As manifestações do “Fora Temer”, por exemplo, mais que previsíveis, eram óbvias. Jus Sperniandi. Nos limites da democracia e sem violência, são tão legítimas quanto as mobilizações pelo “Fora Dilma”. Um país politicamente saudável convive bem com a diversidade de interesses e valores, com as duas turmas. E até as precifica nas estratégias dos agentes políticos e econômicos – o bom governo é aquele que se antecipa. Incrível que isto não estivesse nos radares da rodada turma do PMDB.
A começar pelo próprio presidente, o governo reagiu mal ao buscar desqualificar as manifestações. Se foi pensado, foi um tiro no pé. Algumas pessoas não nasceram para a ironia; a provocação de Michel Temer em relação às “quarenta pessoas que quebram carro” é exemplo disto. Revela, ao final, um erro ao qual um político realmente experiente não deve se dar ao direito. E, na situação presente, muito menos ao luxo.
Outra lambança: como em 2013, mais uma vez o governador Alckmin e sua Polícia Militar entraram em cena como quem leva galões de gasolina à festa do fogo. Que a PM paulista é truculenta já se sabe; mas foi posta em questão se é também politicamente repressiva. Não sendo, o fiasco fica por conta da comunicação do governo, incapaz de demonstrar que antes a polícia reage aos excessos de parte dos manifestantes do que por moto e projetos autoritários. O que será?
O governador não esclarece e até confunde com figurino de durão que não lhe cabe bem. Sua retórica furibunda agrava a situação e lhe compromete a reputação e o futuro. Menos ainda ajuda que fique em silêncio quando seu comandante da PM debocha do destino de uma estudante que perdera a vista num dos embates com a tropa. A sensatez foi morar aonde?
Sinal evidente de que as coisas estão mal encaminhadas é que as manifestações do “Fora Temer”, que deveriam minguar pelo fato consumado, vão, ao contrário, se fortalecendo.
Vão num crescendo, numa escalada. É difícil de prever em que ponto possam chegar: muitos dos manifestantes afirmam não se tratar de um “Volta Dilma” – o que seria impossível – ou de um reforço ao destroçado Lula; mas de uma corajosa e necessária defesa do democrático direito à expressão.
Nesse espírito, pedem eleições diretas e tentam atrair parte da sociedade que ficou contrária ao PT, mas nem por isso morre de amores por Temer ou pelo PMDB — também alvo da Lava Jato.
Já há articulações em busca de algo mais concreto que o simples protesto. Com a promessa de reviver o glorioso clima da campanha das diretas-já, de 1983/84, atos e comícios repletos de artistas estariam sendo organizados. Nostalgia, romantismo, princípios, ressentimento ou realidade? O tempo dirá.
O problema é mesmo o tempo: enquanto ele corre, as fragilidades do próprio movimento agem como fagulhas para a combustão geral: ter o PT à frente do processo parece uma má escolha que, ao mesmo tempo em que cresce na contestação a Temer, também se consolida como barreira àqueles que, embora não morram de amores pelo PMDB, nem por hipótese admitem a volta o PT ao controle do país. Contra ou a favor, a volta do PT parece delírio, mas é impressionante como há seres delirantes, neste momento, no país.
Logo, se os propósitos das manifestações do “Fora Temer” forem mesmo de princípios –democráticos, vinculado à garantia de direitos civis –, a partidarização dos protestos pode significar um brutal erro tático e estratégico: aguçam conflito, radicalizam o clima político, e fecham às portas para qualquer diálogo. Diálogo imprescindível, em horas como estas.
Certo ou errado, justo ou não, grande parte da sociedade – se não ainda a maioria – encara o PT como seu grande antagonista. Não haveria acordo sobre isto; o fantasma da improvável ressuscitação de Lula arrasta correntes; faz correr aos terreiros e exige despachos. Um movimento “Fora Temer “identificado com o PT desperta a reação dos contrários ao antigo partido cuja esperança venceria o medo.
Tomara que não — isto ainda é especulação; oxalá precipitação –, mas o clima pode, assim, se radicalizar. Posições sectárias afetando expectativas comprometendo ainda mais a economia sem perspectivas mais céleres investimentos e diminuição de desemprego. Com crise fiscal, sem o colchão de políticas sociais, a contestação e os conflitos só aumentam. É tal circulo vicioso. O caldo de cultura para a emersão da besta do populismo de esquerda ou de direita pode estar sendo cozido.
O problema maior é que faltam forças políticas para administrar o processo e leva-lo a porto seguro; tramar a conciliação das ruas, erguer pactos; reverter expectativas. Quem o faria: Temer, Lula, Aécio, Alckmin, Serra, Marina, Ciro, Bolsonaro? Há nulidades, sobram incendiários. Quem será o bombeiro?
Diz-se que Golbery do Couto e Silva, chefe do Gabinete Civil de Geisel, naqueles anos de chumbo, teria chamado Thales Ramalho, secretário-geral do MDB, e combinado: “vocês seguram os seus radicais e nós seguramos os nossos”. Hoje, não parece haver ninguém com disposição para isto – nem para falar, nem para escutar. Solto e sozinho, “o diabo na rua, no meio do redemoinho”, assusta. Que seja por precipitação. Como diria Riobaldo, “deus esteja!”
Carlos Melo
Nenhum comentário:
Postar um comentário