quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

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Sua excelência, a versão

Os fatos são os fatos, ou os “hechos son los hechos”, como costumam afirmar os espanhóis. Mas no governo Dilma Rousseff não é bem assim. Aliás, é inteiramente ao contrário. Os fatos não importam e sim a versão, galgada à condição de “sua excelência” pela estratégia do lulopetismo de não largar o osso, de se manter no poder a qualquer custo. Mesmo à custa da verdade.

Mal iniciamos o ano e tivemos duas pérolas de puro exercício de retórica, de contorcionismo mental: o artigo lavrado pela douta presidente, publicado em jornal Folha de S. Paulo, e a entrevista surreal do seu ministro da Casa Civil, Jaques Wagner.

Se fossem produto apenas da alienação da realidade, já seria preocupante. Afinal, estamos falando da primeira mandatária do país e do seu principal operador político, o homem escalado por Lula para tirar o governo da sinuca de bico em que se meteu.

Mas é algo muito mais grave. É um estratagema no qual Dilma e sua equipe propositadamente distorcem a realidade, mudam a versão dos fatos conforme o tempo vai passando, como se este apagasse tudo, inclusive a memória de um povo.

Não inventaram a roda, claro. Lula já usou deste expediente na época do mensalão. Primeiro foi à TV para se dizer indignado, traído por alguns companheiros. Depois reduziu o episódio a uma questão de Caixa 2, a “recursos não contabilizados”, para usar uma expressão do então tesoureiro do PT, Delúbio Soares. Quando se sentiu fortalecido, alardeou que tudo não passou de uma conspiração das elites e da mídia golpista.

Incrível a semelhança com os dias atuais.

Em seu artigo a presidente foi pela mesma linha, ao responsabilizar a oposição pela crise política que nasceu, cresceu e se realimenta no próprio Palácio do Planalto. A mesma ladainha foi recitada por seu Chefe da Casa Civil: “... O erro para mim é muito mais da oposição, que fez uma agenda do tapetão”.

De forma homeopática, o governo vem alterando seu discurso no sentido de torná-lo mais verossímil aos brasileiros. Afinal de contas, alguma satisfação há que ser dada para tanto desemprego, tanta queda do PIB e inflação. Isso sem falar da mega corrupção na Petrobrás.

Aquela versão da carochinha da campanha eleitoral, quando a candidata vendeu terreno na lua enquanto praticamente quebrava o país, não se sustentou uma semana após a apuração das urnas. A presidente, de forma envergonhada, teve de admitir a existência da crise econômica. Mas fez de conta que nada tinha a ver com isso, atribuindo tudo aos EUA, à União Europeia e a China.

Não colou. A água bateu no pescoço. Os feiticeiros palacianos inventaram então uma nova versão, a mais recente. Por meio de platitudes e generalidades, Dilma reconheceu genericamente que houve erros e acertos em seu governo. Quais? Mistério...

De fato, é difícil decifrar a linguagem hermética do ministro da Casa Civil, quando se vê na contingência de abordar tema tão espinhoso: “a impopularidade de Dilma é consequência de que a gente teve que consertar medidas tomadas em 2013 e 2014, que tiveram seu lado positivo e, como tudo na vida, também consequências negativas”.

Em matéria de eufemismo, Jaques Wagner superou sua superiora. Se Dilma contornava o vocabulário chamando corrupção de malfeitos, seu operador inovou ao chamar de notícia “não boa” a inflação, os juros altos. Impressionante a ginástica mental para reconhecer que a “foto do final do ano não é boa”.

E tudo isto para empurrar a responsabilidade pela crise nas costas de Guido Mantega, ministro da Fazenda em 2013 e 2014, e do mais recente “renegado”, o ex-ministro Joaquim Levy.

Lula, Dilma e companhia apostam na premissa de que política é a arte do embuste. Insistem na prática quotidiana do engodo. Até quando?

O presente que o PT me deu

O ano mal começou e lá vem a turma medonha de novo. É Shahin pra cá, Dirceu pra lá. É rolo com Andrade Gutierres, denúncias envolvendo até Aécio e Randolfe. Sérgio Moro ainda nem voltou de férias. Imagina quando reassumir o seu “birô” em Curitiba. Já no primeiro dia útil de 2016, foi pau pra todo lado. Continuou hoje e vai ser assim até que as operações Lava-Jato, Zelotes e Acrônimo revelem seus chefes, que serão provavelmente os mesmos.

