terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Vencido pelo vírus, Bolsonaro quer ganhar a guerra da vacina

Credite-se a João Doria (PSDB), governador de São Paulo, a mudança de comportamento do presidente Jair Bolsonaro de sair às pressas em busca de vacinas contra o coronavírus, quanto mais não seja para poder dizer que não ficou para trás.

Doria promete dar início à vacinação no seu Estado antes do fim de janeiro nem que para isso tenha de apelar à justiça. O Ministério da Saúde havia falado em vacinar a partir de abril. Depois em março, em fevereiro, e agora, se tudo der certo, logo.

A vacina chinesa está sendo produzida em larga escala pelo Instituto Butantã, em São Paulo. Por ora, o governo federal não tem uma vacina para chamar de sua, daí o desespero. Precisa dispor de algumas doses para pelo menos tirar fotos.

Durante a 2ª Guerra Mundial, ganhou o nome de “Guerra de Mentira” o período entre 3 de setembro de 1939 e 10 de maio de 1940. A Alemanha nazista invadira a Holanda, Bélgica e França. A França e o Reino Unido declararam guerra à Alemanha.

Foram oito meses sem verdadeiros combates armados. Os dois lados se observavam à distância segura. Quem tinha a iniciativa era a Alemanha. E quando ela finalmente foi para cima derrotou com facilidade o Exército francês, o mais poderoso da época.



Bolsonaro perdeu a guerra contra a pandemia quando se recusou a travá-la, preferindo dar passe livre à Covid-19 para que matasse quem tivesse de morrer. Imagina ganhar a da vacina que não passará de fato de uma guerra de mentira.

O vencedor não será aquele que vacinar por aqui o primeiro brasileiro, mas o que vacinar o maior número possível de brasileiros em prazo regularmente curto. E, nesse caso, como foi mais previdente e acordou cedo, Doria deverá vencê-la.

Nesta quinta-feira, o governo de São Paulo pedirá à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a autorização para o uso emergencial da CoronaVac, a vacina chinesa. A Anvisa terá dez dias para autorizar ou não sua aplicação.

Se autorizar, Doria terá largado na frente. Se não autorizar, ficará como vítima de Bolsonaro – e o presidente, como principal algoz de um país que se aproxima da marca de 200 mil mortos pelo vírus e de quase 8 milhões de infectados.

O Ministério da Saúde já quis ter o monopólio da vacinação. Como sequer conseguiu comprar seringas e agulhas, passou a admitir que poderá trabalhar em conjunto com clínicas privadas que as adquirirem e que disponham também de vacinas.

Como sempre, quem tiver dinheiro para pagar será vacinado primeiro. O ministério nega que isso possa acontecer. Mas você acredita?

Pensamento do Dia

 


A irresponsabilidade da divisão

O presidente eleito em 2018 surpreende sempre para pior. Nesta semana, foi o deboche para se referir à tortura sofrida por sua antecessora, a presidente Dilma Rousseff, quando jovem militante contra a ditadura. Só este gesto demonstra sua psicologia política doentia. Mas na mesma semana, disse “estar nem aí” para a demora em aprovar e distribuir a vacina contra o corona vírus, debochando também do sofrimento de milhões e da morte de 200 mil pessoas, que o elegeram para gerenciar nossa saúde. Bolsonaro já provou seu despreparo técnico e psicológico para cuidar do presente e conduzir ao futuro, mas também provou estar preparado para a politicagem que elege os populistas irresponsáveis. Devido a este preparo cínico, ele pode se reeleger apesar do péssimo desempenho de seu governo em todas setores, até mesmo com a possível volta da inflação, se as forças democráticas não se unirem com uma alternativa e um nome que não sofra maior rejeição que ele.

