terça-feira, 7 de agosto de 2018

Pensamento do Dia


Massacre anunciado na Amapu de Dorothy Stang

“Já conferi na lista, mãe. Meu nome não está lá”, garantiu Leoci Resplandes de Sousa, poucos dias antes de ter o corpo transformado numa peneira. Na maioria das cidades, poderiam ser muitas as listas. Aprovação no vestibular, contratados por alguma empresa, selecionados para algum concurso público. Mas não em Anapu, município do estado do Pará que entrou no mapa mental do Brasil e do mundo em 2005, quando a freira Dorothy Stang foi executada com seis tiros por defender os direitos dos mais pobres à terra e, com isso, confrontar os interesses dos grileiros (ladrões de terras públicas). Em Anapu, no Pará, 13 anos pós o assassinato da missionária, a lista ainda é a de camponeses marcados para morrer.


Leoci não estava na lista. Mesmo assim foi assassinado em 3 de junho, ao final da tarde, sentado com a mulher no alpendre da casa depois de um dia de roça. Segundo a sua mãe, liderança do lote 46 da Gleba Bacajá, “com 23 chumbos de 12 (calibre da espingarda)”. A lista ou não estava completa. Ou há mais de uma lista. Segundo afirmam pessoas que não podem ser identificadas, a “lista” está nas mãos de um dos chefes da pistolagem. Haveria pelo menos três figuras-chaves na pistolagem e uma milícia armada. Quando um trabalhador rural precisa saber se o seu nome está lá, aciona intermediários que vão “assuntar”. Isso é contado com naturalidade na cidade e no campo de Anapu, como mais um dado da rotina. Não há limites para o que pode ser naturalizado nas regiões em que ou o Estado não está presente – ou está presente a serviço da grilagem e da extração ilegal de madeira, o que é bastante comum no território amazônico.

A de Leoci foi apenas uma entre 16 cruzes de madeira cravadas nas casas dos mortos durante a Romaria da Floresta, entre 19 e 22 de julho. Realizada há 13 anos, desde o assassinato de Dorothy Stang, esta foi a primeira vez que a romaria andou pela cidade em vez de percorrer 25 quilômetros de estradas rurais por dia. A mudança foi um pedido dos camponeses que temem pela vida devido à escalada de violência e a criminalização dos movimentos sociais na região de Anapu e em toda a Amazônia.

Padre José Amaro Lopes, um dos principais sucessores de Dorothy Stang na defesa dos pequenos agricultores, foi preso com um buquê de acusações em 27 de março. E jogado na mesma prisão em que Regivaldo Galvão, o “Taradão”, um dos mandantes da morte de Dorothy Stang, paga sua pena. Depois de três meses na cadeia, padre Amaro passou a responder às acusações em liberdade, mas sujeito a várias restrições. Na romaria, os camponeses gritavam: “Irmã Dorothy vive! Padre Amaro livre!”.

Duas semanas antes de ser preso, Padre Amaro deu uma entrevista ao jornal The Guardian. Nela, afirmou que sua “batata estava assando”, referindo-se ao fato de que sabia que algo aconteceria com ele. “Como matar a Dorothy deu muita repercussão e problemas para os grileiros, eles vão forjar algum acidente ou inventar alguma coisa para me criminalizar”, disse. Ele, um sacerdote desarmado que se preparava para cumprir as obrigações rotineiras, foi preso como se fosse um chefe da máfia. A espalhafatosa operação envolveu 15 policiais e vários setores da polícia paraense. Uma das acusações, a de assédio sexual, caiu em seguida, mas já tinha cumprido o objetivo de desqualificar o padre diante de parte da população de Anapu e da região.

As 16 cruzes e nomes, segundo a Comissão Pastoral da Terra, correspondem aos mortos por conflitos de terra apenas em Anapu, de 2015 até hoje. Exceto um punhado de homens e mulheres com as mãos escavadas pela enxada e os pés marcados pela dureza do caminho, ninguém mais parece revoltar-se contra a execução desses brasileiros pobres: Edinaldo Alves Moreira (05/07/2015), Jesusmar Batista Farias (11/08/2015), Cosmo Pereira de Castro (23/08/2015), Hercules Santos de Souza (17 anos, 10/10/2015), José Nunes da Cruz (“Zé da Lapada”, 27/10/2015), Claudio Bezerra da Costa (“Ivanzinho”, 31/10/2015), Wislen Gonçalves Barbosa (17/11/2015), José de Nascimento (“Jacaré”, 20/04/2016), Lourinho (20/04/2016), Marrone Gomes da Conceição (16 anos, 08/06/2016), Antônio Pereira Queiroz (“Titela”, 08/06/2016), Parazinho (desaparecido em 2016, considerado morto pelas organizações), Jhonatan Alves Pereira dos Santos (“Jhon”, 26/07/2017), Valdemir Resplandes dos Santos (“Muletinho”, 09/01/2018), Gazimiro Sena Pacheco (“Gordinho”, 09/01/2018), Leoci Resplandes de Sousa (03/06/2018).

