terça-feira, 19 de novembro de 2024
Israel está cometendo crimes de guerra em Gaza
Como o evento em andamento na Faixa de Gaza será chamado no futuro? Israel o chama de "guerra". Não há dúvida de que uma guerra está em andamento, em várias frentes. Mas dentro da estrutura da guerra, um crime está sendo cometido em Gaza. Israel está deliberadamente obliterando uma grande cidade com milhares de anos (Cidade de Gaza), realizando assassinatos em uma escala imensa e tentando expulsar a população de uma região inteira.
Incêndios florestais na cidade de Nova York? Algo mudou.
Em Vancouver, British Columbia, onde moro há 25 anos, costumávamos culpar a Califórnia e Washington pelos nossos céus ocasionalmente esfumaçados. Então, no verão de 2015, o ar de Vancouver ficou laranja marciano, assim como o ar na Costa Leste no ano passado. Só que dessa vez, os incêndios eram nossos. Não foi apenas um ano ruim; algo fundamental havia mudado. Desde então, quase todo verão trouxe sóis vermelhos ao meio-dia, alertas de saúde, recordes de calor quebrados, ansiedade e, quando os incêndios se aproximam, medo real: nossa antiga casa é um barril de pólvora. Para onde iríamos?
Avisos de bandeira vermelha na Nova Inglaterra indicando clima propício para incêndios — isto é, condições quentes, secas e ventosas — têm sido emitidos repetidamente desde o final de outubro. Esses avisos são comuns no Oeste, mas são extremamente raros no Nordeste, onde cresci e onde minha linha de base foi estabelecida, minha noção do que é clima normal. E posso dizer a vocês: isso não é normal. Na década de 1970, a ideia de incêndios florestais ao longo do corredor da I-95 em novembro era simplesmente inconcebível.
Neste outono, mais de 500 incêndios florestais ocorreram somente em Nova Jersey. E nas últimas duas semanas, em partes de Connecticut e Pensilvânia onde os empreendimentos terminam e as terras selvagens começam, conhecidas como interface urbana-selvagem, os incêndios também ameaçaram casas. O corpo de bombeiros da cidade de Nova York respondeu a 271 incêndios florestais nos cinco distritos apenas nas duas primeiras semanas de novembro. Um incêndio de 5.000 acres está queimando há mais de uma semana na fronteira entre Nova York e Nova Jersey, o que levou a ordens de evacuação voluntária no sábado, depois que o fogo rompeu as linhas de contenção.
No mês passado, um bombeiro foi morto e outros dois ficaram feridos por um veículo enquanto combatiam um incêndio florestal em Berlin, Connecticut. Em 9 de novembro, um funcionário de 18 anos do estado de Nova York foi morto combatendo um incêndio no Sterling Forest State Park. Combatentes de incêndios florestais sendo mortos? Talvez no Colorado ou na Califórnia. Mas no Nordeste, quase nunca.
Duas semanas atrás, um repórter de jornal de Provincetown, Massachusetts, me ligou. As florestas de pinheiros e carvalhos de Cape Cod poderiam queimar como as florestas ocidentais que descrevi no meu livro “Fire Weather”?
“Sim”, eu disse a ele. “Talvez não no passado, mas agora eles podem.”
Parecia estranho, quase traiçoeiro, dizer isso, porque eu vou ao cabo desde criança. Eu conheço o cheiro daquelas agulhas de pinheiro no verão, o suave estalar das pinhas sob os pés. A ideia daquelas árvores queimando nunca me ocorreu antes deste ano.
Estamos sendo lembrados da maneira mais difícil de que compartilhamos este mundo. A fumaça não conhece fronteiras, e nem o fogo. Não é um problema do Sul ou do Ocidente; é nossa realidade compartilhada. Este não é apenas um "ano ruim". Globalmente, 2023 foi o ano mais quente da história registrada, e esse recorde já está sendo quebrado. Este ano está a caminho de ser não apenas um dos outonos mais secos da história dos EUA desde que os registros foram mantidos, mas também o primeiro ano completo em que as temperaturas globais subiram 1,5 graus Celsius (2,7 graus Fahrenheit) acima dos níveis pré-industriais. Isso não parece muito, mas quando esse tipo de calor elevado é prolongado, ele estressa os sistemas naturais, matando criaturas marinhas e tornando florestas e pastagens mais inflamáveis.
