ferocidade, e talvez ela tenha aumentado porque algumas das figuras com as quais se enfurece, como Heidegger, Jacques Lacan e Claude Lévi-Strauss, se transformaram desde então em referências intelectuais intocáveis.
Como ele mesmo diria depois, este livro foi sua despedida tempestuosa da filosofia. E, aliás, da universidade francesa e de seus professores de ciências humanas, outro de seus alvos, aos quais acusava de estarem muito atrás das universidades norte-americanas e alemãs, meio entorpecidos por favorecimentos mafiosos e por uma retórica cada vez mais incompreensível e insossa. Este livro teve consequências muito proveitosas para os leitores de Revel: tirou-o de um mundo acadêmico onde talvez tivesse vegetado muito longe da atual0idade e o transformou no formidável jornalista e pensador político que seria. Seus artigos e ensaios, com os de Raymond Aron, foram um modelo de lucidez nessa segunda metade do século XX, marcada na França pelo predomínio quase absoluto do marxismo e suas variantes, que ambos enfrentaram com valentia e talento em nome da cultura democrática. Ninguém os substituiu, e sem eles os jornais e revistas franceses parecem ter-se apequenado e entristecido.
A palavra panfleto tem agora certo tom ignominioso, de texto vulgar, inábil e insultuoso, mas no século XVIII era um gênero criativo e respeitável, de alto nível, do qual se valiam os intelectuais mais ilustres para ventilar suas diferenças. Nessa tradição se inserem muitos dos livros de Revel, como Pourquoi des Philosophes? [“filósofos para quê?”, inédito no Brasil], um ajuste de contas com os pensadores de seu tempo e com a própria filosofia — que, segundo este ensaio, por causa dos descobrimentos científicos, de um lado, e, de outro, da falta de importância e originalidade e do obscurantismo dos filósofos modernos — vai minguando como uma pele de onagro e — o pior — ficando cada vez menos legível. Revel sabia do que falava, tinha um conhecimento profundo dos clássicos gregos e todo o seu livro está repleto de contrastes entre o que significava “filosofar” na Grécia de Platão e Aristóteles ou na Europa de Leibniz, Descartes, Pascal, Kant e Hegel, e o modesto e superespecializado mister (confinado com frequência à linguística) que usurpa seu nome em nossos dias.
Mas não há no livro apenas críticas severas aos filósofos contemporâneos; há também alguns elogios. A Sartre, por exemplo, por O Ser e o Nada, que parece a Revel uma reflexão profunda, de grande audácia especulativa, e a Freud, de quem faz uma exaltação beligerante, sobretudo contra certos psicanalistas, como Jacques Lacan, que, a seu ver, não só banaliza e emaranha grotescamente as ideias de Freud como o utiliza para erguer um vaidoso monumento a si mesmo. Para nós que perdemos muitas horas tentando entender Lacan (sem conseguir), a dura crítica que Revel lhe dedica é alentadora.
Não é o caso, porém, das severas reprimendas a Claude Lévi-Strauss, cujo livroAs Estruturas Elementares do Parentesco Revel questiona desde o princípio, acusando seu autor de ser um bom psicólogo, mas de não oferecer nada do ponto de vista sociológico ao conhecimento sobre o homem primitivo. Ele estende essa asserção ao conjunto dos estudos de Lévi-Strauss sobre as sociedades marginais, com o argumento de que ao reduzir toda a análise a descrever a mentalidade primitiva, concentrando-se em sua intimidade psicológica, ele se desvinculou das obrigações de pesquisar o mais importante do ponto de vista social: por que as instituições da sociedade tradicional tiveram determinado caráter, por que se diferenciavam tanto umas das outras, que necessidades os rituais, crenças e instituições de cada comunidade satisfaziam. A obra de Lévi-Strauss estava ainda em processo de elaboração quanto Revel escreveu este ensaio, e talvez sua avaliação do grande antropólogo fosse outra se ele tivesse tido uma perspectiva mais ampla de sua obra.
