quarta-feira, 3 de junho de 2020

Hino patriótico do Brasil


De Mussolini@edu para Jair@gov

Capitão Bolsonaro,

O senhor usou uma frase que eu repeti em 1932: “É melhor viver um dia como leão que cem anos como cordeiro”. O Donald Trump também a usou. Escrevo-lhe para retificar essa fanfarronada, uma das muitas que soltei pela vida. Eu morri como um gatinho.

Na tarde de 27 de abril de 1945 os russos estavam perto de Berlim, e eu fugia pelo Norte da Itália num comboio alemão, vestindo o capote de um cabo da Wehrmacht, escondido dentro de um capacete. Fomos interceptados por uma patrulha de combatentes italianos e fui reconhecido no fundo do veículo. Aprisionado, levaram-me para uma casa, onde passei a noite. Pela manhã, deram-me algum salame e pão. O Partido Comunista destacou uma patrulha para me matar e à tarde chegou o “Coronel Valerio”. Fui metralhado diante do portão.

Fiquei cerca de 24 horas com meus captores e são muitas as versões do que aconteceu nesse período, mas nenhuma delas registra momentos de bravura. Não sei se há coragem no suicídio, pois nunca pensei em me matar. Hitler matou-se dois dias depois. Um dia encontrei aqui o Getúlio Vargas e ele me explicou que, matando-se, dobrou seus inimigos. É verdade, mas eu, como Napoleão Bonaparte, não tinha essa carta. Havia enfiado a Itália numa guerra e ela estava perdida.

O que os italianos fizeram com meu cadáver, pendurando-me de cabeça para baixo num posto de gasolina, foi apenas uma prova da volubilidade daquele povo. Uma gente que me adorava, ainda que a recíproca não fosse verdadeira.


Escrevo-lhe porque tenho um especial carinho pelo Brasil. Em 1910, quando os Bolsonaro já viviam no interior de São Paulo há algum tempo, eu fui convidado para dirigir um jornal socialista na cidade. Não aceitei, porque minha mulher engravidou. Antes tivesse ido. O primeiro posto diplomático do meu genro foi o Rio de Janeiro. O senhor deve ter ouvido falar no Galeazzo Ciano, ele financiava os integralistas. Minha filha Edda esteve no Brasil em 1939 e ficou hospedada na mansão da família Prado. Depois da guerra uma das minhas netas viveu aí.

Eu cheguei ao poder nos braços do povo, com os punhos da minha milícia. Eram chamados de “squadristi”. O Hitler copiou esse modelo e depois liquidou-o, criando coisa pior. Eles aterrorizavam os adversários políticos, espancavam esquerdistas e empastelavam jornais. O chefe dessa milícia era Roberto Farinacci. Ladrão, colecionava denúncias contra minha família. (Minha filha teve 95 apartamentos em Roma, mas essa é outra história.) Farinacci passava-se por ideólogo, mas era apenas um bajulador de plutocratas. Por coincidência, foi fuzilado no mesmo dia que eu. Dizem que deixou o equivalente a dez milhões de euros. Em 1943 me contaram que guardava 80 quilos de ouro em casa. O poder subiu-lhe à cabeça, e acabou metendo-se com uma marquesa de dois nomes e três sobrenomes.

Farinacci não morreu como um leão, porque se deixou capturar. Também não morreu como um gatinho, pois encarou o pelotão de fuzilamento e gritou “Viva a Itália”.

Os meus milicianos emporcalharam o fascismo. Poucos morreram no campo de batalha. Alguns aninharam-se com a elite, mas a maioria meteu-se com boquinhas. Daí a maledicência segundo a qual todos os políticos comem, mas os fascistas comiam com as mãos.

Despeço-me, sugerindo que me esqueça.

Benito Mussolini.

Militarismo pusilânime

Bolsonaro conscientemente quer mudar o assunto das mortes para que ele não seja responsabilizado. Isso é algo que é a coisa mais pusilânime. Não é que não temos que discutir esses ataques, porque ele de fato quer destruir a democracia ,mas o que ele está fazendo agora é confundir as pessoas
Marcos Nobre, professor da Unicamp e autor de "Ponto final - A guerra de Bolsonaro contra democracia",

Governar a cavalo

Os estertores da ditadura militar produziram uma figura de pé de página na história do Brasil: o general Newton Cruz. Enquanto chefe do SNI sob o presidente Figueiredo, só as trevas o conheciam. Mas, em 1983, quando Figueiredo o promoveu a comandante militar do Planalto, seu estilo saiu à luz do dia.

Newton Cruz foi pioneiro em mandar repórteres calar a boca, partiu para estrangular um deles numa coletiva e, de rebenque e capacete, comandava a cavalo as operações antiprotesto em Brasília, chicoteando os carros e jogando o pobre animal contra as pessoas na calçada.