Como muitos de nós, posso sentir as coisas se inquietando — erodindo e invadindo ao mesmo tempo. Blocos de Jenga, grandes e pequenos, estão sendo retirados de estruturas que tomamos como certas, desestabilizando o país, o clima, ecossistemas inteiros.
Depois do furacão Helene, as pessoas vivenciaram um distanciamento do mundo como o conheciam na região montanhosa inundada da Carolina do Norte. Quando uma cúpula de calor matou quase 700 habitantes da Colúmbia Britânica e mais de um bilhão de criaturas intermareais em 2021, nós vivenciamos isso lá também. As coisas parecem diferentes agora, em grande parte, porque o clima está diferente agora.
Graças à queima implacável de combustíveis fósseis, estamos — agora mesmo, em tempo real — partindo da época do Holoceno, a zona Cachinhos Dourados de relativa estabilidade climática que nos permitiu construir o mundo como o conhecemos nos últimos 12.000 anos. Devemos reconhecer este momento pelo que ele é: o início de uma nova era de recuo, contração e consolidação civilizacional. Chame-o de pós-Holoceno.
Cientistas do clima previram isso desde a década de 1950, e as empresas petrolíferas vêm negando e desviando a atenção indesejada desde então. A falha de imaginação é uma especialidade humana. Essa falha perceptiva, que Nassim Nicholas Taleb chama de “Problema Lucrécio” em homenagem ao poeta e filósofo romano, ocorre quando baseamos nossa estimativa de possíveis extremos futuros em experiências passadas limitadas.
Esta foi uma característica marcante da resposta ao incêndio de Fort McMurray, Alberta, em 2016, que levou à maior e mais rápida evacuação de um incêndio florestal nos tempos modernos. Apesar de dois anos de seca, duas semanas de calor intenso, previsões meteorológicas detalhadas prevendo clima extremo para incêndios e a presença de cinco incêndios florestais ao redor da cidade, os primeiros evacuados foram alertados não pelas autoridades, mas por vizinhos, familiares e incêndios em seus quintais.
Em 2016, nesse terrível incêndio, vi algo que era mais difícil de não ver no oeste canadense: aqueles incêndios violentos do sul avançando constantemente para o norte em conjunto com o aumento das temperaturas, como o equivalente combustível da doença de Lyme ou da dengue, até que o Canadá também foi infectado.
Desde então, os incêndios florestais têm queimado mais intensamente, rapidamente e letalmente do que nunca, e é difícil não ver ecos em outras tendências globais. Nestes incêndios de novembro, não consigo deixar de ver uma alegoria para a queima antecipada de nossas normas políticas: a previsão detalhada, os precedentes abundantes, a fé míope em (ou desdém absoluto por) leis e métodos antigos que podem de alguma forma conter essa nova energia volátil.
Avisos de bandeira vermelha na Nova Inglaterra indicando clima propício para incêndios — isto é, condições quentes, secas e ventosas — têm sido emitidos repetidamente desde o final de outubro. Esses avisos são comuns no Oeste, mas são extremamente raros no Nordeste, onde cresci e onde minha linha de base foi estabelecida, minha noção do que é clima normal. E posso dizer a vocês: isso não é normal. Na década de 1970, a ideia de incêndios florestais ao longo do corredor da I-95 em novembro era simplesmente inconcebível.
Neste outono, mais de 500 incêndios florestais ocorreram somente em Nova Jersey. E nas últimas duas semanas, em partes de Connecticut e Pensilvânia onde os empreendimentos terminam e as terras selvagens começam, conhecidas como interface urbana-selvagem, os incêndios também ameaçaram casas. O corpo de bombeiros da cidade de Nova York respondeu a 271 incêndios florestais nos cinco distritos apenas nas duas primeiras semanas de novembro. Um incêndio de 5.000 acres está queimando há mais de uma semana na fronteira entre Nova York e Nova Jersey, o que levou a ordens de evacuação voluntária no sábado, depois que o fogo rompeu as linhas de contenção.
No mês passado, um bombeiro foi morto e outros dois ficaram feridos por um veículo enquanto combatiam um incêndio florestal em Berlin, Connecticut. Em 9 de novembro, um funcionário de 18 anos do estado de Nova York foi morto combatendo um incêndio no Sterling Forest State Park. Combatentes de incêndios florestais sendo mortos? Talvez no Colorado ou na Califórnia. Mas no Nordeste, quase nunca.