A virada do ano não me prometeu nada. Parece um detalhe irrisório, mas não é. Não há promessas, não há esperanças, não existem indicadores que apontem o ano atual como algo que não seja trágico para o país. Pela primeira vez, não há luz. Há somente túnel, escuro e assustador. Após mais de 50 anos, brota a sensação de que o que está por vir será pior do que o que já veio.

Mas este não é o presente que o PT me deu. Foi algo bem pior.

Ter esperanças não é algo que me agrade. Talvez porque derive de “esperar” e eu não gosto de esperar. O PT não teria, contudo, o poder de me fazer perder as esperanças num país melhor. Eles mostraram que são capazes de piorar o Brasil, mas também já confirmaram que não são capazes de melhorá-lo. Por silogismo imediato, para o Brasil melhorar, temos que afastar o petismo do governo do país.

Mantida a fé na turma de Moro, do MP, da Polícia Federal e na crença de que tudo melhorará com o apeamento dos petistas, ainda assim me mantenho em desconforto. Descobri, com o passar dos anos mais recentes, que sou alguém um tanto diferente do que fui. Sei que sou um cara feliz, porque tenho saúde e minha família idem. Só o simples fato de valorizar este aspecto, já me sugere que posso não ter melhorado, mas também não piorei no que mais importa, que é a valorização e preservação da família. Sinto-me, entretanto, mais amargo, sisudo, sério e menos bem-humorado.

De vez em quando, me surpreendo ao me revelar com raiva de fatos, pessoas e fenômenos que, por não ter tido com eles convívio tão intenso no passado, não me alteravam tanto o ser, o agir e o pensar. Este foi o grande e nefasto presente que estes anos de PT me deram: Meu bom-humor e a minha tolerância estão em níveis mínimos, talvez derradeiros, tão comprometidos que estão que suspeito tenham me transformado para todo o sempre. Não gosto nada disso.

Depois de tantos anos abrindo jornais e me chocando com mentiras, roubalheiras, atos sequencias e repetidos de corrupção, depois de mais de uma década tendo de engolir falcatruas enormes em telejornais, rádios, sites e revistas, sou hoje menos brincalhão, mais estressado, menos gentil e mais carrancudo. Eu não era assim antes de Lula e de Dilma. Eles me pioraram e me encheram de rugas de expressão que não são fruto apenas do passar dos anos. Eu não gosto deles por vários motivos e incontáveis razões. Não é apenas porque nos tornamos ideologicamente incompatíveis. Não gosto deles porque são também mentirosos, coniventes com a roubalheira e com a erosão das almas de milhões de pessoas. Eu tenho asco de Dilma e de Lula porque roubaram parte considerável das minhas boas energias. Porque continuam drenando todo dia um bocado de minhas alegrias e do meu respeito pelo povo do meu país.

Lula e Dilma, por insistirem num projeto de poder inepto e vagabundo, me deixaram mais triste do que eu merecia.

Que presente que o PT me deu!

Deus há de me conservar para que eu possa, com multa e juros, retribuir.

Calendário

Mês 1. Ano 16, dos 2000. Bagagem nova para vida vivida de um dia atrás do outro como se corriqueiro isso não fosse. Mas é. E lá vem mais um carregado do mesmo. Algumas alegrias, euforias entremeadas de... ansiedades, esperanças, palpites acertados, desacertos arrumados. Ou desarrumados.

Palavras. Tantas gastas para dizer o mesmo a quantos que nem querem ouvir. Mas falar falando, escrevendo, fotografando... tantos e todos querem, em qualquer linguagem.


Comunicação de massa maciça. Online. Com som para cegos. Com letras para surdos. Em braile. O mundo fala de tudo. Mas em monólogos?

Comunicação de massa. Novidade única de tempos das distâncias curtas, comportamentos sem fronteiras – até nas fechadas, tudo é quase idêntico no pensar, no vestir, no falar igual em línguas diferentes.

Tudo amplo. Também restrito. Fora do padrão é rejeitado. Sair da caixinha é perigoso. Benção aos iguais. Maldição na diferença. Acesso a tudo. Ainda negado a muitos.

A caixinha – saiba - é caixão de defuntos vivos. Replicantes repetentes repetitivos. Tantos e em modo crescente.

Mas o ano é novo. Quem sabe renovado. Em tudo. Principalmente nas tantas certezas certas. Também nas incertas. Quem sabe dá bom no deu ruim.

Quem sabe escapamos de crises das crises. Quem sabe sorrimos mais e mordemos menos.

Quem sabe descobrimos saber pouco – de tudo. Quem sabe aprendemos mais a ser mais com menos.