É um perigo quando autoridades se prestam a tais fanfarronices. O povo tende a identificá-los com sua montaria, vendo neles um único quadrúpede. Newton Cruz nunca se livrou dessa imagem, nem mesmo quando foi acusado de envolvimento em episódios turvos da ditadura, um deles a bomba no Riocentro, em 1981. Passou à posteridade aos relinchos.

Jair Bolsonaro saiu a cavalo pela Esplanada dos Ministérios neste domingo, saudando seus cada vez mais reduzidos apoiadores. Fez isso em mangas de camisa e com as fraldas para fora, como sói —afinal, é apenas um ex-tenente que foi promovido a capitão ao ser mandado embora do Exército. Nunca um suboficial lhe prestou continência. O homem a cavalo imagina-se uma potência, por ver os outros de cima para baixo. Bolsonaro, desmontado, ao rés do chão e acuado pela Justiça, já não está com essa potência toda.

E começa a tornar possível o que até há pouco parecia impensável: unir contra si as forças democráticas do Brasil, de várias cores políticas. Na ditadura foi assim —custou, mas chegou-se a um ponto em que ela já não interessava a ninguém, nem aos militares. A Bolsonaro só restará uma minoria falangista. Até o centrão, que ele pensou ter comprado, lhe dará uma banana.

O problema de governar a cavalo é que um dia ele tem de voltar para a estrebaria.
Ruy Castro

Pior ainda está por vir na América Latina, alerta OMS

Com cerca de 30 mil mortos no Brasil e mais de 10 mil no México, a pandemia de coronavírus ameaça sobrecarregar os sistemas de saúde na América Latina, enquanto diversos países europeus iniciam nesta terça-feira o retorno a uma relativa normalidade.

Dos 10 países com maior número de infecções diárias de covid-19, quatro são latino-americanos: Brasil, Peru, Chile e México, segundo afirmou o diretor de Emergências sanitárias da Organização Mundial de Saúde (OMS) Michael Ryan.

"Eu certamente caracterizaria que a América Central e do Sul, em particular, se tornaram as zonas intensas de transmissão para esse vírus. Não acredito que tenhamos chegado ao ponto alto dos contágios [na América Latina] e, no momento, não se pode prever quando será alcançado", afirmou. O epicentro da doença na América Latina é o Brasil, que, com mais de 526 mil casos, se tornou o segundo país com mais infecções em todo o globo, atrás apenas dos Estados Unidos (1,8 milhão de casos).


No Brasil, com mais de 210 milhões de habitantes, as medidas de quarentena ou de confinamento são impostas de maneiras diferentes, seguindo as normas estaduais ou municipais. O presidente Jair Bolsonaro continua a desdenhar da doença e fazer pouco dessas restrições, com a intenção de proteger a economia e o emprego, mesmo com o número de mortos se aproximando dos 30 mil.

A cidade do Rio de Janeiro divulgou um plano gradual de reabertura econômica de seis fases, até a "volta à normalidade" em agosto, segundo a estratégia anunciada pelo prefeito Marcelo Crivella.

A primeira fase, que começa nesta terça-feira, permite a retomada das atividades nos locais religiosos com medidas de precaução, como o distanciamento social. Os esportes náuticos individuais, como o surf ou a natação, podem ser praticados, mas não é permitido ainda o banho de sol nas praias fluminenses. O comércio ainda não tem permissão para reabrir, salvo algumas exceções.

O estado de São Paulo, o mais afetado em todo o país, também deu início nesta segunda-feira a uma estratégia de reabertura gradual.

Contudo, ainda é grande a preocupação em relação aos demais países latino-americanos. "Precisamos apoiar especialmente as Américas Central e do Sul", ressaltou Ryan, alertando para a instabilidade em vários países nessas regiões, com um grande aumento dos casos e uma forte pressão sobre os sistemas de saúde.

O Peru, com 33 milhões de habitantes, é um dos que está sob forte risco. Segundo o Ministério da Saúde local, o país já superou 170 mil casos da doença e contabiliza mais de 4,6 mil mortes.

O México, país de 120 milhões de habitantes, já tem mais de 93 mil casos confirmados e ultrapassou nesta terça-feira o total de 10 mil mortes. Mesmo assim, o presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, anunciou nesta segunda-feira a retomada gradual das atividades da indústria automobilística e dos setores da mineração e construção civil.

No Chile, com 1,1 mil mortos e 100 mill infecções, as restrições impostas para diminuir a propagação da doença resultaram em uma retração econômica de 14,1% em abril, em comparação ao mesmo mês do ano anterior. Este é número o mais baixo desde o início dos registros, segundo informou o Banco Central do país.

O Equador, com 3,6 mil mortes e mais de 39 mil casos, decidiu reiniciar os voos comerciais domésticos e reduziu o toque de recolher de 15 para 11 horas. Por sua vez, o governo de Honduras dividiu o país em três zonas, de acordo com os índices de incidência do vírus, para possibilitar o que chamou de reabertura inteligente e gradual.