Duas semanas atrás, um repórter de jornal de Provincetown, Massachusetts, me ligou. As florestas de pinheiros e carvalhos de Cape Cod poderiam queimar como as florestas ocidentais que descrevi no meu livro “Fire Weather”?
“Sim”, eu disse a ele. “Talvez não no passado, mas agora eles podem.”
Parecia estranho, quase traiçoeiro, dizer isso, porque eu vou ao cabo desde criança. Eu conheço o cheiro daquelas agulhas de pinheiro no verão, o suave estalar das pinhas sob os pés. A ideia daquelas árvores queimando nunca me ocorreu antes deste ano.
Estamos sendo lembrados da maneira mais difícil de que compartilhamos este mundo. A fumaça não conhece fronteiras, e nem o fogo. Não é um problema do Sul ou do Ocidente; é nossa realidade compartilhada. Este não é apenas um "ano ruim". Globalmente, 2023 foi o ano mais quente da história registrada, e esse recorde já está sendo quebrado. Este ano está a caminho de ser não apenas um dos outonos mais secos da história dos EUA desde que os registros foram mantidos, mas também o primeiro ano completo em que as temperaturas globais subiram 1,5 graus Celsius (2,7 graus Fahrenheit) acima dos níveis pré-industriais. Isso não parece muito, mas quando esse tipo de calor elevado é prolongado, ele estressa os sistemas naturais, matando criaturas marinhas e tornando florestas e pastagens mais inflamáveis.
Como muitos de nós, posso sentir as coisas se inquietando — erodindo e invadindo ao mesmo tempo. Blocos de Jenga, grandes e pequenos, estão sendo retirados de estruturas que tomamos como certas, desestabilizando o país, o clima, ecossistemas inteiros.
Depois do furacão Helene, as pessoas vivenciaram um distanciamento do mundo como o conheciam na região montanhosa inundada da Carolina do Norte. Quando uma cúpula de calor matou quase 700 habitantes da Colúmbia Britânica e mais de um bilhão de criaturas intermareais em 2021, nós vivenciamos isso lá também. As coisas parecem diferentes agora, em grande parte, porque o clima está diferente agora.
Graças à queima implacável de combustíveis fósseis, estamos — agora mesmo, em tempo real — partindo da época do Holoceno, a zona Cachinhos Dourados de relativa estabilidade climática que nos permitiu construir o mundo como o conhecemos nos últimos 12.000 anos. Devemos reconhecer este momento pelo que ele é: o início de uma nova era de recuo, contração e consolidação civilizacional. Chame-o de pós-Holoceno.
Cientistas do clima previram isso desde a década de 1950, e as empresas petrolíferas vêm negando e desviando a atenção indesejada desde então. A falha de imaginação é uma especialidade humana. Essa falha perceptiva, que Nassim Nicholas Taleb chama de “Problema Lucrécio” em homenagem ao poeta e filósofo romano, ocorre quando baseamos nossa estimativa de possíveis extremos futuros em experiências passadas limitadas.
Esta foi uma característica marcante da resposta ao incêndio de Fort McMurray, Alberta, em 2016, que levou à maior e mais rápida evacuação de um incêndio florestal nos tempos modernos. Apesar de dois anos de seca, duas semanas de calor intenso, previsões meteorológicas detalhadas prevendo clima extremo para incêndios e a presença de cinco incêndios florestais ao redor da cidade, os primeiros evacuados foram alertados não pelas autoridades, mas por vizinhos, familiares e incêndios em seus quintais.
Em 2016, nesse terrível incêndio, vi algo que era mais difícil de não ver no oeste canadense: aqueles incêndios violentos do sul avançando constantemente para o norte em conjunto com o aumento das temperaturas, como o equivalente combustível da doença de Lyme ou da dengue, até que o Canadá também foi infectado.
Desde então, os incêndios florestais têm queimado mais intensamente, rapidamente e letalmente do que nunca, e é difícil não ver ecos em outras tendências globais. Nestes incêndios de novembro, não consigo deixar de ver uma alegoria para a queima antecipada de nossas normas políticas: a previsão detalhada, os precedentes abundantes, a fé míope em (ou desdém absoluto por) leis e métodos antigos que podem de alguma forma conter essa nova energia volátil.
