quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Aprisionados

Somos prisioneiros de nossos países, línguas, comidas, dinheiro, leis, ambições e tudo o mais que nos é explicita ou implicitamente infligido pelo teatro da sociedade onde não escolhemos nascer e morrer. Essas imposições, porém, não nos eximem de liberdade, honra e virtude.

Como não criar gradações em todos os lugares se o sistema é muito mais vertical do que horizontal? Como, neste Brasil no qual estamos aprisionados, não intermediar um emprego para um afilhado incapaz de roubar tostões mas com capacidade para embolsar bilhões?

Somos destemidos, mas não recusamos o pedido de um amigo. E, embora socialistas, celebramos missas de sétimo dia, pois recusamos o materialismo. Sem hipocrisia, como mostra a obra de Machado de Assis, não haveria Brasileiros.
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Jean-Baptiste Debret
Prisões são territórios especiais, como acentuaram Gustave de Beaumont e Alexis de Tocqueville, em 1833, quando as estudaram na América. No sistema quacker de manter os presos em isolamento absoluto, eles viram as raízes do despotismo do qual resulta uma vida pública controlada. Como a América então já era percebida como avançada, resolvia o delito num sistema fundado na liberdade com igualdade, sem religião oficial e aristocracia.

O prisioneiro deveria ser curado, regenerado, castigado ou punido? Ou simplesmente estigmatizado e vingado, como conta Alexandre Dumas, em 1844, em “O Conde de Monte Cristo”?

Uma justiça redistributiva e impessoal exige esquecimento. Criminosos devem ser punidos pelo Estado, e não por quem eles ofenderam, o que configuraria vingança e castigo.

Uma aquarela de Debret, reproduzida no belo livro de Julio Bandeira e Pedro Corrêa do Lago, mostra um fileira de oito escravos acorrentados, carregando alimentos para prisioneiros. Corria a década de 1820, e um soldado fardado e, quem sabe, comandado pelo mítico Major Vidigal, cerra a fila desses infelizes, que obtinham sustento alimentício graças à Santa Casa de Misericórdia. Seguiam para a prisão da Prainha, hoje Praça Mauá. Dois levam na cabeça farinha de mandioca; um outro par, um caldeirão com uma sopa de restos de animais; e, se olharmos com cuidado, descobrimos que alguns têm na cintura peixes secos. O governo, eis de onde procedemos, não tinha a obrigação de alimentar prisioneiros porque o regime não era de punição, mas de castigo e vingança.
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Deste ano santo(?) de 2017, vemos estourar no Brasil rebeliões em presídios federais no Amazonas e em Roraima. Não sou jornalista e não vou repetir o que se sabe. Vários presos foram desmembrados e alguns decapitados. Lembro que a decapitação era uma forma de castigo usada para traidores, infiéis e aristocratas. Ela foi usada nas civilizadas Escócia, Inglaterra, Alemanha e Itália e, com a grande Revolução Francesa, foi ressuscitada pelo médico Joseph-Ignace Guillotin como uma maneira de matar rápida e democraticamente, subtraindo dos nobres a morte por uma gloriosa decapitação. Resultado de um abandono inominável dos nossos presídios, essas sangrentas lutas faccionais espantariam o próprio demônio, esse grão senhor da maior prisão do cosmos: o inferno, no qual, como vislumbrou Dante, os castigos mais tenebrosos são infligidos numa ordem impecável. Os nossos jornais, porém, já assinalam os elos óbvios entre políticos e empresas no que poderia resultar numa “Operação Aspirador” e prender o que sobra — com o devido respeito a uma minoria honesta — desses espectros chamados “políticos”. Estamos por alguns minutos indignados, mas, como revela um avisado Eça de Queiroz, o incesto do Maia, a pusilanimidade do Basílio e o crime do padre Amaro foram devidamente esquecidos.

A infâmia do nosso caso é ser obrigado a descobrir o que sabemos. Que os bandidos estão dentro e fora das prisões e que em todas há regalias e privilégios. Na grande prisão chamada Parlamento, que os idiotas ainda ordenam em direita (o Dragão da Maldade) e esquerda (Deus), as facções se atacam com a mesma bestialidade. Nos presídios, onde tudo também é traficado, eles reproduzem o mesmo sistema e são mais claros nas suas intenções e, quem sabe, mais honestos nos seus propósitos, fazem o que os nossos “democratas” ainda titubeiam: caçam cabeças. É vergonhoso viver num país que não honra sequer os seus condenados.

