segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

O que devemos esperar do governo Bolsonaro?

A boa notícia é que a eleição acabou, desanuviando um pouco a poluição raivosa que pairava no ar e impedindo o prosseguimento das nefastas políticas e práticas protagonizadas pelo PT durante quatro mandatos consecutivos. A notícia ruim – ou mais ou menos ruim – é que as prioridades do governo Bolsonaro só agora começaram a ser de fato definidas.

Durante a campanha, como não podia deixar de ser, a única coisa séria levada aos ouvidos dos eleitores foi o imperativo do ajuste fiscal e, consequentemente, da reforma da Previdência. Falou-se também do indispensável combate ao crime, mas quanto a essa questão há um óbvio descasamento entre os quatro anos do mandato presidencial e os 20 anos ou mais de que necessitaremos para chegar a soluções sólidas e abrangentes. É, pois, perfeitamente razoável afirmar que a grande agenda do País – os grandes problemas que teremos de enfrentar no médio prazo – não deu o ar de sua graça.

O relativo otimismo que podemos sustentar está, pois, ancorado nos dramatis personae, quero dizer, na nomeação de Sergio Moro para um Ministério da Justiça expandido para incluir a magna questão da segurança pública e na equipe econômica, comandada por Paulo Guedes. Sobre Moro nada há a acrescentar; não fora sua firme atuação na Lava Jato, ainda teríamos apenas uma pálida ideia da dimensão da corrupção no Brasil. Paulo Guedes, diplomado por Chicago, pertence ao primeiro time dos economistas brasileiros e vem há muitos anos clamando por uma reforma liberal, o que no momento significa prioridade para o ajuste fiscal e alguma indicação clara no tocante à privatização.

No lado negativo da balança, penso que alguns membros do novo governo estão se precipitando sobre questões que no momento não requerem nenhum movimento de nossa parte, e que podem nos custar caro. O caso óbvio é a mudança de nossa embaixada em Israel para Jerusalém. Refletindo um pouco mais, o próprio presidente Jair Bolsonaro e o futuro ministro do Exterior concordarão que não devemos comprar brigas que não nos dizem respeito. O mesmo se deve dizer sobre um “alinhamento” mais estreito com os Estados Unidos na arena internacional. Salta aos olhos que a vocação brasileira é a de um global player, um protagonista global, papel para o qual contamos com todos os recursos necessários, desde logo uma base econômica diversificada e potencialmente robusta.

A área para a qual desejava chamar a atenção é, porém, a da educação, que avulta por larga margem sobre quase todas as outras. Ao ministro nomeado, Ricardo Vélez Rodríguez, por certo não faltam credenciais. É um sociólogo competente e um respeitado professor universitário. Não me consta que tenha em algum momento se concentrado sobre os problemas do sistema educacional brasileiro. Alguém poderá redarguir que nossas mazelas nessa área são óbvias, perceptíveis a olho nu. Eis aí uma noção equivocada. As mazelas – quero dizer os maus resultados do sistema – são de fato evidentes, mas a trama das causas e dos mecanismos que os engendram não o são. A vantagem, no caso, é que o dr. Vélez Rodríguez, com sua extensa experiência acadêmica, irá não só se debruçar sobre a matéria, mas ouvir muito e, por sorte, o Brasil dispõe de pelo menos uma dezena de especialistas de grande renome internacional. Se o ministro e meus eventuais leitores me permitem um palpite, direi que o fundamental é compreender a dimensão e a urgência da reforma necessária. Atrevo-me até a afirmar que “reforma” não é a palavra adequada. Na educação, precisamos é de uma verdadeira revolução, que abranja e chacoalhe de alto a baixo o atual o sistema em seus aspectos organizacionais e pedagógicos.

Em artigo publicado na semana passada neste jornal, intitulado O teatro principal, William Waack tocou num ponto sumamente importante: a necessidade de o novo governo não dispersar esforços. Concordo em número, gênero e grau. À parte a educação, à qual me referi no parágrafo anterior, o desafio a enfrentar é o ajuste fiscal, aí incluída a indispensável reforma da Previdência. Mas não vejo como concluir meu argumento sem me referir à questão política propriamente dita e, portanto, à reforma política que cedo ou tarde teremos de fazer. O quatriênio Bolsonaro terá de ser uma freada de arrumação, a reorganização da casa que o tsunami Dilma Rousseff tornou imperativa. Mas tenho a mais plena convicção de que o Brasil não atingirá a velocidade de que necessita no que tange ao crescimento econômico e à redistribuição da renda com o sistema político vigente.

