quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024
Fracasso moral do mundo em Gaza deveria envergonhar a todos
No momento em que o G20 se reúne no Brasil nesta semana, o número relatado de mortes nas hostilidades na Faixa de Gaza está se aproximando da marca dos 30 mil. Espero que tal fato dê motivos para que os chanceleres reunidos no Rio de Janeiro reflitam sobre o que seus países fizeram ou não fizeram para parar essa situação.
Dizer que a guerra em Gaza é cruel e constitui um exemplo de fracasso humanitário absoluto não é novidade. Não há necessidade de reafirmar o óbvio. Em vez disso, permitam-me que, em nome dos meus colegas humanitários, faça um alerta não só para o dia de hoje mas também para o que receio que aconteçerá amanhã.
O que tem ocorrido em Gaza nos últimos 137 dias é incomparável na sua intensidade, brutalidade e alcance. Dezenas de milhares de pessoas mortas, feridas ou enterradas sob os escombros. Bairros inteiros arrasados. Centenas de milhares de pessoas deslocadas, vivendo nas condições mais precárias, que foram agravadas com a chegada do inverno. Meio milhão de pessoas à beira da fome e sem acesso às necessidades mais elementares: alimentos, água, cuidados de saúde, latrinas. Uma população inteira está sendo destituída da sua humanidade.
As atrocidades que assolam o povo de Gaza —e a tragédia humanitária que estão suportando— estão à vista do mundo, documentadas por corajosos jornalistas palestinos, muitos dos quais foram mortos enquanto o faziam.
Ninguém pode fingir que não sabe o que está acontecendo.
Ninguém pode fingir também que não sabe que as agências humanitárias estão fazendo o seu melhor: Cerca de 160 dos nossos colegas foram mortos, mas as nossas equipes continuam a distribuir alimentos, material médico e água potável. Estamos fazendo tudo o que podemos, apesar dos riscos de segurança, do colapso da lei e da ordem, das restrições de acesso e das tragédias pessoais. Apesar do corte de financiamento da maior organização da ONU em Gaza. E apesar das tentativas deliberadas de nos desacreditar.
A comunidade humanitária que represento acaba de publicar um plano que descreve o que precisamos para aumentar o fluxo e a distribuição de ajuda em Gaza. Nenhum dos pontos do plano é irracional: garantias de segurança; melhoria do sistema de notificação humanitária para reduzir os riscos; equipamento de telecomunicações; remoção de munições não detonadas; utilização de todos os pontos de entrada possíveis.
Mas embora eu tenha dito muitas vezes que a esperança é a moeda do profissional de ajuda humanitária, tenho pouca esperança de que as autoridades nos forneçam o que precisamos para atuar. Quero muito que me provem que estou errado.
Sabemos, sem sombra de dúvida, que as agências humanitárias serão responsabilizadas —já estamos sendo responsabilizados— pela falta de ajuda em Gaza, apesar da coragem, do empenho e do sacrifício de todas as nossas equipes no terreno.
Mas não nos enganemos: as privações impostas à população de Gaza têm sido tão severas que nenhuma quantidade de ajuda humanitária é suficiente. Os obstáculos que estamos enfrentando a cada passo são tão grandes que só podemos fornecer o mínimo necessário.
Os ataques de 7 de outubro contra Israel são abomináveis — condenei-os repetidamente e continuarei a fazê-lo. Mas não podem justificar o que está acontecendo com todas as crianças, mulheres e homens em Gaza. Por isso, a minha mensagem aos chanceleres do G20 nesta semana é clara: temos implorado a Israel, enquanto potência ocupante em Gaza, que facilite a entrega de ajuda —com pouco ou nenhum sucesso. Temos apelado à libertação imediata e incondicional de todos os reféns, com pouco ou nenhum resultado.
Temos instado as partes a cumprirem as suas obrigações de acordo com o direito internacional humanitário e de direitos humanos, com pouco ou nenhum resultado.
Temos exortado os países que deixaram de financiar a Agência da ONU de Assistência aos Refugiados Palestinos (UNRWA) a reverterem a sua decisão —com pouco ou nenhum resultado.
Hoje, imploramos a vocês, membros do G20, que usem a liderança e influência política para ajudar a pôr fim a esta guerra e salvar a população de Gaza. Vocês têm o poder de fazer a diferença. Usem-no.