Com seu despreparo e maldade, Bolsonaro foi eleito sobretudo pelos democratas-progressistas que estiveram no poder por 26 anos. Por nossos erros, especialmente pelo PT, o eleitor queria “outro”, qualquer que fosse. Bolsonaro conseguiu usar uma máscara de “outro”. E por nossa divisão que permitiu colocar no segundo turno um nome que seria melhor presidente do que o eleito, mas que provocava rejeição no eleitor.


O Brasil e seus eleitores não merecem que as lideranças democráticas, de direita ou esquerda, repitam os erros da divisão que leve ao segundo turno um nome com rejeição maior do que o presidente com apesar de sua psicológica política doentia. Bolsonaro contará com um núcleo duro de simpatizantes que o colocarão no segundo turno.

Seria uma traição, que os democratas apresentem tantos nomes, que leve um núcleo duro de simpatizantes colocar no segundo turno um nome contrário ao Bolsonaro, mas que o elegerá na disputa entre os graus de rejeição e não de esperança. Não temos o direito de correr o risco de facilitar sua eleição pela rejeição ao seu concorrente. As lideranças democráticas lúcidas e responsáveis precisam se unir para construir uma alternativa capaz de chegar ao segundo turno e barrar a reeleição de Bolsonaro. Promover uma aliança com base em compromissos para um governo de transição que deixe as diferenças aflorar em 2026. Fizemos isto com Tancredo em 1985. Em 2022, temos a obrigação de repetir aquela unidade. Podemos exigir que o nome escolhido assuma o compromisso de não tentar a reeleição, que seu governo seja uma espécie de frente com compromissos básicos em comum.

Até aqui, a aliança para eleger o novo presidente da Câmara dos Deputados, a unidade na defesa do uso da ciência e a solidariedade à ex-presidente Dilma nos permitem esperança na possibilidade de uma unidade por uma presidência com sanidade mental e valores democráticos.
Cristovam Buarque 

Que o governo cumpra seu dever

Tudo é relativo na área dos costumes e das circunstâncias. O que é bom para uns, não o é para outros. Daí a divergência que existe quando o assunto é, por exemplo, política, religião e esportes. Cada qual tem sua opinião. O ditado é conhecido: no Brasil, há 100 milhões de técnicos de futebol. Mas só mesmo os fanáticos e lunáticos discordam diante de evidências cristalinas resultantes dos fatos vistos, apurados e medidos estatisticamente.

Estamos iniciando o ano de 2021 com uma conta exibida todos os dias pelos meios de comunicação: cerca de 200 mil mortos pela Covid 19. Há quem duvide disso? Há, alguns abestalhados que vivem às margens da realidade.

Esse número poderia ser bem menor? Sim, se o nosso governo federal estivesse bancando, desde o início da pandemia, a luta contra o vírus. Mas o que vimos e continuamos a ver é um governo insensível à morte de milhares de brasileiros, atribuindo esse morticínio a governos estaduais, prefeitos e até ao Supremo Tribunal Federal, que delegou a Estados e Municípios o poder para organizar as ações de combate ao coronavírus.


E o que faz nosso presidente? Continua a desprezar os números e, pior, a descumprir as normas de segurança sanitária, como se viu nesta sexta ao nadar até a praia para abraçar correligionários, sem usar máscara, ou em outros termos, promovendo a desobediência civil. Até parece que Bolsonaro tem interesse na meta de o Brasil bater o recorde de mortes no mundo. A absurda hipótese abre outras ideias amalucadas: quanto mais mortos, principalmente de velhos, menor peso na balança da previdência. Assim, se a população brasileira está indo para o buraco, melhor para as contas do governo. O curioso é que as estapafúrdias hipóteses estão se espalhando sob o olhar de um entorno composto por altos perfis das Forças Armadas.

Um grupamento profissional que garante a segurança e a soberania da Nação, dessa forma, começa a ver sua imagem corroída por atos do presidente, atos que desafiam a ciência, o bom senso e os valores da dignidade, decência, zelo, disciplina e moral, inerentes aos sistemas democráticos. Há, então, alguma razão para isso? Sim, a causa se ancora no populismo, essa doença que desmantela as democracias, principalmente as latino-americanas, e que objetiva atrair para os governantes o apoio das massas, principalmente os contingentes incultos.

