quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Paisagem brasileira

 




Demolidora Planalto

O governo Bolsonaro mais parece uma empresa de demolição, que ou detona de um só golpe políticas estabelecidas, ou provoca a sua lenta erosão. O resultado é a degradação da gestão pública, dos conhecimentos e instrumentos nela acumulados em décadas.

Eis dois exemplos recentes do perverso empenho do presidente e de seu pessoal em desmanchar tudo o que estava em ordem quando puseram os pés em Brasília.

O programa Bolsa Família —elogiado no exterior— foi abatido pela medida provisória que criou o Auxílio Brasil, mal concebido, carente de foco, bem assim da clareza quanto à duração e às formas de articular um desconjuntado rol de nove benefícios acoplados ao arrimo básico das famílias. Tampouco se sabe ao certo como será financiado de forma duradoura. Em suma, extinguiu-se um programa com começo, meios e fins para pôr no lugar uma geringonça gestada por autoridades que desdenham o que nem sequer conhecem: a rica bagagem do país em matéria de iniciativas de combate à pobreza.


Como se fosse pouco, 33 técnicos acabam de se demitir de seus cargos no Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), responsável pelas diversas provas de aptidão realizadas no território, a começar do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). Ao sair, acusaram a direção do órgão de sangrá-lo. É de lembrar que a montagem, no Ministério da Educação, de um complexo sistema para avaliar os vários níveis de proficiência é outro aspecto da bem-sucedida política pública erguida aos poucos, graças à experiência acumulada nos governos do PSDB e do PT. Neste caso, o desmanche foi gradual, fruto amargo da liquidação de competências; do desprezo por critérios técnicos; e da perseguição a funcionários que os defendiam.

Nos dois casos, a destruição resulta da arrogante ignorância dos formuladores; da incompetência irremediável dos detentores de posições de mando; e da inescrupulosa promoção de interesses da curriola que cerca os ministros às ordens de um presidente que gosta do cargo mas não da responsabilidade de ter um projeto para o país.

No livro "As Políticas da Política", os pesquisadores Marta Arretche, Eduardo Marques e Carlos Aurélio Pimenta de Faria sustentam que os avanços importantes na proteção social sempre foram cumulativos. Os autores descrevem um processo em que camadas de legislação e de programas foram se sobrepondo umas às outras, graças tanto ao aprendizado quanto à emulação entre tucanos e petistas, que inovaram sem destruir o que se fizera antes.

O oposto, enfim, da ruína que Bolsonaro promove.

Até quando suportaremos?

Até quando vamos tolerar o saque de uma gangue instalada no coração da política brasileira que se apropria do que é ganho pelos brasileiros que mourejam para ter o pão de cada dia? Até quando vamos permanecer passivos diante dos crimes continuados que perpetram mesmo diante de uma sociedade vítima de uma cruel pandemia que ceifou a vida de 600 mil de cidadãos, parte dos quais poderia ter sobrevivido não fossem as ações criminosas da quadrilha que pretendeu tirar proveito da calamidade sanitária que ainda nos aflige em negócios escusos? Até quando será permitida a eles comprometer nosso futuro com a depredação da nossa natureza e dos recursos nossos humanos privando as novas gerações de uma formação que lhes permita o acesso a uma vida ativa e produtiva?

Quem são os nossos algozes e de onde extraem o poder com que nos assolam? Não fomos objeto de uma conquista militar por parte de um país inimigo que nos imponha pela força a vassalagem como a antiga Roma reinava em seu vasto império. Ao contrário, estamos submetidos a naturais da terra com nomes e sobrenomes conhecidos, não poucos de longa data, herdeiros da nossa história comum de contubérnio entre o latifúndio e a escravidão. Essa marca de registro do nosso DNA, tantas vezes diagnosticada e não poucas combatidas pelos que tentam extirpa-la sem êxito, persiste como mácula em nossa formação, resistente ao que foi a obra da Abolição, que deixou ao desamparo a população liberta com sua opção preferencial pela emigração massiva dos pobres europeus, e na forma de república sem povo que se criou aqui com o protagonismo dos militares e dos proprietários de terras paulistas.