PS: Se você, leitor, tem um colocação fora do Brasil para um medíocre cronista-antropologista pré-moderno de 80 anos, autor de uma dezenas de livros pouco lidos e muito roubados e criticados, faça o favor de informar

Roberto DaMatta

Chocadeira de mudanças

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As grandes mudanças na história nunca vieram dos pobres, mas da frustração das pessoas com grandes expectativas que nunca se cumpriram
Zygmunt Bauman

Passageiros da utopia

Em um de seus últimos artigos, o poeta Ferreira Gullar pregou a necessidade de se recuperar a utopia de uma sociedade mais fraterna e menos desigual, sonho de gerações e gerações do século XX.

Esse trem da utopia acaba de perder um de seus últimos passageiros, Mário Soares.

Morreu o “pai do Portugal democrático”, mas não o seu ideário. Este continua atual. Afinal, sabemos que, sem utopia a humanidade perde o sentido.

O sonho dele foi o mesmo de Olof Palme, Willy Brandt, François Mitterrand, Felipe González, passageiros do comboio da socialdemocracia em países da Europa pós Segunda Guerra Mundial.

A grande consigna de Mario Soares foi “socialismo em liberdade”. Com ela, não só se diferenciou do modelo do “socialismo real” da URSS e seus satélites, mas também da visão liberal do Estado mínimo e do endeusamento do mercado.

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A socialdemocracia moderna, da qual foi um dos expoentes, constituiu-se como terceira via, pautada na combinação de um Estado social com a economia de mercado.

Os países nórdicos são até hoje a experiência mais bem-sucedida. É difícil defini-los como capitalistas ou socialistas. Talvez um mix dos dois.

A ideia de uma Europa una, à qual Portugal aderiu, trouxe enormes benefícios para os países que a ela se agregaram.

A prosperidade portuguesa é produto dessa integração, da qual Mário Soares foi fiador. O Portugal salazarista era um país agrário, exportador do trabalho braçal, de índices de analfabetismo alarmantes – 25% ainda na década de 70. Hoje é um país moderno.

Mas poderia ser a Albânia do mundo ocidental, caso o pai da democracia portuguesa tivesse perdido o embate para Álvaro Cunhal, líder comunista de linha ortodoxa e pró Moscou de Brejnev.

A pátria de Fernando Pessoa viveu dias dramáticos em 1975 quando um golpe de orientação comunista por um triz não se concretizou. Soares conclamou as massas a ir às ruas em defesa da democracia e estreitou mais ainda os laços com Olof Palme, um dos maiores líderes da socialdemocracia escandinava.

Nas últimas décadas do século 20, este ideário tinha vencido o embate ideológico que vinha desde a ruptura entre a Internacional Socialista e a Terceira Internacional.

A ideia do socialismo democrático, ou do “socialismo em liberdade” ganhou força tanto com a perestroika de Mikhail Gorbachev, como com o compromisso histórico de Enrico Berlinguer. Na essência, o eurocomunismo do PCI e do PCE se aproximava, e muito, das ideias de Mário Soares, Olof Palmer, Willy Brandt, François Mitterrand e Felipe González.

Na virada do século, a democracia se afirmava como o grande valor da humanidade, mas o Estado do bem-estar entrava em refluxo, como uma das consequências da globalização, que, se trouxe enormes ganhos, não concretizou o sonho do poeta de uma sociedade menos desigual. Ao contrário, levou à desindustrialização em países centrais, a uma maior concentração da riqueza, aprofundando desigualdades.

A recente onda nacional populista, com seus traços de xenofobia e racismo, é uma resposta transversa aos efeitos perversos da globalização.

E por ser transversa é uma não resposta.

O nacional-populismo não é a última estação do trem da história. O desafio dos tempos atuais é construir uma alternativa a ele. E, seguramente não é a negação da globalização, mas sua elevação a um novo patamar.

O sonho dos passageiros da utopia permanece atual.

A ascensão do nacional-populismo aponta para a necessidade de uma socialdemocracia comprometida até a medula com a distribuição da riqueza, nos marcos de uma economia de mercado e de ordenamento democrático.