Em 24 de julho, a organização britânica Global Witness (Testemunha Global) divulgou o relatório chamado “A que custo” (aqui a versão em português). O ano de 2017 foi o mais perigoso no mundo para defensores da terra ou do meio ambiente. O Brasil é o país mais letal para esses lutadores, com 57 dos 207 assassinados. Hoje, não existe no planeta nenhum lugar mais perigoso para quem luta pela terra ou pelo meio ambiente do que o Pará, o mais mortal entre todos os estados brasileiros.

Partidos que são feudos

Recente estudo acadêmico da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) indicou que a militância partidária é mais ativa e frequente do que às vezes se pensa. Por exemplo, mesmo em ano não eleitoral, os filiados participam das atividades das legendas. Em tese, esse dinamismo da militância é extremamente positivo, já que indicaria que os partidos não são meras siglas, mas vibrantes entidades, conectadas de fato com seus integrantes. No entanto, sabe-se bem que, na prática, uma conclusão assim não é cabal.

Por maiores que sejam a militância e a participação, os partidos políticos no País continuam sendo feudos, controlados por alguns poucos caciques, que atuam como se fossem seus proprietários. As recentes negociações com vistas às próximas eleições mostraram uma vez mais que eventuais coligações entre as legendas não são definidas nas convenções partidárias, com o voto dos respectivos filiados. Tudo é acertado antes pelos mandachuvas, de acordo exclusivamente com seus interesses.

A crise dos partidos políticos é profunda. Não basta que a militância seja participativa para que os partidos sejam, de fato, entidades representativas de seus filiados e não meras siglas. Exemplo disso é o baixíssimo índice de renovação das lideranças partidárias. Segundo o Movimento Transparência Partidária, o porcentual de mudança da composição das Executivas Nacionais dos partidos foi, nos últimos dez anos, de apenas 24%. Há partidos que, nesse período, não realizaram nenhuma eleição interna, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Os dados indicam uma profunda deformação do sistema partidário. A vida das legendas não é decorrência da atividade de seus filiados e tampouco do exercício de uma democracia interna. O que deveria ser a força motora de toda atuação partidária mais parece um ornamento, servindo para despistar a origem real do poder de cada partido, concentrado nos caciques de sempre.

Tal distorção no mando das legendas – decisões que são tomadas não pelos filiados, mas por alguns poucos, eternamente no poder – não é resultado apenas de uma disposição autoritária de quem manda no partido. O próprio sistema partidário permite e fomenta essa inversão. O mesmo faz o modelo institucional adotado. Por exemplo, o dinheiro público destinado aos partidos serve para minar o caráter representativo dessas entidades.

Se é o Estado que financia as atividades das legendas, os filiados adquirem um papel secundário na vida dos partidos. Eles se tornam coadjuvantes. Os protagonistas dos rumos dos partidos são aqueles que manejam os recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, criado no ano passado. São também aqueles que asseguram a continuidade desses recursos públicos.

Assim, as próprias regras eleitorais distanciam o partido de seus filiados e, em última análise, do eleitor. O que acontece hoje nas legendas é similar ao que ocorria até pouco tempo atrás nos sindicatos, quando existia a contribuição sindical obrigatória. Com uma fonte estável de receitas, as lideranças sindicais não precisavam se preocupar em trabalhar pelo interesse de seus filiados. A reforma trabalhista acabou com a obrigatoriedade da contribuição e é de esperar que haja uma melhora da qualidade do caráter representativo das entidades sindicais. É o que deveria ser feito com os partidos.

Outra medida necessária para o saneamento do sistema partidário é a introdução de cláusula de barreira efetiva, que ponha fim às legendas sem nenhuma representatividade. A permanência de partidos que não recebem votos não tem nenhuma utilidade democrática ou representativa. É apenas sintoma de um sistema disfuncional e pernicioso.

Nossa democracia representativa está organizada em torno de partidos políticos. Tanto é assim que a Constituição de 1988 os coloca entre as instituições fundamentais para a organização política do Estado. Mas para isso é preciso haver partidos políticos – e não apenas entidades pelegas vivendo à custa do Estado.

O papel de Sancho Pança

Semana dos candidatos à Presidência na TV. Continuo sem resolver alguns pontos sombrios nas minhas previsões sobre o ano que vem.

Por mais que surjam novos nomes, o Congresso deverá ser dominado pelo grupo de sempre. Como realizar algo, superando essa imensa barreira fisiológica?

Os candidatos têm sempre uma visão otimista. O argumento principal é a legitimidade dada pela eleição majoritária. Com ela, acham que podem contornar velhas práticas do toma lá dá cá.

Milhões de votos conferem legitimidade. Mas ela não se apoia apenas em número de votos. Mal conduzidos, os primeiros meses já revelam um declínio na aprovação popular.


Com as regras do jogo definidas pelo próprio Congresso, as eleições parlamentares tendem a confirmar o grande bloco fisiológico.

Isso significa que a própria maioria no Congresso dirá que também tem legitimidade. O encontro de presidente tentando mostrar trabalho e um Congresso sedento de verbas e cargos é a repetição do velho enredo.