Tal herança maldita, longe de perder influência com os sucessivos surtos da modernização do país, foi preservada em suas linhas principais, exemplar o processo de industrialização conduzido por uma política de Estado que sintomaticamente se aliou às elites agrárias. No caso, nada de melhor expressa essa aliança do que a legislação trabalhista do governo Vargas nos anos 1930 do que a exclusão dos trabalhadores da terra dos direitos concedidos aos urbanos. Classicamente, configuraríamos o tipo de modernização conservadora, confirmado nas décadas seguintes, com os resultados nefastos que hoje se estampam aos olhos de todos como na abissal desigualdade social reinante entre nós, raiz dos processos pelos quais as elites proprietárias se apropriam do poder político e fazem uso dele para preservar seus privilégios.


Raymundo Faoro, em ensaio magistral sobre a modernização nacional procura demonstrar seus elos de ligação com as reformas modernizadoras introduzidas pelo marquês de Pombal em Portugal de fins do século XVIII, que se aproveitou de recursos do despotismo político para introduzi-las ao tempo em que conservavam os setores privilegiados como a nobreza e o clero. Sem bases novas de sustentação, suas mudanças não resistiram à duração de um reinado e tiveram frustrados seus objetivos. Tal modelagem pombalina, conclui Faoro, nunca abalada ter-se-ia conformado na plataforma de todas as modernizações brasileiras, cujas mudanças sempre resultaram no resultado de ainda mais reforçar o domínio das forças conservadoras.

Quase ironicamente, o argumento de Faoro sugere que, por volta dos anos 1870, a tal revoada das ideias novas de que fala a bibliografia no seu culto à ciência importado pelo positivismo mal ocultaria o retorno do espírito pombalino de cientificismo. O lugar de assentamento dessas novas ideias seria a das academias militares, o da Escola Politécnica e das faculdades de medicina. O positivista Comte teria recuperado Pombal. A emergência das novas elites intelectuais forjadas nessas instituições teria dado origem ao pathos de um desenvolvimento e de uma industrialização induzida pelas luzes da ciência mediante ações orquestradas por elas.

Nesse novo cenário, sob a república os militares são investidos de papel de protagonismo e com advento do Estado Novo, em 1937, se tornam hegemônicos na condução da política brasileira e, a partir daí, atores privilegiados na condução da industrialização acelerada do país, presentes na construção de Volta Redonda, na Petrobras, assim como na imensa malha das empresas estatais. O script, longamente ensaiado cumpriria seu enredo: a modernização brasileira teria um andamento conservador sob a tutela militar.

O desafio a esse andamento, no começo dos anos 1960, centrado em um programa de reformas sociais, entre as quais a agrária, proposto pelo governo João Goulart, com ampla base popular, encontrará seu desenlace no golpe de 1964, quando os militares se auto-investirão dos papeis de condutores da modernização pelo alto, com atenção especial à questão agrária, tal como se evidenciou na implantação do agronegócio.

Essa história de frustrações e de desencantos das modernizações autoritárias podem, até elas, conhecer o sortilégio da astúcia na história, pois os processos que desatam contêm em si a possibilidade de trazer o moderno como antídoto a elas, tal como ocorreu nos idos dos anos 1980 quando foram derrotadas por uma coalizão ampla de forças democráticas escorada por massivas manifestações populares. Lá como agora onde se generaliza a percepção de que o país está sem rumo e dirigido por caminhos equívocos que somente trazem o aprofundamento da miséria social reinante, por toda parte, inclusive em setores das elites, soam os sinais de que isso que aí está deve ser interrompido como solução de salvação nacional.

A derrota da fascitização da sociedade, a essa altura consumada, culminou, como último recurso para esse governo de militares nostálgicos da ditadura do AI-5 se manterem no poder, a cínica aliança aos políticos avulsos do Centrão sempre aplicados em suas pretensões de roer até os ossos o patrimônio comum. Tal mudança de rota se afasta radicalmente das tradições modernizadoras brasileiras, inclusive daquelas que se originaram nos meios das corporações militares. O lixo do atraso está pronto para ser varrido.

Morre no Brasil o programa mais bem-sucedido de ajuda aos pobres

Não é sobre esquerda e direita, Lula, Bolsonaro e o candidato da terceira via, mas sobre o programa mais bem-sucedido de transferência de renda para os brasileiros mais pobres, elogiado em todo o mundo e copiado por vários países, como o México.