O pior é o que populismo, ao fim e ao cabo, acaba se tornando uma barreira ao avanço civilizatório, na medida em que a racionalidade, os bons costumes e os padrões de uma política sem ismos( caciquismo, familismo, nepotismo, grupismo, coronelismo, fisiologismo) são jogados no lixo. O resultado de todo esse processo é a corrupção, que, sob formas variadas, grassa na administração. Conclusão: o governo Bolsonaro, eleito sob a bandeira anti-corrupção, acaba ele mesmo endossando sua expansão. O fatiamento da estrutura é o preço. Triste Brasil.

2021 abre-se sob a continuidade da pandemia, cujo recrudescimento é geral em todas as regiões do país, e ainda com a imagem de um presidente que fomenta aglomerações e quebra da ordem sanitária pelos lugares que frequenta. Onde está o bom senso? Como será o terceiro ano de um governo que ostenta desprezo pela saúde dos brasileiros? Onde está o ministro da saúde, um general especializado em logística? O que dizem os oficiais renomados de nossas Forças? O sistema político cooptado não tem vergonha de ir ao balcão de recompensas? Quando teremos a vacina para imunizar pelo menos 170 milhões de brasileiros? Que imagem o Brasil construiu no mundo nesses desvairados tempos?

O governo Bolsonaro não tem mais desculpas a fazer. O Brasil espera que ele cumpra seu dever.
Gaudêncio Torquato

Brasil tem muito a desaprender com Bolsonaro

Governar é como desenhar sem borracha. Impossível apagar os erros. Mas pode-se corrigir o traçado. O ano novo se apresentou para Bolsonaro como uma folha de papel em branco. Depois de empurrar o Brasil para um mato sem vacinas, o capitão teve a chance de traçar novas coordenadas para sua administração. Preferiu renovar para 2021 todas as resoluções que conduziram o país para o descalabro sanitário de 2020.

Em plena noite de Réveillon, Bolsonaro levou ao ar, nas redes sociais, a última live presidencial do ano. Nela, reiterou: "Não vou tomar a vacina." Estimulou: "Não tem que ter medo dá hidroxicloroquina. Comigo deu certo." Desaconselhou: "A máscara não protege de nada, isso é uma ficção." Receitou: "Uma forma de blindar a Covid é a vitamina D. Então, você pega sol."



Bolsonaro aproveitou para justificar a dificuldade que o Ministério da Saúde enfrenta na compra de seringas para injetar no braço dos brasileiros as vacinas ainda indisponíveis no país: "Vocês sabem para quanto foi o preço da seringa no Brasil? O preço foi lá para cima.".

O presidente não explicou por que seu governo esperou que o preço das seringas escalasse as nuvens. Alheio à lei da oferta e da procura, Bolsonaro falou sobre a compra de vacinas como se planejasse adquirir bananas na feira: "Além da vacina da Pfizer, temos uma outra agora, da Moderna, que poderá ser adquirida para o Brasil. O que falta? Falta decidir quem vai tomar e quem não vai tomar a vacina."

Há um clima de novidade burlesca e didática na insistência com que Bolsonaro reincide nos equívocos. É como se o presidente planejasse com esmero cada erro. Num instante em que o Brasil está prestes a amargar 200 mil mortos por Covid, já não faz sentido tentar compreender o capitão à luz do bom senso.

Bolsonaro deixou de ser um presidente. Virou uma caricatura. Parece decidido a desvendar a irresponsabilidade sanitária, praticando-a. O Brasil tem muito a desaprender com o mito. Sob Bolsonaro, o Planalto convive com uma crise de sanidade. Não é que o presidente sofre de insanidade. A questão é que ele desfruta dela. Bolsonaro nunca deixará a presidência, terá alta.