O silêncio e a falta de ação de vocês só contribuirão para que mais mulheres e crianças sejam jogadas nas valas comuns de Gaza.
As agências humanitárias estão fazendo tudo o que podem. E vocês, o que estão fazendo?
Dizer que a guerra em Gaza é cruel e constitui um exemplo de fracasso humanitário absoluto não é novidade. Não há necessidade de reafirmar o óbvio. Em vez disso, permitam-me que, em nome dos meus colegas humanitários, faça um alerta não só para o dia de hoje mas também para o que receio que aconteçerá amanhã.
O que tem ocorrido em Gaza nos últimos 137 dias é incomparável na sua intensidade, brutalidade e alcance. Dezenas de milhares de pessoas mortas, feridas ou enterradas sob os escombros. Bairros inteiros arrasados. Centenas de milhares de pessoas deslocadas, vivendo nas condições mais precárias, que foram agravadas com a chegada do inverno. Meio milhão de pessoas à beira da fome e sem acesso às necessidades mais elementares: alimentos, água, cuidados de saúde, latrinas. Uma população inteira está sendo destituída da sua humanidade.
As atrocidades que assolam o povo de Gaza —e a tragédia humanitária que estão suportando— estão à vista do mundo, documentadas por corajosos jornalistas palestinos, muitos dos quais foram mortos enquanto o faziam.
Ninguém pode fingir que não sabe o que está acontecendo.
Ninguém pode fingir também que não sabe que as agências humanitárias estão fazendo o seu melhor: Cerca de 160 dos nossos colegas foram mortos, mas as nossas equipes continuam a distribuir alimentos, material médico e água potável. Estamos fazendo tudo o que podemos, apesar dos riscos de segurança, do colapso da lei e da ordem, das restrições de acesso e das tragédias pessoais. Apesar do corte de financiamento da maior organização da ONU em Gaza. E apesar das tentativas deliberadas de nos desacreditar.
A comunidade humanitária que represento acaba de publicar um plano que descreve o que precisamos para aumentar o fluxo e a distribuição de ajuda em Gaza. Nenhum dos pontos do plano é irracional: garantias de segurança; melhoria do sistema de notificação humanitária para reduzir os riscos; equipamento de telecomunicações; remoção de munições não detonadas; utilização de todos os pontos de entrada possíveis.
Mas embora eu tenha dito muitas vezes que a esperança é a moeda do profissional de ajuda humanitária, tenho pouca esperança de que as autoridades nos forneçam o que precisamos para atuar. Quero muito que me provem que estou errado.
Sabemos, sem sombra de dúvida, que as agências humanitárias serão responsabilizadas —já estamos sendo responsabilizados— pela falta de ajuda em Gaza, apesar da coragem, do empenho e do sacrifício de todas as nossas equipes no terreno.
Mas não nos enganemos: as privações impostas à população de Gaza têm sido tão severas que nenhuma quantidade de ajuda humanitária é suficiente. Os obstáculos que estamos enfrentando a cada passo são tão grandes que só podemos fornecer o mínimo necessário.
Os ataques de 7 de outubro contra Israel são abomináveis — condenei-os repetidamente e continuarei a fazê-lo. Mas não podem justificar o que está acontecendo com todas as crianças, mulheres e homens em Gaza. Por isso, a minha mensagem aos chanceleres do G20 nesta semana é clara: temos implorado a Israel, enquanto potência ocupante em Gaza, que facilite a entrega de ajuda —com pouco ou nenhum sucesso. Temos apelado à libertação imediata e incondicional de todos os reféns, com pouco ou nenhum resultado.
Temos instado as partes a cumprirem as suas obrigações de acordo com o direito internacional humanitário e de direitos humanos, com pouco ou nenhum resultado.
Temos exortado os países que deixaram de financiar a Agência da ONU de Assistência aos Refugiados Palestinos (UNRWA) a reverterem a sua decisão —com pouco ou nenhum resultado.
Hoje, imploramos a vocês, membros do G20, que usem a liderança e influência política para ajudar a pôr fim a esta guerra e salvar a população de Gaza. Vocês têm o poder de fazer a diferença. Usem-no.
O silêncio e a falta de ação de vocês só contribuirão para que mais mulheres e crianças sejam jogadas nas valas comuns de Gaza.
As agências humanitárias estão fazendo tudo o que podem. E vocês, o que estão fazendo?
