domingo, 11 de setembro de 2016
Golpe é inflação e desemprego
Em comentário na CBN desta semana, o assunto que me deram foram as manifestações de rua e protestos, alguns violentos contra o impeachment, Temer, Eduardo Cunha, "et caterva". Não tinha opinião a dar, nem negar nem aprovar.
Contudo, lembrei-me de um programa radiofônico bastante antigo, que era o de maior audiência naquele tempo. Seu produtor e apresentador era o radialista, hoje completamente esquecido, chamado Julio Louzada, que chegou a ser personagem de um jingle do Miguel Gustavo, que dizia: "a mulher do meu melhor amigo me manda bilhete todo dia, desde que me viu, ficou apaixonada, me aconselha seu Julio Louzada".
Genericamente, era o tom dos conselhos pedidos. A resposta que o Julio Louzada dava era simples e direta: "vão tomar vergonha na cara!" De uma forma ou outra isso devia resolver o impasse. Na atual situação que atravessamos, não temos um Julio Louzada para dar uma orientação tão eficaz e necessária.
Não se trata de briga de marido e mulher, mas de um conflito que dividiu a nação em adversários que se esculhambam reciprocamente, apelando para as soluções mais radicais e imbecis.
Infelizmente não temos um Julio Louzada que dê o conselho definitivo e redentor: "vão tomar vergonha na cara". Isso serve para todos os personagens envolvidos na atual crise política, jurídica e econômica. Enquanto isso, os problemas nacionais e pessoais crescem a cada dia. Não interessa se Dilma cometeu crimes de responsabilidade ou se Temer e Cunha são golpistas.
O trágico nisso tudo é que temos milhões de desempregados, inflação em alta, descrédito internacional, falências, até mesmo um filme que conta a historia do roubo da Taça Jules Rimet —drama que, até hoje, como o caso dos ossos de Dana de Teffé, não foi esclarecido. A solução é tomarmos vergonha na cara.
Contudo, lembrei-me de um programa radiofônico bastante antigo, que era o de maior audiência naquele tempo. Seu produtor e apresentador era o radialista, hoje completamente esquecido, chamado Julio Louzada, que chegou a ser personagem de um jingle do Miguel Gustavo, que dizia: "a mulher do meu melhor amigo me manda bilhete todo dia, desde que me viu, ficou apaixonada, me aconselha seu Julio Louzada".
Não se trata de briga de marido e mulher, mas de um conflito que dividiu a nação em adversários que se esculhambam reciprocamente, apelando para as soluções mais radicais e imbecis.
Infelizmente não temos um Julio Louzada que dê o conselho definitivo e redentor: "vão tomar vergonha na cara". Isso serve para todos os personagens envolvidos na atual crise política, jurídica e econômica. Enquanto isso, os problemas nacionais e pessoais crescem a cada dia. Não interessa se Dilma cometeu crimes de responsabilidade ou se Temer e Cunha são golpistas.
O trágico nisso tudo é que temos milhões de desempregados, inflação em alta, descrédito internacional, falências, até mesmo um filme que conta a historia do roubo da Taça Jules Rimet —drama que, até hoje, como o caso dos ossos de Dana de Teffé, não foi esclarecido. A solução é tomarmos vergonha na cara.
Sandálias de pescador
Em sua primeira semana como titular, o presidente Michel Temer venceu em diversas frentes: no plano externo, na Suprema Corte e no Senado. Mas continua encalacrado com a rejeição que inspira. E para enfrentá-la sua equipe comete o mesmo erro fatal da deposta ex: abusa da soberba.
Erra, especialmente, ao desprezar as ruas.
Ao diminuir o tamanho e a importância das manifestações, Temer sinalizou com o desrespeito ao contraditório, premissa básica da democracia, tão surrada nos últimos 13 anos.
Os movimentos contra Temer estão aí, vivos. Melhor do que minimizá-los ou rechaçá-los, seria buscar entendê-los.
Não basta achar que tudo se resolverá com a melhora da economia, até porque os nós da crise são dificílimos de desatar. Vai melhorar, mas vai ser lento, vai demorar.
E quem clama por Fora Tudo só tem nas mãos a moeda da impaciência.
Antes mesmo do impeachment, as pesquisas de opinião já demonstravam a insatisfação geral: ao majoritário Fora Dilma juntavam-se os Fora Cunha, Fora Corruptos e tantos outros. Agora, somam-se outros desiludidos, e os atiçados pela descarada defesa que o PT passou a fazer por diretas-já, algo que o partido repudiara formalmente dias antes da cassação da ex.
Diretas-já é um apelo charmoso. Fez a união em 1984. Na época, a luta era contra a ditadura militar que impedia o voto para presidente havia duas décadas. Hoje, o slogan é uma mentira: o país vive em plenitude constitucional e realiza eleições diretas desde 1989.
Eleições-já. Que eleições? Para presidente? Para governadores? Deputados? Senadores? A partir de que regras? Com qual Constituição? Perguntas que, por óbvio, os neodiretistas não pretendem responder.
Pouco importa. Para o PT, diretas-já é a salvação. Substitui o esfarrapado discurso de golpe, que só alimentava a sua própria torcida, por um futuro, um sonho. Sabem que é balela - Rui Falcão, presidente da legenda, disse com todas as letras que a antecipação das eleições é inviável. Mas e daí? É conveniente, e pronto.
Nada como a conveniência.
Depois de ser impedido de comprar votos pelo esquema do mensalão, o PT rendeu-se ao PMDB, partido que desde sempre esteve atrelado ao governo e de lá nunca teve nem tem qualquer intenção de sair.
Quando o então presidente Lula imaginou Dilma para sucedê-lo, a empreitada seria absolutamente impossível não fosse o apoio determinado e unânime – algo nada fácil de dentro da federação peemedebista – do partido de José Sarney, Renan Calheiros, Eduardo Cunha e tantos outros. Precisava-se desesperadamente do partido presidido por Michel Temer. Melhor: poderiam ter o próprio Michel Temer.
Temer foi um achado raro. Tão bom quanto o pefelista Marco Maciel, que por duas vezes compôs chapa com o tucano Fernando Henrique Cardoso, ou José de Alencar, que avalizou Lula junto a parte do empresariado.
Elogiada por Lula, Dilma e pelo PT, a chapa Dilma-Temer venceu em 2010 e 2014. Agora, Temer é taxado de ilegítimo pelos mesmos que se derretiam em loas.
Nesta primeira semana, Temer foi bem recebido na China, obteve aprovação de países da Europa, dos Estados Unidos, viu o STF derrubar a liminar de anulação do impeachment pretendida pela defesa de Dilma. Mais: conseguiu aprovar no Senado duas Medidas Provisórias essenciais – a que reduziu o número de Ministérios de 32 para 26 e a que cria o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI).
Tem batalhas duríssimas pela frente. Seria melhor ele e sua equipe substituírem por sandálias o salto que por anos esteve em voga no Planalto.
Erra, especialmente, ao desprezar as ruas.
Ao diminuir o tamanho e a importância das manifestações, Temer sinalizou com o desrespeito ao contraditório, premissa básica da democracia, tão surrada nos últimos 13 anos.
Os movimentos contra Temer estão aí, vivos. Melhor do que minimizá-los ou rechaçá-los, seria buscar entendê-los.
Não basta achar que tudo se resolverá com a melhora da economia, até porque os nós da crise são dificílimos de desatar. Vai melhorar, mas vai ser lento, vai demorar.
E quem clama por Fora Tudo só tem nas mãos a moeda da impaciência.
Antes mesmo do impeachment, as pesquisas de opinião já demonstravam a insatisfação geral: ao majoritário Fora Dilma juntavam-se os Fora Cunha, Fora Corruptos e tantos outros. Agora, somam-se outros desiludidos, e os atiçados pela descarada defesa que o PT passou a fazer por diretas-já, algo que o partido repudiara formalmente dias antes da cassação da ex.
Diretas-já é um apelo charmoso. Fez a união em 1984. Na época, a luta era contra a ditadura militar que impedia o voto para presidente havia duas décadas. Hoje, o slogan é uma mentira: o país vive em plenitude constitucional e realiza eleições diretas desde 1989.