Uma vez que Bolsonaro, ameaçado de não se reeleger, afinal descobriu os pobres, a questão parece pacificada pelo menos até o fim do próximo ano. A pandemia aumentou a concentração de renda. Os pobres ficaram mais pobres, e os ricos mais ricos.

É com pesar que em uma hora dessas, e sem algo melhor para pôr no lugar, comunique-se que o Bolsa Família acabou ontem, dia 7 de novembro do ano sem graça de 2021; sem graça porque foi um ano de vidas perdidas que poderiam ter sido salvas.

O governo ainda avalia o que fazer. Pode prorrogar o pagamento do Auxílio Emergencial de 300 reais aos beneficiados pelo Bolsa Família. Ou pode dar uma sobrevida ao Bolsa Família editando nova medida provisória. Alguma coisa será feita.

Na semana passada, o problema parecia resolvido com a aprovação em primeiro turno na Câmara da Proposta de Emenda Constitucional dos Precatórios. Ela abre espaço fiscal de 91,6 bilhões, o bastante para pagar 400 reais a 17 milhões de famílias.

Seria dinheiro aplicado na veia dos brasileiros mais pobres, dos quais Bolsonaro depende para se reeleger. Mas a proposta será votada na Câmara pela segunda vez e periga ser sepultada. Se não for, poderá ser no Senado, mas não antes do fim deste mês.

Como atravessar de mãos vazias o intervalo entre a morte do Bolsa Família e o nascimento de um novo programa previsto para durar somente até dezembro do ano que vem? Os pobres estão comendo ossos; a inflação, os juros e o dólar estão em alta. E então?

No meio da pandemia, Bolsonaro disse que não era coveiro. A um ano da próxima eleição, não teria coragem de repetir a frase. Seja ele ou qualquer outro eleito, o presidente que governará o país a partir de 2023 receberá uma herança maldita para administrar.

Segundo projeções feitas para o fim de 2022 por economistas ouvidos pela Folha de S. Paulo, praticamente todos os grandes indicadores macroeconômicos estarão em níveis piores do que estavam quando Michel Temer (MDB) concluiu seu governo.

Será um cenário de juros, inflação, desemprego e endividamento mais elevado, e de nível de atividade, investimentos estrangeiros e câmbio mais fraco.

Ricardo Noblat 

Brasil mofado

 


O tumor Bolsonaro

"Tenho 10% de mim dentro do STF", disse Jair Bolsonaro, referindo-se sem nenhum pejo a Kassio Nunes Marques, seu indicado ao Supremo Tribunal Federal, em 2020, na vaga de Celso de Mello, aposentado por idade. O abismo entre Celso de Mello e seu substituto já sugeria o quanto pioramos como país, mas a prática é ainda mais deprimente. Kassio Nunes Marques escuta uma frase dessas, que o humilha diante da nação e de seus supostos pares, e não se ofende. Apenas murcha as orelhas.

"Não é que eu mande no voto do Kassio", continuou Bolsonaro. Mas quem disse que ele manda no voto do Kassio? E precisa? Kassio Nunes Marques foi escalado justamente por sua natural presciência do que convém a Bolsonaro em qualquer votação. Ao afirmar que tem 10% de si no STF —seu preposto é um dos dez titulares atualmente no cargo—, Bolsonaro está dizendo que, por baixo daquela toga, não importa a miragem que ela projete, encontra-se ele próprio, Bolsonaro.


E não se furta a descrever o que Nunes Marques faz para favorecê-lo. Sabendo-se voto perdedor numa questão do interesse de seu amo, o ministro usa o recurso de "pedir vista" do processo —um tempo para lê-lo e se inteirar melhor, durante o qual o caso fica parado. Faz parte. Mas quando Kassio Bolsonaro, digo Nunes Marques, pede vista é para "empatar o jogo", exclamou um eufórico Bolsonaro. Empatar no sentido de "dificultar, atrapalhar, embaraçar, impedir, prejudicar, tolher", segundo o "Houaiss".