No ano de 1971, em razão de uma reedição de Pourquoi des Pourquoi des Philosophes?, Revel escreveu um extenso prólogo passando em revista o que havia ocorrido no âmbito intelectual na França nos onze anos anteriores. Não retificava nada do que havia escrito em 1957 e, pelo contrário, encontrava no “estruturalismo” então em voga as mesmas insuficiências e embustes que havia denunciado nos anos do “existencialismo”. Dirige as críticas mais acerbas a Althusser e a Foucault, sobretudo este último, muito atual desde a publicação deAs Palavras e as Coisas, que tinha declarado que “Sartre era um homem do século XIX” e cujas espalhafatosas afirmações, segundo as quais “as ciências humanas não existem” e “do homem, uma invenção recente, se pode prever o fim próximo”, faziam as delícias dos bistrôs de Saint-Germain. (Também apedrejava policiais e negava a existência da AIDS)
Revel observa que as modas vão arrastando a filosofia a níveis de artificialidade e esoterismo que parecem uma forma de suicídio, começando pela saraivada que os novos filósofos disparam contra o humanismo. Mas o que estimula mais o seu humor sarcástico é a estranha aliança que se dava entre o esnobismo político — leia-se marxismo ou, ainda mais grave, maoísmo — e as especulações mais intrincadas das “teorias” produzidas desenfreadamente pelos literatos e críticos de uma corrente estruturalista que abarcava tantas disciplinas e gêneros que ninguém mais sabia sobre o que escrevia. Nisto leva todos os prêmios a revistaTel Quel, cujo gênio tutelar, o sutil Roland Barthes, acabava de explicar, inaugurando suas palestras no Collège de France, que “a língua é fascista”. A análise de um número especial de Tel Quel feita por Revel, ridiculizando a pretensão dos discípulos de Barthes e Derrida de que suas teorias literárias e experimentos linguísticos serviriam ao proletariado para derrotar a burguesia na batalha de morte em que estão envolvidos, é muito proveitosa. Basta citar uma frase: “A função ideológica da Tel Quel é muito clara: consiste em fabricar uma cultura burguesa apresentando-a como antiburguesa. Pois ela é antiburguesa e proletária na exata medida em que a propriedade de Maria Antonieta, no Petit Trianon, era antimonárquica e camponesa”.
Por cima e por baixo da virulência intelectual que anima este ensaio de Revel, algo permanece atualmente tão válido como então: a nostalgia por uma vida intelectual criativa e responsável, que ajude a ver claramente aquilo que parece confuso, e em que as ideias se confrontem e desempenhem um papel central na busca de soluções para os arrepiantes problemas que o mundo de hoje enfrenta.
Como ele mesmo diria depois, este livro foi sua despedida tempestuosa da filosofia. E, aliás, da universidade francesa e de seus professores de ciências humanas, outro de seus alvos, aos quais acusava de estarem muito atrás das universidades norte-americanas e alemãs, meio entorpecidos por favorecimentos mafiosos e por uma retórica cada vez mais incompreensível e insossa. Este livro teve consequências muito proveitosas para os leitores de Revel: tirou-o de um mundo acadêmico onde talvez tivesse vegetado muito longe da atual0idade e o transformou no formidável jornalista e pensador político que seria. Seus artigos e ensaios, com os de Raymond Aron, foram um modelo de lucidez nessa segunda metade do século XX, marcada na França pelo predomínio quase absoluto do marxismo e suas variantes, que ambos enfrentaram com valentia e talento em nome da cultura democrática. Ninguém os substituiu, e sem eles os jornais e revistas franceses parecem ter-se apequenado e entristecido.
Mas não há no livro apenas críticas severas aos filósofos contemporâneos; há também alguns elogios. A Sartre, por exemplo, por O Ser e o Nada, que parece a Revel uma reflexão profunda, de grande audácia especulativa, e a Freud, de quem faz uma exaltação beligerante, sobretudo contra certos psicanalistas, como Jacques Lacan, que, a seu ver, não só banaliza e emaranha grotescamente as ideias de Freud como o utiliza para erguer um vaidoso monumento a si mesmo. Para nós que perdemos muitas horas tentando entender Lacan (sem conseguir), a dura crítica que Revel lhe dedica é alentadora.
Não é o caso, porém, das severas reprimendas a Claude Lévi-Strauss, cujo livroAs Estruturas Elementares do Parentesco Revel questiona desde o princípio, acusando seu autor de ser um bom psicólogo, mas de não oferecer nada do ponto de vista sociológico ao conhecimento sobre o homem primitivo. Ele estende essa asserção ao conjunto dos estudos de Lévi-Strauss sobre as sociedades marginais, com o argumento de que ao reduzir toda a análise a descrever a mentalidade primitiva, concentrando-se em sua intimidade psicológica, ele se desvinculou das obrigações de pesquisar o mais importante do ponto de vista social: por que as instituições da sociedade tradicional tiveram determinado caráter, por que se diferenciavam tanto umas das outras, que necessidades os rituais, crenças e instituições de cada comunidade satisfaziam. A obra de Lévi-Strauss estava ainda em processo de elaboração quanto Revel escreveu este ensaio, e talvez sua avaliação do grande antropólogo fosse outra se ele tivesse tido uma perspectiva mais ampla de sua obra.