Aquecimento global e descaso impulsionando dengue no Brasil
Resistindo às dores no quadril e nas visões pelo corpo, o aposentado Aramis de Lima, de 62 anos, assistiu com ruptura a um batalhão de funcionários de limpeza pública retirando cerca de duas toneladas de lixo e entulho do terreno vizinho a sua casa. Ele acredita que, se fossem feitas duas semanas antes, já no meio da rápida expansão da dengue , teria escapado de sua primeira contaminação pela doença.
“Aqui na rua, 90% dos moradores pegaram, certamente por causa desse lixo que estava acumulado”, acredita. "Minhas redes tiveram sintomas que provavelmente foram de dengue, mas eu tenho histórico de amputação, dores em decorrência disso, aí unidos com a doença e superados em dores muito fortes, espasmos musculares. Foi complicado", conta. Como sequela temporária, comum para a doença, ocorrem as situações pelo corpo.
Pelas ruas da Vila Jaguara, na zona oeste de São Paulo, não faltam áreas e terrenos que sejam alvos da indignação de Lima e seus vizinhos. Numa área de pouco mais de dois quilômetros quadrados, as equipes de saúde mapearam ao menos seis ferro-velhos e focos de acúmulo de lixo e entulho perfeitos para a procriação do Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue, do zika vírus E da chikungunya .
Paralelamente, 7.369 imóveis receberam instruções com inseticida ou assistência social para evitar os focos do mosquito entre dezembro do ano passado e janeiro deste ano.
Os esforços, porém, não tiveram sucesso e não impediram a Vila Jaguara de deter o título de epicentro da dengue no município de São Paulo. Por lá, a taxa de contaminação é 28 vezes maior que a média paulistana. No Brasil, perde apenas para o Distrito Federal, onde cerca de 2,5% da população contraiu o vírus da dengue nos últimos meses.
Em condições normais de temperatura e chuva, o ciclo de vida do Aedes aegypti, da colocação dos ovos até a formação do mosquito, é de sete a dez dias, explica o coordenador de vigilância em saúde da capital paulista, Luiz Artur Caldeira.
“Se a condição for, por exemplo, de muito calor intenso, esse período pode baixar para até quatro dias, dobrando assim o número de mosquitos em relação ao ciclo normal”, alerta. "Isso é algo que ocorre em boa parte do país desde pelo menos setembro do ano passado, muito por conta do El Niño ", afirma, referindo-se às características caracterizadas pelo aquecimento anormal e persistente da superfície do Oceano Pacífico na região da Linha do Equador.
Especialistas vem alertando que as previsões climáticas extremos de 2023 são fruto direto do aquecimento global provocado pela ação humana. No entendimento do epidemiologista e professor da USP Paulo Lotufo, o que a atual epidemia de dengue ilustra é a extensão dos impactos que as mudanças climáticas geram sobre as populações humanas.
"Quanto maior para o aquecimento do planeta, mais o mosquito vai conseguir se reproduzir. Tanto é assim que ele já está chegando a lugares onde há muito tempo não estava, como Estados Unidos e Argentina. Até bem pouco tempo seria inimaginável fazer fumigação às margens do rio Sena, em Paris, para eliminação do Aedes ”, explica.
Com o calor dos últimos meses, os brasileiros vêm sofrendo na própria saúde essa explosão da armadilha dos mosquitos. Em todo o país, o número de casos confirmados ou sob suspeita de dengue já passa de 653 mil — ou um infectado a cada 347 mil brasileiros. No mesmo período de 2023, o número de casos não chegou a 130 mil. Trata-se de um aumento de 294% de um ano para o outro, e que já provocou 113 mortes, enquanto 438 estão sendo investigadas.
Pelos dados do Ministério da Saúde, o avanço da dengue nunca foi tão rápido no Brasil, e o país pode chegar a 4,2 milhões de casos até o fim do ano.
“A taxa de letalidade da população varia de 3 a 7 por mil, ou seja, 0,3% a 0,7%. Quando eu falo que a taxa de letalidade da dengue é de cerca de 1%, o pessoal fala 'puxa, é pouco', mas não é! É o dobro do que é esperado sem a doença", ressalta Lotufo.
De todas as unidades da federação, o Distrito Federal apresenta o cenário mais complicado. Até 10 de fevereiro, dados do último boletim epidemiológico, foram registrados 23 óbitos pela doença em meio ao surto, que do ano passado para este explodiu em mais de 1.000%, atingindo quase todas as regiões com gravidade. Na capital do país, quase metade das mortes por dengue é de pessoas com mais de 60 anos.