Europa reabre, apesar do medo da "segunda onda"

O panorama na América Latina contrasta com o que se vê na Europa, onde foram registradas 180 mil mortes e mais de 2,1 milhões de casos. Após quase três meses de medidas de confinamento impostas na maior parte do continente, os países começam a adotar medidas de relaxamento e de reabertura econômica em muitos setores.

A Espanha, país que teve mais de 27 mil mortos e quase 240 mil casos, não registrou nenhuma nova morte nas últimas 24 horas. O país, porém, impôs algumas das medidas de confinamento mais rígidas em todo o mundo, deixando a grande maioria da população em confinamento.

Mesmo que as viagens entre os países europeus ainda não sejam permitidas – o que deve ocorrer a partir de 15 de junho – os locais turísticos mais importantes da Europa começam a reabrir. Nesta terça-feira, foi a vez do Museu Guggenheim em Bilbao e do mercado Grande Bazar em Istambul, com mais de 3 mil barracas e 30 mil comerciantes.

O Coliseu de Roma foi iluminado com as cores da bandeira italiana para marcar a reabertura ao público. O imponente anfiteatro romano recebeu em torno de 300 visitantes que fizeram reservas online, uma cifra bem inferior aos 20 mil que o local costumava receber todos os dias.

Mesmo assim, o governo italiano espera que a reabertura dos monumentos históricos possa ajudar a dar novo impulso ao setor do turismo, extremamente abalado pela epidemia de covid-19 que matou mais de 33 mil pessoas.

A França, onde a pandemia deixou quase 30 mil mortos, deu início à segunda fase do plano de reabertura, com a permissão para viagens domésticas de até 100 quilômetros de distância e a retomada das atividades em restaurantes e cafés, ainda que com limitações.

Além disso, após a reabertura de parques e jardins em toda a França neste sábado, as praias, museus, monumentos, zoológicos e teatros podem voltar a funcionar nesta semana.

No Reino Unido, as escolas reabrem para alunos de 4 a 6 anos e de 10 a 11 anos, apesar das críticas de professores, sindicatos e governos locais, que julgam a medida como apressada. O país, que já soma mais de 38 mil mortos pela doença, registrou 111 novos óbitos nesta segunda-feira, sendo esta a menor contagem diária desde o início das medidas de confinamento.

Apesar dos temores quanto a uma segunda onda da doença, a normalização também avança na Finlândia (reabertura de restaurantes, bibliotecas e outros lugares públicos), Grécia (jardins de infância e escolas primárias), Romênia (cafés, restaurantes e praças), com medidas semelhantes adotadas na Albânia, Noruega e Portugal.

Sem legendas

Dou por mim a cantar,
Estou de volta pro meu aconchego
Trazendo na mala bastante saudade

sei de cor as canções do Roque Santeiro, uma telenovela brasileira que passou na televisão em 1987, nesse ano os meus pais andavam à procura de uma casa que nos permitisse sair do prédio de retornados, onde vivíamos há mais de uma década,
a casa que agora é só da minha mãe e para onde tive de voltar,
A ver se nos livramos desta gaiola, dizia o meu pai referindo-se ao pequeno apartamento empoleirado num sétimo andar onde, apesar dos meus protestos, o televisor estava sempre ligado, eu com restos de permanentes e de acne quase a entrar na vida adulta, Não consigo estudar com a televisão tão alta, gritava, eu a um ano de terminar a licenciatura em Direito e sem nunca ter tido um quarto a que pudesse chamar meu,

Por causa da descolonização, explicará prontamente a minha mãe se alguma amiga ler esta crónica e lhe falar nisso, Não fosse a descolonização e nunca lhe teria faltado nada,
eu a tentar concentrar-me, na pequena marquise, e a desistir, acabando por refugiar-me no quarto dos meus pais porque aí sempre havia uma porta e a porta podia ser fechada, eu sentada na cama deles a aprender Direito das Sucessões e da Família, as sebentas e as fotocópias a cobrirem a colcha que tinha sempre motivos florais e um cheiro adocicado que me desagradava, um cheiro a velho,
os meus pais eram, então, mais novos do que eu sou agora, será que o meu cheiro se adocicou também?,
eu prestes a ser a primeira licenciada da família, a envergonhar-me quando ouvia os meus pais descreverem a casa dos seus sonhos ao sr. Bernardino, o construtor civil, um dos patos-bravos que iam cimentando Cascais a eito, Uma casa com um quintalinho para plantarmos umas couves, pelo menos cinco quartos que já temos um neto e outros virão,
não vieram, a minha irmã não teve mais filhos e eu distraí-me de querer tê-los,
longe do centro para termos ar puro e podermos ouvir os pássaros, eu zangada por a casa dos meus sonhos ser tão distante da dos meus pais,