No ano de 1971, em razão de uma reedição de Pourquoi des Pourquoi des Philosophes?, Revel escreveu um extenso prólogo passando em revista o que havia ocorrido no âmbito intelectual na França nos onze anos anteriores. Não retificava nada do que havia escrito em 1957 e, pelo contrário, encontrava no “estruturalismo” então em voga as mesmas insuficiências e embustes que havia denunciado nos anos do “existencialismo”. Dirige as críticas mais acerbas a Althusser e a Foucault, sobretudo este último, muito atual desde a publicação deAs Palavras e as Coisas, que tinha declarado que “Sartre era um homem do século XIX” e cujas espalhafatosas afirmações, segundo as quais “as ciências humanas não existem” e “do homem, uma invenção recente, se pode prever o fim próximo”, faziam as delícias dos bistrôs de Saint-Germain. (Também apedrejava policiais e negava a existência da AIDS)
Revel observa que as modas vão arrastando a filosofia a níveis de artificialidade e esoterismo que parecem uma forma de suicídio, começando pela saraivada que os novos filósofos disparam contra o humanismo. Mas o que estimula mais o seu humor sarcástico é a estranha aliança que se dava entre o esnobismo político — leia-se marxismo ou, ainda mais grave, maoísmo — e as especulações mais intrincadas das “teorias” produzidas desenfreadamente pelos literatos e críticos de uma corrente estruturalista que abarcava tantas disciplinas e gêneros que ninguém mais sabia sobre o que escrevia. Nisto leva todos os prêmios a revistaTel Quel, cujo gênio tutelar, o sutil Roland Barthes, acabava de explicar, inaugurando suas palestras no Collège de France, que “a língua é fascista”. A análise de um número especial de Tel Quel feita por Revel, ridiculizando a pretensão dos discípulos de Barthes e Derrida de que suas teorias literárias e experimentos linguísticos serviriam ao proletariado para derrotar a burguesia na batalha de morte em que estão envolvidos, é muito proveitosa. Basta citar uma frase: “A função ideológica da Tel Quel é muito clara: consiste em fabricar uma cultura burguesa apresentando-a como antiburguesa. Pois ela é antiburguesa e proletária na exata medida em que a propriedade de Maria Antonieta, no Petit Trianon, era antimonárquica e camponesa”.
Por cima e por baixo da virulência intelectual que anima este ensaio de Revel, algo permanece atualmente tão válido como então: a nostalgia por uma vida intelectual criativa e responsável, que ajude a ver claramente aquilo que parece confuso, e em que as ideias se confrontem e desempenhem um papel central na busca de soluções para os arrepiantes problemas que o mundo de hoje enfrenta.
Aos vencedores
Dos fortes, dos heróis, se vão cada vez mais,
Que tudo é luto e pó! ó vós que triunfais
Não turbeis a razão nos vinhos das vãs glorias!
Não ergais alto a taça, à hora dos gemidos,
Esquecidos talvez nos gozos, nos regalos;
E não façais jamais pastar vossos cavalos
Na erva que cobrir os ossos dos vencidos!
Não celebreis jamais as festas dos noivados,
Não encontreis na volta os lúgubres cortejos!
- E se amardes, olhai que ao som dos vossos beijos
Não respondam da praça os ais dos fuzilados!
Sim! - se venceste emfim, folgai todas as horas,
Mas deixai lastimar-se os órfãos, as amantes,
Nem façais, junto a nós, altivos, triunfantes,
Pelas ruas demais tinir vossas esporas!
Pois toda a gloria é pó! toda a fortuna vã!—
—E nós lassos emfim dos prantos dolorosos,
Regamos já demais a terra - ó gloriosos
Vencedores! talvez, - vencidos de amanhã!
Gomes Leal (1848-1921)
Que tudo é luto e pó! ó vós que triunfais
Não turbeis a razão nos vinhos das vãs glorias!
Não ergais alto a taça, à hora dos gemidos,
Esquecidos talvez nos gozos, nos regalos;
E não façais jamais pastar vossos cavalos
Na erva que cobrir os ossos dos vencidos!
Não celebreis jamais as festas dos noivados,
Não encontreis na volta os lúgubres cortejos!
- E se amardes, olhai que ao som dos vossos beijos
Não respondam da praça os ais dos fuzilados!
Sim! - se venceste emfim, folgai todas as horas,
Mas deixai lastimar-se os órfãos, as amantes,
Nem façais, junto a nós, altivos, triunfantes,
Pelas ruas demais tinir vossas esporas!
Pois toda a gloria é pó! toda a fortuna vã!—
—E nós lassos emfim dos prantos dolorosos,
Regamos já demais a terra - ó gloriosos
Vencedores! talvez, - vencidos de amanhã!
Gomes Leal (1848-1921)
De quando é bom ter uma pinguela segura
Para um observador desavisado, inexperiente de como aqui se vivem as coisas da política, diante do cenário que aí está, nada de estapafúrdio que se lhe dê na telha a ideia de estarmos na iminência de uma revolução.
Nas salas de aula das universidades os estudantes exibem adesivos estampando um “fora Temer”, professores das escolas de ensino médio cumprimentam seus alunos com o mesmo bordão, artistas e cantores populares não começam seus espetáculos sem ele, também presente nas salas de cinema e nos teatros. Uma ex-presidente da República que teve seu mandato cassado, num trâmite que passou pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, que decretou o seu impeachment, em julgamento presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, participa de comícios eleitorais de candidatos às eleições municipais, quando se declara vítima de um golpe, todos são sinais que levam nosso observador a ruminar suas impressões.
Contudo se ele resolver testá-las, levantando a vista para a sociedade inteira, logo reconhecerá o despropósito da sua fabulação. No Congresso, em suas duas Casas, o governo detém folgada maioria, couraça sem a qual não há Executivo que se mantenha, fato ilustrado pela nossa experiência, contundentemente confirmada por recentes episódios. Nas chamadas classes fundamentais, fora a agitação de sempre que lhes é própria, não se percebem outras movimentações que não sejam as da defesa de seus interesses e direitos. No mundo agrário, tradicional calcanhar de Aquiles da política brasileira, sopram os mesmos ventos.