Eleições-já. Que eleições? Para presidente? Para governadores? Deputados? Senadores? A partir de que regras? Com qual Constituição? Perguntas que, por óbvio, os neodiretistas não pretendem responder.
Pouco importa. Para o PT, diretas-já é a salvação. Substitui o esfarrapado discurso de golpe, que só alimentava a sua própria torcida, por um futuro, um sonho. Sabem que é balela - Rui Falcão, presidente da legenda, disse com todas as letras que a antecipação das eleições é inviável. Mas e daí? É conveniente, e pronto.
Nada como a conveniência.
Depois de ser impedido de comprar votos pelo esquema do mensalão, o PT rendeu-se ao PMDB, partido que desde sempre esteve atrelado ao governo e de lá nunca teve nem tem qualquer intenção de sair.
Quando o então presidente Lula imaginou Dilma para sucedê-lo, a empreitada seria absolutamente impossível não fosse o apoio determinado e unânime – algo nada fácil de dentro da federação peemedebista – do partido de José Sarney, Renan Calheiros, Eduardo Cunha e tantos outros. Precisava-se desesperadamente do partido presidido por Michel Temer. Melhor: poderiam ter o próprio Michel Temer.
Temer foi um achado raro. Tão bom quanto o pefelista Marco Maciel, que por duas vezes compôs chapa com o tucano Fernando Henrique Cardoso, ou José de Alencar, que avalizou Lula junto a parte do empresariado.
Elogiada por Lula, Dilma e pelo PT, a chapa Dilma-Temer venceu em 2010 e 2014. Agora, Temer é taxado de ilegítimo pelos mesmos que se derretiam em loas.
Nesta primeira semana, Temer foi bem recebido na China, obteve aprovação de países da Europa, dos Estados Unidos, viu o STF derrubar a liminar de anulação do impeachment pretendida pela defesa de Dilma. Mais: conseguiu aprovar no Senado duas Medidas Provisórias essenciais – a que reduziu o número de Ministérios de 32 para 26 e a que cria o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI).
Tem batalhas duríssimas pela frente. Seria melhor ele e sua equipe substituírem por sandálias o salto que por anos esteve em voga no Planalto.
Se Nego falasse...
Se os bichos falassem, Nego teria perdido o sossego no dia da partida de Dilma Rousseff. Para deixar em Brasília o simpático cachorro que ganhou de José Dirceu em 2005, a ex-presidente alegou que um veterinário desaconselhara a viagem aérea entre a capital federal e Porto Alegre de um labrador com 14 anos de vida e saúde frágil. Abandonado pela segunda vez, o simpático Nego se transformaria imediatamente não num tristonho cão sem dono, mas na mais assediada testemunha ocular da história recente do Brasil.
Ele chegou ao coração do poder com a vitória do PT em 2002 e ali permaneceu por mais de 13 anos. Espectador privilegiado do que fizeram (longe dos olhos do povo) dois chefes da Casa Civil e de uma presidente da República, viu e ouviu coisas de que até Deus duvida. Caso abrisse o baú de segredos, e acolhesse todas as solicitações, provavelmente morreria sem ter completado a maratona de compromissos assumidos com historiadores, jornalistas, policiais, procuradores, juízes, apresentadores de programas de rádio e TV e investigadores alojados na República de Curitiba. Fora o resto.
Se contasse tudo o que sabe sobre a dupla que conheceu intimamente, Nego acrescentaria um punhado de anos à temporada na cadeia imposta a Dirceu e forçaria Dilma a desfazer a pose de mulher honrada. As revelações também engrossariam o prontuário do bando de pecadores que agiram em parceria com os donos de Nego, mas pela primeira vez todos poderiam contestar as verdades reveladas com um argumento respeitável: bastam alguns dias de convívio ininterrupto com uma dupla dessas para que qualquer ser se transforme em mentiroso compulsivo. Até um cachorro.
Neste sábado, cresceram os rumores de que Nego foi sacrificado. Na versão oficial, as injeções letais pouparam de sofrimentos um labrador idoso e doente. Os que já não se surpreendem com nada desconfiam que algum integrante do bando de incapazes capazes de tudo pode ter sido assaltado pela dúvida: e se o bicho desandasse repentinamente a falar? Justificadamente inquieto, acabou de inaugurar a queima de arquivos caninos.
O ajuste moral
A palavra de ordem no Brasil de hoje, mais que ajuste fiscal, é “ajuste moral”. Por isso o novo slogan nas redes sociais é #ForaLadrao, apartidário e impessoal. Ele abarca a todos. Não só aos ladrões de bilhões de reais ou dólares, mas aos vândalos de sonhos, ideais e convicções. Ladrões da inclusão social, das estatais, dos direitos a um voto limpo, ladrões da paz, da educação e da saúde. Os presidentes – a destituída e o entronado –, os governadores, os prefeitos, os senadores, os deputados, os vereadores, todos têm uma dívida moral gigantesca com o país. Algumas medidas são urgentes para começar a saldar essa dívida.
O veto ao aumento indecente para o Judiciário num momento de crise econômica profunda, em que a comida desaparece da mesa do povo e o emprego some do cotidiano. A nova presidente do STF, a mineira Cármen Lúcia, que assume na segunda-feira, é uma esperança de austeridade, com sua dedicação quase monástica à vida pública. “Não gosto muito de festas. Eu gosto é de processo”, disse a ministra do Supremo, que já se expressou contra altos gastos no Poder Judiciário.
O cerco implacável às doações ilegais nas próximas eleições municipais. Continua a festa das fraudes e dos laranjas, mas o Tribunal de Contas da União e o Tribunal Superior Eleitoral estão de olho. O TSE identificou mais de 21 mil pobres que transferiram ao todo R$ 168 milhões a campanhas municipais. O TCU detectou irregularidades em mais de um terço de 114 mil doações a candidatos a prefeito e vereador. Até morto aparece como doador. Beneficiário de Bolsa Família também. Chega de propina.
O desmascaramento dos desvios bilionários de quatro dos principais fundos de pensão do país, que atingem 1,3 milhão de trabalhadores. Rombo de mais de R$ 50 bilhões, provocado por investimentos fraudulentos, superfaturamento de contratos. Envolvendo energia, petróleo e infraestrutura. Maiores lesados são funcionários da ativa e aposentados das estatais. A operação foi batizada pela Polícia Federal com base numa modalidade de investimento. Nome chique: Greenfield. E nem Dilma Rousseff nem Michel Temer sabiam de nada. Que se abram agora as caixas-pretas do BNDES. #ForaLadrao.
A redução do patético número de partidos políticos. São 35 – e deles, 27 com representação na Câmara. Muito mais que um fatiamento de siglas, é um esquartejamento do sistema partidário, que dificulta a formação de uma consciência política. Não há coerência a princípios ou a programas. Essa pulverização desmobiliza o eleitor. Cada vez menos se vota por partido no Brasil. O PT destruiu a força da sigla com sua avalanche de erros éticos e de gestão. Os políticos trocam de filiação partidária como quem troca a gravata ou o corte de cabelo. As maiores manifestações de rua, a favor ou contra, nada têm a ver com um partido específico. Acordem para sua falta de sintonia e seu isolamento. E #ForaLadrao.
O despertar para o maior desafio e única esperança das futuras gerações: a educação universal e de qualidade, em horário integral.O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) mostrou que, em dez anos, a nota do ensino médio avançou em 0,3 ponto. Ou seja, próximo de nada. O Brasil continua a avançar nos primeiros anos do ensino fundamental. Mas o que proporcionamos a nossos adolescentes? Por ano, 700 mil alunos abandonam o ensino médio. Estamos condenando mentes jovens à mediocridade ou a coisa pior.
Um choque na gestão de Saúde e no calamitoso índice de saneamento básico. Basta de ver famílias sofrendo em filas de hospitais, morrendo por falta de remédio, de médico ou de internação. Saneamento é um tema que não rende leitura. Fede demais. Mas é preciso se indignar: metade da população brasileira ainda não tem esgoto coletado em suas casas. Nesse item que compromete a qualidade de vida e a saúde, o Brasil está em 11o lugar na América Latina. Medalha de incompetência e negligência.
