segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

O que esperar da sexta extinção em massa de espécies?

Há cerca de 65 milhões de anos aconteceu a última extinção em massa e que marcou o fim dos dinossauros. Os cientistas advertem que estamos agora nos estágios iniciais de um desaparecimento semelhante. Só que, diferentemente das outras, esta sexta extinção em massa − ou extinção antropocênica − é causada pelo homem, através de mudanças climáticas, destruição do habitat, poluição e agricultura industrial.

Nas extinções em massa, pelo menos três quartos de todas as espécies desaparecem em cerca de três milhões de anos. Ao nosso ritmo atual, estamos no caminho para que isso aconteça dentro de alguns séculos. Somente nas próximas décadas, pelo menos um milhão de espécies correm risco de desaparecer para sempre, de acordo com uma estimativa de um relatório da ONU publicado em 2019.

Tentar prever o resultado de um colapso completo da biodiversidade é difícil, pois os ecossistemas são incrivelmente complexos. No entanto, os cientistas concordam que as previsões são claras se as extinções continuarem neste ritmo. E todos os efeitos estão ligados uns aos outros.

"A primeira coisa que veremos é que nossas reservas de comida começarão a diminuir bastante porque grande parte de nossos alimentos depende da polinização", disse Corey Bradshaw, professor de Ecologia Global da Universidade de Flinders, na Austrália, que usa modelos matemáticos para mostrar a interação entre os seres humanos e os ecossistemas.

Cerca de um terço da oferta mundial de alimentos depende de polinizadores como as abelhas. Se elas se extinguirem, o rendimento agrícola pode cair, acrescentou. Por outro lado, pragas agrícolas podem ficar mais fortes à medida que diminuem seus predadores, impactando ainda mais nossas monoculturas.


Milhões de pessoas também dependem de animais selvagens para a alimentação, especialmente da pesca nas regiões costeiras. Mas as reservas pesqueiras estão ameaçadas e, com elas, uma importante fonte de nutrição. Esta falta de segurança alimentar, também associada ao aumento de estiagens e inundações, atingirá mais duramente as regiões mais pobres, particularmente a África Subsaariana e partes do Sudeste Asiático, de acordo com Bradshaw.
Solos menos férteis

Espera-se também que a qualidade do solo se deteriore à medida que certos microrganismos morrerem. Embora sub-representados nos dados, alguns pesquisadores acreditam que os microrganismos possam desaparecer mais rapidamente do que outras espécies. Seu desaparecimento poderia levar a um agravamento da erosão do solo. Isto, por sua vez, levaria a mais inundações, bem como a uma menor fertilidade do solo, o que afetaria o crescimento das plantas.

Colman O'Criodain, da organização de conservação WWF International, considera a morte de microrganismos particularmente perigosa. "De certa forma, a matéria orgânica é como a cola que mantém tudo junto. Se você comparar com um pudim de Natal, tem alguns ingredientes secos como migalhas de pão, farinha e frutas secas, mas são os ovos e o amido que o mantêm unido, tornam o pudim macio e mole, e lhe dão sua forma", explicou O'Criodain.

Grande parte da água doce vem de zonas úmidas, onde a água é purificada e distribuída. Um exemplo é a água do Himalaia, que é alimentada por zonas úmidas e fornece água para cerca de dois bilhões de pessoas. Se estas áreas colapsarem devido ao declínio da vegetação ou pelo florescimento de algas, por exemplo, a humanidade poderá perder muita água para beber e para uso agrícola.

É também provável que o desmatamento altere os padrões de precipitação, já que menos umidade é evaporada devido à perda de árvores. Assim, paisagens inteiras poderiam secar, um processo atualmente observado na Amazônia.

A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) estima que cerca de 10 milhões de hectares de floresta foram cortados anualmente desde 2015. Isto é equivalente à área da França e da Espanha juntas. E com a perda de árvores e vegetação – reguladores fundamentais do CO2 na atmosfera − a mudança climática vai se agravar e haverá eventos climáticos mais extremos. As secas e florestas insalubres também aumentam o risco de incêndios florestais.