Saber perder eleições é uma arte
Eu já deveria ter esquecido as eleições nos Estados Unidos. Torci por Kamala Harris, perdi. Perdi eleições municipais, estaduais e federais. Uma fora do Brasil não é nada. Se houver algo em Marte, farei minha aposta.
A energia inicial, milhões de dólares arrecadados entre pequenos doadores, me impressionou. Pensei que a alegria da campanha e seu olhar para o futuro bastariam. Hoje, percebo que havia uma raiva e uma frustração que o otimismo superficial não resolve. Trump interpretou bem, venceu.
Sempre tiro o chapéu para os vitoriosos e respeito as decisões majoritárias. Mas esse é meu limite. Nem sempre as considero acertadas apenas por ser majoritárias. Alemães e italianos já se equivocaram, com mais entusiasmo.
Não consigo entender como racional uma proposta de deportação em massa. Não só porque será difícil e mais caro substituir essa mão de obra com americanos natos. A ideia de Trump de expulsar imigrantes e mesmo a de Giorgia Meloni, de confiná-los num outro país, não resolvem.
Tangidos por fome, guerras e desastres naturais, milhões continuarão a arriscar suas vidas em busca de oportunidades. O capitalismo garante liberdade para o fluxo de capitais e mercadorias, mas bloqueia a mão de obra. É uma negação de suas bases econômicas. Veremos parte da humanidade tentando escapar; outra, de certa forma, lançando-a ao mar.
Vivemos o ano mais quente da História. A temperatura media já é de 1,5 °C mais alta que a do período pré-industrial. Por que negar tantas evidências, sobretudo num país atingido por furacões cada vez mais fortes, do Katrina ao Milton? Nesse contexto, o slogan drill baby, drill (perfure, querido, perfure) — cavar para buscar petróleo entre as pedras — é uma forma simbólica de cavar a própria sepultura.
A própria ideia de taxar importações, de se fechar, de certa maneira, para o comércio internacional parece sedutora, supõe uma idade de ouro da indústria americana. Mas, na verdade, pode encarecer e dificultar a vida dos americanos. É um tipo de visão que favorece o avanço do grande competidor que é a China. Os chineses se prepararam com visão de longo prazo.
Darei apenas um exemplo: em 2007, eles compraram uma montanha no Peru, o Monte Toromocho. Ele continha 2 bilhões de toneladas de cobre. Nesta semana, a China inaugura um porto gigantesco a 80 quilômetros de Lima. Eles se preparam para dominar as commodities desde o início do século e agora constroem a Nova Rota da Seda. Se abstrairmos o regime político autoritário, os chineses parecem incluir o planeta em sua estratégia, enquanto os Estados Unidos tendem a se fechar numa política isolacionista.
Tudo isso ainda são impressões iniciais. Teremos ainda um longo caminho, e a imprensa americana será uma espécie de termômetro para medir a experiência renovada de Trump. É uma imprensa que, de modo geral, também apostou em Kamala Harris e vive sob grande pressão da direita. Ela pode ter cometido erros, subestimado a frustração popular, mas ainda é uma indústria que gasta parte do dinheiro apurando e confirmando a veracidade das informações. Por mais que seja atacada, a verdade é que é explorada pelas plataformas eletrônicas, que reproduzem seu trabalho sem remunerá-lo.
As suposições de que é possível informar sem apurar e confirmar, de que há uma liberdade ilimitada e de que realidades paralelas têm o mesmo valor dos fatos verificáveis servem apenas para aumentar a confusão e turvar o debate político.
Assim como na pandemia, abre-se um período em que o papel da imprensa americana será essencial ao lado da ciência, que se defrontará com uma grande onda de negacionismo, das mudanças climáticas à importância das vacinas.
Em síntese, a derrota sempre nos leva à humildade de reconhecer erros, reformular caminhos. Nem sempre os vencedores detêm outra verdade, além da verdade de que são os vencedores.
Fernando Gabeira
A energia inicial, milhões de dólares arrecadados entre pequenos doadores, me impressionou. Pensei que a alegria da campanha e seu olhar para o futuro bastariam. Hoje, percebo que havia uma raiva e uma frustração que o otimismo superficial não resolve. Trump interpretou bem, venceu.
Sempre tiro o chapéu para os vitoriosos e respeito as decisões majoritárias. Mas esse é meu limite. Nem sempre as considero acertadas apenas por ser majoritárias. Alemães e italianos já se equivocaram, com mais entusiasmo.