Em um mês que tanto se falou de superação e inclusão pelo esporte, em que nos emocionamos com tantos atletas que transformaram adversidades financeiras e físicas em histórias de sucesso, ouro, prata e bronze, os políticos brasileiros precisam compreender que merecem todas as vaias do mundo. Até prova em contrário, são culpados.
A cassação do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. É uma ironia que possa ser cassado apenas por “quebra de decoro”, mas é assim que a banda toca. Acusado de mentir à CPI da Petrobras ao negar conta na Suíça em seu nome, Cunha esperneia há dez longos meses. Precisa ser punido exemplarmente, em nome da moralidade. Que Cunha não seja apenas suspenso, como quer. O Brasil deseja que ele perca seu mandato e se torne inelegível.
Igor Morski |
O cerco implacável às doações ilegais nas próximas eleições municipais. Continua a festa das fraudes e dos laranjas, mas o Tribunal de Contas da União e o Tribunal Superior Eleitoral estão de olho. O TSE identificou mais de 21 mil pobres que transferiram ao todo R$ 168 milhões a campanhas municipais. O TCU detectou irregularidades em mais de um terço de 114 mil doações a candidatos a prefeito e vereador. Até morto aparece como doador. Beneficiário de Bolsa Família também. Chega de propina.
O desmascaramento dos desvios bilionários de quatro dos principais fundos de pensão do país, que atingem 1,3 milhão de trabalhadores. Rombo de mais de R$ 50 bilhões, provocado por investimentos fraudulentos, superfaturamento de contratos. Envolvendo energia, petróleo e infraestrutura. Maiores lesados são funcionários da ativa e aposentados das estatais. A operação foi batizada pela Polícia Federal com base numa modalidade de investimento. Nome chique: Greenfield. E nem Dilma Rousseff nem Michel Temer sabiam de nada. Que se abram agora as caixas-pretas do BNDES. #ForaLadrao.
A redução do patético número de partidos políticos. São 35 – e deles, 27 com representação na Câmara. Muito mais que um fatiamento de siglas, é um esquartejamento do sistema partidário, que dificulta a formação de uma consciência política. Não há coerência a princípios ou a programas. Essa pulverização desmobiliza o eleitor. Cada vez menos se vota por partido no Brasil. O PT destruiu a força da sigla com sua avalanche de erros éticos e de gestão. Os políticos trocam de filiação partidária como quem troca a gravata ou o corte de cabelo. As maiores manifestações de rua, a favor ou contra, nada têm a ver com um partido específico. Acordem para sua falta de sintonia e seu isolamento. E #ForaLadrao.
O despertar para o maior desafio e única esperança das futuras gerações: a educação universal e de qualidade, em horário integral.O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) mostrou que, em dez anos, a nota do ensino médio avançou em 0,3 ponto. Ou seja, próximo de nada. O Brasil continua a avançar nos primeiros anos do ensino fundamental. Mas o que proporcionamos a nossos adolescentes? Por ano, 700 mil alunos abandonam o ensino médio. Estamos condenando mentes jovens à mediocridade ou a coisa pior.
Um choque na gestão de Saúde e no calamitoso índice de saneamento básico. Basta de ver famílias sofrendo em filas de hospitais, morrendo por falta de remédio, de médico ou de internação. Saneamento é um tema que não rende leitura. Fede demais. Mas é preciso se indignar: metade da população brasileira ainda não tem esgoto coletado em suas casas. Nesse item que compromete a qualidade de vida e a saúde, o Brasil está em 11o lugar na América Latina. Medalha de incompetência e negligência.
Em um mês que tanto se falou de superação e inclusão pelo esporte, em que nos emocionamos com tantos atletas que transformaram adversidades financeiras e físicas em histórias de sucesso, ouro, prata e bronze, os políticos brasileiros precisam compreender que merecem todas as vaias do mundo. Até prova em contrário, são culpados.
Eu sei tudo
Ricardo Martinez |
Demos sorte, até aqui. Impressionante. É óbvio que há grandes chances de o governo Temer se perder pelo caminho. Grandes chances de desagradar a todos, tentando conciliar o inconciliável. Grandes chances de, como todos os outros, se acomodar diante da necessidade cada dia mais premente de reformas inadiáveis na estrutura do elefante governamental. Tudo isso eu sei. Leitores bem intencionados me alertam: é preciso lembrar quem é e de onde surgiu o presidente. Também sei disso. Talvez o único motivo dessa sensação de esperança no ar seja o fato deste governo desagradar tanto as “esquerdas da forma geral”. Este é o ponto, meus caros.
O que há por trás do “Fora Temer”? É evidente que, até o momento, o presidente não fez nada que justificasse tal movimento. O que querem os “esquerdas” é mais uma pedalada na Constituição, forçando novas eleições que colocariam Lula, Marina, Aécio e todo tipo de socialista em botão na parada de novo. Sabem os distintos que, se esse governo fizer tão somente o que lhe é solicitado, os “conservadores” serão aclamados por terem salvo o país desse
Quem sabe fazer conta de somar sabe também que foi a “odiosa classe média” a perseguida todo esse tempo, achacada para pagar a conta da vigarice. Arrombados os cofres públicos, será ela de novo chamada para por o elefante em pé outra vez. Não é um mimo? Por esse prisma, creio que o governo só se dará bem se conseguir aliviar o peso do Estado e sua reiterada incompetência supraideológica na parada, dando ao cidadão comum a impressão de que caminhamos para a frente, sabe-se lá o que essa frente venha a significar.
No caso de Itamar Franco, outro governo tampão que assumiu em meio a uma crise escabrosa, a construção toda desembocou no governo obamista de FHC. Muitos aqui louvam até hoje o Plano Real, parido no governo Itamar e quase abortado justamente por questões ideológicas envolvendo essa esquerda tão propositiva. Lembro-me muito bem da postura dos nobres penachos tucanos diante do tamanho da encrenca que estavam contratando. O resto é pura empulhação. Se FHC cimentou o começo da ladeira onde capotamos fragorosamente, ou se foi ele o nosso herói, que nos defendeu o quanto pôde da sanha vigarista do partido da estrelinha na cueca, o relativismo se incumbe de sacramentar as duas possibilidades, não é mesmo?
Ou alguém aqui ainda não entendeu que Donald Trump é o resultado direto de Hillary Clinton? O fato é que temos Temer na rampa, e não Trump. Menos mal. E temos a esquerda apavorada com a perda das boquinhas tão saborosamente conquistadas, ao longos desses vinte anos em que faliram o país. Só isso já me faz um eleitor bissexto do cara, torcendo para que ele, daqui pra frente, distribua vassouras para varrer todas as repartições públicas. Quem quiser voar com elas, que voe. Simples assim.
Estado brasileiro é caso para interdição judicial
O Estado brasileiro é tão irresponsável em suas finanças que os pagadores de impostos deveríamos requerer sua interdição judicial. Proibi-lo de usar nosso dinheiro. Encaminhar suas instituições para tratamento psicológico. Não o fazemos porque o próprio Poder Judiciário é causa atuante dessa situação pois, cotidianamente, impõe aos governos despesas e ordens de pagamento sem indicar fontes nem recursos. Governadores e prefeitos são as principais vítimas dessas incursões judiciais nos respectivos erários, seja em nome de algum direito difuso, seja de algum princípio constitucional afivelado no senso de justiça, mas ao desamparo da realidade orçamentária - aquela que se nutre dos impostos que pagamos.
Os casos mais graves, continuados e vultosos, a clamar pela interdição, são os que combinam corrupção com desatenção, tolerância e vistas grossas. Nestes dias, aliás, vivemos um surto investigatório. Escândalos se sucedem em sequência tão rápida que não há no nosso HD mental memória suficiente para armazenar o acumulado das informações. As coisas se passam como no rodízio das penitenciárias, tem que sair um para entrar outro. Enquanto isso acontece envolvendo figurões e ganhando manchetes, uma outra porção do submundo vai revelando sua dimensão na irresponsabilidade financeira, embora recebendo tratamento mais discreto. Refiro-me às práticas criminosas, como as de concessão de Bolsa Família a quem ingressa no programa de modo fraudulento. Um cruzamento de dados do antigo Ministério do Desenvolvimento Social com Receita Federal e Tribunais de Contas detectou um milhão de casos de fraude que, nos anos de 2013 e 2014, desviaram R$ 2,6 bilhões.