Susa Monteiro
Quero viver em Nova Iorque, confessei a um colega de Direito nos intermináveis minutos que antecediam os exames, Em que bairro?, a atenção dele a descair solícita sobre mim, como podia eu imaginar que, O meu tio trabalha nas Nações Unidas, vou lá muitas vezes, em que bairro queres viver?, Não sei, desculpei-me, só conheço a cidade dos filmes, e ele a terminar a conversa com um Ah, mudo de desinteresse,
eu tão perdida de mim, a chegar tarde a esta casa, a casa que os meus pais finalmente encontraram, mas a que eu já não podia pertencer, até que de repente, depois de uma introdução musical que parecia uma cavalgada tropeçante, ouvia-se cantar
Deus e o Diabo na Terra
Sem guarda-chuva, sem bandeira, bem ou mal

(…)
Eu quero a felicidade
Mas a tristeza anda pegando no meu pé

os meus pais e eu sentávamo-nos apressadamente em frente do televisor para não perdermos as peripécias do Roque Santeiro, os meus pais e eu unidos em Asa Branca, uma cidade inventada, a divertirmo-nos com o vilão e iletrado Sinhozinho Malta e com a tonta e corrupta Viúva Porcina, a atriz Regina Duarte que, anos antes, tanta esperança me ensinara ao protagonizar a Malu Mulher,

Começar de novo
E contar comigo
Vai valer a pena
Ter amanhecido

cresci com o Brasil a salvar-me da tristeza salazarenta, a desempoeirar-me a cabeça, as personagens do pequeno ecrã em que mais me reconhecia eram brasileiras, entre elas e eu não havia tradução,
aprendi inglês tarde, já não fui a tempo de me desabituar de ler as legendas, esse ralo longitudinal na base das imagens por onde a minha atenção se escoa,
e as personagens brasileiras pareciam-me menos artificiais do que as das telenovelas portuguesas, era bom confundir a ficção com a realidade,
agora o Brasil foi engolido por Asa Branca, Já não consigo seguir novelas, só vejo isto, diz-me a minha mãe,
isto são as notícias,

Na noite de quinta-feira, quando o Brasil ultrapassava mais um recorde de mortes, com o anúncio de 751 vítimas da Covid-19 em apenas 24 horas,
sei que o sofrimento é uma língua universal,
o Presidente anunciou um churrasco e “uma peladinha” para centenas de convidados,
mas sinto-me mais impotente perante o desrespeito de alguém quando partilho a língua e não há a barreira das palavras entre nós,
o mesmo Presidente que havia declarado, dias antes,
caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar, nada sentiria, ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho,
a minha mãe e eu novamente sentadas no sofá, ocupamos os lugares de antigamente, a minha mãe no meio, eu num dos extremos, o Pedro no sítio que era do meu pai, É novela, mãe, não é a sério, queria poder dizer-lhe, tento distraí-la, O que vamos plantar no quintal?,
a minha mãe, tão diferente da mulher que entrou pela primeira vez nesta casa, Ficava feliz só com esta cozinha e com o quintal,

O que dizes de pormos um carreiro de alfaces ao pé das couves, já plantámos erva-cidreira, hortelã-pimenta, poejos, sálvia, segurelha, a minha mãe a mexer carinhosamente a terra e eu a aprender-lhe o jeito e o amor, A terra é tudo o que temos, um prestigiado casal de artistas performativos que conheci em Berlim há uns anos, Queremos comer só o que plantamos, disseram orgulhosos quando me mostraram como haviam deitado abaixo a garagem para fazerem uma horta, Isto é a vanguarda, e eu, sem conseguir confessar quão vanguardistas os meus pais sempre foram,

prefiro pensar que são intemporais,
quem me dera, eternos,
Tens a tua casinha tão arranjada e eu tirei-te de lá, preocupa-se a minha mãe,
a minha casa tem janelas altas viradas para a cidade, as sombras das tipuanas trepam até lá para me avisarem do fim da tarde, só em minha casa consigo ficar desarmada, andar nua e não ter vergonha, ser desarrumada e ainda assim encontrar o que preciso, a minha casa é a minha língua,

Lamento. Quer que eu faço o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre,
o criminoso usa as mesmas palavras que eu e eu não o percebo, um descaro cuspido nas nossas caras, uma dor sem legendas,
Deixa-nos viver dignamente, Bolsonaro,
a mesma língua também tem de servir para sermos uma única e percetível voz clamando,
Deixa-nos viver, Bolsonaro,
se uma mesma língua não serve para isto, então não serve para nada,
Deixa-nos, Bolsonaro.

Conversão e convergência

O que é melhor? Juntarmos todos – inclusive os que, até ontem, estavam em lado oposto – para organizar uma força única, capaz de dizer não às ameaças à democracia? Ou continuar resmungando – cada um no seu quadrado, na caixinha das redes sociais – enquanto o fascismo avança sustentado pela santa ignorância somada à má intenção?