Quem sabe escapamos do modelão, da exposição maciça e, na massa, desamarramos cabeça, tronco e membros. Quem sabe ampliamos, desamassamos. Desarmamos. Amamos. De novo. Mais uma vez.

Quem sabe aprumamos. Rearrumamos.

O calendário é novo. Viver é coisa tão antiga. A História é velha. Quem sabe ensina. Quem sabe aprendemos. Não repetimos. Nem rejeitamos – o novo, principalmente.

Quem sabe? Vai saber...

O Brasil onde Dilma se esconde é uma Alemanha com praia e carnaval

Que Pasárgada, que nada. O Brasil descrito por Dilma Rousseff no artigo que encomendou a algum subordinado, assinou e publicou na Folha de 1° de janeiro é uma espécie de Alemanha com praias sempre ensolaradas e carnaval ─ além de pronto para revidar aqueles 7 a 1 da Copa de 2014. A coisa estaria perto da perfeição se não fossem as apostas da oposição no quanto pior, melhor, o pessimismo dos pessimildos e a perseguição movida ao PT pela imprensa direitista.

No Brasil que só ela sabe onde fica, o crescimento econômico já começou, a inflação vai cair antes da Páscoa, os desempregados cabem numa van, a corrupção foi erradicada pelo PT, as reservas em dólares são de matar de inveja o governo chinês e a gastança acabou, fora o resto. O trem bala e a transposição das águas do São Francisco vão esperar mais um pouco, verdade. Mas a culpa é da herança maldita de FHC e das vinganças de Eduardo Cunha.

Em vez de confinar numa singela página de jornal tantas notícias extraordinariamente estimulantes, por que a presidente não tratou de divulgá-las aos berros num pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão? Porque a farsa acabou. O rebanho tapeado por 13 anos perdeu a paciência. Assim que aparecesse na telinha aquela carranca que funde presunção e ignorância, um gigantesco panelaço avisaria que o Brasil real está farto de vigarices e vigaristas.

Nem as vírgulas do artigo assinado pelo neurônio solitário são confiáveis. Ou aparecem no lugar errado ou somem de onde deveriam estar. Tudo somado, o texto só serviu para antecipar o que se deve esperar do governo enquanto Dilma permanecer no cargo que vem desonrando há cinco anos: muita mentira, muita incompetência ─ e nenhum sinal de vida inteligente. Além de muita saúva, pouca saúde ─ e nenhum vestígio de vergonha.

Um Brasil em desmanche

2015 foi o ano em que o Brasil Velho teve finalmente um duelo para valer com o século XXI. Todos estão cansados de saber que país é este. É o Brasil que desde a sua independência, 200 anos atrás, está aí para proteger, servir e enriquecer a minoria dos que dão ordens nos governos, os seus amigos e os que pagam para estar de bem com os que mandam. É o Brasil da corrupção como método de governo e objetivo da vida pública ─ um condomínio gerido por gangues políticas cujo único propósito é controlar a máquina do Estado. Não há ideias nesse Brasil; só há interesses. O primeiro mandamento do político “competente”, ou “do ramo”, é aplicar as melhores técnicas para enganar um eleitorado em grande parte ignorante, pobre, indiferente a seus direitos e desinteressado de questões públicas. Aqui, os donos das decisões tratam como um absurdo o princípio pelo qual a lei deve ser igual para todos. Estão convencidos de que o fato de ganhar eleições, em geral através da prática de estelionato aberto em suas campanhas milionárias, lhes dá o direito de fazer o que bem entendem com o aparelho da administração pública. O Brasil Velho, em suma, é o Brasil em guerra permanente com o progresso, a mudança e o bem-estar da maioria.

Em 2015, o Brasil Velho perdeu. Não vai desaparecer assim de uma hora para outra, é claro, porque nada que resiste há dois séculos desaparece de uma hora para outra. Mas as coisas não serão mais como têm sido até hoje na vida pública brasileira; o futuro do Brasil Velho acabou. Ele é representado hoje, de corpo, alma e mente, pelo ex-presidente Lula, pelo Partido dos Trabalhadores e por essa trágica Dilma Rousseff com seu governo em decomposição ─ junto com os amigos, os magnatas que se tornaram companheiros e as quadrilhas que vivem de assaltar o Erário. Lula e todos os intendentes que estão em seu redor não perceberam o temporal que vinha se formando havia anos e desabou sobre eles em 2015 ─ escândalo após escândalo, fracasso após fracasso, flagrante após flagrante de mentira, fraude e incompetência para governar. Acharam que seu problema estava nos outros: na “mídia” que publica notícias de corrupção, nos “pessimistas” que registram o naufrágio econômico do país, na “oposição”, na Justiça que investiga a roubalheira, nos que simplesmente discordam. Com sua casa caindo, jamais pensaram que pudessem ter errado em alguma coisa.