Faltaria, ainda, consultar o que se passa nas eleições municipais, termômetro confiável para o registro dos sentimentos da população, e nos quartéis, cuja importância na tradição republicana brasileira dispensa comentários. Nestes últimos reina, há tempos, a reverência ao culto constitucional e ao exercício dos seus papéis profissionais; nas eleições, que transcorrem em clima morno, se valem as pesquisas – e tudo indica que valem –, as candidaturas que se deixaram embair pelo bordão “fora Temer”, principalmente nas grandes capitais, estão longe de obter votações que as levem à vitória. E, como sempre entre nós, não há melhor detergente em horas de crise política do que um processo eleitoral.
Feito esse balanço, nosso observador admite que se equivocou no diagnóstico. Mas se não é de revolução, do que se trata, que bicho é esse que nos aturde com sua presença? A frase é velha, mas nem por isso perde validade: o passado não mais ilumina o futuro, que ainda não começou a nascer. A hora é de transição, de lusco-fusco, não é mais noite e o dia tarda a aparecer, mas a sociedade se inquieta e começa despertar sem saber o que a espera em meio às ruínas que sobraram dos partidos e, em geral, das nossas instituições políticas.
Ela mudou em meio às poderosas transformações demográficas, sociais e ocupacionais que desfiguraram a paisagem reinante em meados do século passado. Encontramo-nos em terra nova, como se estrangeiros a ela, agarrados a um passado que nos foi familiar, com as relações entre gerações, entre gêneros, sobretudo entre as classes sociais e sistema de crenças girando em gonzos fora do nosso controle e da nossa imediata percepção. A sociedade modernizou-se por cima, sujeita a experimentos saídos das pranchetas de uma tecnocracia ilustrada, impostos a ferro e fogo – exemplo mais recente, o da colonização da Amazônia.
Entre nós, a obra dessa modernização persistiu por décadas, ora por vias duramente repressivas, como no Estado Novo de Vargas e no regime militar, ora de forma doce, como nos governos de Juscelino – que criou no centro geográfico do Brasil, nos ermos do Cerrado, uma nova capital para o País – e nos de Lula e Dilma.
Fora de dúvidas que tais esforços em favor da aceleração da modernização foram bem-sucedidos, em que pesem os altos custos políticos e sociais envolvidos, não só pelo aprofundamento das desigualdades já existentes, como pela condenação da sociedade a um estatuto de minoridade sobre a qual deveria incidir a ação modernizadora do Estado. Não à toa as lutas pela democratização do País trouxeram consigo a denúncia dessa modelagem, filha de nossa longa tradição de autoritarismo político, do que foi exemplar a publicação de São Paulo 1975 – Crescimento e Pobreza, sob a iniciativa do cardeal Paulo Evaristo Arns, obra coordenada por Lucio Kovarick e Vinicius Caldeira Brant.
Essa nova agenda, nos anos 1980, encontrou no PT uma de suas mais importantes vocalizações. Com efeito, dele vieram críticas contundentes ao nacional-desenvolvimentismo e à cultura política que enlaçava a sociedade civil ao Estado e às suas agências, como no caso do sindicalismo, objeto de feroz crítica das emergentes lideranças sindicais dos metalúrgicos do ABC, Lula à frente, como seu principal porta-voz. O PT nasceu e cresceu em nome de uma representação da sociedade civil que aspirava por autonomia diante da onipotência de um Estado que fazia dela base passiva para sua manipulação.
Como se sabe, esse partido, por fas ou nefas, se converteu às práticas que combatia; e levou-as à exaustão depois de um curto período de fastígio no seu uso, culminando no episódio melancólico do impeachment do mandato presidencial de Dilma Rousseff sob a acusação de ter atentado contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, cuja inspiração oculta, ao impor limites ao decisionismo do Executivo, consistiu precisamente em interditar caminhos ao processo de modernização autoritária vigente por décadas no País.
Agora, não resta outra solução que não a de atravessar, pé ante pé, a pinguela estreita que se tem à frente, de que falou em entrevista o ex-presidente Fernando Henrique, travessia perigosa que, para ser segura, está a exigir outra bibliografia e uma imaginação bem diversa da que nos trouxe até aqui.
Nas salas de aula das universidades os estudantes exibem adesivos estampando um “fora Temer”, professores das escolas de ensino médio cumprimentam seus alunos com o mesmo bordão, artistas e cantores populares não começam seus espetáculos sem ele, também presente nas salas de cinema e nos teatros. Uma ex-presidente da República que teve seu mandato cassado, num trâmite que passou pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, que decretou o seu impeachment, em julgamento presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, participa de comícios eleitorais de candidatos às eleições municipais, quando se declara vítima de um golpe, todos são sinais que levam nosso observador a ruminar suas impressões.