Apesar da estimativa de que 70% da população da Vila Jaguara, em São Paulo, esteja nesse grupo, nenhuma morte foi registrada por dengue neste ano no bairro. O que não impede, entretanto, que os moradores mais velhos tenham a doença.
"Moro há 60 anos aqui e nunca vi nada parecido. Até mesmo minha filha e meus netos deixaram de me visitar nas últimas semanas por medo desse surto provocado pelo lixo espalhado. Esperamos que agora melhore, mas o repelente está sempre na mão, não desgrudamos dele", conta a aposentada Nanci Albanez, que diz aguardar ansiosamente pela vacina, que não tem prazo para chegar à maior cidade do país.
Por conta de limitações na produção da farmacêutica japonesa Takeda Pharma, o Ministério da Saúde comprou para este ano o suficiente para imunizar 2,5 milhões de pessoas com a vacina Qdenga . Por conta disso, apenas 10% de todos os municípios do país serão contemplados este ano, 11 deles em São Paulo, onde a vacinação começa nesta terça-feira, com crianças entre 10 e 11 anos na região do Alto Tietê .
A partir de 2025, entrará em campo ainda uma vacina desenvolvida pelo Instituto Butantan, que ao contrário da japonesa, exige aplicação única. O epidemiologista Paulo Lotufo, porém, enfatiza que a vacina é um auxiliar e que, agora e no futuro, o fundamental é reduzir o contato da população com o mosquito.
“Aqui na rua, 90% dos moradores pegaram, certamente por causa desse lixo que estava acumulado”, acredita. "Minhas redes tiveram sintomas que provavelmente foram de dengue, mas eu tenho histórico de amputação, dores em decorrência disso, aí unidos com a doença e superados em dores muito fortes, espasmos musculares. Foi complicado", conta. Como sequela temporária, comum para a doença, ocorrem as situações pelo corpo.
Pelas ruas da Vila Jaguara, na zona oeste de São Paulo, não faltam áreas e terrenos que sejam alvos da indignação de Lima e seus vizinhos. Numa área de pouco mais de dois quilômetros quadrados, as equipes de saúde mapearam ao menos seis ferro-velhos e focos de acúmulo de lixo e entulho perfeitos para a procriação do Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue, do zika vírus E da chikungunya .
Paralelamente, 7.369 imóveis receberam instruções com inseticida ou assistência social para evitar os focos do mosquito entre dezembro do ano passado e janeiro deste ano.
Os esforços, porém, não tiveram sucesso e não impediram a Vila Jaguara de deter o título de epicentro da dengue no município de São Paulo. Por lá, a taxa de contaminação é 28 vezes maior que a média paulistana. No Brasil, perde apenas para o Distrito Federal, onde cerca de 2,5% da população contraiu o vírus da dengue nos últimos meses.
Em condições normais de temperatura e chuva, o ciclo de vida do Aedes aegypti, da colocação dos ovos até a formação do mosquito, é de sete a dez dias, explica o coordenador de vigilância em saúde da capital paulista, Luiz Artur Caldeira.
“Se a condição for, por exemplo, de muito calor intenso, esse período pode baixar para até quatro dias, dobrando assim o número de mosquitos em relação ao ciclo normal”, alerta. "Isso é algo que ocorre em boa parte do país desde pelo menos setembro do ano passado, muito por conta do El Niño ", afirma, referindo-se às características caracterizadas pelo aquecimento anormal e persistente da superfície do Oceano Pacífico na região da Linha do Equador.
Especialistas vem alertando que as previsões climáticas extremos de 2023 são fruto direto do aquecimento global provocado pela ação humana. No entendimento do epidemiologista e professor da USP Paulo Lotufo, o que a atual epidemia de dengue ilustra é a extensão dos impactos que as mudanças climáticas geram sobre as populações humanas.
"Quanto maior para o aquecimento do planeta, mais o mosquito vai conseguir se reproduzir. Tanto é assim que ele já está chegando a lugares onde há muito tempo não estava, como Estados Unidos e Argentina. Até bem pouco tempo seria inimaginável fazer fumigação às margens do rio Sena, em Paris, para eliminação do Aedes ”, explica.