Imaginaram-se ameaçados por um “golpe”. Convenceram a si próprios de que as maiores manifestações de rua que o Brasil já viveu eram um capricho das “elites”, coisa de “terraço gourmet”, e outras assombrosas bobagens do mesmo tipo. Comandaram, diretamente ou através da sua usina de propaganda nos meios de comunicação, uma campanha a favor da corrupção como jamais se viu por aqui e provavelmente em nenhum outro lugar do planeta. Trataram como vítimas empreiteiros de obras que são réus confessos no pagamento de propinas, e festejaram como heróis (“guerreiros do povo brasileiro”) criminosos condenados por corrupção. Continuaram acreditando, com fé religiosa, no Brasil dos privilégios, onde a polícia não prende e a Justiça não condena. Meteram-se numa operação desesperada para salvar o couro de um presidente da Câmara dos Deputados que 80% dos brasileiros querem ver deposto e cassado; tudo o que conseguiram, no fim das contas, foi o exato oposto do que pretendiam ─ um processo de impeachment no lombo da presidente da República. Mais que um crime, o Brasil Velho cometeu um erro. Não entendeu até agora qual foi o confronto real de 2015: o que pôs uma porção decisiva da sociedade brasileira contra as forças aqui descritas ─ o coletivo que se chama “oligarquia” e que foi absorvido, habitado e comandado por Lula e pelo PT em seus treze anos no governo. Esse lado não podia continuar ganhando sempre.


É o que mostram os fatos. Muitos dos seus chefes, que até outro dia estavam aí dando ordens, nomeando gente para empregos públicos e armando negócios de bilhões com dinheiro público, vivem hoje apavorados com a possibilidade real de ir para a cadeia a bordo de um camburão da Polícia Federal. Há um senador preso, sem data para sair ─ e ele é simplesmente o líder do governo no Senado. Estão no xadrez ou acabaram de sair o presidente da empreiteira de obras públicas número 1 do Brasil, o presidente da empreiteira número 2 e um banqueiro descrito até outro dia como estrela em ascensão irresistível na alta finança brasileira ─ especialmente aquela que vive em concubinato com o governo. Estão na mesma situação ex-deputados, ex-diretores da Petrobras, um ex-ministro de Estado, um vi­ce-almirante da armada, o último tesoureiro do PT, executivos “top de linha” e por aí vamos. Não existe nessa turma toda um único preto ou pobre ─ é só elite, e dentro dela há uma alarmante coleção de cidadãos que faz anos convivem em intimidade com o ex-presidente Lula, sua família e sua vizinhança. Só na Operação Lava Jato, a maior ofensiva contra a corrupção jamais feita neste país, mais de 100 suspeitos já foram presos, mais de trinta foram condenados, alguns várias vezes, num total de penas que somam quase 700 anos de prisão, e mais de vinte continuam na cadeia. Outros esperam suas sentenças usando o equipamento-símbolo destes dias de desmanche do Brasil Velho ─ a tornozeleira eletrônica que os impede de fugir.

Quem seria capaz de imaginar que coisas assim iriam acontecer um dia? Também não dava para prever que o maior líder político do país acabaria perdendo a sua situação de imunidade perante a lei, como ocorreu com doutores e excelências que hoje fazem parte da população carcerária nacional. Lula, neste momento, é ao mesmo tempo candidato a presidente e candidato ao presídio. Não está sendo ameaçado por suas ações políticas; seu problema, caso a Justiça decida que há indícios bem fundamentados de sua participação em algum delito, é que terá de se submeter a um processo penal, como todos os demais cidadãos brasileiros. É uma novidade, igualmente, o fato de não bastar mais mandar no governo, nem utilizar sua máquina e seus cofres, para se safar da vida real. A ocupante da cadeira teoricamente mais poderosa da República está hoje reduzida a um pano de estopa como pessoa pública, arrastada daqui para lá por deputados, senadores e todo um mundo de aproveitadores que têm o poder real de decidir se ela fica no cargo ou é deposta. Dilma conseguiu decair ao nível de desmoralização de um Fernando Collor. A maior realização do seu governo será escapar de um processo de impeachment humilhante, e que já começa muito mal.