Não consigo entender como racional uma proposta de deportação em massa. Não só porque será difícil e mais caro substituir essa mão de obra com americanos natos. A ideia de Trump de expulsar imigrantes e mesmo a de Giorgia Meloni, de confiná-los num outro país, não resolvem.
Tangidos por fome, guerras e desastres naturais, milhões continuarão a arriscar suas vidas em busca de oportunidades. O capitalismo garante liberdade para o fluxo de capitais e mercadorias, mas bloqueia a mão de obra. É uma negação de suas bases econômicas. Veremos parte da humanidade tentando escapar; outra, de certa forma, lançando-a ao mar.
Vivemos o ano mais quente da História. A temperatura media já é de 1,5 °C mais alta que a do período pré-industrial. Por que negar tantas evidências, sobretudo num país atingido por furacões cada vez mais fortes, do Katrina ao Milton? Nesse contexto, o slogan drill baby, drill (perfure, querido, perfure) — cavar para buscar petróleo entre as pedras — é uma forma simbólica de cavar a própria sepultura.
A própria ideia de taxar importações, de se fechar, de certa maneira, para o comércio internacional parece sedutora, supõe uma idade de ouro da indústria americana. Mas, na verdade, pode encarecer e dificultar a vida dos americanos. É um tipo de visão que favorece o avanço do grande competidor que é a China. Os chineses se prepararam com visão de longo prazo.
Darei apenas um exemplo: em 2007, eles compraram uma montanha no Peru, o Monte Toromocho. Ele continha 2 bilhões de toneladas de cobre. Nesta semana, a China inaugura um porto gigantesco a 80 quilômetros de Lima. Eles se preparam para dominar as commodities desde o início do século e agora constroem a Nova Rota da Seda. Se abstrairmos o regime político autoritário, os chineses parecem incluir o planeta em sua estratégia, enquanto os Estados Unidos tendem a se fechar numa política isolacionista.
Tudo isso ainda são impressões iniciais. Teremos ainda um longo caminho, e a imprensa americana será uma espécie de termômetro para medir a experiência renovada de Trump. É uma imprensa que, de modo geral, também apostou em Kamala Harris e vive sob grande pressão da direita. Ela pode ter cometido erros, subestimado a frustração popular, mas ainda é uma indústria que gasta parte do dinheiro apurando e confirmando a veracidade das informações. Por mais que seja atacada, a verdade é que é explorada pelas plataformas eletrônicas, que reproduzem seu trabalho sem remunerá-lo.
As suposições de que é possível informar sem apurar e confirmar, de que há uma liberdade ilimitada e de que realidades paralelas têm o mesmo valor dos fatos verificáveis servem apenas para aumentar a confusão e turvar o debate político.
Assim como na pandemia, abre-se um período em que o papel da imprensa americana será essencial ao lado da ciência, que se defrontará com uma grande onda de negacionismo, das mudanças climáticas à importância das vacinas.
Em síntese, a derrota sempre nos leva à humildade de reconhecer erros, reformular caminhos. Nem sempre os vencedores detêm outra verdade, além da verdade de que são os vencedores.
Fernando Gabeira
'Crise climática não se resolve com mais capitalismo'
A atual fase do capitalismo, em que a busca pelo crescimento constante é baseada na produção e no consumo desenfreado, faz com que o planeta dê sinais de esgotamento, desaguando na atual crise climática, segundo o professor da Universidade de Tóquio e filósofo japonês Kohei Saito.
Autor do livro O Capital no Antropoceno (Boitempo Editorial), que está sendo lançado no Brasil e já vendeu mais de 500 mil unidades pelo mundo, Saito analisa como o filósofo alemão Karl Marx previu a atual crise do meio ambiente e critica algo comum no Brasil: os "verdes" que, segundo ele, tentam instituir práticas sustentáveis ínfimas – como o uso de ecobags – para fugir da realidade climática.
Para o professor, só um novo sistema, pautado pelo decrescimento econômico, com a produção social e a partilha da riqueza como objetivo central, é capaz de reparar os danos causados até aqui.
Ele também critica planos econômicos verdes de países ricos por ver neles um potencial destrutivo para o resto do planeta.
"Especialmente em países como na América Latina, haverá mais extração de minerais, como o lítio. O capitalismo verde trará mais exploração de recursos naturais, mais exploração forçada sob o nome de ESG", enumera, referindo-se ao acrônimo do mundo corporativo que diz respeito à observância de padrões ambientais, sociais e de governança por uma empresa.