Segundo o dicionário, convergência é a condição do que caminha para o mesmo ponto ou objetivo. As manifestações do final de semana, puxadas pelas torcidas organizadas dos times de futebol – rivais eternas nas pelejas esportivas – foram surpreendentes exemplos de convergência possível.

Trouxeram reação e esperança nesse momento escuro da nossa História, quando uma direita violenta e babona ameaça barbarizar 35 anos de suado exercício de democracia.

Não achamos a democracia no lixo. Foi duro conquista-la. Mais difícil ainda é mantê-la.



Na semana de explosão de indignações, fomos lembrados que, juntos, somos maioria. E viralizou a mensagem #somos70%. Somos. Nesse grupo podem estar até os que ajudaram a eleger presidente. Figura que, demonstra, não tem qualificação nem discernimento sequer para exercer mandato de síndico. (Com todo respeito aos síndicos. Figuras fundamentais na convivência social dos condomínios. A comparação é só métrica. Uma função é muito maior do que a outra).

Erraram os que, por ene motivos, deram voto de confiança a quem não merece. Erramos muitas vezes no caminho e na solução. Mas podemos estar juntos para impedir mais desditas. A História – a nossa e a do mundo – ensina: em momentos cruciais, só a união de muitos, sem sectarismos, é capaz de mudar rumos, barrar desgraças. No momento, a tormenta força a nossa porta. Temos que receber e aceitar as “conversões” para a causa da democracia. Elas não significam assinar carteirinha no mesmo partido, ou rezar no mesmo terço.

Podemos construir uma aliança ecumênica, que junta desiguais na mesma causa. É hora de congregar como já fizemos outras vezes na memória recente – na campanha por anistia, no final dos anos 70, no movimento Diretas Já, que começou em 1983 e contou com o empenho fundamental de um “convertido”, o senador alagoano Teotônio Vilela, antes apoiador da ditadura.

Em parceria com antigos adversários políticos, Teotônio, doente, rodou o país na jornada das Diretas Já. A proposta foi derrotada no voto dos parlamentares, mas a campanha uniu e levou o povo pras ruas. Antecipou o fim da ditadura militar.

A História ensina a quem quer aprender.

#Somos70% de brasileiros indignados. Corintianos, são-paulinos, palmeirenses, santistas, flamenguistas… Tamujunto.

Homenagem e respeito aos profissionais da Saúde que oferecem até a vida no trabalho contra a pandemia.

Luto e solidariedade às famílias dos 30 mil brasileiros mortos da covid.

Respeito e solidariedade pelo movimento antirracista dos americanos, que já alcançou 140 cidades. Black lives matter. Vidas dos negros importam. Lá e aqui.

Emoção com imagens dos policiais que se ajoelham, somando indignação pelo racismo resistente e institucional da sociedade americana.
Tânia Fusco

Pensamento do Dia


Recado ao general: 'Para ser respeitado, Bolsonaro precisa se dar ao respeito'

O ministro Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, que não é porta-voz do governo nem tem maior importância no ranking ministerial, saiu de seus cuidados para imitar o general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, e divulgou uma nota à nação, nesta segunda-feira, para rebater um comentário do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, que no domingo comparou a situação do Brasil, “guardadas as devidas proporções”, com o que ocorreu na Alemanha nazista com Adolf Hitler.

“Comparar o nosso amado Brasil à ‘Alemanha de Hitler’ nazista é algo, no mínimo, inoportuno e infeliz. A Democracia Brasileira não merece isso. Por favor, respeite o Presidente Bolsonaro e tenha mais amor à nossa Pátria!”, disse Ramos, em postagem no Twitter.

Celso de Mello nem se preocupou em responder ao ministro, que é figura inexpressiva e não se saiu bem no governo, tendo fracassado na articulação política, principal tarefa de sua pasta, que fica sendo adequadamente por seu antecessor, o general Santos Cruz, que soube como se aproximar e relacionar com os parlamentares.


Eduardo Ramos fracassou na Secretaria de Governo, mas é indemissível, por ser general da ativa e membro licenciado do Estado-Maior do Exército. Ou seja, Bolsonaro precisa desesperadamente do apoio dele.

No meu entender, seu fracasso maior foi faltar com a verdade ao depor perante a Polícia Federal no caso Moro, ao dizer que Bolsonaro, na reunião ministerial, se referia ao ministro Augusto Heleno e até olhara para ele, ao terminar a fala, quando na verdade ocorreu exatamente o contrário e o presidente mirara claramente o ministro da Justiça. Além disso, Ramos retificou outros dois pontos do depoimento, e para mim isso basta. Não suporto general amoldável.

Compreendo a situação do comandante do Exército, general Edson Pujol, que não pode repreender Ramos por se intrometer em política, porque ele está como ministro. Mas é preciso lembrar que está na ativa. Se quer trabalhar em política e até repreender um ministro do Supremo a propósito de defender um presidente indefensável, é obrigatório que passe para a reserva, deponha as armas e venha esgrimir as palavras.