O regime velho, ao afundar pelos quatro lados em 2015, deixou à vista de todos o embuste sem limites que foi a sua marca principal durante a fase Lula-Dilma-PT. Há, com certeza, discordâncias sérias quanto a essa observação. Para muitos, a corrupção frenética dos últimos treze anos é imbatível na disputa pelo título de pior pecado da era lulista: quando se roubou mais do Tesouro Nacional? Outros tantos acham que o desastre número 1 é a sua incompetência sobrenatural para governar o país no dia a dia das coisas práticas: o que dizer de um governo que chegou ao fim do ano ameaçado de não ter dinheiro para pagar suas contas de luz? Todas essas escolhas são corretas, mas talvez nada tenha mostrado tão bem a alma do Brasil atrasado, decadente e maligno que o PT liderou de 2003 para cá quanto a escolha da trapaça, pura e direta, como lei suprema da ação política e administrativa do governo. O Brasil de hoje é o Brasil do trem-bala, da transposição das águas do São Francisco e da entrada na Opep, entre outras miragens. Aqui o cidadão chega à classe média ganhando um salário mínimo por mês. Os governos que juraram “defender a Petrobras” provaram ser os seus piores inimigos; a empresa está em ruínas, quem investiu em suas ações tem hoje um mico miserável, e só por conta do petrolão, segundo a última perícia criminal, ela foi roubada em mais de 40 bilhões de reais. O “momento mágico” da economia que Lula garantiu ter criado é o que se vê aí: 9 milhões de desempregados, inflação de 10%, juros de agiotagem, o caixa do governo na porta da vara de falências. É um manifesto contra quem não é rico.


A mãe de todas as trapaças é o “resgate de 40 milhões” de brasileiros da pobreza, ou sabe-se lá quantos. Dezenas de países apresentam resultados melhores que os do Brasil no combate à miséria ─ com a vantagem de não terem caído, como aqui, numa recessão de 3,5% em 2015, e talvez outro tanto em 2016, o que tira dos pobres tudo aquilo que os governos Lula-Dilma disseram ter dado. Que progresso social é esse que faz com que as coisas andem para trás? O fato é que não transferiram “renda” nenhuma ─ apenas distribuíram dinheiro que não tinham e tomaram emprestado a juros extorsivos. O resultado é essa dívida pública monstro que hoje caminha para os 3 trilhões de reais e rende bilhões para a elite da elite, os “rentistas” com sobra no bolso para emprestar ao governo. Foram remunerados com cerca de 500 bilhões de reais em juros pagos pelo Tesouro em 2015 ─ mais que o total de gastos com o Bolsa Família desde a sua criação. A aritmética é essa. Ela indica que Lula e Dilma fazem há treze anos seguidos o mais agressivo governo em favor da minoria já visto neste país; disfarçam isso com falatório de palanque, mas seu grande programa, na verdade, foi o “Concentra Brasil”.

Ambos tentam tudo, agora, para salvar o que podem da sua opção por 200 anos de atraso. Mas estão tocando a Marcha Fúnebre. Não haverá uma nova Dilma. E não haverá outro Lula depois desse.

'As instituições estão funcionando'

A frase vem sendo pronunciada por muita boca bem falante e mal pensante: "Está tudo sob controle, a democracia consolidada e as instituições funcionando". Sim, sim, claro. E eu quero saber onde caiu a minha chupeta que está na hora de nanar.

Não somos crianças. Falem sério! Está tudo sob controle de quem? Como ousam chamar democracia o ambiente onde agem essas pessoas que se acumpliciaram para dirigir a República? A única ideia correta na citação acima é a que se refere às instituições. Elas estão funcionando, mesmo. O Brasil que temos, vemos e padecemos é produto legítimo e acabado do seu funcionamento. Acionadas, produzem isso aí. Sem tirar nem pôr.

Eis o motivo pelo qual os figurões do governo frequentemente sacam de sua sacola de argumentos a afirmação de que as coisas sempre foram assim. De fato, embora não no grau superlativo alcançado nos últimos 13 anos, o modelo institucional republicano tornou crônicos os mesmos males. Em palestras, refiro-me a isso mediante uma analogia. Instituições, digo, são como sementes. Uma vez plantadas, germinam, ou seja, funcionam e produzem conforme determinado pela natureza da semente. É o nosso caso. À medida que a urbanização nos tornou sociedade de massa e o Estado empalmou o poder (vejam só!) de definir os valores, a verdade e o bem, decaiu o padrão cultural e moral médio, inclusive, claro, dos membros dos poderes de Estado. Eu assisti isso. Mas a sedução do modelo aos piores vícios, a destreza com que gera crises e a inaptidão para resolvê-las é exatamente a mesma ao longo do período republicano.