"Foi isso que Marx criticou: o perigo do capitalismo. Enquanto o capitalismo continuar, a expansão infinita da economia continuar, haverá sério problemas ecológicos."
No começo do livro, o senhor critica quem usa "ecobags, reduz o consumo de embalagens ou troca o carro a combustão por um elétrico". Por que a crítica?
Essas atitudes simplesmente não são suficientes para realmente mudar a situação da crise climática, que é muito séria. É uma das maiores crises que a humanidade enfrentou na história, e muitas pessoas vão morrer por isso.
Quando você tem uma ecobag ou recicla alguns plásticos, você se sente bem. Acha que fez algo bom para o meio ambiente, é reconfortante, mas o problema é que esse tipo de atitude se tornou uma justificativa para continuar com o que nos trouxe aqui. Empresas produzem alguns produtos ecológicos, usam essa boa imagem, mas isso só é feito para vender mais produtos.
O importante é dizer que estamos, simplesmente, consumindo e produzindo demais. Ninguém fala sobre reduzir o consumo. Acho que não podemos esquecer que o problema é muito maior e, por isso, precisamos repensar esse sistema capitalista, que requer expansão constante da produção e consumo massivo apenas para manter nosso sistema funcionando.
O livro busca fazer uma leitura do nosso tempo e da urgência climática através da obra do alemão Karl Marx. Como Marx via essa crise que se desenha e o capitalismo?
Marx é frequentemente entendido como alguém que critica o capitalismo, principalmente a exploração da classe trabalhadora e a desigualdade do sistema. O problema é que frequentemente os socialistas que o estudam falam apenas sobre como podemos substituir o capitalismo por um sistema no qual essas novas tecnologias e as forças produtivas possam criar uma sociedade melhor, onde todos podem ser como capitalistas, sem exploração, mas com o mesmo padrão de consumo.
Eu acho problemática essa leitura de Marx. Quando passei a estudá-lo, prestei também atenção à ecologia. Problemas ecológicos no capitalismo são óbvios, segundo ele, dado que a tecnologia e qualquer inovação são criadas apenas para gerar mais lucro.
De acordo com Marx, humanos e natureza têm esse tipo de interação metabólica, mas o capitalismo é sempre maior e mais rápido. Por isso nós produzimos e vendemos mais, sem levar em consideração a sustentabilidade dos recursos naturais, fazendo com que essa interação tenha problemas, fazendo com que alguma discrepância apareça. Foi isso que Marx criticou: o perigo do capitalismo. Enquanto o capitalismo continuar, a expansão infinita da economia continuar, haverá sério problemas ecológicos.
O senhor cita o "decrescimento no sistema capitalista" como solução do problema. O que seria isso?
Hoje até os capitalistas estão cientes desse problema, dado que a mudança climática também os afeta. Então, agora, as pessoas falam sobre como descarbonizar a economia, mas também em como manter o capitalismo, porque capitalismo sem crescimento é um desastre.
Nosso atual sistema é baseado na suposição de que a economia crescerá no ano que vem. Então, o que eles fazem agora? Falam sobre investir mais em tecnologia verde, energia renovável, etc. Acreditam que é possível fazer a economia crescer, criar mais empregos investindo nessas novas fábricas, mas também descarbonizar ou reduzir a emissão de carbono ao mesmo tempo.
O problema é que, se tentarmos crescer mais, ainda temos que produzir mais veículos elétricos. E isso significa que também precisamos de mais energia renovável: mais painéis solares, mais turbinas eólicas, mais baterias e assim por diante. Isso também requer mais recursos e energia.
E por que isso é necessariamente ruim?
Precisamos de uma rápida descarbonização nos próximos 20 ou 30 anos. Temos um limite de tempo. Então, se produzirmos mais, isso não é bom. Talvez devêssemos reduzir algumas coisas desnecessárias.
Especialmente em países como na América Latina, haverá mais extração de minerais, como o lítio. O capitalismo verde trará mais exploração de recursos naturais, mais exploração forçada sob o nome de ESG.
É por isso que eu critico o "Green New Deal" americano. Ele é obviamente bom para os trabalhadores nos Estados Unidos, mas ruim para muitas pessoas neste planeta. Não é algo universalizável para que todos possam ser como os americanos. Isso é óbvio. Então eu acho que essa não é uma boa estratégia. Se você realmente se importa com a vida de todos, é necessário imaginar uma política melhor.
