sábado, 16 de novembro de 2024
A América impacta o mundo
O mundo abre os olhos na direção do horizonte e tenta enxergar as retas e curvas do caminho. Quer ver se consegue descobrir o quê e o porquê os nossos irmãos do Norte, que habitam a maior potência econômica e militar do planeta, escolheram para liderá-los um empresário da área do entretenimento, conhecido por sua expressão misógina e machista, dando a ele um superpoder, eis que seu retorno ao assento no Salão Oval da Casa Branca pode ser considerado o mais retumbante da história norte-americana.
O impacto da vitória de Donald Trump abre expectativas no centro e nos fundões do planeta. Perguntas que emergem: conseguirá ele abrir uma “era de ouro” na terra americana, como anunciou em seu discurso de vitória? A promessa bate no sistema cognitivo da população como a implantação de uma Shangri-la, o paraíso tão sonhado pelos mortais. Conseguirá ele fechar as fronteiras do país, e fazer voltar para seus países milhões de imigrantes que buscaram realizar seus sonhos na terra de Abraham Lincoln? Conseguirá ele agradar seus eleitores com uma economia sem inflação e lhes garantindo um sólido poder de compra? Enfim, conseguirá Trump proporcionar aos eleitores o tão almejado conforto e bem-estar?
Este escriba tem lá suas dúvidas. Puxo um fio da história. Há 193 anos, em abril de 1831, Alexis de Tocqueville e seu amigo Gustavo Beaumont embarcaram no Havre (França) com destino à Nação do norte. Os dois jovens magistrados se investiam de uma missão: conhecer e examinar a solidez das instituições penitenciárias. Cumpriram a tarefa. Tocqueville produziu o clássico A Democracia na América, onde pontuava sobre o que viu na jovem Nação: “Existe um amor à pátria que tem a sua fonte principal naquele sentimento irrefletido, desinteressado e indefinível que liga o coração do homem aos lugares onde o homem nasceu. Confunde-se esse amor instintivo com o gosto pelos costumes antigos, com o respeito aos mais velhos e a lembrança do passado; aqueles que o experimentam estimam o seu país com o amor que se tem à casa paterna”.
Entremos nos dias de hoje. Espraia-se por todos os lados o desencanto. A desesperança. O país que elegeu, neste 5 de novembro, seu presidente, está coberto por uma camada de ódio, violência e medo. Pergunta-se: que amor à Pátria pode existir em espíritos tomados pelo pavor, pela violência de tiros a esmo (um quase matando o próprio candidato Trump)? Qual o motivo da vitória de alguém que expressa posições misóginas, racistas, disposto a expulsar do território milhões de imigrantes? Que espírito público é este da população, quando a conflituosidade se expande no seio da maior democracia mundial?
O sonho americano é uma utopia. Ontem, ouvíamos o lamento de Simón Bolívar, o grande timoneiro, ao retratar a sofrida América Latina: “Não há boa fé na América, nem entre os homens nem entre as nações; os tratados são papéis, as constituições não passam de livros, as eleições são batalhas, a liberdade é anarquia e a vida um tormento. A única coisa que se pode fazer na América é emigrar”.
Hoje, vemos a ameaça de uma espada sobre a cabeça daqueles que se abrigaram na “terra dos sonhos”. Emigrar foi a opção de massas carentes de regiões do planeta que escolheram a grande Nação para viver. Muitos pensam em retornar à antiga casa sob medo de o braço de um comandante que transpira vingança cair sobre suas cabeças.
Afinal, o que explica a eleição do tempestuoso dono do império Trump?
A resposta aponta para um mundo em conflito. O planeta vive uma era de dissonâncias. Guerras explodem em regiões. Os povos olham para os céus e não encontram faróis. As multidões continuam a querer se embalar com os sonhos de outrora. O gosto suave de passear pelas ruas, andar à noite, conversar com os vizinhos, buscar o calor da convivência, reforçando os vínculos de solidariedade, destruídos pela explosão populacional das grandes e médias cidades e pela deterioração da infraestrutura de serviços. A violência irrompe nos centros maiores e menores, empurrada pelo fluxo centrífugo de bandos incontroláveis que governos não conseguem deter.
As desigualdades afloram com força. Os ricos ficam mais ricos. Os pobres, mais pobres. As doenças se tornam pandêmicas. E assim, a chama telúrica se apaga sob o violento sopro da expansão desordenada das margens sociais. Os governos se tornam entes ineficientes. O blablablá se expande. Nuvens plúmbeas tornam sombrios os horizontes. Novos e imensos grotões de miséria se abrem. Tristes tempos.
A cosmética das ruas ganha enfeites esquisitos. A imagem mais parece a de um jogo de futebol, disputado com a melhor bola da Fifa e os uniformes mais bonitos. Mas o campo é esburacado. Até os jogadores exibem sua “moderna” estética em cabeças trabalhadas por tesouras que fazem veredas no cabelo. As pinturas chamam a atenção. Um colorido extravagante comprova que os jogos de futebol passaram a ser desfiles mambembes de cabeças ocupadas por nova arte da tesoura, e onde tronco e membros são tomados por berrantes tatuagens. Frases de poesia bicuda e demônios desenhados é o que não faltam. Tudo parece um festival de assombração.
Nas prateleiras do poder, chegam reclamações sobre a eficiência dos serviços públicos, tocados por burocracias lentas e paquidérmicas, quadros funcionais ineptos e desmotivados. Explodem denúncias sobre negligências, malhas de corrupção. A realidade é amarga.
O impacto da vitória de Donald Trump abre expectativas no centro e nos fundões do planeta. Perguntas que emergem: conseguirá ele abrir uma “era de ouro” na terra americana, como anunciou em seu discurso de vitória? A promessa bate no sistema cognitivo da população como a implantação de uma Shangri-la, o paraíso tão sonhado pelos mortais. Conseguirá ele fechar as fronteiras do país, e fazer voltar para seus países milhões de imigrantes que buscaram realizar seus sonhos na terra de Abraham Lincoln? Conseguirá ele agradar seus eleitores com uma economia sem inflação e lhes garantindo um sólido poder de compra? Enfim, conseguirá Trump proporcionar aos eleitores o tão almejado conforto e bem-estar?