Na previdência social são comuns as artimanhas e mutretas. O Estadão do último dia 6, informa que um projeto piloto do INSS levado a efeito em Jundiaí reverteu 50% dos casos de auxílio por doença e invalidez. A partir dessa experiência, o INSS não calcula o quanto de dinheiro já foi perdido, mas estima economizar até R$ 6 bilhões por ano a partir de um recadastramento ainda por ser feito.
Não são diferentes as coisas nos programas de Reforma Agrária (o maior, mais caro e inútil do mundo). Matéria do Estadão no dia 5 de abril deste ano informa que o TCU determinou a paralisação do programa após constatar fraudes envolvendo 578 mil beneficiários, entre os quais os mais notórios são 1017 políticos, 4293 proprietários de veículos com valor superior a R$ 70 mil, 61 mil empresários, milhares de falecidos e de servidores públicos.
É inimaginável a extensão desses prejuízos se pudessem ser contabilizados ao longo dos anos. Ao mesmo tempo, excita a imaginação o quanto se poderia fazer num contexto de responsabilidade fiscal. Tomemos por exemplo a fraude recentemente descoberta nos auxílios por doença e invalidez junto ao INSS. Os R$ 6 bilhões ali economizáveis permitiriam construir, por ano, 330 presídios com 400 vagas e resolver totalmente, em três ou quatro anos, esse déficit tão relacionado com nossa insegurança.
Nada causa mais prejuízos ao país do que o cruzamento da ingenuidade dos cidadãos com a desonestidade que opera nas instituições. Como escrevi no meu livro "Pombas e Gaviões": os ingênuos estão na cadeia alimentar dos mal intencionados.
Percival Puggina
Na previdência social são comuns as artimanhas e mutretas. O Estadão do último dia 6, informa que um projeto piloto do INSS levado a efeito em Jundiaí reverteu 50% dos casos de auxílio por doença e invalidez. A partir dessa experiência, o INSS não calcula o quanto de dinheiro já foi perdido, mas estima economizar até R$ 6 bilhões por ano a partir de um recadastramento ainda por ser feito.
Não são diferentes as coisas nos programas de Reforma Agrária (o maior, mais caro e inútil do mundo). Matéria do Estadão no dia 5 de abril deste ano informa que o TCU determinou a paralisação do programa após constatar fraudes envolvendo 578 mil beneficiários, entre os quais os mais notórios são 1017 políticos, 4293 proprietários de veículos com valor superior a R$ 70 mil, 61 mil empresários, milhares de falecidos e de servidores públicos.
É inimaginável a extensão desses prejuízos se pudessem ser contabilizados ao longo dos anos. Ao mesmo tempo, excita a imaginação o quanto se poderia fazer num contexto de responsabilidade fiscal. Tomemos por exemplo a fraude recentemente descoberta nos auxílios por doença e invalidez junto ao INSS. Os R$ 6 bilhões ali economizáveis permitiriam construir, por ano, 330 presídios com 400 vagas e resolver totalmente, em três ou quatro anos, esse déficit tão relacionado com nossa insegurança.
Nada causa mais prejuízos ao país do que o cruzamento da ingenuidade dos cidadãos com a desonestidade que opera nas instituições. Como escrevi no meu livro "Pombas e Gaviões": os ingênuos estão na cadeia alimentar dos mal intencionados.
Percival Puggina
Democracia desvalorizada
Na América Latina, apenas metade da população (54%) apoia a democracia. A preocupante constatação é parte de recente estudo da ONG chilena Latinobarómetro, que notou, pelo quarto ano consecutivo, um decréscimo na região do apoio ao regime democrático. Os dados relativos à população brasileira foram ainda mais inquietantes – apenas 32% dos entrevistados disseram apoiar a democracia. Na Argentina, por exemplo, a taxa de apoio foi de 71%.
Realizada em 18 países, com mais de 20 mil entrevistas entre maio e junho de 2016, a pesquisa relaciona a diminuição do apoio à democracia com a crise econômica vivida na região desde o fim do boom econômico gerado em boa medida pelos altos preços das commodities. O relatório faz menção à estimativa da Cepal de contração de 0,6% na economia da região em 2016, causada em grande parte pela recessão do Brasil (-2,5%, segundo a organização) e da Venezuela (-8%).“Sem guerras, a América Latina tem na violência, na corrupção e na desigualdade os fenômenos mais importantes que atravancam o avanço da democracia”, afirma o estudo. Ao mesmo tempo que detecta grandes transformações de comportamento e de expectativa nos entrevistados, a pesquisa revela uma continuidade de valores tradicionais nessas sociedades. Tal disparidade, segundo a ONG chilena, é fonte de tensões que se manifestam periodicamente em crises.
O estudo reconhece a consolidação da democracia nos países latino-americanos, com a ocorrência, por exemplo, de eleições periódicas. Ressalta, porém, que “a democracia parece se consolidar de maneira imperfeita, ficando paralisada em alguns temas”. E tal paralisação ocorre nos temas a que a população confere cada vez maior importância. Há uma demanda cada vez mais qualificada por “maiores graus de igualdade e liberdade, que se traduzem em garantias cívicas, políticas e sociais”. Ocorre, assim, uma quebra de expectativa. Segundo a ONG chilena, são esses os bens políticos que devem ser buscados para que as democracias latino-americanas possam sair da estagnação política em que se encontram.
Segundo o relatório, entre os vários temas conexos à democracia está a impunidade, sendo possível detectar uma relação direta entre combate à corrupção e maior apreço à democracia. “Nos países em que as pessoas percebem um avanço na luta contra a corrupção ocorre uma melhor valorização da democracia, em comparação com aqueles onde ocorre o oposto. A corrupção é um indicador muito importante para conhecer a valorização da democracia.”
Tais dados indicam que o apoio da população à democracia está diretamente relacionado à capacidade de os regimes democráticos enfrentarem e resolverem os problemas econômicos, políticos e sociais. No estudo aparecem, por exemplo, como principais preocupações dos brasileiros a saúde (21%) e a corrupção (20%).
É de fundamental importância, portanto, que os países saibam dar solução, dentro das regras democráticas, aos seus desafios. Por exemplo, crise econômica, incompetência administrativa e leniência com a corrupção são elementos motivadores de sentimentos antidemocráticos.
Certamente, seria preferível que a valorização da democracia não estivesse condicionada à consecução de determinados objetivos, como se a ineficiência de um governo pudesse legitimar uma guinada para o autoritarismo, em alguma de suas múltiplas manifestações. Não é o ideal, mas é o que ocorre na prática, como mostra o relatório do Latinobarómetro – uma piora da situação econômica diminui o apoio à democracia. Sendo assim, a defesa da democracia passa diretamente por garantir um governo democrático eficiente.
Ao contrário do que alguns tentam apregoar, o impeachment de Dilma Rousseff fortaleceu a democracia no País. Dentro das regras constitucionais democráticas, foi dado um importante passo para superar a crise econômica, social, política e moral pela qual o Brasil atravessa. E isso, espera-se, deve ser reconhecido em futuros estudos sobre o tema.
O dia dos aliados de Dilma e Cunha também chegará
Tudo indica que se houver número bastante, Eduardo Cunha será arcabuzado ainda amanhã, no plenário da Câmara dos Deputados. O problema é saber qual a sua reação. Porque material para comprovar a participação de colegas em malfeitos praticados durante o seu período de bonança, ele possui. E com potencial para atingir gente do governo.
Figuras como o ex-presidente da Câmara só aparecem de quando em quando. São meteoros que brilham e prendem as atenções gerais por curto tempo, mas acabam catapultados para o espaço exterior, quando não se esborracham numa superfície árida e dura.
É o que parece deva ocorrer. Eduardo Cunha levará com ele a lembrança de um certo número de deputados que atendeu com benesses e favores muitas vezes proibidos, mas cujos votos servirão agora para condená-lo.
Não deixa de ser significativa a coincidência da degola do parlamentar e da ex-presidente Dilma Rousseff, hoje sacrificados em nome do combate à incompetência e à corrupção que muitos de seus algozes praticaram com subserviência.