Nem tudo é como antes. Com o êxito da Lava -Jato, o risco na compra de apoio com dinheiro vivo ficou maior. De um modo geral, o governo cede cargos e, no jogo de pressão, ameaça retirá-los se houver infidelidade. Às vezes, funciona.

Mas, enfraquecido no ritmo das reformas, que é dado pelo próprio Congresso, o governo precisa preencher os cargos e, para isso, voltar ao mercado e comprar apoio por um preço mais caro ainda.

A fórmula de romper esse mecanismo está na ponta da língua de todos os candidatos à Presidência: reforma política.

Mas como realizá-la, se depende dos parlamentares que sobrevivem na atual estrutura viciada?

A resposta é a volta ao ponto de partida: com a legitimidade dos votos, simpatia, articulação, enfim, qualidades que não resolveram o problema até o momento e não indicam que, por si só, vão resolvê-lo no futuro.

Áreas nebulosas não faltam. O antigo desprezo pelo tema segurança pública ainda é presente na maioria dos candidatos. Têm algumas respostas na ponta da língua. Mas não costumam se aprofundar. Crime organizado? Combate-se com inteligência, dirá a maioria deles.

Mas como se usa inteligência? Unificando dados. Mas o que fazer com dados unificados?

O crescimento do índice de mortalidade infantil, a volta de doenças como o sarampo e a febre amarela indicam uma perigosa regressão. No passado bem próximo, sofremos o impacto da zika e da chicungunha.

As respostas mais clássicas são melhorar a eficiência da gestão e combater o desvio de verbas. No entanto, há pouca consciência de que entramos num momento global onde as ameaças biológicas podem resultar em epidemias.

Há pouca ligação entre a deficiência alimentar e a mortalidade infantil, e muito menos sobre o papel da degradação ambiental no perigo de epidemias. A impressão que tenho é a de que os programas políticos são feitos em compartimentos isolados. Os candidatos precisam de uma lista de propostas para responder às mesmas perguntas e, às vezes, estão tão cansados que precisam de fórmulas muito simples para usá-las no piloto automático.

Como são treinados para entrevistas, tendem a preferir respostas curtas, frases impactantes. É assim que as coisas andam.

No entanto, ainda não estou convencido de que os candidatos se preparam só para declamar pontos do programa mas não se importam muito em ligar as pontas, compreender a inter-relação dos vários temas.

É como se estudassem para provas de diferentes matérias como nas escolas, sem perceber que a realidade mesmo é interdisciplinar.

Um candidato que tenha uma ideia clara do que fazer em setores diferentes da vida do país costuma passar nas provas. Mas sua qualidade de maestro, seu talento em afinar a orquestra, produzir sinergias — tudo isso depende não apenas de conhecer isoladamente os temas, mas suas profundas interconexões.

O trânsito da condição de candidato para a de jornalista é também a passagem do cavalo de Dom Quixote para o burrinho de Sancho Pança.

Resta apenas lembrar incessantemente: olha mestre, olha bem o que está dizendo.

Gente fora do mapa

Índia (Steve McCurry)

O eleitor já perdeu

Fique tranquilo. Tudo indica que a incerteza não aumentou. Continua a mesma. Se alguém duvidava, não há nada de novo nas eleições. O Brasil perdeu a capacidade de gerar novidades. Segue preso em circularidade interminável, condenado a repetição, em que o futuro parece ser uma copia desbotada de passado duvidoso. Tudo já vem envelhecido, carcomido, podre.

É assim que chegam os primeiros ventos das eleições. Sem nomes novos ou ideias originais. Basta analisar a lista que vai habitar cédula eleitoral. Para quem ainda duvida, vai dar para conferir durante o horário eleitoral que daqui a pouco começa.

Sem risco de errar, atravessaremos meses de campanha eleitoral em horário nobre sem a transmissão de uma única informação útil. Na melhor das hipóteses, resta não assistir. Pelo menos para poupar os ouvidos e possivelmente o estomago.

O estranho é que a gente tenha se acostumado a isso. Já faz muito tempo que as mesmas caras se apresentam expondo ideias rarefeitas apoiadas em conceitos ultrapassados, polvilhados por doses generosas de cinismos.

O triste é que a ausência de novidades é apenas sintoma de doença em estado avançado. É resultado direto de um sistema político onde não mais existe relação entre o eleitor e o eleito. Crise de representatividade, enfim.

O país, segue, portanto, sequestrado por grupos políticos a esquerda ou a direita que transformaram o Estado em somatória de sesmarias hereditárias. A depender desses grupos, renovação é coisa a ser evitada. Nomes novos, nem pensar.

Sem a saudável oxigenação da renovação, o Estado brasileiro é reflexo e consequência de seu sistema eleitoral. Consegue ao mesmo tempo gastar mais do que pode e entregar nada nada do que deveria. E vai continuar assim. Perdemos o controle. E muito.

O sistema eleitoral brasileiro é gigantesca máquina de copiar experiencias falidas em graus decrescentes de qualidade. Uma verdadeira fábrica de velharias. A cédula eleitoral já anuncia que os próximos 4 anos serão feitos de passado.