A ordem juspolítica engasgada pretende, agora, obrigar-nos a arrastar por mais três anos esse peso governamental insepulto como se fosse honorabilíssimo dever cívico. Graças a ele, o ministro Toffoli proclama que o STF, cada vez mais, se afirma como Poder Moderador. Credo, ministro! O topo do Poder Judiciário, sem voto e sem legitimidade, pretende usurpar vaga no topo do Poder Político? Bem, foi isso que se viu na deliberação sobre do rito do impeachment.

Precisamos, sim, de um Poder Moderador, que não se legitima com mero querer de um grupo bem suspeito de pessoas, mas com a separação consolidada na quase totalidade das democracias estáveis: o chefe de Estado (Poder Moderador) é uma pessoa e o chefe de governo é outra (que cai por mera perda de confiança). O impeachment, lembrava Brossard, nasceu na Inglaterra medieval e sumiu, substituído pelo voto de desconfiança dado pelo parlamento. Mas nós gostamos, mesmo, é de pagar caro por esse sistema travado e encrenqueiro que aí está.

Comida de rato

Os ratos adoram a cidade. Qual será a comida deles? Ah, já sei: eles comem carne humana
Clarice Lispector sobre Brasília

A crise, que era da porta para fora, agora é porta adentro

Todos sabem que a era Lula melhorou a vida das pessoas da porta para dentro. O consumo aumentou, milhões de brasileiros ascenderam de classe social, o desemprego caiu para patamares mínimos, e a inflação estava razoavelmente sob controle.

No entanto, em 2013, e às portas da reversão do cenário econômico, o Brasil foi às ruas por conta de episódios em São Paulo com o transporte público. Na sequência, as manifestações foram turbinadas por uma ampla e generalizada insatisfação com a corrupção, a baixa qualidade da educação, a ineficiência e a precariedade dos serviços públicos, entre outros temas.

Em junho de 2013 ainda não estavam presentes os dramáticos índices de recessão, inflação e desemprego, ora existentes. Mesmo assim, os brasileiros foram às ruas com um vigor e uma intensidade inusitados, com base em temas “porta para fora” na vida do cidadão.

Agora, vivemos uma crise que afeta tanto a vida fora das casas quanto a vida dentro delas. Continuamos a ter serviços públicos precários e controlados pelo perverso espírito corporativista. Temos governos estaduais quebrados e o país em crise fiscal.

A crise arrombou portas e janelas e está sendo percebida como um amargo adeus às conquistas da era Lula. Vejamos os índices: a inflação acumulada entre janeiro e outubro de 2015 é a maior desde 2003; o desemprego é o maior desde o início do século XXI; milhões de brasileiros podem sair da classe média e voltar para as classes D e E.

Muitos que estão sendo demitidos agora ainda vão ter alguns meses de seguro-desemprego pela frente. Depois, nada. Nem seguro, nem emprego. A inflação dos alimentos nos últimos 12 meses foi superior a 60% e continuará a castigar o consumidor. A combinação de recessão e inflação é, de longe, a mais perversa de todas para as classes populares.

Para o búlgaro Elias Cannetti, Prêmio Nobel de Literatura, a inflação causa um efeito perturbador tão grave quanto a guerra. Ele viveu o horror, ainda menino, da crise que devastou a Alemanha na década de 20. “Foi na época em que a inflação atingiu o auge; o salto diário que, afinal, chegou ao bilhão tinha consequências extremas para todos”, recordaria, anos mais tarde.

Entre 1974 e 1994, os brasileiros também viveram a amarga experiência da destruição do valor da moeda provocada pela superinflação. Foram 20 anos de guerra para que a consciência da sociedade derrotasse o pior inimigo que o país enfrentou em sua história.

Hoje percebemos, estarrecidos, que a lição não foi aprendida. Desde a eleição, o Brasil flerta com o perigo. Jogou no lixo a Lei de Responsabilidade Fiscal, mostra-se incapaz de cortar R$ 70 bilhões em um Orçamento de R$ 1,4 trilhão, perde aos poucos o controle sobre o câmbio e demora a atuar decisivamente para restabelecer a confiança na economia.

Fica claro que as condições que estão sendo criadas agora podem resultar em um 2016 de grande complexidade, já que os efeitos da conjuntura adversa ainda não são totalmente sentidos na sociedade e a saída da crise ainda não está sendo desenhada de forma clara.