Contudo se ele resolver testá-las, levantando a vista para a sociedade inteira, logo reconhecerá o despropósito da sua fabulação. No Congresso, em suas duas Casas, o governo detém folgada maioria, couraça sem a qual não há Executivo que se mantenha, fato ilustrado pela nossa experiência, contundentemente confirmada por recentes episódios. Nas chamadas classes fundamentais, fora a agitação de sempre que lhes é própria, não se percebem outras movimentações que não sejam as da defesa de seus interesses e direitos. No mundo agrário, tradicional calcanhar de Aquiles da política brasileira, sopram os mesmos ventos.
Feito esse balanço, nosso observador admite que se equivocou no diagnóstico. Mas se não é de revolução, do que se trata, que bicho é esse que nos aturde com sua presença? A frase é velha, mas nem por isso perde validade: o passado não mais ilumina o futuro, que ainda não começou a nascer. A hora é de transição, de lusco-fusco, não é mais noite e o dia tarda a aparecer, mas a sociedade se inquieta e começa despertar sem saber o que a espera em meio às ruínas que sobraram dos partidos e, em geral, das nossas instituições políticas.
Ela mudou em meio às poderosas transformações demográficas, sociais e ocupacionais que desfiguraram a paisagem reinante em meados do século passado. Encontramo-nos em terra nova, como se estrangeiros a ela, agarrados a um passado que nos foi familiar, com as relações entre gerações, entre gêneros, sobretudo entre as classes sociais e sistema de crenças girando em gonzos fora do nosso controle e da nossa imediata percepção. A sociedade modernizou-se por cima, sujeita a experimentos saídos das pranchetas de uma tecnocracia ilustrada, impostos a ferro e fogo – exemplo mais recente, o da colonização da Amazônia.
Entre nós, a obra dessa modernização persistiu por décadas, ora por vias duramente repressivas, como no Estado Novo de Vargas e no regime militar, ora de forma doce, como nos governos de Juscelino – que criou no centro geográfico do Brasil, nos ermos do Cerrado, uma nova capital para o País – e nos de Lula e Dilma.
Fora de dúvidas que tais esforços em favor da aceleração da modernização foram bem-sucedidos, em que pesem os altos custos políticos e sociais envolvidos, não só pelo aprofundamento das desigualdades já existentes, como pela condenação da sociedade a um estatuto de minoridade sobre a qual deveria incidir a ação modernizadora do Estado. Não à toa as lutas pela democratização do País trouxeram consigo a denúncia dessa modelagem, filha de nossa longa tradição de autoritarismo político, do que foi exemplar a publicação de São Paulo 1975 – Crescimento e Pobreza, sob a iniciativa do cardeal Paulo Evaristo Arns, obra coordenada por Lucio Kovarick e Vinicius Caldeira Brant.
Essa nova agenda, nos anos 1980, encontrou no PT uma de suas mais importantes vocalizações. Com efeito, dele vieram críticas contundentes ao nacional-desenvolvimentismo e à cultura política que enlaçava a sociedade civil ao Estado e às suas agências, como no caso do sindicalismo, objeto de feroz crítica das emergentes lideranças sindicais dos metalúrgicos do ABC, Lula à frente, como seu principal porta-voz. O PT nasceu e cresceu em nome de uma representação da sociedade civil que aspirava por autonomia diante da onipotência de um Estado que fazia dela base passiva para sua manipulação.
Como se sabe, esse partido, por fas ou nefas, se converteu às práticas que combatia; e levou-as à exaustão depois de um curto período de fastígio no seu uso, culminando no episódio melancólico do impeachment do mandato presidencial de Dilma Rousseff sob a acusação de ter atentado contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, cuja inspiração oculta, ao impor limites ao decisionismo do Executivo, consistiu precisamente em interditar caminhos ao processo de modernização autoritária vigente por décadas no País.
Agora, não resta outra solução que não a de atravessar, pé ante pé, a pinguela estreita que se tem à frente, de que falou em entrevista o ex-presidente Fernando Henrique, travessia perigosa que, para ser segura, está a exigir outra bibliografia e uma imaginação bem diversa da que nos trouxe até aqui.
Marcha dos imortais
"Stout Hearted Men"( "Homens destemidos") com Nelson Eddy, no filme New Moon (1940)
Homens Destemidos
Você que possui sonhosSe agir, eles se tornarão realidade
Tornar o sonho realidade
Depende de você
Se você tem alma e ânimo
Nunca tenha medo e você verá
Corações podem inspirar outros corações com seu fogo
Pois os fortes obedecem quando outros fortes mostram o caminho
Dê-me alguns homens que são destemidos
Que lutarão pelo direito que adoram
Comece com dez homens destemidos
E logo te darei mais dez mil
Ombro a ombro, cada vez mais corajosos
Eles crescem enquanto vão em frente
Então, não há nada no mundo que posso impedir ou derrotar um plano
Quando homens destemidos ficam juntos, homem a homem
Cela 13
Qualquer cidadão, por mais desatento que seja, fica estarrecido com o destino do PT. Um destino político que se tornou policial. Não há dificuldade em fazer uma reunião da cúpula petista no xilindró! Lá já estão ex-ministros, tesoureiros, líderes partidários, e assim por diante. Outros estão na fila, o que vai completar esse quadro da derrisão.