Celso de Mello não tem satisfações a dar a esse general. O ministro do Supremo está lutando o bom combate, ao defender a democracia, enquanto o presidente Bolsonaro não se dá ao respeito, faz o possível e o impossível para provocar um golpe militar, julgando que será eleito ditador pelo Alto Comando, com o voto de áulicos como Eduardo Ramos.

Mas isso não vai acontecer. Ainda há generais no Forte Apache, que seguem o exemplo de Cândido Rondon e Teixeira Lott. Com toda certeza, não pretendem manchar suas biografias ao se subordinarem a um capitão que o Exército deveria ter expulsado, mas não o fez.
Carlos Newton 

Explícito nas ruas, bolsonarismo neofascista se inspira em extremismo e anticomunismo da Ucrânia

Nas últimas semanas bandeiras ucranianas passaram a dividir espaço com as brasileiras em atos de apoio ao Governo do presidente Jair Bolsonaro. Carregadas nas costas ou penduradas em carros de som, uma delas chamou a atenção: não era o símbolo oficial do país do leste europeu, amarela e azul, mas sim uma variante vermelha e preta, com o tridente ao centro. É o brasão adotado pelo grupo paramilitar de extrema direita Pravyi Sektor (Setor Direito), criado em 2013 e que se tornou partido político na Ucrânia. O coronel Álvaro Batista Camilo, secretário-executivo da Polícia Militar de São Paulo confirmou na noite de domingo que o conflito ocorrido na avenida Paulista, que era palco de um ato pró-democracia e um de apoio a Bolsonaro, teve como estopim a presença desses símbolos: “Provavelmente, [o motivo da briga] seja o pessoal ligado ao neonazismo, que acabaram começando, levando a esse tumulto”. Mas o desejo de “ucranizar” o Brasil não começou na avenida Paulista.

A apropriação de símbolos ucranianos radicais por setores da política brasileira não é nova, e foi construída inclusive contando com o auxílio de aliados de Bolsonaro. “Fui treinada na Ucrânia e digo: chegou a hora de ucranizar!”, escreveu Sara Winter, militante bolsonarista que lidera uma espécie de milícia armada chamada 300 do Brasil, e que foi alvo de operação da Polícia Federal contra a disseminação de fake news. O grupo de Winter fez uma manifestação com tochas diante do Supremo Tribunal Federal no sábado. “Está na hora de ucrânizar (sic) o Brasil! Quem sabe o que foi feito por lá entenderá”, postou no Twitter o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), no final de abril. O parlamentar, que ganhou fama ao quebrar uma placa em homenagem a Marielle Franco durante a campanha de 2018, fez referência na mensagem aos protestos nacionalistas conhecidos como Euromaidan, ocorridos em 2014 e que culminaram com a queda do então presidente Viktor Yanukovytch.

À época o mandatário ucraniano estava na orbita de influência do Governo da Rússia, e atendendo a pedidos de Vladimir Putin, se opôs à entrada de seu país na União Europeia. Milhares de manifestantes tomaram as ruas de Kiev e outras cidades exigindo sua renúncia. Grupos paramilitares, alguns de extrema direita, foram formados para enfrentar as tropas do Governo em verdadeiras batalhas urbanas que deixaram centenas de mortos. O Pravyi Sektor foi um destes grupos. Uma confederação de entidades milicianas que acredita seguir a tradição do Exército Insurgente Ucraniano (que utilizava a mesma bandeira rubro-negra), que se aliou ao Eixo e combateu a União Soviética durante a Segunda Guerra Mundial. Uma das consequências da vitória dos manifestantes na Ucrânia foi a incorporação, na política e nas forças armadas regulares, de grupos neonazistas e ultra-nacionalistas em suas fileiras.


Um dos objetivos da “ucranização” do Brasil seria forçar espaços para grupos e pautas conservadoras e radicais no Governo, assim como ocorreu no país do leste da Europa após aos protestos de 2014. “Alguns bolsonaristas construiram uma agenda, que eles alegam ser a agenda do brasileiro, que é extremamente conservadora, armamentista e contra direitos LGBT, por exemplo. Mas essa agenda não encontra representatividade no Congresso, que é mais plural, nem no Supremo Tribunal Federal, que julgou algumas medidas do Executivo como inconstitucionais. Por isso os poderes Legislativo e Judiciário têm sido alvos deles”, explica David Nemer, professor e antropólogo na Universidade da Virginia. Assim como o movimento ultranacionalista ucraniano “refutou o establishment”, estes defensores da “ucranização” do país querem uma ruptura que “dê a Bolsonaro autoridade implementar um Governo que se alimenta de extremismo e que não precise respeitar os demais poderes”. O próprio presidente e seus ministros e familiares têm entrado em conflito com ministros do Supremo, e o mandatário chegou a dizer que não cumpriria decisão judicial que considerasse “absurda”.