Enquanto isso, as falhas nas colheitas e outras ameaças ecológicas provavelmente desencadearão migrações em massa à medida que as pessoas tentarão escapar de fome e conflitos causados pela diminuição dos recursos.morcegos pandemia

"O que temos feito como humanos é simplificar todo o planeta, especialmente os ecossistemas de produção, a tal ponto que eles se tornaram vulneráveis", disse o cientista ambiental sueco Carl Folke. "A resiliência é frequentemente chamada a ciência da surpresa. Se você vive em condições muito estáveis e tudo é previsível, você não precisa desta proteção da biodiversidade.

Mas se você vive em tempos mais turbulentos, com situações mais imprevisíveis, esse tipo de portfólio de opções é extremamente importante", disse Folke, fundador do Centro de Resiliência de Estocolmo para pesquisa em ciência da sustentabilidade.

Os pesquisadores também alertam que a perda da biodiversidade pode levar a um risco maior de pandemias à medida que a vida selvagem e os seres humanos entram em contato mais próximo uns com os outros através da fragmentação do habitat e da ruptura dos sistemas naturais. O exemplo mais citado é o surto de ébola em 2014 na África Ocidental, que se acredita ter sido causado porque crianças brincaram em uma árvore oca cheia de morcegos. Embora a origem da covid-19 ainda não esteja clara, alguns estudos também ligam este patógeno a morcegos selvagens.

Muitos conservacionistas e cientistas comparam permitir irresponsavelmente a extinção de espécies ao vandalismo. Mesmo que sobrevivamos e evitemos consequências catastróficas, a extinção em massa deixaria o mundo severa e irrevogavelmente mais pobre. As perdas mais trágicas podem ser aquelas que não podemos sequer ver.

"Imagine as consequências da extinção como se fosse a queima de uma galeria de arte". Portanto, você não está nem pensando em um valor potencial direto, mas está pensando na perda intangível do patrimônio mundial", diz Thomas Brooks, cientista chefe Unidade de Ciência e Conhecimento da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, do inglês). "Lembre-se de que cada espécie é o produto de milhões de anos de evolução. Você está olhando para a perda do que torna a humanidade parte do planeta. É tudo o que nos torna uma unidade", disse Brooks.

Apesar destas previsões catastróficas: há razões para otimismo se a humanidade fizer algo. "Há dificuldades aparentemente intransponíveis para preservar a vida na Terra. Mas, por outro lado, há também muitas histórias de sucesso inspiradoras e exemplos em que as pessoas conseguiram inverter a maré. Aja para que a curva vá na direção certa, as tendências estão apontando na direção certa", diz Brooks.

Brooks está bem familiarizado com os desafios. A IUCN compila a lista sobre a perda global de espécies, a chamada Lista Vermelha, e as pesquisas mostraram que os esforços de conservação funcionam. Um estudo recente constatou que as perdas desde 1993 teriam sido três a quatro vezes maiores sem ações de conservação.

Espalhar histórias de sucesso de conservação − como a reintrodução de castores na Europa − parece importante na luta contra a perda da biodiversidade. Elizabeth L. Bennett, vice-presidente da Wildlife Conservation Society (WCS), destaca a importância das grandes reservas naturais para a conservação da biodiversidade. "Se estiverem nos lugares certos, forem muito bem planejadas e gerenciadas, certamente serão muito úteis".

Como um primeiro passo em direção a este objetivo, a WCS está pressionando para a adoção do acordo "30 por 30" na Convenção de Kunming sobre Diversidade Biológica (COP15). O acordo exige que 30% da área global terrestre e oceânica seja protegida até 2030, aproximadamente o dobro do nível atual.