A verborragia da “perseguição política” e do “golpe” nada mais é que uma tentativa desesperada dos que não foram ainda condenados ou presos, procurando, assim, escapar do encarceramento iminente. Os que acreditam em tal palavreado mais parecem religiosos que se apegam a dogmas. Seriam dignos representantes da religiosidade petista e comunista. O partido da “ética na política” tornou-se o símbolo mesmo da imoralidade e da corrupção.
Cabe, então, uma pergunta: como pôde esse partido, que se anunciou como o da redenção nacional, cair tão baixo?
Talvez seja um equívoco conceitual considerar o PT como social-democrata, do gênero dos partidos europeus que, tendo começado com o marxismo, enveredaram para uma óptica de transformação social do capitalismo, no amplo reconhecimento da economia de mercado e do Estado Democrático de Direito. Embora algumas mentes mais lúcidas do partido tenham tentado impor essa nova visão, ela terminou não prevalecendo, dada a animosidade partidária contra a propriedade privada, a economia de mercado, a liberdade de imprensa e dos meios de comunicação em geral e a democracia.
Não é suficiente considerar as medidas sociais tomadas pelo PT quando no exercício do poder como essencialmente social-democratas, dado que a própria experiência europeia mostra que os partidos democrata-cristãos na Itália e na Alemanha, além da direita francesa com De Gaulle, seguiram política semelhante. Aliás, muitas medidas sociais, por exemplo, na Inglaterra, nasceram das consequências sociais da 1.ª Guerra, no cuidado de órfãos, viúvas e idosos.
Há uma tentativa ainda em curso no País de salvar a concepção de esquerda das consequências dos governos petistas. É curioso, pois é como se a ideia de esquerda fosse imaculada, desde sempre válida, o problema consistindo, então, em sua má realização. Ora, trata-se de uma ideia fundamentalmente religiosa, dogmática, pois a experiência histórica mostra que a realização das ideias de esquerda culmina sempre no totalitarismo, no desastre econômico-social, em políticas liberticidas, quando não no assassinato coletivo de milhões de cidadãos.
No Brasil, ela está acabando na prisão. Dos males, o menor, pois o País tem uma chance de revigorar sua mentalidade, sua concepção, e empreender um novo caminho. O que não pode – nem deve – é permanecer em mera repetição histórica.
Analisemos alguns dos fatores do malogro petista, tendo presente que não estamos diante de nenhum acidente de percurso, mas de algo inerente a esta lógica esquerdista. A corrupção seria um elemento central.
Primeiro – O intervencionismo dos governos Dilma e Lula em seu segundo mandato origina-se de profunda desconfiança quanto à economia de mercado, à propriedade privada e à livre-iniciativa. Tudo foi feito para limitar a vida dos empreendedores, salvo os grandes grupos empresariais e financeiros que se aliaram ao assalto ao Estado e aos seus “benefícios”. As bases da corrupção já se faziam presentes tanto na alocação de recursos quanto na necessidade de os empresários comparecerem aos balcões da propina. As delações bem mostram o compadrio entre eles.
Segundo – O PT considerou o lucro como algo moralmente negativo, algo a ser evitado, devendo os membros partidários se apresentar como as encarnações do bem, por mais falsa que fosse essa representação. O lucro deveria ser controlado por uma elite burocrática partidária, imbuída do esquerdismo de suas concepções.
Terceiro – Ora, se o lucro era desprezível, qualquer medida para combatê-lo seria justificável, até mesmo extorquir empresários para dele compartilharem. Ou seja, se o lucro não era legítimo, a propina e a corrupção enquanto formas de partilha seriam justificáveis, sobretudo se feitas em nome do partido. Note-se que até hoje o partido considera como válida a distinção entre corrupção privada e partidária, a segunda tendo valor moral.
Quarto – De acordo com essa perspectiva, os fins (partidários) justificariam os meios (a corrupção, a propina, saquear estatais), de tal maneira que a imoralidade e a ilegalidade nada mais seriam do que meios de atuação partidária. A imoralidade partidária foi, assim, erigida em princípio.
Quinto – A corrupção petista, no entanto, não se restringiu a enriquecer os cofres partidários, mas se alastrou também para os bolsos de seus membros. Os milhões de enriquecimento individual saltam aos olhos e assombram qualquer um. Foi, digamos, um meio perverso de conversão ao capitalismo, tudo passando a valer.
Sexto – Essa conversão perversa é, assim, o fruto de uma concepção do mercado como não tendo nenhuma regra, onde tudo valeria. Na verdade, essa concepção termina por identificar o mercado ao contrabando, não imperando nenhuma lei. E se a lei não vigora numa economia de mercado, por que os membros do partido deveriam segui-la?
Sétimo – Para que tal política fosse bem-sucedida seria necessário que a imprensa e os meios de comunicação em geral fossem controlados e supervisionados, de tal modo que a verdade não fosse revelada. Foram inúmeras as tentativas do governo Lula de exercer esse controle, aquilo que foi eufemisticamente qualificado como “controle social dos meios de comunicação”. O “social” era o acobertamento da corrupção. Isto é, a corrupção e a imoralidade partidária não poderiam tornar-se públicas, pois o projeto partidário terminaria inviabilizado. E é isso que, de fato, está acontecendo.