Odilon Caldeira Neto, que leciona História Contemporânea na Universidade de Juiz de Fora (UFJF), em Minas Gerais e é pesquisador do Observatório de Extrema Direita, faz raciocínio semelhante ao de Nemer. Neto vê a intensificação das alas mais radicais dentro do bolsonarismo, que, explícitas nas ruas, demonstram estar ganhando capital político dentro do movimento, buscam aproveitar as brechas para se impor. “O bolsonarismo é um conglomerado muito maior e diversificado que inclui monarquistas, intervencionistas e os neofascistas, que já estavam presentes antes da eleição, mas precisavam disputar espaço com outras tendências. Agora, em um momento de radicalização, eles tomam as ruas e conseguem ficar mais nítidos, conseguem ser reconhecidos como legítimos”, observa o professor.

Embora não sejam movimentos, até o momento, com grande número de adeptos no Brasil, isso não torna os ultradireitistas de inspiração neofascista inofensivos, na visão do professor da Universidade de Juiz de Fora. “Historicamente no Brasil, não houve ruptura institucional sem a participação fascistas e integralistas: eles estiveram presentes nos golpes de 1937, no Estado Novo, e 1964 - e também nos processos de rupturas mais recentes - caso do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff”, conclui. “Porque não estão utilizando símbolos da Hungria ou da Polônia? Certamente os brasileiros não estão interessados nos valores nacionais da Ucrânia, mas sim no que esse país simboliza para a extrema direita. Não é apenas um caso de sucesso no campo da radicalização política. Os protestos foram uma janela de oportunidade para o movimento neofascista ucraniano chegar ao poder ou se inserir dentro dele", afirma.

O caso brasileiro de reutilização e apropriação de estética e símbolos fascistas e neonazistas —jamais rechaçado pelo presidente ou por seus apoiadores mais próximos— tampouco é original. Assim como Jair Bolsonaro copiou Donald Trump ao usar uma frase popularizada pelo ditador Benito Mussolini (“É melhor um dia como leão do que 100 como ovelha”) em um vídeo do domingo, o movimento de “ucranização” de Sara Winter copia tochas usadas na Europa e nos EUA. “No imaginário social, coletivo, a primeira imagem que vem é a da Klux Klux Klan, mas a tocha tem sido um componente de grande profusão entre grupos identitários com inspiração neofascista em vários países da Europa. É um símbolo grego, que na releitura que a extrema direita faz é associado a uma nação europeia assentada nos mitos de origem. Agora, também retomado pela alt-right norte-americana”, observa Odilon Caldeira Neto. “O que caracteriza os neofascismos é um olhar para o passado que busca recriar a nacionalidade, uma purificação”, segue.

Outro ponto da experiência ucraniana que seduz alguns bolsonaristas tem a ver com o repúdio às ideologias de esquerda. Este viés anticomunista, herança de décadas sob o regime soviético de Moscou, chamou a atenção do filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, que elogiou a Ucrânia em 2018, e citou o país como exemplo a ser seguido por ter “criminalizado o comunismo”. Na verdade, em 2015 o Parlamento do país aprovou uma lei que proíbe o uso de símbolos nazistas ou comunistas. A bandeira do Pravyi Sektor não foi incluída no veto.

Uma figura da diplomacia ucraniana também teve o papel de disseminar a experiência de seu país por aqui. A embaixatriz da Ucrânia no Brasil, Fabiana Tronenko, assumiu um papel de destaque em protestos contra a corrupção e a favor do Governo de Bolsonaro, disparando críticas contra a esquerda. Circula nas redes um vídeo dela de 2019 discursando em cima de um carro de som com camiseta em homenagem a Sergio Moro, então ministro da Justiça: “É muito fácil apoiar o comunismo sem ter vivido nele", grita Fabiana para a multidão. Ela também já se reuniu com a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves.

O próprio Bolsonaro se encontrou com o presidente ucraniano Volodymyr Zelenskiy no final de 2019. As duas nações estreitaram laços comerciais, e segundo o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, a Ucrânia teria interesse em comprar alguns aviões modelo Super Tucano, da Embraer. Bolsonaro e Zelensky têm algumas semelhanças: ambos foram eleitos com forte discurso antipolítico (o ucraniano era comediante), e os dois também têm uma relação de proximidade e certa subserviência com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

As acusações de que manifestantes brasileiros estavam exaltando um grupo neonazista ucraniano fizeram com que o embaixador da Ucrânia no Brasil, Rostyslav Tronenko, fizesse declarações para dissociar a bandeira rubro-negra de atividades neonazistas. Em entrevista à CNN ele afirmou que trata-se de “uma bandeira histórica que significa a terra fértil da Ucrânia, com a faixa negra, e [a vermelha] o sangue que ucranianos durante séculos derramaram na luta pela nossa soberania, liberdade e independência”. Em uma nota divulgada por ele em 28 de maio, Tronenko reforça o caráter anticomunista da bandeira: “Essa bandeira foi usada desde o século XVI pelos cossacos ucranianos nas lutas contra invasores estrangeiros (...) e virou o símbolo de luta dos ucranianos contra ocupação, chauvinismo e imperialismo russos”.