Não importa quem vai ganhar a eleição. O eleitor já perdeu.

Elton Simões

Marasmo

Todos os ismos
de tantos modernismos
são hoje um só
comodismo.
Que instituições destruir,
que revoluções deflagrar?
Nas outras vezes havia burgueses
para espantar.

Raul Drewnick

Massa de bolo

Tal qual massa de bolo, que cresce quanto mais nela se bate, caminham os candidatos à eleição neste ano.

O horizonte, altamente nebuloso nos cenários federal e estadual, contribui para o desinteresse do eleitor, cansado das velhas e eternas promessas, estas, em sua grande maioria, não cumpridas, e muitas delas esquecidas pelo caminho depois de eleitos os candidatos, por desinteresse ou para atender o jogo menor das alianças.

Com um prazo curtíssimo de campanha, as eleições deste ano serão um termômetro da influência da mídia, das redes sociais, do programa eleitoral gratuito de televisão sobre o eleitorado.


Até aqui, no âmbito federal, o que se vê é que, quanto mais se bate em um candidato, mais seus simpatizantes o abraçam.

De um lado, um candidato que, mesmo preso, vai lutando para se credenciar como, senão o único, o mais forte representante da esquerda. Nem um dos maiores fuzilamentos midiáticos da história parece desanimar seus correligionários. Pelo contrário, pesquisas mostram que, a cada novo ato de restrição de sua liberdade, mais eleitores caminham para o lado daquele que se porta como vítima da perseguição.

De outro lado, o candidato de extrema direita é também submetido a verdadeiro linchamento em duas entrevistas na televisão. Resultado: os programas, em grande parte, pela ruindade dos entrevistadores, merecidamente viraram chacota popular, sendo ridicularizados nas esquinas, nas mesas de bar e nas redes sociais.

E o candidato, que acha que tudo pode resolver na bala, foi alçado a mito.

O que na verdade mais se afirma é o flagrante interesse de a esquerda e a direita (essas classificações já estavam esquecidas mundo afora) polarizarem entre si, eliminando os candidatos de centro e as eventuais terceiras vias. E isso feito de forma menor, pelo nível das características e propósitos, ainda que frágeis, valorizados nos candidatos que estão à frente nas pesquisas. Se a esquerda busca apresentar avanços e conquistas sociais por ela empreendidos nos governos petistas, à direita sobrou a insistente denúncia de práticas criminosas de corrupção, malversação de dinheiro público, fraudes as mais notórias, como atitudes de franca degradação moral de nossas instituições e de nossos valores.

Programas, projetos, compromissos para que o Brasil se reencontre com a discussão de agendas melhores, não há em qualquer candidato nem em seus partidos.

O que ou quem vai nos governar? Que Brasil teremos com tais nomes? Os próximos capítulos de nossa história serão escritos pela eficiência em roubar, corromper, em fraudar, e tais práticas vão se justificar pelo que entendem seus agentes como avanços sociais e políticos? Ou, ainda, por aqueles que, em resumida avaliação, enxergam a nação como um quintal e delegam a um troglodita político a faculdade de construir à bala nossos caminhos.

Com tristeza, o que assistimos é que estamos a caminho de nos encontrarmos com uma perigosa realidade, e o remédio da pancadaria, se não for dosado, vai matar o paciente e fortalecer a bactéria.

Imagem do Dia

Oia (Grécia)

Crise e criatividade

F. W. Murnau
O FMI fez as contas e anunciou que a inflação na Venezuela chegará a 1 milhão por cento até o fim do ano. Significa o teto da inflação brasileira previsto para este ano, 6%, só que a cada 50 horas na vida dos venezuelanos. Outra ocasião na história em que a inflação chegou a esse nível foi entre janeiro de 1922 e dezembro de 1923, na Alemanha. O dinheiro que o governo de Weimar imprimia dia e noite chegou ao ponto de não poder comprar nada —porque era impossível contar as notas. No fim, as cédulas no valor de milhões de marcos já estavam sendo usadas para acender o fogão.

O espantoso é que, mesmo assim, a atividade artística na Alemanha não parou. O cinema, por exemplo. Naqueles dois anos, Fritz Lang lançou “Dr. Mabuse, o Jogador”, filmou “A Morte de Siegfried”, primeira parte de sua monumental saga “O Anel dos Nibelungos”, e preparou a segunda parte, “A Vingança de Cremilda”. F. W. Murnau lançou “Nosferatu” e começou o trabalho em “A Última Gargalhada”. Sem falar em Ernst Lubitsch, Robert Wiene, G. W. Pabst, E. A. Dupont e Paul Leni —todos continuaram ativos.

No teatro, Bertolt Brecht encenou “Os Tambores da Noite” e “Na Selva das Cidades”, escreveu “Baal” e tornou-se assistente de Max Reinhardt. Na música, Alban Berg e Béla Bartók seguiram compondo maravilhas, enquanto Arnold Schönberg inaugurou o dodecafonismo. Na literatura, Thomas Mann estava escrevendo “A Montanha Mágica”, que publicaria em 1924. Nas artes plásticas, Wassily Kandinsky, Oskar Kokoschka, George Grosz, Laszlo Moholy-Nagy e outros faziam uma revolução por dia.