Denis Lerrer Rosenfield
A verborragia da “perseguição política” e do “golpe” nada mais é que uma tentativa desesperada dos que não foram ainda condenados ou presos, procurando, assim, escapar do encarceramento iminente. Os que acreditam em tal palavreado mais parecem religiosos que se apegam a dogmas. Seriam dignos representantes da religiosidade petista e comunista. O partido da “ética na política” tornou-se o símbolo mesmo da imoralidade e da corrupção.
Cabe, então, uma pergunta: como pôde esse partido, que se anunciou como o da redenção nacional, cair tão baixo?
Não é suficiente considerar as medidas sociais tomadas pelo PT quando no exercício do poder como essencialmente social-democratas, dado que a própria experiência europeia mostra que os partidos democrata-cristãos na Itália e na Alemanha, além da direita francesa com De Gaulle, seguiram política semelhante. Aliás, muitas medidas sociais, por exemplo, na Inglaterra, nasceram das consequências sociais da 1.ª Guerra, no cuidado de órfãos, viúvas e idosos.
Há uma tentativa ainda em curso no País de salvar a concepção de esquerda das consequências dos governos petistas. É curioso, pois é como se a ideia de esquerda fosse imaculada, desde sempre válida, o problema consistindo, então, em sua má realização. Ora, trata-se de uma ideia fundamentalmente religiosa, dogmática, pois a experiência histórica mostra que a realização das ideias de esquerda culmina sempre no totalitarismo, no desastre econômico-social, em políticas liberticidas, quando não no assassinato coletivo de milhões de cidadãos.
No Brasil, ela está acabando na prisão. Dos males, o menor, pois o País tem uma chance de revigorar sua mentalidade, sua concepção, e empreender um novo caminho. O que não pode – nem deve – é permanecer em mera repetição histórica.
Analisemos alguns dos fatores do malogro petista, tendo presente que não estamos diante de nenhum acidente de percurso, mas de algo inerente a esta lógica esquerdista. A corrupção seria um elemento central.
Primeiro – O intervencionismo dos governos Dilma e Lula em seu segundo mandato origina-se de profunda desconfiança quanto à economia de mercado, à propriedade privada e à livre-iniciativa. Tudo foi feito para limitar a vida dos empreendedores, salvo os grandes grupos empresariais e financeiros que se aliaram ao assalto ao Estado e aos seus “benefícios”. As bases da corrupção já se faziam presentes tanto na alocação de recursos quanto na necessidade de os empresários comparecerem aos balcões da propina. As delações bem mostram o compadrio entre eles.
Segundo – O PT considerou o lucro como algo moralmente negativo, algo a ser evitado, devendo os membros partidários se apresentar como as encarnações do bem, por mais falsa que fosse essa representação. O lucro deveria ser controlado por uma elite burocrática partidária, imbuída do esquerdismo de suas concepções.
Terceiro – Ora, se o lucro era desprezível, qualquer medida para combatê-lo seria justificável, até mesmo extorquir empresários para dele compartilharem. Ou seja, se o lucro não era legítimo, a propina e a corrupção enquanto formas de partilha seriam justificáveis, sobretudo se feitas em nome do partido. Note-se que até hoje o partido considera como válida a distinção entre corrupção privada e partidária, a segunda tendo valor moral.
Quarto – De acordo com essa perspectiva, os fins (partidários) justificariam os meios (a corrupção, a propina, saquear estatais), de tal maneira que a imoralidade e a ilegalidade nada mais seriam do que meios de atuação partidária. A imoralidade partidária foi, assim, erigida em princípio.
Quinto – A corrupção petista, no entanto, não se restringiu a enriquecer os cofres partidários, mas se alastrou também para os bolsos de seus membros. Os milhões de enriquecimento individual saltam aos olhos e assombram qualquer um. Foi, digamos, um meio perverso de conversão ao capitalismo, tudo passando a valer.
Sexto – Essa conversão perversa é, assim, o fruto de uma concepção do mercado como não tendo nenhuma regra, onde tudo valeria. Na verdade, essa concepção termina por identificar o mercado ao contrabando, não imperando nenhuma lei. E se a lei não vigora numa economia de mercado, por que os membros do partido deveriam segui-la?
Sétimo – Para que tal política fosse bem-sucedida seria necessário que a imprensa e os meios de comunicação em geral fossem controlados e supervisionados, de tal modo que a verdade não fosse revelada. Foram inúmeras as tentativas do governo Lula de exercer esse controle, aquilo que foi eufemisticamente qualificado como “controle social dos meios de comunicação”. O “social” era o acobertamento da corrupção. Isto é, a corrupção e a imoralidade partidária não poderiam tornar-se públicas, pois o projeto partidário terminaria inviabilizado. E é isso que, de fato, está acontecendo.
