quinta-feira, 20 de maio de 2021
Bolsonaro governa por procuração e Centrão faz a festa
Não há um único evento ou responsável solitário pelo atoleiro em que se enfiou o Brasil. Do desgoverno da pandemia à economia empacada sem criar empregos nem gerar renda alinhada ao ritmo demográfico, sem acompanhar as transformações tecnológicas e modelos de gestão e de negócios que lhe são inerentes — tudo isso vem de longe.
O presidente Jair Bolsonaro é a consequência da estagnação que já dura 40 anos, com tendência de regressão desde a grande crise global de 2008, assim como Lula fora em 2002, e poderá voltar a sê-lo em 2022, devido à incapacidade da coalizão reducionista que nos governa de reformar a governança do Estado e de pôr pilha no dinamismo empresarial.
Dois equívocos estão claros, embora pouco compreendidos. Primeiro é o desconforto do governante com a faina administrativa, razão de estar sempre desviando a atenção sobre suas responsabilidades e apontando o dedo para inimigos. Tal estilo foi usado pelas lideranças experientes dos partidos que vivem de favores e de nacos de fundos públicos, que o transformaram na rara oportunidade de governar por procuração, dirigindo o que é mais caro ao governo: a execução orçamentária.
Como partidos despreocupados com a imagem que lhes tem o eleitor e com as sequelas de suas ações, o ônus dessa parceria soa leve: deixar aprovar a pauta revisionista do bolsonarismo, como compensação aos projetos dos setores mais atrasados da economia, tipo o desmonte da legislação ambiental, a permissão para a criminosa titularização de terras públicas invadidas na Amazônia, a vandalização de reservas indígenas pelo garimpo, simultaneamente a refazer sem discussão a revisão tributária.
Bolsonaro pode ter dúvidas sobre onde quer chegar, mas o Centrão que lhe deu sobreviva sabe bem o que pretende.
Já esvaziou o direito de expressão da minoria na Câmara, ao dificultar a prática da obstrução e do tempo de fala. E investe, agora, para mudar a legislação eleitoral a fim de facilitar a reeleição dos “parças” e a oligarquia política.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, abraçou também a “causa” do voto impresso, como quer Bolsonaro para, diz ele, impedir “fraude com as urnas eletrônicas”, que não seriam auditáveis. Mas isso é falso. O processo tem 25 anos e nunca se comprovou nada que o desabone. Se aprovado, implicará a volta do voto de cabresto e outros ardis.
Não são reformas, são retrocessos, sobretudo nas áreas ambiental e da governança pública, em claro conflito com o previsto nos acordos do clima e pelo chamado ESG, acrônimo em inglês de Environmental, Social and Governance — regras de boas práticas de gestão privada e governamental. Elas recebem a adesão crescente de grandes empresas e investidores internacionais.
Se o revisionismo for endossado pelo Congresso, o custo a ser pago pelo país será alto. A possibilidade que se apresenta é de o Senado (menos exposto ao “bolsolão” governista) conter os disparates.
O presidente Jair Bolsonaro é a consequência da estagnação que já dura 40 anos, com tendência de regressão desde a grande crise global de 2008, assim como Lula fora em 2002, e poderá voltar a sê-lo em 2022, devido à incapacidade da coalizão reducionista que nos governa de reformar a governança do Estado e de pôr pilha no dinamismo empresarial.
Dois equívocos estão claros, embora pouco compreendidos. Primeiro é o desconforto do governante com a faina administrativa, razão de estar sempre desviando a atenção sobre suas responsabilidades e apontando o dedo para inimigos. Tal estilo foi usado pelas lideranças experientes dos partidos que vivem de favores e de nacos de fundos públicos, que o transformaram na rara oportunidade de governar por procuração, dirigindo o que é mais caro ao governo: a execução orçamentária.