Este escriba tem lá suas dúvidas. Puxo um fio da história. Há 193 anos, em abril de 1831, Alexis de Tocqueville e seu amigo Gustavo Beaumont embarcaram no Havre (França) com destino à Nação do norte. Os dois jovens magistrados se investiam de uma missão: conhecer e examinar a solidez das instituições penitenciárias. Cumpriram a tarefa. Tocqueville produziu o clássico A Democracia na América, onde pontuava sobre o que viu na jovem Nação: “Existe um amor à pátria que tem a sua fonte principal naquele sentimento irrefletido, desinteressado e indefinível que liga o coração do homem aos lugares onde o homem nasceu. Confunde-se esse amor instintivo com o gosto pelos costumes antigos, com o respeito aos mais velhos e a lembrança do passado; aqueles que o experimentam estimam o seu país com o amor que se tem à casa paterna”.
Entremos nos dias de hoje. Espraia-se por todos os lados o desencanto. A desesperança. O país que elegeu, neste 5 de novembro, seu presidente, está coberto por uma camada de ódio, violência e medo. Pergunta-se: que amor à Pátria pode existir em espíritos tomados pelo pavor, pela violência de tiros a esmo (um quase matando o próprio candidato Trump)? Qual o motivo da vitória de alguém que expressa posições misóginas, racistas, disposto a expulsar do território milhões de imigrantes? Que espírito público é este da população, quando a conflituosidade se expande no seio da maior democracia mundial?
O sonho americano é uma utopia. Ontem, ouvíamos o lamento de Simón Bolívar, o grande timoneiro, ao retratar a sofrida América Latina: “Não há boa fé na América, nem entre os homens nem entre as nações; os tratados são papéis, as constituições não passam de livros, as eleições são batalhas, a liberdade é anarquia e a vida um tormento. A única coisa que se pode fazer na América é emigrar”.
Hoje, vemos a ameaça de uma espada sobre a cabeça daqueles que se abrigaram na “terra dos sonhos”. Emigrar foi a opção de massas carentes de regiões do planeta que escolheram a grande Nação para viver. Muitos pensam em retornar à antiga casa sob medo de o braço de um comandante que transpira vingança cair sobre suas cabeças.
Afinal, o que explica a eleição do tempestuoso dono do império Trump?
A resposta aponta para um mundo em conflito. O planeta vive uma era de dissonâncias. Guerras explodem em regiões. Os povos olham para os céus e não encontram faróis. As multidões continuam a querer se embalar com os sonhos de outrora. O gosto suave de passear pelas ruas, andar à noite, conversar com os vizinhos, buscar o calor da convivência, reforçando os vínculos de solidariedade, destruídos pela explosão populacional das grandes e médias cidades e pela deterioração da infraestrutura de serviços. A violência irrompe nos centros maiores e menores, empurrada pelo fluxo centrífugo de bandos incontroláveis que governos não conseguem deter.
As desigualdades afloram com força. Os ricos ficam mais ricos. Os pobres, mais pobres. As doenças se tornam pandêmicas. E assim, a chama telúrica se apaga sob o violento sopro da expansão desordenada das margens sociais. Os governos se tornam entes ineficientes. O blablablá se expande. Nuvens plúmbeas tornam sombrios os horizontes. Novos e imensos grotões de miséria se abrem. Tristes tempos.
A cosmética das ruas ganha enfeites esquisitos. A imagem mais parece a de um jogo de futebol, disputado com a melhor bola da Fifa e os uniformes mais bonitos. Mas o campo é esburacado. Até os jogadores exibem sua “moderna” estética em cabeças trabalhadas por tesouras que fazem veredas no cabelo. As pinturas chamam a atenção. Um colorido extravagante comprova que os jogos de futebol passaram a ser desfiles mambembes de cabeças ocupadas por nova arte da tesoura, e onde tronco e membros são tomados por berrantes tatuagens. Frases de poesia bicuda e demônios desenhados é o que não faltam. Tudo parece um festival de assombração.
Nas prateleiras do poder, chegam reclamações sobre a eficiência dos serviços públicos, tocados por burocracias lentas e paquidérmicas, quadros funcionais ineptos e desmotivados. Explodem denúncias sobre negligências, malhas de corrupção. A realidade é amarga.
Moradores de cidade fronteiriça libanesa estão 'determinados a ficar'
Desde o início da guerra Israel-Hezbollah, centenas de milhares de libaneses fugiram de suas casas por causa da luta. Mas os moradores de uma cidade bem na zona de combate decidiram ficar.
Rmeish, a apenas 2 km da fronteira, abriga 7.000 cristãos maronitas e está cercada por tiros por todos os lados.
“Há muitos danos. Talvez 90% das casas tenham algum tipo de dano, vidros quebrados e rachaduras nas paredes. Não sei o que vai acontecer quando o inverno chegar”, diz Jiries al-Alam, um fazendeiro que também trabalha como agente funerário na igreja da cidade.
“Estamos determinados a ficar, mas quase ninguém dorme à noite por causa dos ataques aéreos. Felizmente, não houve mortes entre os moradores até agora, mas 200 do meu gado morreram por causa dos sinalizadores militares”, ele acrescenta.
Um dia após o Hamas lançar seu ataque sem precedentes ao sul de Israel a partir de Gaza em 7 de outubro de 2023, seu aliado libanês Hezbollah começou a lançar foguetes ao norte de Israel, que por sua vez, começaram a atingir o Líbano.
Os moradores de Rmeish começaram a ver foguetes voando em ambas as direções acima deles.
“Muitas famílias ergueram bandeiras brancas em suas casas e carros para dizer que estão em paz e não têm nenhuma ligação com o que está acontecendo”, diz o padre George al-Ameel, 44, padre e professor da cidade.
“Queremos ficar em nossas casas e não queremos nenhuma guerra em nossa cidade.”
Depois que Israel iniciou sua invasão terrestre ao Líbano em 1º de outubro deste ano, a guerra se aproximou de Rmeish, com combates intensos ocorrendo em duas aldeias, ambas a menos de 1,6 km de distância.
“Ficamos em casa por meses, então os ataques aéreos começaram a chegar muito perto e, de repente, nossa casa foi atingida, fomos forçados a sair no meio da noite”, diz Rasha Makhbour, 38.