E como ficam os países mais pobres?
Não estou defendendo que deveríamos simplesmente permanecer no nível atual de desenvolvimento. Obviamente, os países pobres precisam de mais desenvolvimento. E também acredito que no Brasil há muitos lugares que precisam de mais infraestrutura, como estradas, eletricidade, água e esse tipo de coisa.
Mas mais produção e mais crescimento não resolvem o problema, porque pessoas ricas simplesmente pagarão mais e continuarão com seus iates, jatos, carros, gigantescos, casas e seu consumo excessivo.
Talvez o futuro seja uma sociedade mais igualitária com foco em sustentabilidade e democracia, nos concentrando mais em uma educação satisfatória, assistência médica, transporte público, ar limpo.
Ao final do livro, o senhor cita que 3,5% das pessoas podem fazer a diferença na atual crise. Pode explicar isso melhor?
Geralmente achamos que precisamos de mais de 50% das pessoas envolvidas para mudar algo, mas isso não é necessário. Há um estudo de uma professora de Harvard, chamada Erica Chenoweth, que demonstra que angariar 3,5% é o suficiente, caso elas estejam realmente envolvidas.
Em uma forma pacífica e não violenta, são 3,5% que se levantam para mudar algo. A sociedade mudou e mudará. Então, espero que o aprofundamento das mudanças climáticas, com o aprofundamento da crise do capitalismo, muitas pessoas vejam que nosso sistema atual é irracional, e que 3,5% delas se levantem e busquem alterar essa situação ao invés de simplesmente usarem sua ecobag ou reciclarem algumas garrafas pet.
Autor do livro O Capital no Antropoceno (Boitempo Editorial), que está sendo lançado no Brasil e já vendeu mais de 500 mil unidades pelo mundo, Saito analisa como o filósofo alemão Karl Marx previu a atual crise do meio ambiente e critica algo comum no Brasil: os "verdes" que, segundo ele, tentam instituir práticas sustentáveis ínfimas – como o uso de ecobags – para fugir da realidade climática.
Para o professor, só um novo sistema, pautado pelo decrescimento econômico, com a produção social e a partilha da riqueza como objetivo central, é capaz de reparar os danos causados até aqui.
Ele também critica planos econômicos verdes de países ricos por ver neles um potencial destrutivo para o resto do planeta.
"Especialmente em países como na América Latina, haverá mais extração de minerais, como o lítio. O capitalismo verde trará mais exploração de recursos naturais, mais exploração forçada sob o nome de ESG", enumera, referindo-se ao acrônimo do mundo corporativo que diz respeito à observância de padrões ambientais, sociais e de governança por uma empresa.
"Foi isso que Marx criticou: o perigo do capitalismo. Enquanto o capitalismo continuar, a expansão infinita da economia continuar, haverá sério problemas ecológicos."
No começo do livro, o senhor critica quem usa "ecobags, reduz o consumo de embalagens ou troca o carro a combustão por um elétrico". Por que a crítica?
Essas atitudes simplesmente não são suficientes para realmente mudar a situação da crise climática, que é muito séria. É uma das maiores crises que a humanidade enfrentou na história, e muitas pessoas vão morrer por isso.
Quando você tem uma ecobag ou recicla alguns plásticos, você se sente bem. Acha que fez algo bom para o meio ambiente, é reconfortante, mas o problema é que esse tipo de atitude se tornou uma justificativa para continuar com o que nos trouxe aqui. Empresas produzem alguns produtos ecológicos, usam essa boa imagem, mas isso só é feito para vender mais produtos.
O importante é dizer que estamos, simplesmente, consumindo e produzindo demais. Ninguém fala sobre reduzir o consumo. Acho que não podemos esquecer que o problema é muito maior e, por isso, precisamos repensar esse sistema capitalista, que requer expansão constante da produção e consumo massivo apenas para manter nosso sistema funcionando.
O livro busca fazer uma leitura do nosso tempo e da urgência climática através da obra do alemão Karl Marx. Como Marx via essa crise que se desenha e o capitalismo?