A quem se destinavam esses filmes, peças, concertos, livros, quadros? Não sei, mas eles continuavam sendo produzidos.

A Alemanha estava saindo de uma guerra em que fora derrotada, e o mundo lhe apresentava a conta. A Venezuela, mais infeliz, está pagando as contas dos governos Chávez e Maduro.

Fim da realidade

O digital não pesa, não tem cheiro, não opõe resistência, você passa um dedo e pronto... É a abolição da realidade
Byung-Chul Han

O perigo das decisões precipitadas

A onda nacional de repúdio que o vexame do Roda Viva com Jair Bolsonaro provocou teve, afinal, um subproduto positivo. Poupou o Brasil do que poderia ter sido o vexame da GloboNews se ela tivesse chegado virgem e com o ímpeto em que vinham vindo a maior parte das redações. Na noite da sexta-feira (3/8) nenhuma agressão lhe foi dirigida e quase tudo lhe foi perguntado no tom que convém.

O vexame esteve nas respostas.

O fenômeno Bolsonaro é independente de Jair Bolsonaro. O candidato transformou-se no valhacouto de todos os exilados do Brasil com voz. Na sua praia acabaram por encalhar os censurados pelos ditadores da “correção política”, os resistentes ao terrorismo moral, todos quantos as subideologias fabricadas repulsam, os rebelados contra a sistematização da mentira, os que se recusam a não ver o que seus olhos enxergam, os que insistem em educar eles próprios os seus filhos, os condenados à não existência midiática, os que persistem no index dos “ismos” proibidos.

O liberalismo de Paulo Guedes também foi lá bater fugido da censura e logo passou de resgatado a resgatante, tal é o vazio que encontrou. No seu rastro vieram os cacos da classe média meritocrática em extinção e os exauridos todos do welfare state moreno com sotaque francês, a única outra alternativa à venezuelização que se apresenta.

Mas tudo isso aconteceu mais pela precisão desses desvalidos que pela boniteza do “candidato honesto” que veio até à véspera desta fugindo de debates e de entrevistas montado apenas em peças editadas de WhatsApp.


Foi quase por acaso, aliás, que ele fez saber aos espectadores da GloboNews que, sim, a seu ver são também honestos não só o seu particular auxílio-moradia como também os privilégios todos dos marajás de farda. Ele nada mais disse porque não lhe foi perguntado, o que é muito pior, mas a avaliação abrange também, “por isonomia”, os dos marajás sem farda.

O déficit acumulado pela previdência do setor público de 2001 a 2015 foi de R$ 1,3 trilhão para atender 1 milhão de aposentados! O déficit da previdência privada, atendendo a 33 milhões de aposentados, no mesmo período, foi de R$ 450 bilhões. A média das aposentadorias do setor privado é de R$ 1,5 mil. No setor público, a média é de R$ 9 mil no Poder Executivo, o pedaço do marajalato mais sensível ao voto, de R$ 25 mil no Legislativo, R$ 29 mil no Judiciário e acima de R$ 30 mil no Ministério Público.

Quase todos os Estados brasileiros, responsáveis pela segurança pública dos 63 mil assassinados por ano, pela saúde e pelo saneamento dos reassolados pelas pestes medievais e pela educação dos ladrões de medalhas de Matemática gastam mais hoje com aposentados que com funcionários na ativa. É a mais vasta máquina de transferência de dinheiro de pobres para ricos jamais criada na face da Terra e a trajetória do déficit põe uma explosão de proporções telúricas imediatamente além da próxima curva.

Mas isso continua sendo um não problema. Não entra em pauta no debate presidencial.

Este desinteresse da imprensa (há exceções raras, inclusive na televisão) pelo assalto à riqueza da Nação com a gazua da lei; este acobertamento do estupro coletivo do Brasil pelas corporações que tomaram o Estado de assalto é a última coisa que une esquerda e direita no Brasil. Essa cumplicidade mole, silenciosa, acovardada e com medo da vida do “país com tetinhas” para com o “país com tetonas”, que irmana partidos e conecta os extremos do espectro ideológico é que empurra os nossos muitos rios de janeiros para o niilismo da desesperança e para a guerra. Mas foi o único ponto em que as visões de Bolsonaro e da banca examinadora da Rede Globo não geraram faísca por baixo da polidez com que tudo transcorreu.

“Nem os quilombolas, nem ninguém tem direito de ter comida servida na boca.”

“Nenhum centímetro mais de terra indígena.”

“Gays, sim, kit gay não.”

“Brancos e negros, ricos e pobres, gays e heteros, somos todos brasileiros.”

“A história do Brasil foi a que foi, não a que é narrada.”

O Brasil está tão desesperadamente carente que tem ejaculações precoces com a mera declaração do óbvio em público. Mas, de parte a parte, faz-se um enorme barulho com o que não tem a menor importância para manter abafado o que tem toda.

