Sai barato para o poder público instalar sirenes que soam poucas horas antes de vendavais, socorrer depois os desabrigados e enterrar os mortos. Sai barato prometer que tomará providências para que tragédias como a de São Sebastião não mais se repitam.
Quando elas se repetem sob a mesma administração, prefeitos e governadores alegam que faltou dinheiro e jogam a culpa no governo federal. E caso se repitam em novas administrações, essas culpam as anteriores, e é vida que segue, cada vez pior.
Não há notícias sobre a morte de afortunados. Muitos, ilhados em suas casas, conseguiram ser resgatados por helicópteros e outros meios fora do alcance da maioria. O número de mortos deverá ultrapassar a casa dos 50, e há milhares de desabrigados.
Em alguns locais do litoral paulista, caíram em poucas horas mais de 600 mm. Dito de outra maneira: mais de 600 litros por metro quadrado, acima da média esperada para todo o mês de fevereiro. Culpa de São Pedro que abriu as comportas do céu?
Foi um evento extremo, concordo. Antigamente, só ocorriam de séculos em séculos, ou a intervalos maiores; amiudaram-se em consequência das mudanças do clima provocadas pelo aquecimento da atmosfera. Mas isso também era previsível.
Estima-se que 5% dos brasileiros moram em áreas sujeitas a inundações e deslizamentos de terras. Estima-se, porque o país não dispõe de dados confiáveis a respeito. E por não dispor, entra governo, sai governo e falta plano que informe sobre o que fazer.
Foi bonito ver três políticos de partidos adversários – Lula (PT), o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o prefeito de São Sebastião, do PSDB -, somarem esforços no socorro às vítimas de mais uma tragédia anunciada. Foi bonito. Não basta, porém.
Por inépcia e omissão das autoridades até aqui, a natureza agredida devolveu e continuará a devolver as agressões que recebe.
Há mais de 30 anos passei férias em Barra do Sahy, hoje duramente atingida pelas chuvas no litoral norte de São Paulo. O lugar é lindo, lembra o litoral do Vietnam, montanhas, florestas, rio e mar. Lindo realmente, mas chove. Chove muito e muitos pobres moram nas encostas como acontece em todo o Brasil. Nos 30 dias que passei por lá choveu durante 25, pelo menos. Choveu tanto que a parede da casa foi escurecendo de humidade. A uma certa altura comecei a ir para a praia com chuva mesmo.
Durante os poucos dias que amanhecia sem chuva ficávamos olhando para as montanhas tentando adivinhar de qual delas ia surgir a primeira nuvem. Tenho amigos que têm casa em Maresias, ali ao lado e eles relatam as chuvas como elementos da natureza presentes à região. Agora, com a tragédia acontecida pensamos, são tantos anos, a natureza tão teimosa e repetitiva e nada foi feito diante do que acontece com maior ou menor intensidade todos os anos. O Brasil é um país tropical, abençoado por deus(?) e bonito por natureza, mas chove justamente por isso e porque a benção de deus é uma coisa não confiável.
Barra do Sahy, Bahia, Rio de Janeiro, Petrópolis é tudo igual. A natureza faz parte do país. É preciso pensar nela para evitar desmatamento, genocídios e mortes dos habitantes em qualquer lugar, vítimas de natureza que se repete. E as autoridades só olham.
Isso não é seleção natural, nem vontade de deus. Isso é desleixo, falta de vontade política, inércia e crime. Quando veremos obras estruturais que não atraem a atenção nem votos, mas que evitam mortes? O povo precisa comer, ter trabalho e morar num lugar seguro. Isso é fundamental. Não basta só ajudar depois que acontece. Isso é o básico. É importante que não aconteça.
Chover pode até diminuir se desmatarmos menos o ambiente. Mas, vai continuar só que nem toda a chuva deve destruir e matar. As pessoas precisam morar em lugares decentes, não os que sobram. Somos um país pobre, sim, mas também por causa disso. Banco central, juros, inflação são temporais que matam lentamente e só pioram as condições de quem mora em áreas de risco.
O Brasil está virando uma enorme área de risco. Será que vamos sobreviver ou estamos juntando todos os pobres, indígenas, negros e flagelados num mesmo projeto de genocídio por descaso e desprezo.