Como partidos despreocupados com a imagem que lhes tem o eleitor e com as sequelas de suas ações, o ônus dessa parceria soa leve: deixar aprovar a pauta revisionista do bolsonarismo, como compensação aos projetos dos setores mais atrasados da economia, tipo o desmonte da legislação ambiental, a permissão para a criminosa titularização de terras públicas invadidas na Amazônia, a vandalização de reservas indígenas pelo garimpo, simultaneamente a refazer sem discussão a revisão tributária.
Bolsonaro pode ter dúvidas sobre onde quer chegar, mas o Centrão que lhe deu sobreviva sabe bem o que pretende.
Já esvaziou o direito de expressão da minoria na Câmara, ao dificultar a prática da obstrução e do tempo de fala. E investe, agora, para mudar a legislação eleitoral a fim de facilitar a reeleição dos “parças” e a oligarquia política.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, abraçou também a “causa” do voto impresso, como quer Bolsonaro para, diz ele, impedir “fraude com as urnas eletrônicas”, que não seriam auditáveis. Mas isso é falso. O processo tem 25 anos e nunca se comprovou nada que o desabone. Se aprovado, implicará a volta do voto de cabresto e outros ardis.
Não são reformas, são retrocessos, sobretudo nas áreas ambiental e da governança pública, em claro conflito com o previsto nos acordos do clima e pelo chamado ESG, acrônimo em inglês de Environmental, Social and Governance — regras de boas práticas de gestão privada e governamental. Elas recebem a adesão crescente de grandes empresas e investidores internacionais.
Se o revisionismo for endossado pelo Congresso, o custo a ser pago pelo país será alto. A possibilidade que se apresenta é de o Senado (menos exposto ao “bolsolão” governista) conter os disparates.
Ordens e internet
É notório que Jair Bolsonaro governa para e pela internet. Com resultado que está ficando muito nítido pelos trabalhos da CPI da Covid: a existência de uma espécie de dualidade de mando com prejuízos diretos no combate às diversas crises. O pecado original foi o papel importantíssimo das redes sociais na vitória dele em 2018. São ferramentas indispensáveis para ganhar eleições, mas instrumentos precários para governar – e é pensando nelas que Bolsonaro baseia suas ações.
“Postagens na internet não são ordens”, disse seu ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, ao depor na CPI da Covid num esforço bem orientado por advogados para desmentir o óbvio. Sim, no caso do governo Bolsonaro, são ordens (mas em juridiquês não são). O próprio Pazuello postou um célebre vídeo – na internet – ao lado de Bolsonaro, dando conta de que um manda (o presidente) e o outro (o general intendente) obedece.
“Mas era coisa de internet”, desculpou-se Pazuello. O efeito é o mesmo: Bolsonaro consagrou essa dualidade de mando dentro do próprio governo. Dedicado como sempre à atividade de animador de redes digitais, suas “ordens” que não são “ordens” servem no mínimo (com muita boa vontade) para criar confusão interna. No caso da pandemia, a CPI foi razoavelmente bem-sucedida também em demonstrar a existência de uma estrutura paralela de assessoramento governamental que, no fundo, é a avaliação de quais conteúdos obtêm melhor resposta nas redes digitais que Bolsonaro pretende atingir.
Ocorre que dualidade de mando paralisa qualquer administração complexa, como é o caso do governo brasileiro. Na prática, Pazuello e seus antecessores se viram divididos entre o que eram as posturas recomendadas pelas áreas técnicas (na questão de uso de medicamentos, por exemplo) e o que o presidente pregava nas suas redes – além da exigência aos ministros de um tipo de lealdade já fartamente comparado ao “Führerprinzip”, a ideia de que o líder tudo sabe e nunca falha.
O que aconteceu no combate à pandemia já era repetição do que afetara anteriormente setores como economia ou política externa (mas não só). Na economia, por exemplo, Bolsonaro promoveu grande alarido, com enormes prejuízos para a Petrobrás, ao dizer que ia interferir na formação de preços de combustíveis. Repetiu a “fórmula” com o Banco do Brasil, deixando os agentes econômicos nos mais diversos níveis preocupados sobre qual seria, afinal, o limite da intervenção estatal. Era o que vinha dizendo o ministro da Economia ou o que o presidente falava para sua turma na internet?