“O trabalho das pessoas parou e ninguém sai, a escola dos nossos filhos está fechada, tudo mudou.”
A família de seis pessoas de Rasha mudou-se para outra casa no centro da cidade depois que a deles ficou inabitável.
“Acreditamos que os foguetes que atingiram nossa casa vieram do sul, não do nosso país”, diz ela.
As Forças de Defesa de Israel disseram à BBC que não houve "nenhum ataque conhecido das IDF" em Rmeish durante as datas em que a casa de Rasha Makhbour foi danificada, alegando que foi um "lançamento fracassado do Hezbollah".
Israel emitiu uma ordem geral de evacuação para o sul do Líbano desde que sua invasão terrestre começou. A ONU diz que mais de 640.000 pessoas foram deslocadas de lá enquanto fugiam dos combates.
O governo israelense diz que seus objetivos militares no sul do Líbano são repelir o Hezbollah e devolver 60.000 israelenses deslocados de suas cidades fronteiriças ao norte para suas casas.
Na fronteira com Israel, Rmeish é a única cidade libanesa que não recebeu ordens diretas de sair.
Embora nenhum dos lados tenha ameaçado diretamente os moradores de Rmeish durante o conflito, sua lealdade ao Líbano foi questionada.
“Houve vozes por baixo da mesa espalhando rumores de que nossa presença aqui é evidência de nossa colaboração com Israel, o inimigo. Rejeitamos isso completamente”, diz o Padre al-Ameel.
É uma mensagem reiterada pelo prefeito de Rmeish, Milad al-Alam.
“Não tivemos garantias de segurança de nenhum lado”, ele diz. “Nossa cidade é pacífica, e nossa única causa é ficar por nossa identidade e nosso país.”
Anúncio
Até o início da invasão terrestre de Israel, uma unidade do exército libanês permaneceu em Rmeish e ajudou a organizar o movimento para dentro e para fora da cidade. Mas, conforme as forças israelenses se moviam para cruzar a fronteira, o exército libanês – que não está diretamente envolvido na guerra – decidiu se retirar de Rmeish, para grande aflição dos moradores locais.
O exército libanês disse que rejeitou a descrição de que eles "se retiraram" de locais de fronteira, referindo a BBC a uma declaração de que o exército está "reposicionando" uma série de unidades militares no sul.
Então, no final de outubro, a rota principal para fora de Rmeish foi atingida – deixando os moradores se sentindo ainda mais isolados e vulneráveis. Desde então, apenas um comboio de ajuda chegou à cidade com a coordenação das forças de manutenção da paz da ONU, disse a missão da Unifil.
“Temos necessidades de combustível, alimentos e medicamentos, havia uma entrega vinda de Tiro que teve que retornar”, diz o Padre al-Ameel. “Se alguém se machuca, não há hospital para cuidados médicos sérios.”
O prefeito Al-Alam nos disse que está otimista de que a rota para fora da cidade estará disponível novamente em breve, para que eles possam abastecer suas reservas de combustível, mesmo que a rota através de uma zona de guerra ativa seja perigosa.
Outros na cidade continuam ansiosos.
“A situação está realmente ruim. Não há mercadorias, comida ou combustível chegando. Estamos começando a ver itens sumindo das prateleiras”, diz Jiries al-Alam, o agente funerário da cidade.
“Mas encontraremos um jeito. Agora é a temporada das azeitonas e, no pior dos casos, podemos simplesmente comer azeitonas. Queremos ficar em nossas casas e, portanto, morreremos em nossas casas se for preciso.”
Rmeish, a apenas 2 km da fronteira, abriga 7.000 cristãos maronitas e está cercada por tiros por todos os lados.
“Há muitos danos. Talvez 90% das casas tenham algum tipo de dano, vidros quebrados e rachaduras nas paredes. Não sei o que vai acontecer quando o inverno chegar”, diz Jiries al-Alam, um fazendeiro que também trabalha como agente funerário na igreja da cidade.
“Estamos determinados a ficar, mas quase ninguém dorme à noite por causa dos ataques aéreos. Felizmente, não houve mortes entre os moradores até agora, mas 200 do meu gado morreram por causa dos sinalizadores militares”, ele acrescenta.
Um dia após o Hamas lançar seu ataque sem precedentes ao sul de Israel a partir de Gaza em 7 de outubro de 2023, seu aliado libanês Hezbollah começou a lançar foguetes ao norte de Israel, que por sua vez, começaram a atingir o Líbano.
Os moradores de Rmeish começaram a ver foguetes voando em ambas as direções acima deles.
“Muitas famílias ergueram bandeiras brancas em suas casas e carros para dizer que estão em paz e não têm nenhuma ligação com o que está acontecendo”, diz o padre George al-Ameel, 44, padre e professor da cidade.
“Queremos ficar em nossas casas e não queremos nenhuma guerra em nossa cidade.”
Depois que Israel iniciou sua invasão terrestre ao Líbano em 1º de outubro deste ano, a guerra se aproximou de Rmeish, com combates intensos ocorrendo em duas aldeias, ambas a menos de 1,6 km de distância.
“Ficamos em casa por meses, então os ataques aéreos começaram a chegar muito perto e, de repente, nossa casa foi atingida, fomos forçados a sair no meio da noite”, diz Rasha Makhbour, 38.
“O trabalho das pessoas parou e ninguém sai, a escola dos nossos filhos está fechada, tudo mudou.”
A família de seis pessoas de Rasha mudou-se para outra casa no centro da cidade depois que a deles ficou inabitável.
“Acreditamos que os foguetes que atingiram nossa casa vieram do sul, não do nosso país”, diz ela.
As Forças de Defesa de Israel disseram à BBC que não houve "nenhum ataque conhecido das IDF" em Rmeish durante as datas em que a casa de Rasha Makhbour foi danificada, alegando que foi um "lançamento fracassado do Hezbollah".
Israel emitiu uma ordem geral de evacuação para o sul do Líbano desde que sua invasão terrestre começou. A ONU diz que mais de 640.000 pessoas foram deslocadas de lá enquanto fugiam dos combates.
O governo israelense diz que seus objetivos militares no sul do Líbano são repelir o Hezbollah e devolver 60.000 israelenses deslocados de suas cidades fronteiriças ao norte para suas casas.