Marx é frequentemente entendido como alguém que critica o capitalismo, principalmente a exploração da classe trabalhadora e a desigualdade do sistema. O problema é que frequentemente os socialistas que o estudam falam apenas sobre como podemos substituir o capitalismo por um sistema no qual essas novas tecnologias e as forças produtivas possam criar uma sociedade melhor, onde todos podem ser como capitalistas, sem exploração, mas com o mesmo padrão de consumo.
Eu acho problemática essa leitura de Marx. Quando passei a estudá-lo, prestei também atenção à ecologia. Problemas ecológicos no capitalismo são óbvios, segundo ele, dado que a tecnologia e qualquer inovação são criadas apenas para gerar mais lucro.
De acordo com Marx, humanos e natureza têm esse tipo de interação metabólica, mas o capitalismo é sempre maior e mais rápido. Por isso nós produzimos e vendemos mais, sem levar em consideração a sustentabilidade dos recursos naturais, fazendo com que essa interação tenha problemas, fazendo com que alguma discrepância apareça. Foi isso que Marx criticou: o perigo do capitalismo. Enquanto o capitalismo continuar, a expansão infinita da economia continuar, haverá sério problemas ecológicos.
O senhor cita o "decrescimento no sistema capitalista" como solução do problema. O que seria isso?
Hoje até os capitalistas estão cientes desse problema, dado que a mudança climática também os afeta. Então, agora, as pessoas falam sobre como descarbonizar a economia, mas também em como manter o capitalismo, porque capitalismo sem crescimento é um desastre.
Nosso atual sistema é baseado na suposição de que a economia crescerá no ano que vem. Então, o que eles fazem agora? Falam sobre investir mais em tecnologia verde, energia renovável, etc. Acreditam que é possível fazer a economia crescer, criar mais empregos investindo nessas novas fábricas, mas também descarbonizar ou reduzir a emissão de carbono ao mesmo tempo.
O problema é que, se tentarmos crescer mais, ainda temos que produzir mais veículos elétricos. E isso significa que também precisamos de mais energia renovável: mais painéis solares, mais turbinas eólicas, mais baterias e assim por diante. Isso também requer mais recursos e energia.
E por que isso é necessariamente ruim?
Precisamos de uma rápida descarbonização nos próximos 20 ou 30 anos. Temos um limite de tempo. Então, se produzirmos mais, isso não é bom. Talvez devêssemos reduzir algumas coisas desnecessárias.
Especialmente em países como na América Latina, haverá mais extração de minerais, como o lítio. O capitalismo verde trará mais exploração de recursos naturais, mais exploração forçada sob o nome de ESG.
É por isso que eu critico o "Green New Deal" americano. Ele é obviamente bom para os trabalhadores nos Estados Unidos, mas ruim para muitas pessoas neste planeta. Não é algo universalizável para que todos possam ser como os americanos. Isso é óbvio. Então eu acho que essa não é uma boa estratégia. Se você realmente se importa com a vida de todos, é necessário imaginar uma política melhor.
E como ficam os países mais pobres?
Não estou defendendo que deveríamos simplesmente permanecer no nível atual de desenvolvimento. Obviamente, os países pobres precisam de mais desenvolvimento. E também acredito que no Brasil há muitos lugares que precisam de mais infraestrutura, como estradas, eletricidade, água e esse tipo de coisa.
Mas mais produção e mais crescimento não resolvem o problema, porque pessoas ricas simplesmente pagarão mais e continuarão com seus iates, jatos, carros, gigantescos, casas e seu consumo excessivo.
Talvez o futuro seja uma sociedade mais igualitária com foco em sustentabilidade e democracia, nos concentrando mais em uma educação satisfatória, assistência médica, transporte público, ar limpo.
Ao final do livro, o senhor cita que 3,5% das pessoas podem fazer a diferença na atual crise. Pode explicar isso melhor?
Geralmente achamos que precisamos de mais de 50% das pessoas envolvidas para mudar algo, mas isso não é necessário. Há um estudo de uma professora de Harvard, chamada Erica Chenoweth, que demonstra que angariar 3,5% é o suficiente, caso elas estejam realmente envolvidas.
Em uma forma pacífica e não violenta, são 3,5% que se levantam para mudar algo. A sociedade mudou e mudará. Então, espero que o aprofundamento das mudanças climáticas, com o aprofundamento da crise do capitalismo, muitas pessoas vejam que nosso sistema atual é irracional, e que 3,5% delas se levantem e busquem alterar essa situação ao invés de simplesmente usarem sua ecobag ou reciclarem algumas garrafas pet.
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