População foi liberada para o abatedouro

Em quase todos os estados brasileiros o crescimento da Covid-19 continua a acelerar. A exceção é o Ceará, que nos últimos quatro dias tem mantido uma desaceleração.
 
Não estamos falando do que vai ocorrer dentro de um ou dois meses, mas de uma semana a dez dias. Até agora, temos acertado nossas projeções e, por isso, estamos tão preocupados. É nosso dever alertar a população de que ela foi liberada para ir ao abatedouro - especialista em modelagem computacional
Domingos Alves, portal Covid-19 Brasil

A reabertura inevitável e fatal

O Brasil tem quase 400 mil casos de Covid-19. Já é o segundo no mundo depois dos Estados Unidos. As mortes continuam a subir, os recursos hospitalares já estão no limite, acima do limite, ou muito próximos do limite, a depender da localidade. O fator de contágio, o que os epidemiologistas chamam de R0, permanece acima de 1: provavelmente bem acima de 1, a julgar pelas conhecidas subnotificações e testagem para lá de insuficiente. Com o fator de contágio acima de 1, a epidemia recrudesce no instante em que o isolamento social começa a ser relaxado. Por esse motivo, os países europeus que estão reabrindo lentamente sua economia só o fazem porque o R0 está, hoje, abaixo de 1. Para mantê-lo nesse patamar sem vacinas, será preciso um enorme esforço dos governos, a readequação dos locais de trabalho, uma mudança de comportamento.

São Paulo anunciou a reabertura para o dia 1º de junho. Aqui em Washington, DC, onde moro, a reabertura gradual só será considerada — considerada, não feita — no dia 8 de junho.

Mas voltando ao Brasil. Tenho acompanhado, sob sugestão de amigos infectologistas aqui nos Estados Unidos, este site. Nele há projeções sobre o curso da epidemia no Brasil, bem como as estimativas de óbitos por Covid-19. Desde março, as projeções para o país têm se confirmado. Caso se confirmem para junho e julho, em meados de junho teremos 50 mil óbitos e em meados de julho o número chegará à catastrófica marca dos 100 mil, patamar em que estão os EUA. A diferença é que, nos EUA, as medidas de isolamento ainda estão em vigor em várias partes do país, mesmo que a curva epidemiológica tenha melhorado. O Brasil haverá de suspendê-las muito antes do ponto mais ou menos seguro (segurança absoluta sem vacina é algo que não existe).


A decisão de reabrir tomada pelo governador de São Paulo revela dois problemas espalhados pelo país. De um lado, há grande pressão sobre os governadores, tanto por parte do presidente da República quanto de alguns empresários. De outro, a verdade mais desastrosa dessa epidemia: se a população não adere às medidas de distanciamento, seja por qual motivo for, elas pouco adiantam para frear o estrago do vírus e derrubam a economia como se não houvesse medida alguma. Não temos ainda muitos dados ou indicadores sobre o impacto da epidemia na economia brasileira, mas o que há revela um quadro devastador.

Segundo dados recém-divulgados pelo Caged, em março e abril o país perdeu mais de 1 milhão de empregos formais. Esses empregos estão majoritariamente concentrados nos setores de serviços e comércio, que empregam muitas pessoas de baixa renda. Ou seja, os mais de 1 milhão de vagas formais destruídas certamente afetaram desproporcionalmente aqueles que recebem os menores salários, aumentando a desigualdade e a necessidade de uma rede de proteção social mais forte. Os dados deixam em evidência a necessidade de prorrogar o auxílio emergencial, o que, nesse momento, o governo reluta em fazer. Apenas para contextualizar, essa perda de vagas formais em dois meses é significativamente maior do que as perdas registradas nos dois anos de recessão histórica, 2015 e 2016. O estado que mais perdeu empregos? São Paulo, seguido do Rio de Janeiro e de Minas Gerais.

Diante dessa calamidade e das dificuldades de levar a cabo o distanciamento social necessário, seja por interferências do governo federal, seja por motivos diversos que orientam o comportamento da população, seja porque há uma parcela muito expressiva da população brasileira que não pode ficar em casa, a decisão de reabrir será prematura. O debate sobre saúde versus economia? Esse continua a não existir. O que ocorrerá no país é que mais vidas serão perdidas. Teremos mais meses de tragédia pela frente. E, para completar o quadro, a economia não será poupada, ao contrário do que alguns empresários, parte do mercado financeiro e membros da equipe econômica acreditam. Rumamos para o pior dos cenários, a não ser que, por um passe de mágica — dado que, ministro da Saúde não temos — comecemos a testar em larguíssima escala e aprendamos a fazer o rastreamento de contatos da noite para o dia.
Monica de Bolle