Com o calor dos últimos meses, os brasileiros vêm sofrendo na própria saúde essa explosão da armadilha dos mosquitos. Em todo o país, o número de casos confirmados ou sob suspeita de dengue já passa de 653 mil — ou um infectado a cada 347 mil brasileiros. No mesmo período de 2023, o número de casos não chegou a 130 mil. Trata-se de um aumento de 294% de um ano para o outro, e que já provocou 113 mortes, enquanto 438 estão sendo investigadas.
Pelos dados do Ministério da Saúde, o avanço da dengue nunca foi tão rápido no Brasil, e o país pode chegar a 4,2 milhões de casos até o fim do ano.
“A taxa de letalidade da população varia de 3 a 7 por mil, ou seja, 0,3% a 0,7%. Quando eu falo que a taxa de letalidade da dengue é de cerca de 1%, o pessoal fala 'puxa, é pouco', mas não é! É o dobro do que é esperado sem a doença", ressalta Lotufo.
De todas as unidades da federação, o Distrito Federal apresenta o cenário mais complicado. Até 10 de fevereiro, dados do último boletim epidemiológico, foram registrados 23 óbitos pela doença em meio ao surto, que do ano passado para este explodiu em mais de 1.000%, atingindo quase todas as regiões com gravidade. Na capital do país, quase metade das mortes por dengue é de pessoas com mais de 60 anos.
Apesar da estimativa de que 70% da população da Vila Jaguara, em São Paulo, esteja nesse grupo, nenhuma morte foi registrada por dengue neste ano no bairro. O que não impede, entretanto, que os moradores mais velhos tenham a doença.
"Moro há 60 anos aqui e nunca vi nada parecido. Até mesmo minha filha e meus netos deixaram de me visitar nas últimas semanas por medo desse surto provocado pelo lixo espalhado. Esperamos que agora melhore, mas o repelente está sempre na mão, não desgrudamos dele", conta a aposentada Nanci Albanez, que diz aguardar ansiosamente pela vacina, que não tem prazo para chegar à maior cidade do país.
Por conta de limitações na produção da farmacêutica japonesa Takeda Pharma, o Ministério da Saúde comprou para este ano o suficiente para imunizar 2,5 milhões de pessoas com a vacina Qdenga . Por conta disso, apenas 10% de todos os municípios do país serão contemplados este ano, 11 deles em São Paulo, onde a vacinação começa nesta terça-feira, com crianças entre 10 e 11 anos na região do Alto Tietê .
A partir de 2025, entrará em campo ainda uma vacina desenvolvida pelo Instituto Butantan, que ao contrário da japonesa, exige aplicação única. O epidemiologista Paulo Lotufo, porém, enfatiza que a vacina é um auxiliar e que, agora e no futuro, o fundamental é reduzir o contato da população com o mosquito.
O homem, a guerra, o desastre e o infortúnio
Que estranho bicho o homem. O que ele mais deseja no convívio inter-humano não é afinal a paz, a concórdia, o sossego coletivo. O que ele deseja realmente é a guerra, o risco ao menos disso, e no fundo o desastre, o infortúnio. Ele não foi feito para a conquista de seja o que for, mas só para o conquistar seja o que for. Poucos homens afirmaram que a guerra é um bem (Hegel, por exemplo), mas é isso que no fundo desejam. A guerra é o perigo, o desafio ao destino, a possibilidade de triunfo, mas sobretudo a inquietação em ação. Da paz se diz que é podre, porque é o estarmos recaídos sobre nós, a inatividade, a derrota que sobrevém não apenas ao que ficou derrotado, mas ainda ou sobretudo ao que venceu. O que ficou derrotado é o mais feliz pela necessidade iniludível de tentar de novo a sorte. Mas o que venceu não tem paz senão por algum tempo no seu coração alvoroçado. A guerra é o estado natural do bicho humano, ele não pode suportar a felicidade a que aspirou. Como o grupo de futebol, qualquer vitória alcançada é o estímulo insuportável para vencer outra vez.
Imaginar o mundo pacificado em aceitação e contentamento consigo é apenas o mito que justifique a continuação da guerra. A paz é insuportável como a pasmaceira. Nas situações mais vulgares, nós vemos a imperiosa necessidade de desafiar, irritar, provocar, agredir, sem razão nenhuma que não seja a de agitar a quietude, destruir a estagnação, fazer surgir o risco, a aventura. É o que leva o jogador a jogar, mesmo que não necessite de ganhar, pelo puro prazer de saborear o poder perder para a hipótese de não perder e ganhar. A excelência de nós próprios só se entende se se afirmar sobre o que o não é.