Na fronteira com Israel, Rmeish é a única cidade libanesa que não recebeu ordens diretas de sair.
Embora nenhum dos lados tenha ameaçado diretamente os moradores de Rmeish durante o conflito, sua lealdade ao Líbano foi questionada.
“Houve vozes por baixo da mesa espalhando rumores de que nossa presença aqui é evidência de nossa colaboração com Israel, o inimigo. Rejeitamos isso completamente”, diz o Padre al-Ameel.
É uma mensagem reiterada pelo prefeito de Rmeish, Milad al-Alam.
“Não tivemos garantias de segurança de nenhum lado”, ele diz. “Nossa cidade é pacífica, e nossa única causa é ficar por nossa identidade e nosso país.”
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Até o início da invasão terrestre de Israel, uma unidade do exército libanês permaneceu em Rmeish e ajudou a organizar o movimento para dentro e para fora da cidade. Mas, conforme as forças israelenses se moviam para cruzar a fronteira, o exército libanês – que não está diretamente envolvido na guerra – decidiu se retirar de Rmeish, para grande aflição dos moradores locais.
O exército libanês disse que rejeitou a descrição de que eles "se retiraram" de locais de fronteira, referindo a BBC a uma declaração de que o exército está "reposicionando" uma série de unidades militares no sul.
Então, no final de outubro, a rota principal para fora de Rmeish foi atingida – deixando os moradores se sentindo ainda mais isolados e vulneráveis. Desde então, apenas um comboio de ajuda chegou à cidade com a coordenação das forças de manutenção da paz da ONU, disse a missão da Unifil.
“Temos necessidades de combustível, alimentos e medicamentos, havia uma entrega vinda de Tiro que teve que retornar”, diz o Padre al-Ameel. “Se alguém se machuca, não há hospital para cuidados médicos sérios.”
O prefeito Al-Alam nos disse que está otimista de que a rota para fora da cidade estará disponível novamente em breve, para que eles possam abastecer suas reservas de combustível, mesmo que a rota através de uma zona de guerra ativa seja perigosa.
Outros na cidade continuam ansiosos.
“A situação está realmente ruim. Não há mercadorias, comida ou combustível chegando. Estamos começando a ver itens sumindo das prateleiras”, diz Jiries al-Alam, o agente funerário da cidade.
“Mas encontraremos um jeito. Agora é a temporada das azeitonas e, no pior dos casos, podemos simplesmente comer azeitonas. Queremos ficar em nossas casas e, portanto, morreremos em nossas casas se for preciso.”
A mídia e os escândalos políticos
Em 2002, é traduzido no Brasil O escândalo político: poder e visibilidade na era da mídia, de John B. Thompson (Vozes). Não se trata de um ataque gratuito aos que comercializam os escândalos, mas do estudo sobre um fenômeno influente nas disputas que emergem no século XXI. A tecnologia comunicacional para informar, desinformar ou omitir vem de longe. Roberto Marinho elegeu o “Caçador de marajás”, depois o apeou da Presidência. As redes cibernéticas não inventam a roda.
O professor de Cambridge foca três escândalos: “abuso de poder” (Richard Nixon/Watergate); “político-financeiro” (Parlamento Europeu/ Catar); politicossexual (Bill Clinton/ Mônica Lewinski). No Brasil, apelos aos quartéis ignoram violações dos direitos humanos jogadas debaixo do tapete (Vladimir Herzog/ Tortura). Ocorrências sofrem de espancamentos e choques elétricos no pau-de-arara para proteger as Forças Armadas. Os desaparecidos aguardam ainda agora, pela justiça.
O ruim fica pior com as fake news para enxovalhar a imagem dos adversários, o que envolve um conluio da mídia com o judiciário. A situação evoca o compromisso para, com novos mecanismos, corrigir os desvios de agentes públicos. A encenação serve de palco aos palhaços sociopatas sem noção republicana tipo o italiano Silvio Berlusconi, o brasileiro Jair Bolsonaro e o argentino Javier Milei. O circo é cosmopolita. A reprodução dos escarcéus sobrevive à demagogia institucional, que propaga a antipolítica, o livre mercado e criminaliza a esquerda — bode expiatório do desconforto.
A máquina de triturar do lawfare aciona episódios fictícios. As denúncias forjadas desmontam as empresas nacionais de engenharia, a indústria naval, o pré-sal, a Petrobras. A solapa dos vira-latas obedece a ditames estrangeiros. O livro Lava Jato: O juiz Sergio Moro e os bastidores da operação que abalou o Brasil, de Vladimir Netto, elogia o homem sem qualidades ungido herói pela Rede Globo. Difícil saber onde termina a ausência de reflexão crítica da imprensa corporativa, e onde começa o cinismo de quem engana sem a discrição dos hipócritas, permitindo que a impostura seja flagrada pelos observadores. No teatro de falsidades, a verdade desce o ralo; ratazanas vêm à tona.
A mídia não é a democracia, senão o espetáculo no ato de produzir sentido. Para tal: (a) substitui o uso da razão “pela expressão em público de sentimentos”; (b) substitui o direito de cada um e todos de expressar um parecer pelo “formador de opinião”. Em Simulacro e poder: uma análise da mídia, Marilena Chaui insere a pantomima na “destruição da esfera da opinião pública”.
Nas enchentes do Rio Grande do Sul, os repórteres perguntam aos moradores o que sentem diante das inundações, ao invés de indagar o que pensam sobre a vergonhosa inoperância da Prefeitura. O desastre reduz-se a uma fatalidade doméstica, sem encadear as incúrias governamentais. A manobra blinda o prefeito do “kit-covid” de cloroquina e ivermectina distribuído durante a pandemia, na triste capital gaúcha.
Escândalos abalam o poder e, às vezes, geram flagelos pessoais; vide o destino do “pai dos pobres” Getúlio Vargas e do reitor da UFSC Luiz Carlos Cancellier — um inocente acusado por “convicções” sem PowerPoint. Não que os erros desconstruam a confiabilidade sistêmica, em si. O Congresso está repleto de aventureiros que surfam em campanhas caluniosas e difamatórias. Vale tudo no pé de goiabeira de emendas parlamentares em causa própria, ilustrativas da grave crise de dedicação à res publica por amor à filosofia da avareza, que ergue o deus-dinheiro no altar do hiperindividualismo.