Na política externa essa “dualidade de mando” criou uma situação esquizofrênica para o principal parceiro comercial brasileiro, a China. Valem os ataques que Bolsonaro reitera nas redes ao regime chinês ou as súplicas dirigidas a Pequim por parte de ministros (como a da Agricultura) e governadores (como o de São Paulo) pela manutenção de laços para garantir exportações e suprimento de insumos para vacinas?
Bons observadores que são da cena brasileira (Pequim sabe cuidar de seus interesses), talvez os chineses se orientem pelo comportamento de duas instâncias políticas hábeis até aqui em lidar com Bolsonaro. Uma é o STF, que lhe impôs limites severos e pensa sempre uma jogada política adiante do presidente e que não mais responde às provocações feitas por ele através das redes digitais.
Outra instância política é a do Centrão, que congrega notórios especialistas em sobrevivência política e defesa dos próprios interesses. Os articuladores da base de sustentação de Bolsonaro no Legislativo chegaram ao acordo tácito de deixá-lo falando sozinho. Com eles não existe mais dualidade de mando, pelo menos no que se refere à distribuição de verbas entre parlamentares: tomaram conta disso, e deixaram o que tem de batata quente para ser decidido entre os ministros do Desenvolvimento Regional e o da Economia, por exemplo.
O resto é Bolsonaro falando para a internet.
“Postagens na internet não são ordens”, disse seu ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, ao depor na CPI da Covid num esforço bem orientado por advogados para desmentir o óbvio. Sim, no caso do governo Bolsonaro, são ordens (mas em juridiquês não são). O próprio Pazuello postou um célebre vídeo – na internet – ao lado de Bolsonaro, dando conta de que um manda (o presidente) e o outro (o general intendente) obedece.
“Mas era coisa de internet”, desculpou-se Pazuello. O efeito é o mesmo: Bolsonaro consagrou essa dualidade de mando dentro do próprio governo. Dedicado como sempre à atividade de animador de redes digitais, suas “ordens” que não são “ordens” servem no mínimo (com muita boa vontade) para criar confusão interna. No caso da pandemia, a CPI foi razoavelmente bem-sucedida também em demonstrar a existência de uma estrutura paralela de assessoramento governamental que, no fundo, é a avaliação de quais conteúdos obtêm melhor resposta nas redes digitais que Bolsonaro pretende atingir.
Ocorre que dualidade de mando paralisa qualquer administração complexa, como é o caso do governo brasileiro. Na prática, Pazuello e seus antecessores se viram divididos entre o que eram as posturas recomendadas pelas áreas técnicas (na questão de uso de medicamentos, por exemplo) e o que o presidente pregava nas suas redes – além da exigência aos ministros de um tipo de lealdade já fartamente comparado ao “Führerprinzip”, a ideia de que o líder tudo sabe e nunca falha.
O que aconteceu no combate à pandemia já era repetição do que afetara anteriormente setores como economia ou política externa (mas não só). Na economia, por exemplo, Bolsonaro promoveu grande alarido, com enormes prejuízos para a Petrobrás, ao dizer que ia interferir na formação de preços de combustíveis. Repetiu a “fórmula” com o Banco do Brasil, deixando os agentes econômicos nos mais diversos níveis preocupados sobre qual seria, afinal, o limite da intervenção estatal. Era o que vinha dizendo o ministro da Economia ou o que o presidente falava para sua turma na internet?
Na política externa essa “dualidade de mando” criou uma situação esquizofrênica para o principal parceiro comercial brasileiro, a China. Valem os ataques que Bolsonaro reitera nas redes ao regime chinês ou as súplicas dirigidas a Pequim por parte de ministros (como a da Agricultura) e governadores (como o de São Paulo) pela manutenção de laços para garantir exportações e suprimento de insumos para vacinas?