Antigamente, quando a esquerda lia, pelo menos Marx ela lia, o que não deixava de ser uma base razoável. Dessa leitura ela extraía duas convicções passavelmente racionais. Primeiro, que a infraestrutura (ou seja, a base econômica) determinava a superestrutura (ou seja, as ideologias, as regras jurídicas, etc.). Segundo, a de que, de tempos em tempos, a infraestrutura (também chamada de “forças produtivas”) começava a ser tolhida, impedida de se expandir, pela superestrutura (também chamada de “relações de produção”). Enquanto tal restrição perdurasse, a sociedade acumularia tensões cada vez mais graves, que a certa altura resultariam num período de revolução social. Nessa visão, o sistema político da sociedade era de certa forma passivo, um espectador idiota que cedo ou tarde seria levado de roldão pela explosão das forças produtivas.

Qualquer que seja o mérito da tese de Marx em escala mundial, ao Brasil ela me parece decididamente inaplicável. Nossas forças produtivas estão há muito tolhidas por um sistema político sustentado por uma das piores combinações que a História inventou: o Estado patrimonialista, o famigerado “presidencialismo de coalizão” e o voraz corporativismo que permeia de alto a baixo a organização do poder nacional.

Paisagem brasileira

Casario, Renë

Cuidado com dezembro

O indulto de Temer e Pezão na cadeia são dois temas já batidos nesta manhã de segunda. Vejo um elo entre esses dois fatos, próximo de uma teoria conspiratória, mas não há razão para ocultá-lo. Tanto Temer quanto Pezão já trabalham de alguma forma com a ideia de uma passagem pela cadeia. É como se ja estivessem pensando numa próxima eleição, xerife da cela, quem sabe.

Temer sabe muito bem que incluir corruptos no seu indulto de Natal vai abrir um abismo maior ainda entre ele e a sociedade, que condenou pelo voto as velhas práticas da política brasileira. Mas, por outro lado, vai aumentar seu crédito junto aos presos, não só os que participavam da aliança no governo, mas também os do seu próprio partido: ex-ministros, parceiros como Eduardo Cunha.

Pezão declarou que tinha saudades de Sérgio Cabral e gostaria de abraçá-lo na cadeia. Disse também que gostaria de encontrar Lula. Nunca se sabe para onde vão te levar após a prisão.

Não é correta, se essa ideia for verdadeira, a tese de que os políticos brasileiros não veem um palmo diante do nariz. Quando houver tempo, poderemos até investigar os reflexos da passagem de tantos dirigentes pelas cadeias que alguns até ignoravam como funcionam.


Por enquanto, ainda temos que lidar com os seus rastros em liberdade. O indulto é um deles. É possível indultar presos por corrupção? A maioria dos ministros disse sim, afirmando que não há restrições a esse crime. Tratam de um presidente abstrato. Temer é investigado, duas vezes a Câmara lhe forneceu uma blindagem. Ele vai libertar presos da Lava-Jato, a mesma operação que desmantelou toda a quadrilha da qual é um dos principais remanescentes em liberdade.

Nessas circunstâncias, só resta o protesto nas ruas. Mas, ainda assim, o tema nos colhe num mês ingrato para protestos. Há 50 anos, o regime militar lançou o AI-5, endurecendo sua política e realizando a censura nos jornais com a presença de seus agentes no interior das redações.

O aniversário de meio século do AI-5 será no dia 13. Uma das lembranças mais nítidas que tenho do período foi, precisamente, a dificuldade de protestar. Não nos prendiam por isso, mas era um período de Natal: o “blim blão” dos sinos, o farfalhar de papéis enrolando presentes, o panetone em promoção. Ninguém queria saber de AI-5. Ainda bem que dezembro de 68 está longe, tanto o país quanto o Natal devem ter mudado nesse período. De qualquer forma, cuidado com dezembro.

Mais próximo de minha memória está a aventura de ter feito política no Rio de Janeiro e tentar, de alguma, forma derrubar a máfia bilionária que acabou arruinando o estado.

Em 2010, por exemplo, Cabral já gastava fortuna com robôs na internet. Chegamos a reunir documentos para oferecer à imprensa. Os robôs não falavam inglês, mas tinham um forte sotaque, escreviam frases grosseiramente traduzidas. Ninguém se interessou. O tema era era muito abstrato naquela época. Era o mesmo que falar do rombo na camada de ozônio: ninguém o notava a olho nu.

Apesar de tudo, não restou ressentimento. Sobretudo no caso de Pezão. Em muitos desastres, o encontrei trabalhando. Sérgio Cabral não visitava os locais de tragédia. Como jornalista, entretanto, não pude deixar de comentar um tema, naquela época do escândalo dos guardanapos. O apartamento de Pezão tinha sido assaltado no Leblon e, segundo a notícia, foram levadas muitas joias. Soou estranho para mim que um homem aparentemente simples tivesse muitas joias em casa. O tempo passou, eles foram sendo presos aos poucos, hoje quase todo o governo está na cadeia, inclusive sua base parlamentar.