A combinação das crises dentro e fora das casas prenuncia risco de convulsões sociais tão graves quanto as que ocorreram em 2013. Os ingredientes já estão na panela, e o fogo está alto. Tudo pode acontecer se não houver uma ação decisiva para que se estabilizem as expectativas com iniciativas concretas de ajuste fiscal e crescimento econômico.

Foi apenas um sonho...

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O ano de 2016 começou muito bem, após o impeachment da presidente Dilma. O novo presidente Michel Temer fechou um acordo com o PSDB, e Arminio Fraga assumiu a Fazenda, com Gustavo Franco no comando do Banco Central. Na mesma linha da Argentina de Macri, o Brasil começou a desfazer algumas das imensas trapalhadas socialistas, colocando o país novamente na rota do crescimento.

Bastou o choque de credibilidade perante os investidores e empresários para que os indicadores começassem a melhorar. Empresas retiraram os projetos de investimento da gaveta, sacudiram a poeira e foram ao trabalho, apesar de o ambiente ainda ser muito hostil aos negócios no Brasil. Estavam apostando no futuro, nas mudanças anunciadas, na qualidade dos novos técnicos.

O Ibovespa, após perder mais de dois terços de valor real na era Dilma, recuperou-se com uma alta de 70% no ano. Eram os ativos nacionais se valorizando, permitindo maior captação de recursos para investimentos produtivos. A inflação regressou para o centro da meta, de 4,5% ao ano. A atividade econômica, que caíra quase 4% em 2015 e estava prevista para cair mais uns 3% em 2016, caso Dilma continuasse no poder, acabou zerada no ano, com o terreno pronto para um crescimento razoável já em 2017.

Longe do ideal liberal e agindo mais por necessidade do que convicção, como foi no Plano Real, a nova coalização de centro partiu para reformas importantes, como a previdenciária, e retomou o plano de privatizações. A mais importante foi, sem dúvida, a Petrobras, o que acabou com a farra do “petrolão” e salvou a empresa de uma iminente falência.

O resultado foi incrível, como tinha sido antes na Vale, na Embraer, na Telebras. Mais empregos foram gerados, mais impostos foram recolhidos, pois mais lucro havia sido produzido por sócios interessados na sobrevivência da empresa sem muletas estatais. Os trabalhadores eficientes foram recompensados, e os que viviam apenas encostados na era estatal foram demitidos. Meritocracia era o novo lema. O Brasil deixaria de ter a gasolina mais cara do mundo em poucos anos.

A Operação Lava-Jato seguiu seu curso, e houve uma grande festa nacional quando o ex-presidente Lula foi preso. Milhões de pessoas saíram pacificamente às ruas para celebrar, famílias lotavam as principais avenidas, e o “exército de Stédile” nada pôde fazer. Os militantes da CUT, da UNE e do MST, sem mortadela e sem tetas estatais para mamar, abandonaram o PT. O clima era de união, não de intolerância, como aquele fomentado pela esquerda radical.

A derrota do PT tinha reacendido a chama da esperança nos brasileiros. O governo tampão não era perfeito, estava longe do ideal, de algo realmente novo. Mas era infinitamente melhor do que o lulopetismo, o que não é difícil. Não havia aquele DNA totalitário, a incompetência somada à arrogância, o fator ideológico dominando cada decisão. O Mercosul finalmente expulsou a Venezuela por não atender à cláusula democrática, e o foco passou a ser em acordos bilaterais de livre comércio.

A entrada da Fox News Brasil mexeu com a imprensa, pois os liberais e conservadores tinham mais voz agora, e o viés de esquerda da grande mídia ficava mais evidente para o público, antes refém de uma hegemonia “progressista”. Chico Buarque, defensor da ditadura cubana e do PT, descobriu não ser uma unanimidade, e vários pensadores cantaram “Cálice” para o sambista, terminando com um “apesar de você, amanhã há de ser outro dia”. A festa era contagiante e bem-humorada, sem espaço para o típico rancor socialista.

Ia tudo muito bem, quando uma dor de cabeça bateu forte. Ressaca? Talvez, mas o consumo de álcool não fora tão grande assim. Levei automaticamente a mão à cabeça, contraindo os músculos faciais. E abri os olhos, dando de cara com a claridade. Era dia 1º, e horror dos horrores: Dilma ainda era a presidente do Brasil. O duro choque de realidade chegou a machucar, a doer.