Jair Bolsonaro e Donald Trump são filhos da mesma negação, só que Trump é arrogante e Bolsonaro é humilde, Trump sabe o que é capitalismo - de “laços”, vá lá - e Bolsonaro nem isso. Há uma enorme diferença certificada por uma obra concreta na capacidade de formulação, de montagem de equipe e de execução entre Jair Bolsonaro e Geraldo Alckmin. Mas, assim como o “candidato honesto” ladra mas não morde, a democracia da vaidade, aristocrática e sem povo, do PSDB não chega nunca à penetração. Nenhum dos dois está contra o “sistema”, estão apenas fora dele e muito desgostosos com isso. Nenhum dos dois propõe reformas que mudem a essência ou a direção do que quer que seja, ambos contentam-se com “ajustes”, com meras regulagens de velocidade, com vender anéis para preservar os dedos.

O Brasil terá de ir ainda mais fundo no Inferno antes de sermos arrastados de volta ao purgatório. Tiradentes foi o último momento em que estivemos parelhos com a ponta mais moderna do pensamento político. Desde que fomos invadidos pela corte e viciados nas blandícias da “aquisição de direitos”, nunca mais acertamos o passo. É sempre o mundo que acaba nos arrastando para as modernidades depois que elas ficam velhas.

Nós nos aferramos às nossas escravidões e somos sempre os últimos a aboli-las. Quem está dentro não sai e quem está fora sonha em entrar. Estamos sempre duas ou três revoluções atrasados. Só somos “avançados” no papo furado. Privilégio é o nosso negócio. O favelão continental que se exploda.

Brasil 'novo'


Bem-vindos à Era da Confusão

Na semana passada, uma eleição presidencial que deveria ter como marca a volta da democracia ao Zimbábue terminou em confusão quando contas falsas no Twitter, no Facebook e no WhatsApp disseminaram resultados contraditórios. O país inteiro chegou a presenciar comemorações espontâneas pela vitória dos dois candidatos, o que resultou em confrontos violentos. Em um clima geral de desconfiança, até observadores internacionais não sabiam onde obter informações confiáveis. Toda essa situação permite prever que o próximo governo enfrentará uma crise de legitimidade desde seu primeiro dia.

Na Índia, o governo empreende verdadeira batalha contra uma onda de linchamentos depois que rumores falsos viralizaram no WhatsApp sobre supostos sequestradores de crianças. Nacionalistas interessados em atiçar o ódio religioso usam a plataforma para aprofundar a polarização, que também tem resultado em linchamentos. Em resposta, o WhatsApp limitou a 20 pessoas por vez, o número de contatos para os quais cada usuário pode encaminhar mensagens, buscando, assim, atrasar a viralização das notícias. A medida é mero paliativo, uma vez que as pessoas tenderão a buscar outros aplicativos sem essa limitação.

Nos Estados Unidos, em vista das eleições legislativas de novembro, o Facebook tem se esforçado para reagir a um amplo ataque de fake news. Estima-se que 40% dos eleitores dos EUA foram expostos a notícias falsas durante a eleição presidencial de 2016. Em uma reviravolta inesperada, agora elas se voltam contra o presidente Donald Trump. O objetivo dos propagadores de fake news, muitos dos quais vivem na Rússia, não é apoiar um candidato ou outro, mas gerar confusão generalizada, polarização e desconfiança na própria democracia. Assim como muitos democratas questionam a legitimidade do presidente, muitos republicanos poderão vir a questionar a legitimidade do Congresso dos EUA - que, agravando ainda a mais a situação, poderia dar início a um processo de impeachment contra Trump. Nunca antes a democracia dos EUA enfrentou ameaça tão séria.

Na Grã-Bretanha, 52% dos eleitores votaram por deixar a União Europeia em 2016, atraídos por uma enxurrada de informações falsas disseminadas por nacionalistas oportunistas. Em uma pesquisa recente, uma porcentagem semelhante dos britânicos disse acreditar que os desembarques na Lua de 1969 a 1972 eram falsos. A triste ironia é que, pela primeira vez na história, a maioria dos cidadãos pode carregar no bolso todo o conhecimento do mundo, mas, ao mesmo tempo, nunca esteve tão vulnerável a informações falsas.

Engana-se quem pensa que algumas mudanças nas leis e ajustes técnicos podem resolver a situação e permitir que tudo volte a ser como antes. A humanidade testemunha os primeiros momentos de uma nova era em que todo o relacionamento com a informação - e a realidade como um todo - mudará de maneira hoje inimaginável. A democracia, tal como se concebe hoje, dificilmente sobreviverá a essa transformação.

Basta considerar duas grandes tendências. A primeira: apenas cerca de 50% da população mundial tem acesso à internet hoje. Nos próximos anos, a outra metade, potencialmente ainda mais vulnerável a notícias falsas, também poderá participar do debate online. Por exemplo, muitos aplicativos populares no mundo em desenvolvimento concentram-se apenas em mensagens de voz, já que parcela considerável de seus usuários não sabe ler nem escrever, dificultando ainda mais a identificação de informações falsas.