O Rio quebrou, foi preciso uma intervenção federal na segurança pública, o estado elegeu um homem desconhecido do grande publico até as vésperas da eleição. Às vezes tento esquecer todo esse período sinistro. Os principais atores estão presos. Isso conforta parcialmente a opinião pública. Mas o legado ainda vai nos assombrar durante muitos anos. Foi uma calamidade que passou em nossa vidas e algumas consciências se deixaram levar. Agora é juntar os cacos, abastecer o motor econômico do Rio com o petróleo que restou, e subir de novo a montanha. Pra cima, é preciso fôlego.
Pezão entrou, outros serão soltos por Temer, que um dia será preso tambem. Não é um caminho linear. Murilo Mendes tem um verso em que diz: “Ainda não estamos habituados com o mundo/ Nascer é muito comprido.”

No caso do Brasil, então, o parto é muito prolongado.

Direitos ao avesso

O que me parece grave é a junção dos dois direitos: dizer disparates públicos e simultaneamente ter conquistado um lugar político com direito a página no jornal 
Isabela Figueiredo

'Nunca esquecerei o choro delas'

"Foi a pior noite de toda a minha vida." Foi assim que Liz Carlson descreveu a descoberta de 145 baleias encalhadas em águas rasas e morrendo em uma praia remota da Nova Zelândia.

Blogueira de viagem americana, com 30 anos, Liz estava com um amigo fazendo uma caminhada de cinco dias na ilha Stewart quando elas se depararam com a cena trágica.


O que seria um longo e bonito trecho de praia deserta havia se tornado o local de uma desesperadora batalha pela vida: 145 baleias-piloto, encalhadas na maré-baixa, lutavam em agonia nas ondas suaves de uma área rasa.

"Foi um daqueles momentos de cair o queixo", relatou para a BBC. "Nós chegamos na praia por volta do pôr do Sol e avistamos algo nas águas rasas. Quando nos demos conta de que eram baleias, nós largamos tudo e saímos correndo em direção ao mar."

Liz já havia visto baleias selvagens antes, mas "nada pode prepará-lo para algo assim, foi horrível".
'O pior foi a futilidade'

Os dois amigos imediatamente buscaram encontrar alguma forma de ajudar, de puxar as baleias de volta para águas mais profundas. "Mas você rapidamente percebe que não pode fazer nada. Elas são muito grandes."

"A futilidade da situação foi o pior. As baleias estavam chorando umas para as outras. E nós não podíamos fazer nada para ajudá-las."

Incapazes de levar as baleias de volta para águas mais profundas, os amigos buscaram desesperadamente pensar em outras maneiras de ajudar. A ilha Stewart é remota, ao sul da principal e maior ilha da Nova Zelândia. E a praia específica onde eles estavam escalando é ainda mais deserta.

Nos últimos dois dias de trilha, a dupla não tinha visto mais ninguém no local. Mas eles sabiam que a cerca de 15 km ali havia uma cabana onde ficavam alguns guardas-florestais.

Sem sinal de celular, eles esperavam que houvesse algum rádio na cabana. Então, o amigo de Liz, Julian Ripoll, começou a correr em direção ao local para pedir ajuda.

Assim, Liz ficou sozinha com as dezenas de baleias que estavam morrendo encalhadas naquela longa praia.

"Eu nunca vou me esquecer do choro delas, da forma que elas me observavam enquanto eu ficava sentada ao lado delas na água, e de como elas tentavam desesperadamente nadar, mas acabavam afundando ainda mais na areia, por causa do seu peso", escreveu Liz no Instagram.

"Meu coração ficou completamente despedaçado."

Liz então avistou uma baleia bebê, menor e menos pesada, e tentou ajudá-la a voltar para a água. "Eu fiz tudo o que pude para colocar a bebê de volta na água, mas ela continuava a voltar para a praia por conta própria", contou para a BBC. "Depois que Julian saiu em busca de ajuda, eu fiquei ali sentada com a bebê."

"Você pode sentir o medo dos animais enquanto eles olham para você. Eles observam. E seus olhos são muito humanos".

Nas horas seguintes, não havia mais o que fazer, exceto esperar. "Eu sabia que elas iriam, inevitavelmente, morrer", escreveu Liz no Instagram. "Eu ajoelhei na areia, gritando de frustração e chorando, com o som de dezenas de baleiras morrendo ao meu lado, completamente sozinha".
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Fiat lux para indulto e ministro

Indulto não pode ser insulto. Ministros não podem ser vice-reis ou mandões.