Conseguir isto seria um bom começo, mas qualquer acordo alcançado na COP15 seria apenas o início de uma longa jornada, adverte O'Criodain da WWF.

Bocage e o Rio de Janeiro

O que personagens como Humboldt, Lebreton, Bocage e mesmo Napoleão têm em comum com o Rio de Janeiro e o Brasil?

De um jeito ou de outro, contribuíram para deixar o país menos mané, mais ilustrado e não tão sujeito às superstições trazidas pela ignorância e vocalizadas sob o manto religioso.

Só que poucas andorinhas não fazem uma nação.

Neste ano do Bicentenário da Independência, o Brasil talvez pudesse se encontrar com seu destino ao buscar onde ocorreram os descarrilhamentos e por que sempre voltamos tantas casinhas.

As datas por vezes ajudam a repensar os fatos, mas mesmo a História precisa contar com a sorte.


No Cinquentenário da Independência, embora Machado de Assis escrevesse sobre o “Instinto de Nacionalidade”, no jornal dirigido por Souzândrade em Nova York, o Império brasileiro incensava a figura de Dom Pedro II e sua miopia diante da Revolução Industrial.

Em 1922, ainda que houvesse a importante Exposição do Centenário, com mais de 3 milhões de visitantes, o governo de Epitácio Pessoa representava uma elite atrasada e avessa às ideias de caráter social. Aquele tipo de República cairia oito anos depois.

No sesquicentenário, em 1972, o Brasil vivia sob a ditadura militar, com o general Médici à frente da tentativa de eliminar à bala os adversários do regime.

Em 2022, Silas Malafaia… bem, ele é visto como autoridade, porta-voz de Cristo.

Antes de chegar a esse Estado de alma penada, espécie de miasma político, a História brasileira registra uma sucessão de oportunidades abandonadas à margem.

Eis algumas.

O naturalista alemão Alexander von Humboldt, integrante do Institut de France, indicou ao marquês de Marialva, embaixador português na França, o nome de Joachim Lebreton para reunir equipe de artesãos e montar um projeto educacional e artístico no Reino do Brasil. Era em torno de 1815, e a iniciativa ganharia o nome de Missão Francesa em razão da História oficial imperial.

Humboldt, à época o homem mais famoso do mundo, bajulado por Goethe e Thomas Jefferson, jamais estivera no Brasil, mas conhecia parte expressiva da América Latina. Suas viagens pela região o ajudaram a construir o conceito pioneiro da natureza como um único corpo, interligado; portanto, um desastre na Amazônia terá efeito no restante do planeta — tal constatação surge ao redor de 1802, 1803!

Lebreton, indicado por Humboldt, era secretário do Institut de France, organismo que juntava sob o mesmo teto diversas áreas do conhecimento. Por iniciativa de Napoleão, o instituto nascera sob o conceito da importância da interação das disciplinas. O corso enxergava longe.

A equipe montada por Joachim Lebreton trouxe ao Brasil desenhistas, arquitetos, artesãos de ofícios diversos, montados em conhecimentos atualizados. Em 1816, no Rio de Janeiro, nascia a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios. Quatro anos depois, seria aberta a Academia Real de Desenho, Pintura, Escultura e Arquitetura Civil, depois batizada como Academia Imperial de Belas Artes.

Lebreton, em sintonia com Humboldt, trazia ventos de uma época que acreditava no conhecimento, na ciência, em ruptura com as amarras da religião, para forjar uma sociedade mais igualitária, socialmente justa, inspirada pelas ideias libertárias das revoluções nos Estados Unidos e na França.

Era uma tentativa válida de atualizar o Brasil, então à beira de uma Independência de figurino, em oposição frontal às ideias da Monarquia portuguesa. Lebreton, com seus artistas e artesãos, simbolizava o progresso rejeitado pela Coroa.