Por mais terrível que pareça, é um alívio saber que, por enquanto, só haja 10% de Bolsonaro no STF. Já é suficiente para comprometer a higidez e a higiene do ambiente, mas ainda não se compara à infestação maciça de si mesmo que ele está impondo à PGR, ao STJ, à CGU e à Polícia Federal.

Os órgãos de controle legal são o sistema imunológico do Estado. É este que, para não ser expelido como um tumor, Bolsonaro precisa destruir. Está conseguindo.

Pior do que enfrentar cupins é eles nos lembrarem do Brasil atual

Um dia aparece um pozinho perto dos móveis, a gente mal presta atenção, varre e esquece. Ou o robô aspirador passa fazendo o seu trabalho e a gente nem nota. Ou os gatos correm por cima e espalham, ou bate o vento, ou... Não há ou. O pozinho continua lá, insidioso, e a gente o ignora deliberadamente, numa espécie de autodefesa idiota, mais ou menos como as avestruzes, que enterram a cabeça na areia para fugir do perigo.

Abre parênteses: não é verdade, as avestruzes não fazem isso.

A fake news surgiu ainda no tempo do Império Romano, e provavelmente vai circular entre nós até o fim dos tempos, porque a imagem de alguém que enterra a cabeça na areia para fugir do perigo é boa demais para que se possa abrir mão dela.

Como qualquer criatura sensata, a avestruz corre ao menor sinal de perigo.

Ela enfia a cabeça em buracos na areia para ajeitar os seus ovos, e mostra-se relutante em abandoná-los. Visto de longe, esse comportamento foi mal interpretado pelos primeiros viajantes, e agora nunca mais a ave vai se livrar da má fama.

Fecha parênteses.

Eu entendo as avestruzes da lenda. Eu não subo na balança, eu fujo dos médicos, eu passo dias sem abrir o Twitter. Eu ignorei enquanto pude o pozinho sinistro sinalizando desgraça perto dos móveis, mas chega um momento em que até avestruzes metafóricas têm que tomar providências.


No ano passado, consegui me mudar com os gatos para um apartamento que estava vazio no prédio, onde passei uma semana enquanto a minha casa era desmontada e revirada pelo avesso. Achei que a minha relação com os cupins estava definitivamente encerrada; mas não.

Mais uma vez pedi socorro aos amigos na internet, e mais uma vez recebi apoio moral, solidariedade e incontáveis sugestões, de injetar querosene na madeira a contratar biólogos especializados, que trabalham com iscas e com paciência até chegar à rainha do cupinzeiro.

Passei dias pesquisando e dando telefonemas, exatamente como fiz no ano passado; e, como no ano passado, concluí que não há descupinização inofensiva para gatos quando se trata de cupim de madeira seca.

No fim, acabei ligando para a empresa que fez a descupinização no ano passado, e que eu já havia escolhido depois de muita angústia, muita pesquisa e muito debate na rede. Milagres não acontecem, a tecnologia não evolui tanto tão rapidamente.

Se tudo deu certo, ontem gatos e eu nos refugiamos na parte da frente da casa, transformada em acampamento provisório pelos próximos dias.

Fico exausta e deprimida quando imagino que, no ano que vem, eu talvez tenha que passar por tudo isso novamente: olhar o pozinho sem enxergar, esperar para ver se desaparece sozinho, correr para a internet e, enfim, ser adulta e encarar a realidade.

Mas pior do que enfrentar os cupins é perceber como eles são a imagem perfeita do que acontece no país. Há montanhas de pó de cupim vazando por todos os lados em maracutaias e rachadinhas e continuamos desconversando e fazendo de conta que é assim mesmo.

Um dia a estrutura toda vai vir abaixo e vamos nos perguntar como foi que isso aconteceu; ou vamos eleger mais um exterminador de araque.

Às favas os escrúpulos liberais

Quando assumiu o papel de czar da economia do governo Bolsonaro, Paulo Guedes tripudiou sobre todos seus antecessores desde a redemocratização. Segundo ele, o país teria experimentado mais de 30 anos de governos social-democratas, responsáveis, no seu entendimento, pelo baixo crescimento econômico. Sem deixar pedra sobre pedra, e desconhecendo qualquer contribuição dos governos anteriores, prometeu a recriação do Brasil por meio de um choque ultraliberal.

