O déficit fiscal crônico dificulta a reação à tragédia econômica que chega junto com o drama de saúde pública. Mas o maior déficit do governo encontra-se entre as orelhas do presidente da República, não no Tesouro Nacional. Não é que Bolsonaro não esteja ao volante. O problema é a falta de um itinerário.
Na área da Saúde, o ministro Henrique Mandetta move-se com uma desenvoltura que inspira confiança. Na seara econômica, o que há é um jogo de empurra entre Executivo e Legislativo. Numa ponta, Paulo Guedes. Na outra, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. Culpam-se uns aos outros pela inércia. Todos têm razão.
Ecoando um sentimento que se espraia pelo Congresso, Rodrigo Maia, o mandarim da Câmara, cobra do Ministério da Economia respostas emergenciais. Davi Alcolumbre, o comandante do Senado, ecoa em privado o trombone de Maia. Paulo Guedes, o Posto Ipiranga, cobra do Legislativo as reformas estruturais.
A crise intima Brasília a exibir um arsenal de providências emergenciais e estruturais. A tarefa exige coordenação. As coisas seriam mais fáceis se houvesse em cena um presidente da República dotado de duas ideias fixas: o que fazer para apagar o incêndio e para onde caminhar quando a emergência estiver resolvida.
Assiste-se na capital da República um balé de elefantes. Falta à cena um rajá, isto é, um líder que os monte, apontando-lhes um rumo, contendo-lhes os modos. Em condições normais, o inquilino do Planalto exerceria esse papel moderador. Mas Bolsonaro, como se sabe, é um presidente 100% feito de tromba.
A coreografia é burlesca. Ocorre no fundo do abismo. Voam pelos ares os bilhões que faltam ao Tesouro - R$ 30 bilhões de um orçamento impositivo que Bolsonaro empurra com a barriga; R$ 20 bilhões de uma pauta-bomba que os parlamentares lançam no colo do presidente. O cenário é árido. Falta-lhe a umidade da saliva.
Em 28 anos de vida parlamentar, Bolsonaro aprendeu a virar a mesa. Em 14 meses de Presidência, o capitão ainda não conseguiu sentar-se ao redor da mesa para negociar a solução de um problema —qualquer problema. Sem diálogo, o ruim tende sempre a evoluir para o muito pior.
A atividade econômica se encaminha da enfermaria para a UTI. Surgem no mercado previsões de crescimento abaixo de 1% em 2020. A arrecadação tributária minguará. Premido pela necessidade de fazer gastos extraordinários na saúde, o governo não terá como sacar a tesoura. O déficit ficará ainda maior.
A temperatura do caldeirão subiu. E a mistura ficou mais tóxica. Agora, além do desemprego a pino e do "pibinho", há um vírus percorrendo a conjuntura à procura de confusão. Nesse ambiente, a tese segundo a qual o pacote de reformas liberais é a única resposta à crise perdeu o prazo de validade.
Do mesmo modo, não faz nexo a ideia de que a simples troca do cartaz na porta do teatro vai melhorar a qualidade do espetáculo. Não se trata de retirar de cartaz a agenda de reformas perenes para colocar em cena o pacote de medidas emergenciais. Trata-se de tocar dois espetáculos simultaneamente.
Às voltas com taxas de investimento ridículas, a economia brasileira precisa conquistar a confiança dos investidores. Isso só vai acontecer se o país for capaz de cuidar da emergência sem descuidar do estrutural. Um presidente confuso, que ama o caos e é plenamente correspondido, não ajuda.
Paulo Guedes entrou com atraso na canoa da emergência. Como de hábito, a orquestra do ministro está desbalanceada. Tem mais tambores do que violinos. Promete 20 medidas contra a crise do coronavírus. E desafia os parlamentares a aprovarem 19 reformas que o governo já encaminhou ao Congresso. Quem tem 19 prioridades não tem nenhuma.
Noutros tempos, Rodrigo Maia ocuparia o oco existente entre as orelhas de Bolsonaro, pinçaria da lista de Paulo Guedes duas ou três prioridades reais e religaria as fornalhas do plenário. O diabo é que o coronavírus conseguiu infectar até o suposto parlamentarismo branco. Vigora em Brasília a monarquia. Reina a esculhambação.