Nenhuma reviravolta será capaz de devolver a Madame e ao deputado os tempos felizes de seus anteriores poderes, mas ficam para futuros acertos de conta aqueles que se valeram deles para sobreviver e agora passaram a sacrificá-los. Claro que Dilma e Cunha merecem as condenações e o ostracismo que vão curtir. Seria bom, no entanto, prestar atenção nos que neles se penduraram, primeiro como súditos fiéis, agora como carrascos implacáveis. O dia deles chegará.
Figuras como o ex-presidente da Câmara só aparecem de quando em quando. São meteoros que brilham e prendem as atenções gerais por curto tempo, mas acabam catapultados para o espaço exterior, quando não se esborracham numa superfície árida e dura.
É o que parece deva ocorrer. Eduardo Cunha levará com ele a lembrança de um certo número de deputados que atendeu com benesses e favores muitas vezes proibidos, mas cujos votos servirão agora para condená-lo.
Nenhuma reviravolta será capaz de devolver a Madame e ao deputado os tempos felizes de seus anteriores poderes, mas ficam para futuros acertos de conta aqueles que se valeram deles para sobreviver e agora passaram a sacrificá-los. Claro que Dilma e Cunha merecem as condenações e o ostracismo que vão curtir. Seria bom, no entanto, prestar atenção nos que neles se penduraram, primeiro como súditos fiéis, agora como carrascos implacáveis. O dia deles chegará.
O circo Brasil
O velho Brasil dá as caras. O deputado Tiririca, vestindo seu melhor figurino, o de palhaço, apresenta o também circense Bubu, arrematando: “ô, menino lindo”. Recebe o troco do candidato a vereador: “são seus olhos”. Jussié Galo Cego brinda os eleitores com a pérola: “o único vereador que vai o tirar o olho. Por você”. Dito e feito: enfia o dedo e o olho de vidro pula na palma da mão. Lima da Viola se apresenta com seu instrumento e manda ver: “é nós”. Rafafá, de Campinas, em exagerado gestual gay, pede o voto e arremata: “ele não promete, ele dá”. Há, até, um incrível Binladen, que deixa no ar uma pontinha de ameaça: “ou a gente muda ou explode Diadema”.
Eis aí um resumido painel de candidatos a vereador em algumas praças do país. Causa surpresa? Não. Mesmo sob regras mais rígidas – proibição de materiais em espaços públicos, proibição de doações de recursos por empresas, tempo mais curto – a campanha para prefeitos e vereadores ainda utiliza a carcomida modelagem composta por desfiles de caras e bocas, a par de debates sonolentos entre candidatos. O que significa essa encenação capenga? Nada mais que o exercício do dandismo, maneira afetada de uma pessoa se comportar ou se vestir, ou, em outros termos, “o prazer de espantar”, de chamar a atenção por meio de uma estética extravagante. O dandismo, que ganhou uma boa definição do poeta francês Baudelaire, um dos precursores do simbolismo, é a chave com que muitos contendores, Brasil afora, procuram abrir a boa vontade dos eleitores.
A vontade de aparecer na mídia é tão obsessiva que a necessária compreensão sobre atos convenientes e inconvenientes, normais e ridículos, se torna esmaecida na mente dos dândis. Brandir a espada do He-Man, lutar jiu-jítsu, imitar o berro de Tarzan ao lado da macaca Chita, assumir o papel de cantantes românticos, usar o palanque de gêneros e, nessa campanha, de transgêneros constituem parâmetros que inspiram a trupe. Para eles, os esquetes de efeito publicitário não ferem o que se considera politicamente correto. O nivelamento por baixo não os afeta. Essa turma acredita que haverá sempre um volumoso contingente de eleitores que gosta do estardalhaço, da caricatura, da piada, mesmo as de péssimo gosto. Afinal, a política brasileira ainda é povoada por incultos e bárbaros.
A prática do dandismo vem desde a antiguidade. A arte da política sempre se banhou nas águas da dramaticidade. Vejamos. Em 64 A.C., Cícero, o mais eloquente advogado do ciclo de César, guiou-se por um manual de representação, produzido por seu irmão Quintus Tullius, para vencer a campanha ao Consulado de Roma contra Catilina. O roteiro sugeria modos de se apresentar e falar. Coisas assim: “Seja pródigo em promessas, os homens preferem uma falsa promessa a uma recusa seca.” Por nossas plagas, a arte da representação também tem sido bastante apreciada. Jânio Quadros dava ênfase a uma gramática especial. Indagado sobre os motivos de sua renúncia, teria dito: “fi-lo por que qui-lo”. E caprichava na exótica estética: olhos esbugalhados, cabelos compridos, barba por fazer, caspa sobre os ombros, sanduíches de mortadela e bananas nos bolsos, que comia nos palanques, depois de anunciar para a massa, com ar cansado: “Político brasileiro não se dá ao respeito. Eu, não, desde as 6 horas da manhã estou caminhando pela Vila Maria e não comi nada. Então, com licença.” Devorava a fruta, sob os aplausos da multidão. Era cena. Jânio havia se refestelado com uma feijoada, tomado um pileque, dormido na casa de um cabo eleitoral e acordado quase na hora do comício.
A tendência a disseminar a palhaçada é bastante previsível diante dos fenômenos que pavimentam a vida parlamentar: escândalos envolvendo deputados e senadores, gestos e atitudes aéticas, propina a rodo. Na verdade, o princípio que inspira a índole de boa fatia da representação é aparecer. Não importa como. No Estado-Espetáculo, a visibilidade é chave-mestra da competição. Leia-se, a propósito, o livro com este nome de autoria do sociólogo Rogér-Gérard Scwartzenberg. Como a imagem dos atores políticos se esgarça ao longo do tempo, muitos procuram esticar sua vida útil. E apelam para a arte dramática. Alguns engatam a marcha do folclore; outros, a linguagem da baixaria. E assim, a imagem vai ganhando borrões. Folclóricos, palhaços, tolos e espertinhos capricham seus comportamentos no nivelamento por baixo. A política ainda é um circo. Mesmo diante da arte circense em queda livre.
Eis aí um resumido painel de candidatos a vereador em algumas praças do país. Causa surpresa? Não. Mesmo sob regras mais rígidas – proibição de materiais em espaços públicos, proibição de doações de recursos por empresas, tempo mais curto – a campanha para prefeitos e vereadores ainda utiliza a carcomida modelagem composta por desfiles de caras e bocas, a par de debates sonolentos entre candidatos. O que significa essa encenação capenga? Nada mais que o exercício do dandismo, maneira afetada de uma pessoa se comportar ou se vestir, ou, em outros termos, “o prazer de espantar”, de chamar a atenção por meio de uma estética extravagante. O dandismo, que ganhou uma boa definição do poeta francês Baudelaire, um dos precursores do simbolismo, é a chave com que muitos contendores, Brasil afora, procuram abrir a boa vontade dos eleitores.
A estripulia circense
Um dos mais conhecidos praticantes dessa modalidade é o ex-senador e hoje candidato a vereador Eduardo Suplicy que, em tempos idos, nos corredores do Senado, vestiu uma sunga vermelha sobre as calças, assumindo o papel de Super-Homem no teatrinho produzido por um programa cômico de TV. O dândi tem vocação fatal por visibilidade. Quer aparecer a qualquer custo. É incapaz de resistir quando o desafiam, principalmente quando divisa a possibilidade de se tornar estrela no palco midiático. Se o protagonista pertence ao mundo competitivo das eleições, a atração pelos holofotes é ainda mais forte. Nesse caso, os limites da liturgia costumam ser rompidos. Os disputantes, motivados a participar da estripulia circense, entram na encenação farsesca, exagerando nos adereços, criando versões estapafúrdias sobre o momento, tirando proveito das comparações, mesmo que alguns dos exemplos habitem o território da maldade, como Osama Bin Laden, o saudita que despachou aviões para explodir as torres gêmeas de Nova Iorque.