Bons observadores que são da cena brasileira (Pequim sabe cuidar de seus interesses), talvez os chineses se orientem pelo comportamento de duas instâncias políticas hábeis até aqui em lidar com Bolsonaro. Uma é o STF, que lhe impôs limites severos e pensa sempre uma jogada política adiante do presidente e que não mais responde às provocações feitas por ele através das redes digitais.
Outra instância política é a do Centrão, que congrega notórios especialistas em sobrevivência política e defesa dos próprios interesses. Os articuladores da base de sustentação de Bolsonaro no Legislativo chegaram ao acordo tácito de deixá-lo falando sozinho. Com eles não existe mais dualidade de mando, pelo menos no que se refere à distribuição de verbas entre parlamentares: tomaram conta disso, e deixaram o que tem de batata quente para ser decidido entre os ministros do Desenvolvimento Regional e o da Economia, por exemplo.
O resto é Bolsonaro falando para a internet.
Não há chance de dar certo
Além das mentiras já comprovadas do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que o noticiário em tempo real já explora desde ontem, e os jornais de hoje estão certamente aprofundando, os depoimentos à CPI da Covid até agora estão desvelando a maneira primitiva com que as decisões não são tomadas no governo Bolsonaro.
Juntando com a operação da Polícia Federal realizada ontem sobre a venda ilegal de madeira para os Estados Unidos, denunciada pelo próprio governo americano, temos a prova cabal de que não é apenas a questão ideológica que interfere na formação de um governo totalmente disfuncional.
O (ainda?) ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e diversos escalões do Ibama, inclusive seu presidente, foram apanhados por uma investigação sigilosa que incomodou Bolsonaro, que fez trocas no Ministério da Justiça e na Polícia Federal na tentativa de controlar as instituições do Estado brasileiro e viu-se surpreendido com a independência da PF.
Um exemplo típico, e fundamental, dessa disfuncionalidade é a crença de que as palavras de Bolsonaro nas redes sociais e nas lives fazem parte apenas do seu “etos político”, e não representam orientações do governo. Ao explicar a famosa frase “um manda, outro obedece”, Pazuello disse que era “uma frase de internet”, isto é, uma resposta para ajudar o político Bolsonaro, que estava sendo criticado por seus seguidores nas redes sociais porque o Ministério da Saúde havia anunciado a compra da CoronaVac, a “vacina chinesa” do Doria.
Seria uma releitura abrutalhada de Maquiavel, que separava a ética política da ética moral, ou então de Max Weber, uma referência para os que querem ser servidores públicos conjugando a “ética da convicção”, dos princípios morais aceitos em cada sociedade, e a “ética da responsabilidade”, que prevalece na atividade política.
Se houvesse um lado B de Bolsonaro, que para fora do governo enviasse uma mensagem, e agisse com bom senso, não teríamos tido a tragédia sanitária de que Pazuello é cúmplice. Basta assistir ao vídeo da famosa reunião ministerial que precipitou a saída do ex-ministro Sergio Moro para ver que o Bolsonaro das redes sociais é o mesmo nas entranhas do governo.
Ao mentir na CPI, tentando livrar a cara do presidente, o ex-ministro da Saúde comete um “crime continuado”, mesmo fora do governo. Os fatos o desmentem. O caso do avião oferecido pelos Estados Unidos para levar oxigênio para Manaus, na crise sanitária ocorrida dentro da pandemia no Brasil, é exemplar da incapacidade de trabalho em equipe deste governo.
O ex-chanceler Ernesto Araújo não falou com o governo da Venezuela, nem com o dos Estados Unidos, por questões ideológicas. E também não encaminhou, segundo Pazuello, um pedido formal com as características dos cilindros que seriam apanhados na Venezuela para levar a Manaus. Já havia feito isso quando recebeu a carta da Pfizer oferecendo vacinas. Não comunicou ao presidente Bolsonaro porque supôs “que o governo tinha recebido a carta”.