A economia ainda estava nas mãos da turma inflacionista da Unicamp, e Nelson Barbosa era o ministro. A destruição do Brasil continuaria em alta velocidade. A segregação do povo em “nós contra eles” continuaria com força total. A hipocrisia dos artistas e “intelectuais” que pregam mais “tolerância” enquanto aplaudem as ditaduras venezuelana e cubana, que perseguem seus opositores, continuaria impune.

Pobre país, ainda tomado por essa gente inescrupulosa, incompetente e corrupta. Acordar do sonho foi o verdadeiro pesadelo. Caberá a nós, brasileiros decentes, lutar para transformar o sonho em realidade...

Rodrigo Constantino

A fascinação da reportagem

Gay Talese, um dos fundadores do New Journalism (novo jornalismo), uma maneira de descrever a realidade com o cuidado, o talento e a beleza literária de quem escreve um romance, é um crítico do jornalismo sem alma e sem graça. Seu desapontamento com a qualidade de certa mídia pode parecer radical e ultrapassada. Mas não é. Na verdade, Talese é um enamorado do jornalismo de qualidade. E a boa informação, independentemente da plataforma, reclama competência, rigor e paixão.

Segundo Talese, a crise do jornalismo está intimamente relacionada com o declínio da reportagem clássica. “Acho que o jornalismo, e não o Times, está sendo ameaçado pela internet”, disse Talese. “E o principal motivo é que a internet faz o trabalho de um jornalista parecer fácil. Quando você liga o laptop na sua cozinha, ou em qualquer lugar, tem a sensação de que está conectado com o mundo. Em Pequim, Barcelona ou Nova York... Todos estão olhando para uma tela de alguns centímetros. Pensam que são jornalistas, mas estão ali sentados, e não na rua. O mundo deles está dentro de uma sala, a cabeça está numa pequena tela, e esse é o seu universo. Quando querem saber algo, perguntam ao Google. Estão comprometidos apenas com as perguntas que fazem. Não se chocam acidentalmente com nada que estimule a pensar ou a imaginar. Às vezes, em nossa profissão, você não precisa fazer perguntas. Basta ir às ruas e olhar as pessoas. É aí que você descobre a vida como ela realmente é vivida”, observa Talese.

A crítica de Gay Talese é um diagnóstico certeiro da crise do jornalismo. Os jornais perdem leitores em todo o mundo. Multiplicam-se as tentativas de interpretação do fenômeno. Seminários, encontros e relatórios, no exterior e aqui, procuram incessantemente bodes expiatórios. Televisão e internet são, de longe, os principais vilões. Será?

Os jornais, equivocadamente, pensam que são meio de comunicação de massa. E não o são. Daí derivam erros fatais: a inútil imitação da televisão, a incapacidade de dialogar com a geração dos blogs e dos videogames e o alinhamento acrítico com os modismos politicamente corretos. Esqueceram que os diários de sucesso são aqueles que sabem que o seu público, independentemente da faixa etária, é constituído por uma elite numerosa, mas cada vez mais órfã de produtos de qualidade. Num momento de ênfase no didatismo e na prestação de serviços – estratégias úteis e necessárias –, defendo a urgente necessidade de complicar as pautas. O leitor que precisamos conquistar não quer o que pode conseguir na internet. Ele quer qualidade informativa: o texto elegante, a matéria aprofundada, a análise que o ajude, efetivamente, a tomar decisões. Quer também mais rigor e menos alinhamento com unanimidades ideológicas.

A fórmula de Talese demanda forte qualificação profissional: “A minha concepção de jornalismo sempre foi a mesma. É descobrir as histórias que valem a pena ser contadas. O que é fora dos padrões e, portanto, desconhecido. E apresentar essa história de uma forma que nenhum blogueiro faz. A notícia tem de ser escrita como ficção, algo para ser lido com prazer. Jornalistas têm de escrever tão bem quanto romancistas”. Eis um magnífico roteiro e um baita desafio para a conquista de novos leitores: garra, elegância, rigor, relevância.

A revalorização da reportagem e o revigoramento do jornalismo analítico devem estar entre as prioridades estratégicas. É preciso encantar o leitor com matérias que rompam com a monotonia do jornalismo declaratório. Menos Brasil oficial e mais vida. Menos aspas e mais apuração. Menos frivolidade e mais consistência.

Perdemos a capacidade de sonhar e a coragem de investir em pautas criativas. É hora de proceder às oportunas retificações de rumo. Há espaço, e muito, para o jornalismo de qualidade. Basta cuidar do conteúdo. E redescobrir uma verdade constantemente negligenciada: o bom jornalismo é sempre um trabalho de garimpagem.

A todos, feliz 2016!

Carlos Alberto Di Franco