O que é ministro? O que é indulto? De onde vêm estas palavras? Indulto, do Latim indultus, tem o mesmo étimo de indulgência, perdão das condenações, por vezes comercializado, ontem como hoje. E ministro, do Latim minister, designa aquele que serve, não apenas aquele que manda.

Todavia não se tem para o STF, cujos ministros foram antes aprovados pelo Legislativo, o recurso ad nutum (a um aceno da cabeça), aplicado no Executivo, como prescreve a Constituição: “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: I – nomear e exonerar os Ministros de Estado”.

Às vezes, a etimologia ajuda-nos a compreender, não apenas o que as palavras significaram na origem, mas também o que elas já não significam, como Jorge Luís Borges entendeu esta disciplina:
“Os implacáveis detratores da etimologia argumentam que a origem das palavras não ensina o que elas agora significam; os defensores podem replicar que ensina, sempre, o que elas agora não significam. Ensina, verbi gratia, que os pontífices não são construtores de pontes; que as miniaturas não estão pintadas com mínio”.

O celebérrimo escritor argentino, talvez a mais notada omissão do Prêmio Nobel de Literatura, acrescentou ainda neste belo parágrafo sobre o berço das palavras que a etimologia ensina também que “um candidato pode não ter sido cândido”, “as rubricas não são vermelhas como o rubor” e que “os germanófilos não são devotos da Alemanha”. Em resumo, a etimologia ajuda-nos a compreender o verdadeiro significado das palavras a partir do significado que tiveram na origem.

Indulto aos que não cumpriram as leis não pode ser insulto aos que as cumprem. Muda só uma letra, mas muda tudo.

O direito brasileiro é romano, sua aplicação não pode ter a singularidade solitária da jabuticaba. O indulto com o significado de clemência e de perdão é largamente praticado em todo o mundo. Este instrumento jurídico tem razões humanitárias, éticas, com regras claras, e todos creem que o ato de diminuir, suavizar ou anular as penas de presidiários leva em conta o bem-estar da sociedade em que vivem aqueles que não precisam ser indultados porque, ao contrário dos condenados, cumpriram as leis.

O indulto que o STF ameaça estender a criminosos contumazes que desviam verbas, ainda mais quando de educação, de merenda, de hospitais e de remédios, surrupiadas da população por artimanhas nefandas, algumas em práticas multidecenais, ofende o brasileiro médio.

Em célebre sentença dos anos 70, o então Bento da Costa Fontoura, ao emitir sentença para manter a proibição do livro Feliz Ano Novo, de Rubem Fonseca, ordenada pelo então ministro da Justiça Armando Falcão, assim definiu o brasileiro médio:

“O brasileiro médio não é o intelectual nem o analfabeto. Não é o intelectual da Av. Vieira Souto nem o do sertão do Piauí. O brasileiro médio tem instrução média, capaz de crer que o Cravo bem temperado é segredo de culinária e que F. Dostoiévski era reserva da seleção soviética”.

Talvez este conceito subalterno daquele antigo juiz seja esposado também por ministros do STF que porventura se esqueçam do povo a que servem em suas argumentações, muitas delas um verdadeiro lero-lero sobre leis e normas, sem objetividade alguma, cuja ostentação tem estado à vista de todos nas transmissões ao vivo de suas sessões.

Se pensassem no povo a que servem teriam, por exemplo, lutado tanto para tirar do bolso deste povo mais dinheiro para sua remuneração, justamente agora, quando o Brasil atravessa uma de suas maiores crises?

Os étimos de palavras-chaves do meio jurídico podem servir de ajuda aos leitores. Então lembremos também que a palavra ministro veio remotamente da raiz indo-europeia *men-, exprimindo a ideia de menor, pequeno, passou pelo Latim minister e designou originalmente o ajudante do sacerdote no altar, vindo muito mais tarde a indicar também o servidor encarregado de executar decisões de outros nos remotos tempos em que poderosos se serviam de diversas teologias para justificar certos atos incompreensíveis e deploráveis.

O ministro é sempre um servidor, sentido que mantém na expressão ministro da eucaristia. Os ministros do STF não são patrões da sociedade. Também eles cumprem ordens emanadas em última instância do povo, uma vez que as leis em vigor foram aprovadas e sancionadas por eleitos pelo povo, a legítima fonte de poder.

Desta vez, o indulto pode receber o Fiat lux do ministro Luiz Fux. Ele pediu vistas do indulto. Certamente para depois esclarecer melhor as minúcias, as armadilhas ali embutidas, já percebidas pelo xará, seu colega Luís Roberto Barroso.

A sociedade, apreensiva, aguarda a decisão de Suas Excelências. Afinal sentença tem o mesmo étimo do verbo sentir e cada ministro está sentindo a seu modo o drama social que sua decisão agravará ou suavizará.

Deonísio da Silva