A segunda: o desenvolvimento de ferramentas baseadas em inteligência artificial, capazes de manipular ou fabricar vídeos, arquivos de áudio e fotos falsas - as chamadas deep fakes - ampliará consideravelmente a dificuldade de separar fato de ficção, o que fará as fake news de hoje parecerem brincadeira de criança.

Daqui a alguns anos, um smartphone será suficiente para simular uma sequência de notícias, como as da CNN, por exemplo, na qual a perfeita imitação da voz de um apresentador famoso reportaria um golpe militar em Washington ou um anúncio da Casa Branca sobre uma guerra iminente, sem meio técnico para confirmar ou negar sua veracidade. Em uma futura eleição presidencial no Brasil, não será mais necessário atacar os concorrentes - pode-se simplesmente produzir um vídeo em que o rival promete que, se eleito, encerrar o programa Bolsa Família, eliminar a propriedade privada ou qualquer absurdo que o faça perder apoio. Confusos e desconfiados, os cidadãos se refugiarão ainda mais em suas bolhas aparentemente seguras, isolados em relação a qualquer tipo de debate público.

Heather Bryant, jornalista afiliada à Universidade Stanford, escreveu recentemente que jornalistas, mesmo nos melhores jornais do mundo, estão totalmente despreparados para distinguir fato de ficção ao analisar deep fakes. Para complicar ainda mais a situação, há evidências crescentes de que internautas parecem realmente preferir notícias falsas: em um estudo recente de Soroush Vosoughi, um pesquisador do MIT, conclui que as informações falsas têm 70% mais chances de serem retuitadas do que notícias verdadeiras.

O impacto na política externa será igualmente expressivo. O interminável ciclo de notícias falsas e a rápida disseminação de opiniões extremas (ou, por exemplo, falsos vídeos de atrocidades cometidas por outro país) reduzirão o espaço de negociações tranquilas para se chegar a compromissos aceitáveis para todos os envolvidos. Em 1945, delegados de 50 países se reuniram em São Francisco para desenhar a ordem global pós-Guerra. Foram oito semanas de negociação, com poucas interrupções. Hoje, o mesmo seria praticamente impossível. A necessidade de adotar posições em minutos, instantaneamente acessíveis em todo o mundo, afeta a capacidade da diplomacia de reduzir o risco de conflitos.

O debate sobre como salvar a democracia acabou de começar. Não existem soluções fáceis, e há anos de tentativas e erros dolorosos adiante - como testemunhado hoje no Zimbábue, na Índia, nos Estados Unidos, no Reino Unido e em tantos outros países. O único erro que não se pode cometer é fingir ser possível, de alguma forma, voltar aos velhos tempos.

A 'mãozinha' de todos

Com a ajuda de todos nós, seus filhos, o Brasil levou 500 anos para chegar ao que é hoje: um diversificado mostruário de horrores e de ruínas
Joel Silveira, "Guerrilha noturna"

Lula implodiu a esquerda

Semanas depois de anunciar sua transcendência da condição humana para a sublimidade de “uma ideia”, Lula recaiu na vida mundana. Da prisão, comandou o PT numa proeza: implodiu o agrupamento autodenominado de esquerda.

É aposta de alto risco. O resultado só será mensurável na apuração da noite de domingo, 7 de outubro. Até lá, contam-se os sobreviventes.

Entre eles está Ciro Gomes, visto ontem em Brasília queixoso da vida: “É só fuxico, é só conchavo, é só rasteira, é só punhalada pelas costas.”

O candidato do PDT não admite, mas é o responsável pelo próprio isolamento. Imolou-se.

Ciro conseguiu ser rejeitado até mesmo pelo ajuntamento de conservadores, donos do centrão, depois de oferecer-lhes todo o ministério.

Correu para o PT, em seguida, com a oferta de sociedade num “bloco de esquerda”, sob a sua liderança. Subestimou a adoração da burocracia petista pela hegemonia. Foi além: se apresentou como alternativa a Lula, cujo único interesse é o culto à sua personificação como uma “ideia”, na esperança de se diferenciar dos sentenciados comuns.

É longa a lista dos supostos humilhados por Lula, mas nenhum pode se queixar. Todos aceitaram um papel nessa tragicomédia centrada na onipotência de um velho líder, incapaz de reconhecer seu lugar na sociedade de classe média poderosa e ansiosa pela conexão com a modernidade capitalista. Nos arquivos do PT há uma coletânea de pesquisas sobre tais contradições.

Lula segue com o seu plano de cativeiro — suicida, para muitos . A essência está registrada em documentos do partido. Eis as etapas: 1) cultua-se a imagem de “vítima” de um sistema judicial manipulado pela “elite”; 2) questiona-se a legalidade da disputa sem a sua participação (“Eleição sem Lula é fraude”); 3) estimula-se o “voto de protesto” em candidato-laranja; 4) se derrotado nas urnas, contesta-se a legitimidade do presidente escolhido em eleição “fraudada” pelo veto a uma “ideia” chamada Lula.