“O império em construção: Primeiro Reinado e Regências”, da professora Maria de Lourdes Viana Lyra, reconstrói a vinda da Família Real ao Brasil, em 1808, não apenas para fugir das tropas de Napoleão, mas na busca de perpetuação de seu poder absolutista. Vieram para o Brasil com o intuito de escapar das ideias revolucionárias sopradas com a Queda da Bastilha, em 1789.

Dom João VI estava aqui em fuga para se opor ao ideário iluminista que começava a varrer as monarquias absolutistas no Velho Continente. Veio com a incumbência de manter em terras tupiniquins um alfabeto de poder guilhotinado nas ruas parisienses.

Assim, não é de estranhar, veja bem, quanto tempo o Brasil demorou para abolir a escravatura, derrubar a Monarquia (pela mão dos militares!) e abrir sua primeira universidade.

Ah, Bocage: em 1786, o poeta português amou o Rio de Janeiro, quis ficar por aqui, segundo a lenda, mas foi expulso pelo vice-rei, Luís de Vasconcelos. O proto-Malafaia não gostou de versos tais:

Pavorosa ilusão da eternidade / Terror dos vivos, cárcere dos mortos / D’almas vãs sonho vão, chamado inferno / Sistema da política opressora / Freio, que a mão dos déspotas, dos bonzos / Forjou para a boçal credulidade.

Onde você leu “bonzo”, por favor, não leia bozo.

Cuidar uns dos outros

É o título da magnífica obra de Minouche Shafik (Intrínseca, Dez.2021), economista anglo-egípcia, dona de invejável currículo: vice-presidente do Banco Mundial, aos 36 anos (mais jovem dirigente da Instituição) e primeira mulher a dirigir a London School of Economics. Agrega a experiência acadêmica à gestão de políticas públicas no governo inglês e, como Baronesa da Coroa Britânica, integra a Câmara dos Lordes.

A tradução literal do título seria “O que devemos uns aos outros”. Porém a expressão “cuidar” reflete o conteúdo ético a que se propõe a autora na defesa de um novo contrato social. E o simbolismo da figura mitológica “Cuidado” reforça o compromisso de solidariedade entre pessoas e gerações.


O mundo atual expôs, a despeito dos avanços científicos e tecnológicos, graves fraturas sociais e ambientais capazes de pôr em risco o futuro da humanidade. Basta atentar para a configuração das mudanças ocorridas com sérios abalos sobre a democracia liberal e a ascensão do populismo; prestar atenção para a silenciosa e profunda transformação do papel da mulher no mundo moderno ainda que vítimas da violência e padrões culturais inaceitáveis; perceber a ameaça da emergência climática associada à devastação do capital natural; reconhecer as vulnerabilidades escancaradas pela pandemia, entre elas, a mais desafiadora: a desigualdade entre a riqueza extravagante e a miséria faminta (em 2021, a fortuna das 500 pessoas mais ricas do Planeta aumentaram 1 trilhão de dólares).

Ao defender um novo contrato social, Minouche não usa a metáfora iluminista dos contratualistas para a criação da “sociedade política”. Refere-se à falta de educação para as crianças, de assistência médica para os pobres e de proteção para a velhice. Sua concepção assemelha-se a uma organização social em círculos concêntricos entremeados de empatia e responsabilidade.

Assim, reflete sobre a política: “Acho que a política não vai ser a mesma daqui a alguns anos, pode piorar, mas temos de fazer o possível para isso não acontecer. Meu livro é um manifesto antipopulista”

Com razão, complementa: “Muitos políticos direcionam as energias das pessoas para assumir discursos de ódio, violência política, divisões e hostilidade entre as pessoas”. Um novo contrato social se constrói a partir das aspirações concretas com a proteção institucional dos instrumentos de limitação e controle do poder: imprensa livre, movimentos sociais ativos e a força do pensamento crítico.

A eleição deste ano bate na porta da história. E se os candidatos almejam vitória, respeitem o cidadão e invistam no bem-estar das pessoas.