A vontade de aparecer na mídia é tão obsessiva que a necessária compreensão sobre atos convenientes e inconvenientes, normais e ridículos, se torna esmaecida na mente dos dândis. Brandir a espada do He-Man, lutar jiu-jítsu, imitar o berro de Tarzan ao lado da macaca Chita, assumir o papel de cantantes românticos, usar o palanque de gêneros e, nessa campanha, de transgêneros constituem parâmetros que inspiram a trupe. Para eles, os esquetes de efeito publicitário não ferem o que se considera politicamente correto. O nivelamento por baixo não os afeta. Essa turma acredita que haverá sempre um volumoso contingente de eleitores que gosta do estardalhaço, da caricatura, da piada, mesmo as de péssimo gosto. Afinal, a política brasileira ainda é povoada por incultos e bárbaros.
A prática do dandismo vem desde a antiguidade. A arte da política sempre se banhou nas águas da dramaticidade. Vejamos. Em 64 A.C., Cícero, o mais eloquente advogado do ciclo de César, guiou-se por um manual de representação, produzido por seu irmão Quintus Tullius, para vencer a campanha ao Consulado de Roma contra Catilina. O roteiro sugeria modos de se apresentar e falar. Coisas assim: “Seja pródigo em promessas, os homens preferem uma falsa promessa a uma recusa seca.” Por nossas plagas, a arte da representação também tem sido bastante apreciada. Jânio Quadros dava ênfase a uma gramática especial. Indagado sobre os motivos de sua renúncia, teria dito: “fi-lo por que qui-lo”. E caprichava na exótica estética: olhos esbugalhados, cabelos compridos, barba por fazer, caspa sobre os ombros, sanduíches de mortadela e bananas nos bolsos, que comia nos palanques, depois de anunciar para a massa, com ar cansado: “Político brasileiro não se dá ao respeito. Eu, não, desde as 6 horas da manhã estou caminhando pela Vila Maria e não comi nada. Então, com licença.” Devorava a fruta, sob os aplausos da multidão. Era cena. Jânio havia se refestelado com uma feijoada, tomado um pileque, dormido na casa de um cabo eleitoral e acordado quase na hora do comício.
Visibilidade a qualquer custo
Portanto, não causa surpresa o fato de que nossos políticos continuam exímios na arte de representar. Mas há casos em que exageros foram condenados. Em 1949, o deputado Barreto Pinto (PTB) – eleito pelo Rio, na época Distrito Federal –, fotografado de fraque e cueca samba-canção, foi cassado por falta de decoro. Velhos tempos. Hoje, quem critica mesuras estrambóticas pode até ganhar um processo por discriminação. O especialista Roger Ailes, contratado por Nixon em 1968 para produzir seus debates na TV, profetizava: “Os políticos terão de ser, um dia, animais de circo.” Não é que acertou em cheio?A tendência a disseminar a palhaçada é bastante previsível diante dos fenômenos que pavimentam a vida parlamentar: escândalos envolvendo deputados e senadores, gestos e atitudes aéticas, propina a rodo. Na verdade, o princípio que inspira a índole de boa fatia da representação é aparecer. Não importa como. No Estado-Espetáculo, a visibilidade é chave-mestra da competição. Leia-se, a propósito, o livro com este nome de autoria do sociólogo Rogér-Gérard Scwartzenberg. Como a imagem dos atores políticos se esgarça ao longo do tempo, muitos procuram esticar sua vida útil. E apelam para a arte dramática. Alguns engatam a marcha do folclore; outros, a linguagem da baixaria. E assim, a imagem vai ganhando borrões. Folclóricos, palhaços, tolos e espertinhos capricham seus comportamentos no nivelamento por baixo. A política ainda é um circo. Mesmo diante da arte circense em queda livre.
'Deus esteja!'
A diferença entre antecipação e precipitação é um grão; neste momento, o grão se debate nas lutas e nos cálculos da percepção do potencial de agitação das ruas e com a, até aqui, pouca efetividade do governo. Sim, se é precipitação dar o governo Temer como um fracasso consumado, tampouco é possível crer em seu inexorável sucesso. As condições em que se movimenta e, sobretudo, a qualidade de sua ação, no mínimo, alertam: há riscos já ponderáveis; sérios. Nada será como os otimistas supunham; não se faz um impeachment sem consequências. O de Collor foi brincadeira.
As manifestações do “Fora Temer”, por exemplo, mais que previsíveis, eram óbvias. Jus Sperniandi. Nos limites da democracia e sem violência, são tão legítimas quanto as mobilizações pelo “Fora Dilma”. Um país politicamente saudável convive bem com a diversidade de interesses e valores, com as duas turmas. E até as precifica nas estratégias dos agentes políticos e econômicos – o bom governo é aquele que se antecipa. Incrível que isto não estivesse nos radares da rodada turma do PMDB.
A começar pelo próprio presidente, o governo reagiu mal ao buscar desqualificar as manifestações. Se foi pensado, foi um tiro no pé. Algumas pessoas não nasceram para a ironia; a provocação de Michel Temer em relação às “quarenta pessoas que quebram carro” é exemplo disto. Revela, ao final, um erro ao qual um político realmente experiente não deve se dar ao direito. E, na situação presente, muito menos ao luxo.
O tempo dirá se o presidente lançou um bumerangue que lhe voltou à testa, mas desde já se compreende que, mais que uma frase infeliz, foi um cálculo desastroso para quem diz pretender – e precisar – pacificar o país. Seu chiste da china, fez piorar o humor e as manifestações crescerem. Enquanto isso, seu secretário-geral, Geddel Vieira Lima, batia boa pelo Twitter como se pudesse surfar nas ondas da provocação e da inconsequência. Não pode.
Outra lambança: como em 2013, mais uma vez o governador Alckmin e sua Polícia Militar entraram em cena como quem leva galões de gasolina à festa do fogo. Que a PM paulista é truculenta já se sabe; mas foi posta em questão se é também politicamente repressiva. Não sendo, o fiasco fica por conta da comunicação do governo, incapaz de demonstrar que antes a polícia reage aos excessos de parte dos manifestantes do que por moto e projetos autoritários. O que será?
O governador não esclarece e até confunde com figurino de durão que não lhe cabe bem. Sua retórica furibunda agrava a situação e lhe compromete a reputação e o futuro. Menos ainda ajuda que fique em silêncio quando seu comandante da PM debocha do destino de uma estudante que perdera a vista num dos embates com a tropa. A sensatez foi morar aonde?
Sinal evidente de que as coisas estão mal encaminhadas é que as manifestações do “Fora Temer”, que deveriam minguar pelo fato consumado, vão, ao contrário, se fortalecendo.
Vão num crescendo, numa escalada. É difícil de prever em que ponto possam chegar: muitos dos manifestantes afirmam não se tratar de um “Volta Dilma” – o que seria impossível – ou de um reforço ao destroçado Lula; mas de uma corajosa e necessária defesa do democrático direito à expressão.
Nesse espírito, pedem eleições diretas e tentam atrair parte da sociedade que ficou contrária ao PT, mas nem por isso morre de amores por Temer ou pelo PMDB — também alvo da Lava Jato.
Já há articulações em busca de algo mais concreto que o simples protesto. Com a promessa de reviver o glorioso clima da campanha das diretas-já, de 1983/84, atos e comícios repletos de artistas estariam sendo organizados. Nostalgia, romantismo, princípios, ressentimento ou realidade? O tempo dirá.
O problema é mesmo o tempo: enquanto ele corre, as fragilidades do próprio movimento agem como fagulhas para a combustão geral: ter o PT à frente do processo parece uma má escolha que, ao mesmo tempo em que cresce na contestação a Temer, também se consolida como barreira àqueles que, embora não morram de amores pelo PMDB, nem por hipótese admitem a volta o PT ao controle do país. Contra ou a favor, a volta do PT parece delírio, mas é impressionante como há seres delirantes, neste momento, no país.
Logo, se os propósitos das manifestações do “Fora Temer” forem mesmo de princípios –democráticos, vinculado à garantia de direitos civis –, a partidarização dos protestos pode significar um brutal erro tático e estratégico: aguçam conflito, radicalizam o clima político, e fecham às portas para qualquer diálogo. Diálogo imprescindível, em horas como estas.
Certo ou errado, justo ou não, grande parte da sociedade – se não ainda a maioria – encara o PT como seu grande antagonista. Não haveria acordo sobre isto; o fantasma da improvável ressuscitação de Lula arrasta correntes; faz correr aos terreiros e exige despachos. Um movimento “Fora Temer “identificado com o PT desperta a reação dos contrários ao antigo partido cuja esperança venceria o medo.