Denis Lerrer Rosenfield
O mais do mesmo, em eleições que não empolgam mais ninguém
Certas eleições costumam ser emblemáticas, daquelas que levam o eleitor a empolgar-se e a indagar “e agora?”, logo depois de encerradas as urnas. Foi diferente quando Getúlio Vargas voltou ao poder através do voto direto, encerrado seu período com um tiro no peito. Jânio Quadros viu-se proclamado vencedor para presidente da República e a conclusão era do que tudo poderia acontecer, como aconteceu até sua renúncia, sete meses depois da posse. Inusitada também foi a eleição de Fernando Collor, completada com seu pedido para sair, um minuto antes de ser saído. A própria eleição de Dilma Rousseff para o segundo mandato não revelou o escândalo que se seguiria, mas logo mostrou ser inevitável o desfecho.
A escolha de presidentes da República presta-se mais a surpresas do que as demais, mesmo admitindo-se o imponderável em outras eleições, como as municipais de ontem.
O desinteresse do eleitorado ficou claro a partir da divulgação das abstenções, não fosse também óbvio o sentimento de repúdio da nação a todos os candidatos, detectado nas campanhas.
Não há nada a esperar dos prefeitos das capitais, eleitos alguns no primeiro turno e outros levando seu desespero para o segundo, no fim do mês.
Sequer a situação mudará com a projeção dessas eleições para 2018, quando um novo presidente emergirá dos computadores. Tanto faz quem será.
O cidadão comum registrará o mais no mesmo, daqui a dois anos, com a confirmação de igual descrédito pelo futuro vencedor. Passou a época do entusiasmo pelos eleitos. Cada um trará o descrédito em sua bagagem, assim como os prefeitos escolhidos ou por escolher. As eleições não empolgam mais ninguém. Até a falta delas.
Enterrem meu coração na curva do rio
A melhor época para entender a história da sociedade é quando observamos suas ruínas. Vão aí flashes do “velho Oeste” que nos domina. Uma homenagem aos 100 anos de Ulysses Guimarães:
*Só deve partilhar da esperança de uma época quem partilha de suas inquietudes.
*A facilidade com que se pode distrair e influenciar o público, instruído ou não, é o que sustenta a política.
*Ao se considerar líder ou gênio, é sempre bom mapear a planura do território ao seu redor.
*Quem gosta de ser felicitado pelo que faz costuma não saber agradecer o que recebe.
*Quem acha que as coisas são fáceis não sabe o que está acontecendo. A vida redistribui para outros o bem que os distraídos ou ingratos desprezam por acharem pouco.
*Alguém deve proteger o povo dos amigos do povo.
*Ninguém conserva para sempre a simpatia do vento.
*A convicção não deveria ser uma ferramenta de ataque.
*O líder escolhe sozinho seu veneno e o usa em seus iguais.
*Como é complicado encontrar palavras boas para ideias ruins.
*Em política não há inimigo pequeno, ou amigo grande demais.
*A desolação, e a grande capacidade de adaptação do eleitor, o faz combinar, no candidato, modéstia e pompa: a melhor luz para olhar seu interesse.
*A maioria do eleitor não se interessa por nenhuma coisa além dele. No dia da eleição, desinteressado, decide quem vencerá.
*O desprezo do pai liquida no filho o interesse por saber o motivo dos seus atos.
*O político, o promotor, o fiscal da Receita: como gostam de agravar a situação do próximo.
*Deve um juiz buscar a pertinência da prova. Não deve, impertinente, pretender julgar a decência da humanidade.
*Deve o promotor oferecer a denúncia, não acusar o cidadão como se tirasse, de casa, uma tábua podre do assoalho.
*O advogado de defesa não deveria ser pior do que o réu.
*A delação premiada pretende um milagre no enterro: ressuscitar o morto e a herança que o matou.
*Quando predomina o estado de confusão, as convicções operam em desordem. E são usadas para alistar subordinados no exército de fanáticos da guerra do eu com o outro.
*A estupidez é um território importante da sua inteligência.
*Embora a imbecilidade seja infinita, ninguém é burro de dar dó.
*O político que diz que a realidade é um escândalo quer o escândalo parte da realidade.
*De tanto querer se destacar, ele conseguiu rápido se encaixar.
*Desvios e erros de políticos costumam ser sempre obra de panelinhas.
*Livre é quem se guia pelo maior número de destinos possíveis.
*O que seria do pobre se, ao invés do aquecimento global, tivéssemos o esfriamento do Sol.
*É muito difícil ver valor na crítica de quem desfruta do objeto criticado.
*A crítica é coisa natural. Exige, do criticado, sabedoria para escapar com vida. Criticar não é do mesmo instinto da abelha. Não sendo usada como ferrão, não tem porque o criticado desejar que o crítico morra da sua maldade.
*Quando as coisas cronificam, não há mais necessidade de criticar o que acontece. A crítica torna-se parasitária do problema velho, uma anomalia dele.
*É hora de dizer coisas que nunca foram ditas.
*O futuro é um ponto móvel onde o mundo desenvolvido, infelizmente, não estacionou a nossa espera.
*O componente de esperança na atividade política é o único fator progressista que existe nela.Paulo Delgado
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