Numa sociedade de ricaços ninguém era feliz. Seria então necessário que por qualquer coisa houvesse alguns felizes sobre a infelicidade dos outros. O homem é o lobo do homem para que este possa ser o cordeiro daquele. Nenhuma luta se destina a criar a justiça, mas apenas a instaurar a injustiça. O homem é um ser sem remédio. Todo o remédio que ele quiser inventar é só para sobrepor a razão ao irracional que de fato é. Toda a história das guerras é uma parada de comédia para iludir a sua invencível condição de tragédia. A verdade dele é o crime. E tudo o mais é um pretexto para o disfarçar. A fábula do lobo e do cordeiro já disse tudo. A superioridade do homem sobre o lobo é que ele tem mais imaginação para inventar razões. A superioridade do homem sobre o lobo é que ele tem mais hábitos de educação. E a razão é uma forma de sermos educados.
Imaginar o mundo pacificado em aceitação e contentamento consigo é apenas o mito que justifique a continuação da guerra. A paz é insuportável como a pasmaceira. Nas situações mais vulgares, nós vemos a imperiosa necessidade de desafiar, irritar, provocar, agredir, sem razão nenhuma que não seja a de agitar a quietude, destruir a estagnação, fazer surgir o risco, a aventura. É o que leva o jogador a jogar, mesmo que não necessite de ganhar, pelo puro prazer de saborear o poder perder para a hipótese de não perder e ganhar. A excelência de nós próprios só se entende se se afirmar sobre o que o não é.
Numa sociedade de ricaços ninguém era feliz. Seria então necessário que por qualquer coisa houvesse alguns felizes sobre a infelicidade dos outros. O homem é o lobo do homem para que este possa ser o cordeiro daquele. Nenhuma luta se destina a criar a justiça, mas apenas a instaurar a injustiça. O homem é um ser sem remédio. Todo o remédio que ele quiser inventar é só para sobrepor a razão ao irracional que de fato é. Toda a história das guerras é uma parada de comédia para iludir a sua invencível condição de tragédia. A verdade dele é o crime. E tudo o mais é um pretexto para o disfarçar. A fábula do lobo e do cordeiro já disse tudo. A superioridade do homem sobre o lobo é que ele tem mais imaginação para inventar razões. A superioridade do homem sobre o lobo é que ele tem mais hábitos de educação. E a razão é uma forma de sermos educados.
Vergílio Ferreira, "Conta-Corrente IV"
Sinuca de bico
Moramos num país tropical, abençoado por Deus, bonito por natureza e dirigido, na maior parte do tempo e dos locais, por pessoas preocupadas consigo mesmas e não em construir um país melhor.
A natureza responde conforme a tratamos: semeie ventos e colha tempestades! Como os danos que lhe causamos são enormes e crescentes, suas respostas são cada vez mais severas. Tratamos muito mal também nossos semelhantes: 70% da espécie vive em desnecessária pobreza, com menos de US$10,00/dia! Esses dois resultados precisam ser revertidos, alterando aquilo que os causam: a busca permanente de “mais”! Mais poder! Mais dinheiro! Mais vendas! Mais consumo! Mais viagens! E, como resultado, menos água! Como será viver sem água?
Vimos a recente seca recorde na Amazônia. A Espanha sofre outra, inédita. Na Catalunha há campanhas intensas para que as pessoas poupem água (se o serviço de água for privado, tal tipo de campanha ocorrerá? Alguém imagina a Coca-Cola, grande consumidora de água, defendendo a redução do seu consumo?) Lá, mais de 6 milhões de pessoas sofrem restrições de consumo; os jardins não mais são molhados, as fontes estão secas, os chuveiros nas praias e piscinas fechados, hotéis encheram piscinas com água do mar e os fazendeiros, que não mais podem irrigar suas plantações, deverão reduzir em 50% o uso de água para seus rebanhos, sob pena de multas. Na Andaluzia, a seca já dura 8 anos, com danos à produção de azeite. Em 2023, a seca na Espanha ficou entre os dez mais caros desastres climáticos no mundo. Como será viver sem água?