A missão do jornalismo de fiscalizar os governos, revelar as falhas e erradicar os males — em nome do interesse público — é subvertida. Há desrespeito ao ethos da profissão inspirada nos princípios iluministas, com a nobre incumbência de diagnosticar as enfermidades sociais. No oligopólio das comunicações, a dita independência dos jornalistas é canibalizada pela alta hierarquia. Mentiras, a soldo, são ecoadas por paladinos da moral e costumes para esconder a responsabilidade das “elites”.
Já as mudanças nas relações trabalhistas levam à busca por sustentação nas urnas, além das antigas classes sociais. Com divisões ideológicas atenuadas, progressistas compõem com outros segmentos para vencer as eleições, e potencializam as manchetes negativas fruto de alianças não programáticas com parcerias dúbias. Haja equilíbrio na balança das práticas, desejos, expectativas e resultados.
John B. Thompson aborda eventos do hemisfério Norte, ao esmiuçar a tríade dos escândalos. Entre nós, o desafio está em desbravar acontecimentos acobertados pelo silêncio da mídia. Seguem cases que travam “lutas pelo poder simbólico, em que a reputação e a confiança estão em jogo”, na dura realidade. São metáforas de reatualização da dialética colonialista para a dominação/subordinação.
(i) Escândalo politicossexual (e racista). O Projeto de Lei (PL 1.904/2024) proíbe o aborto após a 22ª. semana, inclusive por estupro, e estipula às transgressoras uma pena de homicídio superior ao previsto na legislação para estupradores. A mobilização de diversos grupos feministas nas principais metrópoles impede a tramitação na Câmara Federal. A mídia enfatiza o nonsense da penalidade e confina o assunto à dosimetria. Não investiga os partidos e os políticos com mandato que cometem a violência sexista (e racialista). A lei atinge as meninas pretas e pobres de 8 a 12 anos, as grandes vítimas nas estatísticas ao longo do tempo. A bandeira do direito natural da mulher ao corpo não é hasteada. E o medievalismo bolsonarista sai incólume do golpe contra os valores da modernidade.
(ii) Escândalo político-financeiro. O crime de lesa-pátria da Taxa Selic do Banco Central retira do Erário R$ 816,2 bilhões, em 2023. Para comparar, o orçamento do Ministério da Saúde é R$ 231 bilhões; da Educação, R$ 180 bilhões. Alvo de acusações por investimentos em offshores em conflito com a função, o presidente do Bacen obtém dividendos pessoais com os juros elevados. Estes incentivam a desindustrialização e o modelo neocolonial-exportador, que incendeia biomas e florestas. A política monetária em curso inibe o crescimento da nação com geração de empregos e distribuição de renda. Os rentistas e os extrativistas agradecem a gentileza, com os bolsos cheios. E o neoliberalismo bolsonarista sai imune do golpe contra os valores do Estado de bem-estar social.
(iii) Escândalo de abuso de poder. No desgoverno, a criação na Associação Brasileira de Inteligência de uma “ABIN paralela” visa um órgão de vigilância típico dos regimes de exceção. À revelia do processo legal, a invasão de privacidade alcança trinta mil cidadãos; sequer são poupados os amigos da famiglia miliciana. Ao contrário do famoso triplex que não era do Lula, a conspiração direitista não recebe atenção no noticiário. Ninguém é preso. Passa-se pano na articulação terrorista entre o fascismo sociopolítico, o laissez-faire econômico e o conservadorismo cultural. E o totalitarismo bolsonarista sai ileso do golpe contra os valores civilizatórios do Estado de direito democrático.
“O mistério das coisas, onde está ele?/ Onde está ele que não aparece/ Pelo menos para mostrar que é mistério?”, lê-se no poema de um heterônimo de Fernando Pessoa. Os escândalos proibidos movem o moinho do populismo extremista, na exata medida em que a ideologia empreendedorista individual apaga a dimensão do público, no imaginário social. A utopia pode e deve ser antecipada com a desconstituição das ilusões atomizadas em templos neopentecostais ou apostas digitais em BETs. Só a participação e a cooperação formam os sujeitos transformadores da ordem estabelecida.
Norberto Bobbio, autoproclamado “liberal-socialista”, considera a mídia uma ameaça à democracia por pasteurizar as consciências e manietar o juízo autônomo dos indivíduos. A circunstância possui um agravante no abandono de áreas essenciais: água, luz, saneamento, transporte. A privatização converte direitos em mercadorias acessíveis apenas para quem paga. Sebastião Melo (MDB-RS) e Ricardo Nunes (MDB-SP) sequestram os equipamentos públicos para prestação de serviços; nem parques escapam da fúria privatista. Terceirizam as obrigações funcionais e também o que não lhes pertence, como fazem os gestores sem competência para administrar. Melhor devolvê-los aos seus donos, trocá-los pelo Orçamento Participativo (OP). Sem medo de ser feliz. Com gana de vencer.
O professor de Cambridge foca três escândalos: “abuso de poder” (Richard Nixon/Watergate); “político-financeiro” (Parlamento Europeu/ Catar); politicossexual (Bill Clinton/ Mônica Lewinski). No Brasil, apelos aos quartéis ignoram violações dos direitos humanos jogadas debaixo do tapete (Vladimir Herzog/ Tortura). Ocorrências sofrem de espancamentos e choques elétricos no pau-de-arara para proteger as Forças Armadas. Os desaparecidos aguardam ainda agora, pela justiça.
O ruim fica pior com as fake news para enxovalhar a imagem dos adversários, o que envolve um conluio da mídia com o judiciário. A situação evoca o compromisso para, com novos mecanismos, corrigir os desvios de agentes públicos. A encenação serve de palco aos palhaços sociopatas sem noção republicana tipo o italiano Silvio Berlusconi, o brasileiro Jair Bolsonaro e o argentino Javier Milei. O circo é cosmopolita. A reprodução dos escarcéus sobrevive à demagogia institucional, que propaga a antipolítica, o livre mercado e criminaliza a esquerda — bode expiatório do desconforto.