Tomara que não — isto ainda é especulação; oxalá precipitação –, mas o clima pode, assim, se radicalizar. Posições sectárias afetando expectativas comprometendo ainda mais a economia sem perspectivas mais céleres investimentos e diminuição de desemprego. Com crise fiscal, sem o colchão de políticas sociais, a contestação e os conflitos só aumentam. É tal circulo vicioso. O caldo de cultura para a emersão da besta do populismo de esquerda ou de direita pode estar sendo cozido.
O problema maior é que faltam forças políticas para administrar o processo e leva-lo a porto seguro; tramar a conciliação das ruas, erguer pactos; reverter expectativas. Quem o faria: Temer, Lula, Aécio, Alckmin, Serra, Marina, Ciro, Bolsonaro? Há nulidades, sobram incendiários. Quem será o bombeiro?
Diz-se que Golbery do Couto e Silva, chefe do Gabinete Civil de Geisel, naqueles anos de chumbo, teria chamado Thales Ramalho, secretário-geral do MDB, e combinado: “vocês seguram os seus radicais e nós seguramos os nossos”. Hoje, não parece haver ninguém com disposição para isto – nem para falar, nem para escutar. Solto e sozinho, “o diabo na rua, no meio do redemoinho”, assusta. Que seja por precipitação. Como diria Riobaldo, “deus esteja!”
Carlos Melo
As manifestações do “Fora Temer”, por exemplo, mais que previsíveis, eram óbvias. Jus Sperniandi. Nos limites da democracia e sem violência, são tão legítimas quanto as mobilizações pelo “Fora Dilma”. Um país politicamente saudável convive bem com a diversidade de interesses e valores, com as duas turmas. E até as precifica nas estratégias dos agentes políticos e econômicos – o bom governo é aquele que se antecipa. Incrível que isto não estivesse nos radares da rodada turma do PMDB.
A começar pelo próprio presidente, o governo reagiu mal ao buscar desqualificar as manifestações. Se foi pensado, foi um tiro no pé. Algumas pessoas não nasceram para a ironia; a provocação de Michel Temer em relação às “quarenta pessoas que quebram carro” é exemplo disto. Revela, ao final, um erro ao qual um político realmente experiente não deve se dar ao direito. E, na situação presente, muito menos ao luxo.
Outra lambança: como em 2013, mais uma vez o governador Alckmin e sua Polícia Militar entraram em cena como quem leva galões de gasolina à festa do fogo. Que a PM paulista é truculenta já se sabe; mas foi posta em questão se é também politicamente repressiva. Não sendo, o fiasco fica por conta da comunicação do governo, incapaz de demonstrar que antes a polícia reage aos excessos de parte dos manifestantes do que por moto e projetos autoritários. O que será?
O governador não esclarece e até confunde com figurino de durão que não lhe cabe bem. Sua retórica furibunda agrava a situação e lhe compromete a reputação e o futuro. Menos ainda ajuda que fique em silêncio quando seu comandante da PM debocha do destino de uma estudante que perdera a vista num dos embates com a tropa. A sensatez foi morar aonde?
Sinal evidente de que as coisas estão mal encaminhadas é que as manifestações do “Fora Temer”, que deveriam minguar pelo fato consumado, vão, ao contrário, se fortalecendo.
Vão num crescendo, numa escalada. É difícil de prever em que ponto possam chegar: muitos dos manifestantes afirmam não se tratar de um “Volta Dilma” – o que seria impossível – ou de um reforço ao destroçado Lula; mas de uma corajosa e necessária defesa do democrático direito à expressão.
Nesse espírito, pedem eleições diretas e tentam atrair parte da sociedade que ficou contrária ao PT, mas nem por isso morre de amores por Temer ou pelo PMDB — também alvo da Lava Jato.
Já há articulações em busca de algo mais concreto que o simples protesto. Com a promessa de reviver o glorioso clima da campanha das diretas-já, de 1983/84, atos e comícios repletos de artistas estariam sendo organizados. Nostalgia, romantismo, princípios, ressentimento ou realidade? O tempo dirá.
O problema é mesmo o tempo: enquanto ele corre, as fragilidades do próprio movimento agem como fagulhas para a combustão geral: ter o PT à frente do processo parece uma má escolha que, ao mesmo tempo em que cresce na contestação a Temer, também se consolida como barreira àqueles que, embora não morram de amores pelo PMDB, nem por hipótese admitem a volta o PT ao controle do país. Contra ou a favor, a volta do PT parece delírio, mas é impressionante como há seres delirantes, neste momento, no país.
Logo, se os propósitos das manifestações do “Fora Temer” forem mesmo de princípios –democráticos, vinculado à garantia de direitos civis –, a partidarização dos protestos pode significar um brutal erro tático e estratégico: aguçam conflito, radicalizam o clima político, e fecham às portas para qualquer diálogo. Diálogo imprescindível, em horas como estas.
Certo ou errado, justo ou não, grande parte da sociedade – se não ainda a maioria – encara o PT como seu grande antagonista. Não haveria acordo sobre isto; o fantasma da improvável ressuscitação de Lula arrasta correntes; faz correr aos terreiros e exige despachos. Um movimento “Fora Temer “identificado com o PT desperta a reação dos contrários ao antigo partido cuja esperança venceria o medo.
Tomara que não — isto ainda é especulação; oxalá precipitação –, mas o clima pode, assim, se radicalizar. Posições sectárias afetando expectativas comprometendo ainda mais a economia sem perspectivas mais céleres investimentos e diminuição de desemprego. Com crise fiscal, sem o colchão de políticas sociais, a contestação e os conflitos só aumentam. É tal circulo vicioso. O caldo de cultura para a emersão da besta do populismo de esquerda ou de direita pode estar sendo cozido.
O problema maior é que faltam forças políticas para administrar o processo e leva-lo a porto seguro; tramar a conciliação das ruas, erguer pactos; reverter expectativas. Quem o faria: Temer, Lula, Aécio, Alckmin, Serra, Marina, Ciro, Bolsonaro? Há nulidades, sobram incendiários. Quem será o bombeiro?
Diz-se que Golbery do Couto e Silva, chefe do Gabinete Civil de Geisel, naqueles anos de chumbo, teria chamado Thales Ramalho, secretário-geral do MDB, e combinado: “vocês seguram os seus radicais e nós seguramos os nossos”. Hoje, não parece haver ninguém com disposição para isto – nem para falar, nem para escutar. Solto e sozinho, “o diabo na rua, no meio do redemoinho”, assusta. Que seja por precipitação. Como diria Riobaldo, “deus esteja!”
Carlos Melo
A verdade é difícil, senador!
Isso foi o que de leve, e irônico, ficou do massacre da última semana. Dito assim — pequena transformação — teria caído bem naquele ambiente saturado de versões e meias-verdades. Uma meia-verdade é uma mentira inteira. Não há verdade pelo meio. Houve debates, teses se opuseram, fez-se a mímica do contraditório. Mas a verdade, que não é senadora, não estava lá. A verdade é divina. Seu lugar não era mesmo ali. — Esta coluna é um pequeno acalanto para a tristeza da verdade.
É, a verdade é difícil. Não vem de graça. Pede um trabalho de lupa. Estão faltando lupas. E trabalho honesto em procurar. Pensei no paradoxo do mentiroso. É assim. Vem um homem e diz: “Eu minto”. Isso é o que ele diz. Mas pode ser exatamente o contrário. Basta que ele de fato minta. Neste caso o dito corresponde à realidade, e o homem que declara que mente diz a verdade. Ou ele, na verdade, não mente, e então “Eu minto” é uma mentira. Moral da história: a verdade não depende do que se diz, mas de quem se é. E do que se faz. Da concordância e discordância entre o que se faz e o que se diz que se faz. — Naqueles dias, a verdade não foi convidada para a festa.