Pazuello soube que havia um avião dos Estados Unidos pronto para trazer oxigênio, mas não fez nada, pois não lhe perguntaram nada, só informaram. Ernesto Araújo disse que cabia ao Ministério da Saúde dar as informações técnicas para o voo. Os dois não se falaram, demonstrando que as autoridades do governo tiveram comportamentos burocráticos durante a crise humanitária em Manaus.
Pazuello reafirmou uma visão provinciana das negociações internacionais sobre as vacinas. Disse que mostrou ao representante da Pfizer o tamanho do Brasil num mapa, assim como o presidente Bolsonaro dissera anteriormente que o mercado brasileiro era tão grande que poderíamos negociar o preço das doses. Deu tudo errado, e, ao final, compramos a vacina da Pfizer pelo preço definido no início das negociações, perdendo tempo e prioridade na distribuição das doses.
É um governo completamente disfuncional. Com esses depoimentos e declarações, não há a menor chance de dar certo.
Pazuello é um Pinóquio que mente sem corar
Eduardo Pazzuelo é um cínico que, aparentemente, foi treinado por um desses “gerenciadores de crises” que, como abutres, planam em torno do poder. Essa gente ensina, basicamente, os clientes a dizer lorotas sem corar.
O ex-ministro mente descaradamente no seu depoimento. Na parte inicial, quando foi inquirido apenas pelo relator Renan Calheiros, ele mentiu três vezes quando afirmou que a) tinha autonomia no Ministério da Saúde, nunca recebeu ordens diretas do presidente; b) o Exército não distribuiu cloroquina, remédio contra a malária, especificamente para o tratamento de Covid; c) o aplicativo TrateCov, desenvolvido para estimular o “tratamento precoce” da doença, nunca foi oficialmente ao ar.
O ex-ministro Pazuello não tinha autonomia coisa nenhuma, como ficou evidente por aquele vídeo no qual, internado no hospital para tratar de Covid, afirmou ao lado de Jair Bolsonaro que ele obedecia ao presidente, para alegria manifesta do sociopata, que já havia defenestrado Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. Não foi força de expressão: Pazuello mostrou alinhamento automático com o negacionismo assassino do presidente da República. Se teve autonomia, foi para seguir o chefe sem qualquer hesitação ou dor na consciência.
Jair Bolsonaro mandou o Exército ampliar a fabricação de cloroquina para o “tratamento precoce” da doença em março de 2020, ainda sob a gestão de Luiz Henrique Mandetta. A distribuição do medicamento para ser usado contra a Covid foi mantida mesmo depois de comprovada a ineficácia da cloroquina no combate à doença, já com Eduardo Pazuello à frente do Ministério da Saúde.
A historieta de que o aplicativo TrateCov nunca foi oficialmente ao ar é coisa de Pinóquio sem vergonha. A TV Brasil finalmente teve alguma serventia, ao deixar registrada uma reportagem sobre o lançamento do aplicativo feito “para agilizar o atendimento de pacientes com sintoma de Covid e para garantir o tratamento precoce”.
Sobre o colapso da saúde em Manaus e outras cidades do estado do Amazonas que sofriam com fala de oxigênio, em janeiro, Eduardo Pazuello afirmou que foi avisado tardiamente sobre a situação. Ainda que tenha sido assim, e há sérias dúvidas a respeito, um ministro da Saúde digno desse nome, integrante de um governo digno desse nome, teria trabalhado em coordenação com os secretários de Saúde dos estados, antecipando-se a problemas, diante da pior emergência sanitária dos últimos cem anos.
Quanto às ofertas da Pfizer para a compra da vacina produzida pela farmacêutica, Eduardo Pazuello disse que respondeu às seguidas propostas, mas que as cláusulas eram “assustadoras”. Que se faça uma acareação com o dirigente da Pfizer que prestou depoimento à CPI da Covid, mas o meu palpite é que assustador será ver o nariz de Pazuello crescer ainda mais. O ex-ministro também afirmou que nunca recebeu ordem do presidente para desfazer acordos com o Instituto Butantan sobre o fornecimento da Coronavac. Foi desmentido elegantemente por Dimas Covas, diretor do instituto, que tem o calendário como prova — e, convenhamos, basta pesquisar o noticiário do ano passado sobre o desdém de Jair Bolsonaro pela “vachina do Doria”, para verificar que o ex-ministro está mentindo sem corar, como ensinam os “gerenciadores de crises”.