A máquina de triturar do lawfare aciona episódios fictícios. As denúncias forjadas desmontam as empresas nacionais de engenharia, a indústria naval, o pré-sal, a Petrobras. A solapa dos vira-latas obedece a ditames estrangeiros. O livro Lava Jato: O juiz Sergio Moro e os bastidores da operação que abalou o Brasil, de Vladimir Netto, elogia o homem sem qualidades ungido herói pela Rede Globo. Difícil saber onde termina a ausência de reflexão crítica da imprensa corporativa, e onde começa o cinismo de quem engana sem a discrição dos hipócritas, permitindo que a impostura seja flagrada pelos observadores. No teatro de falsidades, a verdade desce o ralo; ratazanas vêm à tona.
A mídia não é a democracia, senão o espetáculo no ato de produzir sentido. Para tal: (a) substitui o uso da razão “pela expressão em público de sentimentos”; (b) substitui o direito de cada um e todos de expressar um parecer pelo “formador de opinião”. Em Simulacro e poder: uma análise da mídia, Marilena Chaui insere a pantomima na “destruição da esfera da opinião pública”.
Nas enchentes do Rio Grande do Sul, os repórteres perguntam aos moradores o que sentem diante das inundações, ao invés de indagar o que pensam sobre a vergonhosa inoperância da Prefeitura. O desastre reduz-se a uma fatalidade doméstica, sem encadear as incúrias governamentais. A manobra blinda o prefeito do “kit-covid” de cloroquina e ivermectina distribuído durante a pandemia, na triste capital gaúcha.
Escândalos abalam o poder e, às vezes, geram flagelos pessoais; vide o destino do “pai dos pobres” Getúlio Vargas e do reitor da UFSC Luiz Carlos Cancellier — um inocente acusado por “convicções” sem PowerPoint. Não que os erros desconstruam a confiabilidade sistêmica, em si. O Congresso está repleto de aventureiros que surfam em campanhas caluniosas e difamatórias. Vale tudo no pé de goiabeira de emendas parlamentares em causa própria, ilustrativas da grave crise de dedicação à res publica por amor à filosofia da avareza, que ergue o deus-dinheiro no altar do hiperindividualismo.
A missão do jornalismo de fiscalizar os governos, revelar as falhas e erradicar os males — em nome do interesse público — é subvertida. Há desrespeito ao ethos da profissão inspirada nos princípios iluministas, com a nobre incumbência de diagnosticar as enfermidades sociais. No oligopólio das comunicações, a dita independência dos jornalistas é canibalizada pela alta hierarquia. Mentiras, a soldo, são ecoadas por paladinos da moral e costumes para esconder a responsabilidade das “elites”.
Já as mudanças nas relações trabalhistas levam à busca por sustentação nas urnas, além das antigas classes sociais. Com divisões ideológicas atenuadas, progressistas compõem com outros segmentos para vencer as eleições, e potencializam as manchetes negativas fruto de alianças não programáticas com parcerias dúbias. Haja equilíbrio na balança das práticas, desejos, expectativas e resultados.
John B. Thompson aborda eventos do hemisfério Norte, ao esmiuçar a tríade dos escândalos. Entre nós, o desafio está em desbravar acontecimentos acobertados pelo silêncio da mídia. Seguem cases que travam “lutas pelo poder simbólico, em que a reputação e a confiança estão em jogo”, na dura realidade. São metáforas de reatualização da dialética colonialista para a dominação/subordinação.
(i) Escândalo politicossexual (e racista). O Projeto de Lei (PL 1.904/2024) proíbe o aborto após a 22ª. semana, inclusive por estupro, e estipula às transgressoras uma pena de homicídio superior ao previsto na legislação para estupradores. A mobilização de diversos grupos feministas nas principais metrópoles impede a tramitação na Câmara Federal. A mídia enfatiza o nonsense da penalidade e confina o assunto à dosimetria. Não investiga os partidos e os políticos com mandato que cometem a violência sexista (e racialista). A lei atinge as meninas pretas e pobres de 8 a 12 anos, as grandes vítimas nas estatísticas ao longo do tempo. A bandeira do direito natural da mulher ao corpo não é hasteada. E o medievalismo bolsonarista sai incólume do golpe contra os valores da modernidade.
(ii) Escândalo político-financeiro. O crime de lesa-pátria da Taxa Selic do Banco Central retira do Erário R$ 816,2 bilhões, em 2023. Para comparar, o orçamento do Ministério da Saúde é R$ 231 bilhões; da Educação, R$ 180 bilhões. Alvo de acusações por investimentos em offshores em conflito com a função, o presidente do Bacen obtém dividendos pessoais com os juros elevados. Estes incentivam a desindustrialização e o modelo neocolonial-exportador, que incendeia biomas e florestas. A política monetária em curso inibe o crescimento da nação com geração de empregos e distribuição de renda. Os rentistas e os extrativistas agradecem a gentileza, com os bolsos cheios. E o neoliberalismo bolsonarista sai imune do golpe contra os valores do Estado de bem-estar social.
(iii) Escândalo de abuso de poder. No desgoverno, a criação na Associação Brasileira de Inteligência de uma “ABIN paralela” visa um órgão de vigilância típico dos regimes de exceção. À revelia do processo legal, a invasão de privacidade alcança trinta mil cidadãos; sequer são poupados os amigos da famiglia miliciana. Ao contrário do famoso triplex que não era do Lula, a conspiração direitista não recebe atenção no noticiário. Ninguém é preso. Passa-se pano na articulação terrorista entre o fascismo sociopolítico, o laissez-faire econômico e o conservadorismo cultural. E o totalitarismo bolsonarista sai ileso do golpe contra os valores civilizatórios do Estado de direito democrático.
“O mistério das coisas, onde está ele?/ Onde está ele que não aparece/ Pelo menos para mostrar que é mistério?”, lê-se no poema de um heterônimo de Fernando Pessoa. Os escândalos proibidos movem o moinho do populismo extremista, na exata medida em que a ideologia empreendedorista individual apaga a dimensão do público, no imaginário social. A utopia pode e deve ser antecipada com a desconstituição das ilusões atomizadas em templos neopentecostais ou apostas digitais em BETs. Só a participação e a cooperação formam os sujeitos transformadores da ordem estabelecida.