Mas o que é verdade? Noel sabia: “A verdade, meu amor, mora num poço/ É Pilatos lá na Bília quem o diz.” Hoje, aqui, o poço não foi escavado. A água está turva. Jesus, naquele tempo, não respondeu a Pilatos quando ele, retoricamente, lhe perguntou: “Mas o que é a verdade?” Jesus bem sabia. Já tinha dito: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida.” E se calou. Essa era a resposta. Um dos velhos cínicos gregos, que denunciavam a hipocrisia com ações, não com palavras, não teria feito melhor. Mas a pergunta ficou no ar, porque corresponde a uma agonia muito antiga. Não possuímos a verdade. Não sabemos o que ela é. E isso nos desnorteia. Mas também nos dá norte para a grande questão da filosofia: O que é verdade?
Desde cedo os filósofos foram fazendo seus ensaios. Primeiro, no século VI a. C., os pré-socráticos ligaram verdade e não verdade, aparência e ocultação. Foi uma compreensão de grande beleza, porque não tinha a ver com a discurseira do Ocidente, mas com a vida e o mundo. Tudo se mostra e também se esconde, brilha e se apaga, como um farol. A verdade está no comum pertencimento do brilho à escuridão, da escuridão à luz. Perdemos essa bonita intuição. Tanto tempo passou! Já usei aqui, para dar-lhe um pouco de familiaridade, o exemplo das marés. A maré alta precisa que a terra se esconda para que o mar apareça. A maré baixa necessita a retração do mar: aí a terra se mostra. Foi assim que pensaram os pré-socráticos: escondimento/aparecimento; encobrimento/desencobrimento. Foi daí que tiramos a palavra “descoberta” para falar da verdade. Esquecemos o retraimento, a sombra sem a qual descoberta não há. Saímos do mundo da vida para a ordem dos discursos.
Essa reviravolta foi feita pelos grandes filósofos do século IV a. C., Platão e Aristóteles. Inventaram dialéticas e lógicas, artes da fala e do pensamento. A vida, isso que corre fora das palavras, é perigosa, argumentavam. Honestamente. Eles de fato procuravam a verdade, e desejavam protegê-la dos seus riscos. A verdade ficou na ordem do que se diz, se se diz bem, com correção.
No século XIII Santo Tomás encontrou uma bela formulação, que voltou a ter consideração pelo mundo. Mas aí o mundo, a vida, já eram “as coisas’’, as criaturas. A definição: “Adequação da coisa ao intelecto e do intelecto à coisa”. É preciso agora que o que se diz concorde com o que é. É necessário poder provar. Essa prova se fez, primeiro, pela evidência lógica — e aí ainda remetia à experiência aristotélica da verdade. Santo Tomás foi o mais grandioso discípulo de Aristóteles, tantos séculos depois. Mais tarde, com o advento das ciências, a partir dos séculos XVI/XVII, provar passou a exigir observação real, experimentação e cálculo. E a descoberta das leis que regem a verdade do Real. Essa concepção ainda nos é familiar.
Hoje, verdade não há mais. É o que nos ensinam os pós-modernos. Porque a verdade só pode ser ou não ser. Já se viu, não há meia verdade. E, dizem eles, não há mais esse tipo de coisa absoluta. O que há são versões. Opiniões. Narrativas. (Essa palavra tornou-se irritantemente frequente nos últimos dias.)
Mas a verdade, na sua sombra que sofre, está lá. Ela nos diz que um fato ou aconteceu, ou não. Ou é o que se diz dele, ou não. O sofrimento da verdade é que ninguém mais esteja interessado nisso. Uma boa versão (“robusta”, gostam de dizer) dá conta do recado. Recado... A verdade, coitada, que recobre a vida e o mundo, recado...
Vida dura, a da verdade. Mas um dia ela volta. E, quando sua luz iluminar os plenários, vai se ver quem afinal estava nu.
Em geral é o rei.
É, a verdade é difícil. Não vem de graça. Pede um trabalho de lupa. Estão faltando lupas. E trabalho honesto em procurar. Pensei no paradoxo do mentiroso. É assim. Vem um homem e diz: “Eu minto”. Isso é o que ele diz. Mas pode ser exatamente o contrário. Basta que ele de fato minta. Neste caso o dito corresponde à realidade, e o homem que declara que mente diz a verdade. Ou ele, na verdade, não mente, e então “Eu minto” é uma mentira. Moral da história: a verdade não depende do que se diz, mas de quem se é. E do que se faz. Da concordância e discordância entre o que se faz e o que se diz que se faz. — Naqueles dias, a verdade não foi convidada para a festa.
Mas o que é verdade? Noel sabia: “A verdade, meu amor, mora num poço/ É Pilatos lá na Bília quem o diz.” Hoje, aqui, o poço não foi escavado. A água está turva. Jesus, naquele tempo, não respondeu a Pilatos quando ele, retoricamente, lhe perguntou: “Mas o que é a verdade?” Jesus bem sabia. Já tinha dito: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida.” E se calou. Essa era a resposta. Um dos velhos cínicos gregos, que denunciavam a hipocrisia com ações, não com palavras, não teria feito melhor. Mas a pergunta ficou no ar, porque corresponde a uma agonia muito antiga. Não possuímos a verdade. Não sabemos o que ela é. E isso nos desnorteia. Mas também nos dá norte para a grande questão da filosofia: O que é verdade?
Desde cedo os filósofos foram fazendo seus ensaios. Primeiro, no século VI a. C., os pré-socráticos ligaram verdade e não verdade, aparência e ocultação. Foi uma compreensão de grande beleza, porque não tinha a ver com a discurseira do Ocidente, mas com a vida e o mundo. Tudo se mostra e também se esconde, brilha e se apaga, como um farol. A verdade está no comum pertencimento do brilho à escuridão, da escuridão à luz. Perdemos essa bonita intuição. Tanto tempo passou! Já usei aqui, para dar-lhe um pouco de familiaridade, o exemplo das marés. A maré alta precisa que a terra se esconda para que o mar apareça. A maré baixa necessita a retração do mar: aí a terra se mostra. Foi assim que pensaram os pré-socráticos: escondimento/aparecimento; encobrimento/desencobrimento. Foi daí que tiramos a palavra “descoberta” para falar da verdade. Esquecemos o retraimento, a sombra sem a qual descoberta não há. Saímos do mundo da vida para a ordem dos discursos.
Essa reviravolta foi feita pelos grandes filósofos do século IV a. C., Platão e Aristóteles. Inventaram dialéticas e lógicas, artes da fala e do pensamento. A vida, isso que corre fora das palavras, é perigosa, argumentavam. Honestamente. Eles de fato procuravam a verdade, e desejavam protegê-la dos seus riscos. A verdade ficou na ordem do que se diz, se se diz bem, com correção.
No século XIII Santo Tomás encontrou uma bela formulação, que voltou a ter consideração pelo mundo. Mas aí o mundo, a vida, já eram “as coisas’’, as criaturas. A definição: “Adequação da coisa ao intelecto e do intelecto à coisa”. É preciso agora que o que se diz concorde com o que é. É necessário poder provar. Essa prova se fez, primeiro, pela evidência lógica — e aí ainda remetia à experiência aristotélica da verdade. Santo Tomás foi o mais grandioso discípulo de Aristóteles, tantos séculos depois. Mais tarde, com o advento das ciências, a partir dos séculos XVI/XVII, provar passou a exigir observação real, experimentação e cálculo. E a descoberta das leis que regem a verdade do Real. Essa concepção ainda nos é familiar.
Hoje, verdade não há mais. É o que nos ensinam os pós-modernos. Porque a verdade só pode ser ou não ser. Já se viu, não há meia verdade. E, dizem eles, não há mais esse tipo de coisa absoluta. O que há são versões. Opiniões. Narrativas. (Essa palavra tornou-se irritantemente frequente nos últimos dias.)
Mas a verdade, na sua sombra que sofre, está lá. Ela nos diz que um fato ou aconteceu, ou não. Ou é o que se diz dele, ou não. O sofrimento da verdade é que ninguém mais esteja interessado nisso. Uma boa versão (“robusta”, gostam de dizer) dá conta do recado. Recado... A verdade, coitada, que recobre a vida e o mundo, recado...
Vida dura, a da verdade. Mas um dia ela volta. E, quando sua luz iluminar os plenários, vai se ver quem afinal estava nu.
Em geral é o rei.
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