O senhor Eduardo Pazuello, que tenta a todo custo blindar o presidente, só não sairá preso do seu depoimento porque o ministro do STF Ricardo Lewandowski lhe concedeu um habeas corpus.
O ex-ministro mente descaradamente no seu depoimento. Na parte inicial, quando foi inquirido apenas pelo relator Renan Calheiros, ele mentiu três vezes quando afirmou que a) tinha autonomia no Ministério da Saúde, nunca recebeu ordens diretas do presidente; b) o Exército não distribuiu cloroquina, remédio contra a malária, especificamente para o tratamento de Covid; c) o aplicativo TrateCov, desenvolvido para estimular o “tratamento precoce” da doença, nunca foi oficialmente ao ar.
O ex-ministro Pazuello não tinha autonomia coisa nenhuma, como ficou evidente por aquele vídeo no qual, internado no hospital para tratar de Covid, afirmou ao lado de Jair Bolsonaro que ele obedecia ao presidente, para alegria manifesta do sociopata, que já havia defenestrado Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. Não foi força de expressão: Pazuello mostrou alinhamento automático com o negacionismo assassino do presidente da República. Se teve autonomia, foi para seguir o chefe sem qualquer hesitação ou dor na consciência.
Jair Bolsonaro mandou o Exército ampliar a fabricação de cloroquina para o “tratamento precoce” da doença em março de 2020, ainda sob a gestão de Luiz Henrique Mandetta. A distribuição do medicamento para ser usado contra a Covid foi mantida mesmo depois de comprovada a ineficácia da cloroquina no combate à doença, já com Eduardo Pazuello à frente do Ministério da Saúde.
A historieta de que o aplicativo TrateCov nunca foi oficialmente ao ar é coisa de Pinóquio sem vergonha. A TV Brasil finalmente teve alguma serventia, ao deixar registrada uma reportagem sobre o lançamento do aplicativo feito “para agilizar o atendimento de pacientes com sintoma de Covid e para garantir o tratamento precoce”.
Sobre o colapso da saúde em Manaus e outras cidades do estado do Amazonas que sofriam com fala de oxigênio, em janeiro, Eduardo Pazuello afirmou que foi avisado tardiamente sobre a situação. Ainda que tenha sido assim, e há sérias dúvidas a respeito, um ministro da Saúde digno desse nome, integrante de um governo digno desse nome, teria trabalhado em coordenação com os secretários de Saúde dos estados, antecipando-se a problemas, diante da pior emergência sanitária dos últimos cem anos.
Quanto às ofertas da Pfizer para a compra da vacina produzida pela farmacêutica, Eduardo Pazuello disse que respondeu às seguidas propostas, mas que as cláusulas eram “assustadoras”. Que se faça uma acareação com o dirigente da Pfizer que prestou depoimento à CPI da Covid, mas o meu palpite é que assustador será ver o nariz de Pazuello crescer ainda mais. O ex-ministro também afirmou que nunca recebeu ordem do presidente para desfazer acordos com o Instituto Butantan sobre o fornecimento da Coronavac. Foi desmentido elegantemente por Dimas Covas, diretor do instituto, que tem o calendário como prova — e, convenhamos, basta pesquisar o noticiário do ano passado sobre o desdém de Jair Bolsonaro pela “vachina do Doria”, para verificar que o ex-ministro está mentindo sem corar, como ensinam os “gerenciadores de crises”.
O senhor Eduardo Pazuello, que tenta a todo custo blindar o presidente, só não sairá preso do seu depoimento porque o ministro do STF Ricardo Lewandowski lhe concedeu um habeas corpus.
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