'Bom dia, presidente Lula'

Quando foi oficializado candidato a presidente da República pelo Partido dos Trabalhadores (PT) no sábado, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva cumpria o 120° dia de prisão em uma cela isolada na superintendência da Polícia Federal (PF) em Curitiba. A detenção, após condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na Operação Lava Jato, transformou o bairro Santa Cândida em um dos polos políticos mais importantes do Brasil. De sua cela, Lula coordena a campanha eleitoral, mesmo com a comunicação restrita.

Do lado de fora, desde o primeiro dia, militantes mantêm a "Vigília Lula Livre" para protestar contra o que chamam de prisão política. Todos os dias, cumprem o ritual de dar "bom dia", "boa tarde" e "boa noite" ao ex-presidente. Em cada turno, os apoiadores gritam a saudação 13 vezes, uma referência ao número do PT.

O ex-presidente recebe lideranças espirituais nas segundas-feiras e as outras visitas nas quintas-feiras. O ex-ministro e ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT), que foi indicado a vice de Lula neste fim de semana, tornou-se advogado de defesa do ex-presidente para poder ter livre acesso ao local.

A presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann, foi colocada na mesma condição na sexta-feira, véspera da convenção do partido. "Estamos aqui para dizer que é Lula e não tem plano B. Vamos levar até as últimas consequências", discursou Gleisi a um grupo de apoiadores em um terreno alugado ao lado da PF.

Ponto de apoio Marielle Franco: comida preparada em casa alugada
Apesar da obstinação da presidente do partido, já se especula sobre qual será a estratégia do PT, já que o ex-presidente, em tese, deve ser impedido de concorrer à presidência devido à Lei da Ficha Limpa. Assim que sua candidatura for registrada, no dia 15 de agosto, o Tribunal Superior Eleitoral passará a analisar o caso. O PT tem até o dia 17 de setembro para trocar de candidato.

Além de falar por meio de interlocutores, Lula escreve artigos e cartas para jornais, políticos e militantes. Até porque foi proibido pela Justiça de conceder entrevistas. Em suas mensagens, tem reafirmado ser inocente no processo, que aguarda julgamento de recurso no Supremo Tribunal Federal.

"Agora querem fazer uma eleição presidencial de cartas marcadas. Excluir um nome que está à frente na preferência do eleitorado em todas as pesquisas. Já derrubaram uma presidenta eleita. Agora querem vetar o direito do povo de escolher livremente o próximo presidente. Querem inventar uma democracia sem o povo", escreveu, em texto lido na convenção do PT pelo ator Sérgio Mamberti.

A "Vigília Lula Livre" começou com cerca de 2 mil pessoas por dia. Hoje, o número é menor e varia conforme o contexto. No dia 8 de julho, por exemplo, quando o desembargador Rogério Favreto concedeu um habeas corpus em favor de Lula – medida revertida no mesmo dia –, a quantidade de manifestantes cresceu. Atualmente, estima-se que cerca de 100 a 300 pessoas passem diariamente pelas diversas estruturas montadas.

Na última quinta-feira, o local estava animado com a presença de Chico Buarque e Martinho da Vila, dois ícones da música brasileira. Os músicos, no entanto, não falaram com a imprensa nem conversaram com os manifestantes no terreno da vigília, como costuma ocorrer. Em um vídeo divulgado pela assessoria do PT, Chico Buarque disse que o ex-presidente estava bem-humorado, muito firme e "disposto a ir até o fim, mesmo". "Ele disse que não troca a liberdade pela dignidade", completou Martinho.

O ator americano Danny Glover e o ex-presidente do Uruguai José Mujica foram algumas das personalidades que visitaram o ex-presidente. Na quinta-feira, Lula recebeu uma mensagem manuscrita do papa. Dizia: "A Luiz Inácio Lula da Silva com a minha bênção, pedindo-lhe para orar por mim, Francisco".

Além de visitas de políticos, artistas e outras personalidades públicas, a vigília recebe apoiadores das mais diversas regiões do país. Na quarta-feira, a Caravana do Semiárido Contra a Fome, com 100 pessoas, chegou a Curitiba depois de partir de Caetés (PE), cidade natal de Lula para participar do "bom dia", "boa tarde" e "boa noite" ao ex-presidente.

"Lula é um dos nossos. Ele nasceu no semiárido e conhece nossa realidade. É urgente a liberdade de Lula. E temos esperança porque, como sertanejo, a esperança é o que nos move", diz Helen Santa Rosa, 35 anos, moradora Montes Claros, no semiárido mineiro.

Os integrantes da caravana dormiram na "Casa Lula Livre", uma antiga creche cedida para os manifestantes. Fizeram as refeições no "Ponto de Apoio Marielle Franco", uma casa alugada onde é preparada a comida. Participaram de entrevistas na "Casa da Democracia", espaço dos comunicadores alternativos. Ainda puderam conhecer o "Acampamento Marisa Letícia", localizado em um terreno com barracas, tendas e até horta. Foi ali que o sindicalista Jeferson Lima de Menezes, de 39 anos, levou um tiro de raspão no pescoço de opositores às manifestações. Ele sobreviveu. Tudo é relatado na página "Vigília Lula Livre" no Facebook, com cerca de 11 mil seguidores.