Norberto Bobbio, autoproclamado “liberal-socialista”, considera a mídia uma ameaça à democracia por pasteurizar as consciências e manietar o juízo autônomo dos indivíduos. A circunstância possui um agravante no abandono de áreas essenciais: água, luz, saneamento, transporte. A privatização converte direitos em mercadorias acessíveis apenas para quem paga. Sebastião Melo (MDB-RS) e Ricardo Nunes (MDB-SP) sequestram os equipamentos públicos para prestação de serviços; nem parques escapam da fúria privatista. Terceirizam as obrigações funcionais e também o que não lhes pertence, como fazem os gestores sem competência para administrar. Melhor devolvê-los aos seus donos, trocá-los pelo Orçamento Participativo (OP). Sem medo de ser feliz. Com gana de vencer.
O que fazer enquanto tudo arde?
O Brasil arde. Portugal também. Em ambos os casos existem mãos criminosas por detrás de muitos destes incêndios. Há sempre canalhas dispostos a lucrar com a desgraça de todos. Por outro lado, a situação de emergência climática em que vivemos facilita a propagação dos fogos.
— É a natureza! — afirmam alguns.
Mas não, não é a natureza. O aquecimento global resulta da ação humana. As mãos criminosas que ateiam incêndios são as mesmas que derrubam florestas, que exploram os recursos até a exaustão, que desregulam a natureza. São as estúpidas mãos da ganância.
Enquanto o Brasil arde, a Europa central, a Ásia e o norte de África enfrentam chuvas torrenciais. No Sudão do Sul quase um milhão de pessoas foram forçadas a abandonar as suas terras, talvez para sempre, pois algumas áreas ficarão submersas por longos anos.
Nenhum lugar do planeta está a salvo. Todos sabemos que a partir de agora cada inverno será mais invernal e cada verão mais infernal. Pior: os dias de inverno podem irromper a qualquer momento, inclusive no pino do verão, e vice-versa.
As diferentes sociedades humanas aprenderam a harmonizar-se com os ciclos da natureza. Nem poderia ser de outra forma. Todas as formas de vida se desenvolveram no rigoroso respeito por esses ciclos.
O caos climático foi criado por nós. Ou conseguimos revertê-lo, ou teremos de nos adaptar. Reverter o aquecimento global será muito difícil, mas podemos pelo menos procurar abrandá-lo enquanto nos adaptamos. O que não pudemos é ignorar o desastre, insistindo na tese de que não passa de um fenômeno natural.
Povos cujas línguas não produziram uma única palavra para exprimir a ideia de tufão ou furacão, agora enfrentam vários todos os anos. Terras que foram sempre férteis e bem irrigadas estão hoje inertes e ressequidas. Florestas que se formaram há centenas de milhares de anos acham-se ameaçadas.
O negacionismo climático não é uma simples e inofensiva divergência política e filosófica; uma teimosia de pessoas desinformadas; um disparate risível, como o terraplanismo. Não: vejo-o como um ato de sabotagem. O negacionista conspira contra o esforço coletivo para enfrentar o apocalipse ambiental.
Comprei e estou reformando um casarão do século XVIII, que une, de forma harmoniosa, a arquitetura tradicional swahili, árabe e portuguesa (terraços magníficos, sustentados por grossas traves de madeira, imensas cisternas, frescos pátios interiores). São assim os edifícios da Ilha de Moçambique, reconhecidos pela Unesco como Patrimônio Mundial. O desafio consiste em respeitar a arquitetura tradicional, e os seus saberes, ao mesmo tempo que deixamos o casarão preparado para resistir a ventos ciclônicos e a chuvas diluvianas.
Contudo, de pouco me servirá preparar o casarão para enfrentar ciclones se o aquecimento global não for interrompido, levando a uma enorme subida do nível do mar. Nesse caso, toda a ilha acabará submersa.
É neste ponto que estamos. Ou nos unimos todos, ou naufragamos todos. Não pode haver tolerância para quem coloca os seus interesses efêmeros acima dos interesses da Humanidade.
— É a natureza! — afirmam alguns.
Mas não, não é a natureza. O aquecimento global resulta da ação humana. As mãos criminosas que ateiam incêndios são as mesmas que derrubam florestas, que exploram os recursos até a exaustão, que desregulam a natureza. São as estúpidas mãos da ganância.
Enquanto o Brasil arde, a Europa central, a Ásia e o norte de África enfrentam chuvas torrenciais. No Sudão do Sul quase um milhão de pessoas foram forçadas a abandonar as suas terras, talvez para sempre, pois algumas áreas ficarão submersas por longos anos.
Nenhum lugar do planeta está a salvo. Todos sabemos que a partir de agora cada inverno será mais invernal e cada verão mais infernal. Pior: os dias de inverno podem irromper a qualquer momento, inclusive no pino do verão, e vice-versa.
As diferentes sociedades humanas aprenderam a harmonizar-se com os ciclos da natureza. Nem poderia ser de outra forma. Todas as formas de vida se desenvolveram no rigoroso respeito por esses ciclos.
O caos climático foi criado por nós. Ou conseguimos revertê-lo, ou teremos de nos adaptar. Reverter o aquecimento global será muito difícil, mas podemos pelo menos procurar abrandá-lo enquanto nos adaptamos. O que não pudemos é ignorar o desastre, insistindo na tese de que não passa de um fenômeno natural.
Povos cujas línguas não produziram uma única palavra para exprimir a ideia de tufão ou furacão, agora enfrentam vários todos os anos. Terras que foram sempre férteis e bem irrigadas estão hoje inertes e ressequidas. Florestas que se formaram há centenas de milhares de anos acham-se ameaçadas.
O negacionismo climático não é uma simples e inofensiva divergência política e filosófica; uma teimosia de pessoas desinformadas; um disparate risível, como o terraplanismo. Não: vejo-o como um ato de sabotagem. O negacionista conspira contra o esforço coletivo para enfrentar o apocalipse ambiental.
Comprei e estou reformando um casarão do século XVIII, que une, de forma harmoniosa, a arquitetura tradicional swahili, árabe e portuguesa (terraços magníficos, sustentados por grossas traves de madeira, imensas cisternas, frescos pátios interiores). São assim os edifícios da Ilha de Moçambique, reconhecidos pela Unesco como Patrimônio Mundial. O desafio consiste em respeitar a arquitetura tradicional, e os seus saberes, ao mesmo tempo que deixamos o casarão preparado para resistir a ventos ciclônicos e a chuvas diluvianas.