A ideia de começar do zero seduziu o mercado, assim como os encantadores de serpentes convencem os loucos para serem iludidos. De fato, prometeu um verdadeiro milagre: uma revolução ultraliberal capitaneada por um presidente de trajetória populista, travestido de cristão novo do liberalismo. Bom de conversa, Guedes vendeu sua mercadoria como sendo o produto do casamento entre o liberalismo representado por sua pessoa e o conservadorismo de Jair Bolsonaro. Já havia aqui pelo menos um embuste. Bolsonaro não é conservador, é um reacionário, de índole autoritária.

Em três anos de governo, o ministro da Economia, a quem o presidente dizia ser o seu Posto Ipiranga, entregou quase nada do que prometeu, confirmando aquilo que Pérsio Arida dizia sobre ele: Guedes seria um homem de mercado, sem a menor experiência como gestor público, ainda mais diante de uma economia complexa como a do Brasil. Nesses três anos de seu mandarinato, as reformas estruturantes não foram adiante e o crescimento do PIB continuou na mesma média medíocre que persegue o Brasil desde os anos 80.



Isso não é produto do acaso. É fruto da instabilidade política criada pelo governo que afugenta investidores, incide negativamente sobre o câmbio e retroalimenta a inflação. Mas também da condução econômica dada pelo governo, que entregou ao Congresso uma reforma tributária mambembe e jogou para as calendas a reforma administrativa.

Os desacertos cometidos pela política econômica de Guedes são o pano de fundo do pífio desempenho da economia brasileira. Não à toa que péssimas notícias, índices e projeções se sucedem a cada dia.

Em lugar do prometido crescimento, o Brasil terá que se resignar com estagnação. Mais grave: empresários e membros do governo vislumbram um 2022 nada animador, o pior dos últimos anos. Com isso, o estado de ânimo dos investidores oscila entre a perplexidade e o desânimo.

Não foram poucas as vozes que alertaram sobre os riscos de Bolsonaro dar um cavalo de pau na economia, sobretudo no caso de sua popularidade se deteriorar a ponto de comprometer a reeleição. Ingenuamente, o mercado acreditava que o ministro da Economia seria o dique de contenção da reconversão populista de Bolsonaro. Mas isso era pedra cantada desde que o Centrão instalou-se no coração do governo, passando a ser o principal polo do condomínio governista.

Entre a coerência com sua pregação ultraliberal e a atração irresistível do poder, o ministro da Economia começou a mudar de conversa, para continuar no cargo e, quem sabe, por mais quatro anos. Começou dizendo que, mesmo com uma inflação de 8%, o Brasil continuaria no jogo. Ela chegou a 10% e agora Guedes lava as mãos, diz que isso não é com ele, é com o Banco Central. Em seguida extrapolou suas crenças dizendo que era preciso o Brasil gastar um pouco mais.

De heresia em heresia Guedes mandou às favas seu credo liberal por meio da PEC dos Precatórios, aprovada ontem na Câmara dos Deputados, em 2º tuno. A artimanha, feita para Bolsonaro ter um programa social para chamar de seu e assim voltar a ser competitivo eleitoralmente, é uma agressão aos bons fundamentos econômicos que, a duras penas, o Brasil construiu ao longo dos últimos 30 anos.

Pior, rompe contratos estabelecidos, viola o preceito constitucional do Teto dos Gastos, estabelece a insegurança jurídica.

Uma política econômica para obter sucesso requer três condições: previsibilidade, credibilidade e transparência de seus fundamentos. Sem isso não se gera um ambiente favorável aos investimentos tão necessários para o crescimento sustentado. É isso que está sendo jogado na lata do lixo por interesses eleitorais subalternos aos quais o ministro da Economia aderiu sem pestanejar.

Espertezas como o orçamento secreto minam a credibilidade e consolidam a percepção de que o governo não tem qualquer compromisso com os fundamentos da política econômica, como superávit primário e responsabilidade fiscal.

A nau da economia está à deriva, sem rumo e sem timoneiro, ou seja, sem um ministro forte o suficiente para domar a sanha intervencionista e populista do presidente e do Centrão.

Para quem propunha uma revolução liberal, Paulo Guedes deu uma de Jarbas Passarinho, mandando às favas seus escrúpulos.