Desde 1990, a área do Brasil coberta por água diminuiu 15% e, mantida a busca por “mais”, continuará a cair! Essa alarmante situação não mereceu atenção da imprensa, das redes sociais, dos nossos governantes! E nada de política pública capaz de impedir o agravamento do quadro. Reverter essa tendência horripilante exige políticas que implicarão sacrifícios no curto prazo, em especial dos mais ricos, para que os filhos e netos de todos nós tenham chance de viver, dentro de 20 ou 30 anos, sem sofrer respostas ainda mais drásticas da mãe natureza.
Essa desatenção dos políticos com o longo prazo não é apenas brasileira. Ela resulta de um sistema de eleições periódicas que dá mais chances aos mais ricos e induz os eleitos a se preocuparem, acima de tudo, com sua reeleição, ou seja, com o curto prazo! Não se trata, claro, de acabar com as eleições, mas de mudar as regras do jogo, tornando-o mais, muito mais democrático! Mas, como mudar tais regras nesse sentido, se elas são definidas pelos eleitos, (quase sempre) ricos, focados na próxima eleição e desejosos, cada vez mais, em mudar as regras em seu favor?
Triste situação da democracia ocidental! Como sair dessa sinuca? Não apoiar demagogos que prometem o impossível, o paraíso no curto prazo, mas sim quem diga verdades, defina objetivos viáveis e claros, aponte ganhos e perdas, hoje e amanhã, e traduza em linguagem motivadora as medidas necessárias para trilhar esse novo caminho. Alguém à vista com tais qualidades?
A natureza responde conforme a tratamos: semeie ventos e colha tempestades! Como os danos que lhe causamos são enormes e crescentes, suas respostas são cada vez mais severas. Tratamos muito mal também nossos semelhantes: 70% da espécie vive em desnecessária pobreza, com menos de US$10,00/dia! Esses dois resultados precisam ser revertidos, alterando aquilo que os causam: a busca permanente de “mais”! Mais poder! Mais dinheiro! Mais vendas! Mais consumo! Mais viagens! E, como resultado, menos água! Como será viver sem água?
Vimos a recente seca recorde na Amazônia. A Espanha sofre outra, inédita. Na Catalunha há campanhas intensas para que as pessoas poupem água (se o serviço de água for privado, tal tipo de campanha ocorrerá? Alguém imagina a Coca-Cola, grande consumidora de água, defendendo a redução do seu consumo?) Lá, mais de 6 milhões de pessoas sofrem restrições de consumo; os jardins não mais são molhados, as fontes estão secas, os chuveiros nas praias e piscinas fechados, hotéis encheram piscinas com água do mar e os fazendeiros, que não mais podem irrigar suas plantações, deverão reduzir em 50% o uso de água para seus rebanhos, sob pena de multas. Na Andaluzia, a seca já dura 8 anos, com danos à produção de azeite. Em 2023, a seca na Espanha ficou entre os dez mais caros desastres climáticos no mundo. Como será viver sem água?
Desde 1990, a área do Brasil coberta por água diminuiu 15% e, mantida a busca por “mais”, continuará a cair! Essa alarmante situação não mereceu atenção da imprensa, das redes sociais, dos nossos governantes! E nada de política pública capaz de impedir o agravamento do quadro. Reverter essa tendência horripilante exige políticas que implicarão sacrifícios no curto prazo, em especial dos mais ricos, para que os filhos e netos de todos nós tenham chance de viver, dentro de 20 ou 30 anos, sem sofrer respostas ainda mais drásticas da mãe natureza.
Essa desatenção dos políticos com o longo prazo não é apenas brasileira. Ela resulta de um sistema de eleições periódicas que dá mais chances aos mais ricos e induz os eleitos a se preocuparem, acima de tudo, com sua reeleição, ou seja, com o curto prazo! Não se trata, claro, de acabar com as eleições, mas de mudar as regras do jogo, tornando-o mais, muito mais democrático! Mas, como mudar tais regras nesse sentido, se elas são definidas pelos eleitos, (quase sempre) ricos, focados na próxima eleição e desejosos, cada vez mais, em mudar as regras em seu favor?
Triste situação da democracia ocidental! Como sair dessa sinuca? Não apoiar demagogos que prometem o impossível, o paraíso no curto prazo, mas sim quem diga verdades, defina objetivos viáveis e claros, aponte ganhos e perdas, hoje e amanhã, e traduza em linguagem motivadora as medidas necessárias para trilhar esse novo caminho. Alguém à vista com tais qualidades?
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