Contudo, de pouco me servirá preparar o casarão para enfrentar ciclones se o aquecimento global não for interrompido, levando a uma enorme subida do nível do mar. Nesse caso, toda a ilha acabará submersa.
É neste ponto que estamos. Ou nos unimos todos, ou naufragamos todos. Não pode haver tolerância para quem coloca os seus interesses efêmeros acima dos interesses da Humanidade.
A flor e a náusea
Preso à minha classe e a algumas roupas,
vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjoo?
Posso, sem armas, revoltar-me?
Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.
Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.
Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.
Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.
Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.
Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
Carlos Drummond de Andrade, "A Rosa do Povo"
Faz sentido cancelar o X?
Na sequência da vitória de Trump e da influência de Elon Musk na campanha eleitoral e agora na Administração, o The Guardian tomou uma decisão drástica: o jornal britânico abandonou a plataforma X (o antigo Twitter, redenominado desde que Musk passou a ser proprietário da rede). De acordo com o jornal, o X transformou-se numa rede tóxica, promotora de conteúdos racistas e de teorias da conspiração, e o seu proprietário tem utilizado a plataforma para formatar o discurso político. O The Guardian reconhece que as redes sociais são importantes para os meios de comunicação, enquanto tornam possível alcançar novas audiências. No entanto, neste momento a direção editorial considera preferível que os leitores se dirijam diretamente ao site do jornal, onde o jornalismo está disponível para todos.
O The Guardian é o caso mais significativo de uma tendência que se tem feito sentir nos últimos tempos. Desde que Musk adquiriu o X, os utilizadores têm diminuído – nos EUA, a queda é da ordem dos 30% – e só no dia seguinte às eleições norte-americanas, 280 mil pessoas abandonaram a plataforma. Os resultados financeiros também estão longe de ser famosos: pese embora a obscuridade das contas da empresa, o valor do X terá caído 75% nos últimos dois anos. O que pouco importará a Musk, beneficiário de contratos de milhares de milhões com o Estado norte-americano e agora transformado num gigantesco conflito de interesses ambulantes.
O tempo encarregou-se de revelar, desta feita no Twitter, quão insólita é a ideia de que a liberdade medra sem freios. Como a história demonstra, a liberdade consolidou-se com instituições de intermediação e formas de regulação. Por isso, a comunicação social tem critérios editoriais e obrigações deontológicas e as leis limitam o que pode ser dito e escrito. Hoje, o X é um espaço aberto aos trolls, à insídia e raramente se vislumbra qualquer debate produtivo. Mais, o algoritmo empurra-nos de forma imparável para conteúdos violentos, notícias falsas e revela um evidente enviesamento político, distante do espírito liberal fundador.
Foi este o contexto que levou o The Guardian a abandonar a plataforma. O que só acontece porque, com mais de um milhão de assinantes, provenientes de 180 países, o jornal britânico é um media global, com músculo financeiro para fazer esta escolha. Em parte, o The Guardian sai do X, porque pode gerir os custos de uma saída. Dificilmente um meio de comunicação social de base nacional poderia abdicar desta fonte de tráfego.
Mas quais seriam as consequências, se outras vozes acompanhassem o The Guardian no cancelamento do X? O resultado agregado seria mais um passo rumo ao acantonamento, ao fechamento face a outras visões do mundo e ao fim de um espaço comum de informação, mesmo que o debate seja hoje praticamente inexistente. O X pode ter-se transformado numa rede social bem menos recomendável, mas cancelar a plataforma corresponderia a uma entrega de território e a mais uma capitulação das vozes progressistas, que abdicariam de estarem presentes nas redes sociais com influência e impacto real.
Pedro Adão e Silva
O The Guardian é o caso mais significativo de uma tendência que se tem feito sentir nos últimos tempos. Desde que Musk adquiriu o X, os utilizadores têm diminuído – nos EUA, a queda é da ordem dos 30% – e só no dia seguinte às eleições norte-americanas, 280 mil pessoas abandonaram a plataforma. Os resultados financeiros também estão longe de ser famosos: pese embora a obscuridade das contas da empresa, o valor do X terá caído 75% nos últimos dois anos. O que pouco importará a Musk, beneficiário de contratos de milhares de milhões com o Estado norte-americano e agora transformado num gigantesco conflito de interesses ambulantes.
Existem de fato boas razões para abandonar o X, hoje uma miragem do que foi o Twitter. Há cerca de 15 anos, quando abri a minha conta, a informação chegava mais cedo no Twitter, com opiniões livres e com ângulos mais provocadores e interessantes do que os dos media tradicionais. A combinação de agilidade com liberdade tornou a plataforma influente e contrastante com a tendência da comunicação social para arrastar os pés.
O tempo encarregou-se de revelar, desta feita no Twitter, quão insólita é a ideia de que a liberdade medra sem freios. Como a história demonstra, a liberdade consolidou-se com instituições de intermediação e formas de regulação. Por isso, a comunicação social tem critérios editoriais e obrigações deontológicas e as leis limitam o que pode ser dito e escrito. Hoje, o X é um espaço aberto aos trolls, à insídia e raramente se vislumbra qualquer debate produtivo. Mais, o algoritmo empurra-nos de forma imparável para conteúdos violentos, notícias falsas e revela um evidente enviesamento político, distante do espírito liberal fundador.
Foi este o contexto que levou o The Guardian a abandonar a plataforma. O que só acontece porque, com mais de um milhão de assinantes, provenientes de 180 países, o jornal britânico é um media global, com músculo financeiro para fazer esta escolha. Em parte, o The Guardian sai do X, porque pode gerir os custos de uma saída. Dificilmente um meio de comunicação social de base nacional poderia abdicar desta fonte de tráfego.
Mas quais seriam as consequências, se outras vozes acompanhassem o The Guardian no cancelamento do X? O resultado agregado seria mais um passo rumo ao acantonamento, ao fechamento face a outras visões do mundo e ao fim de um espaço comum de informação, mesmo que o debate seja hoje praticamente inexistente. O X pode ter-se transformado numa rede social bem menos recomendável, mas cancelar a plataforma corresponderia a uma entrega de território e a mais uma capitulação das vozes progressistas, que abdicariam de estarem presentes nas redes sociais com influência e impacto real.
Pedro Adão e Silva
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