Em um mundo no qual somente uma parte da população encontrará lugar no mercado tradicional de trabalho, será imperativo criar um novo sistema de bem-estar social baseado em distribuição mais justa da riqueza.

O trem dos passageiros da utopia segue em direção a Estação Finlândia, primeiro país a experimentar um programa de renda mínima universal.

Paisagem brasileira

Ponte sobre o Rio Prata, Francisco Morais 

O ministério que faz falta

Em parte, a falta de notícias relevantes que costuma marcar o país entre o final de cada ano e o carnaval do ano seguinte foi mitigada pelos massacres de presos no Amazonas e em Roraima, que produziram uma centena vítimas, muitas delas esquartejadas.

Nem por isso as férias e a redução do trabalho nos três poderes da República (Legislativo, Executivo e Judiciário) passarão sem que pelo menos brotasse uma ou mais “flores do recesso”. Ou seja: fatos que não passam de falsos fatos. E que logo serão esquecidos.

A “flor” do atual recesso brotou no rastro das discussões por ora acessas, mas que em breve esfriarão, em torno da crise do sistema penitenciário brasileiro. A crise é um fato real, concreto, para o qual não existe uma só solução, mas um conjunto complexo delas.

Como não parece haver consenso na sociedade sobre a melhor forma de enfrentá-la, políticos em busca de algum protagonismo ressuscitaram a velha e inócua ideia de propor a criação de mais um ministério, esse só para cuidar da segurança pública.

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Um grupo de deputados, hoje, se reunirá com o presidente Michel Temer para tratar do assunto. Alguns deles saíram, ontem, animados com o que ouviram a respeito do colega Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, substituto de Temer nas suas ausências.

O DEM de Maia sempre defendeu a criação do Ministério da Segurança Pública – ou de qualquer outro nome que se lhe dê. Maia é candidato a se reeleger presidente da Câmara. Por coerência e à caça de votos, ele não poderia ter repelido a proposta.

Mas ela não tem a menor chance de vingar. Não vingou quando foi sugerida ao então presidente Fernando Henrique Cardoso, que preferiu criar a Secretaria Nacional de Segurança Pública subordinada ao Ministério da Justiça. Não vingou nos governos Lula e Dilma.

Os presidentes não querem ligação direta com os problemas da segurança pública. Como a Constituição diz que ela compete aos governos estaduais, ajudados pelo federal, os presidentes se valem disso para manter distância prudente deles. Bastam os demais problemas que os acossam.

Os ministros da Justiça nunca quiseram renunciar a um naco do seu poder. O que seria deles se a segurança pública virasse um ministério específico? De resto, como se falar em hora de crise e de corte radical de gastos na invenção de mais um cabide de empregos?

O compositor Chico Buarque sugeriu a Lula, ainda no seu primeiro governo, a criação de um ministério barato, baratinho, a ser ocupado por uma única pessoa, seu titular, e no máximo uma secretária. Vá lá, também um motorista para o carro oficial.

Seria o Ministério do Vai dar Merda. Caberia ao ministro do Vai Dar Merda opinar sobre questões de qualquer natureza capazes de provocar sérios embaraços para o governo. Noutras palavras: capazes de dar merda. Do ministro se exigiria, apenas, inteligência e bom senso.

Lula desprezou a sugestão de Chico, reiterada a Dilma que também a desprezou. Temer nada teria a perder se a acatasse, haja vista o que já houve de merda desnecessária em tão poucos meses de governo. Até poderia ficar bem com Chico e com parte dos que o acusam de golpista.

Essa herança é a maldita

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Nossos filhos não terão tempo para debater a existência das mudanças climáticas. Estarão ocupados lidando com seus efeitos
Barack Obama no último discurso

Guerra nos presídios é caso de defesa nacional

O Estado brasileiro está sendo posto contra a parede: ou intervém e ocupa o sistema presidiário ou abre mão de controle e poder sobre parte do território do País. Não se trata mais de um caso de segurança pública, mas de defesa nacional.

Documentos e conversas interceptadas pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público (MP) revelam a facilidade com que uma das 27 facções criminosas em guerra nos presídios, o Primeiro Comando da Capital (PCC), vem conseguindo celulares e ordenando crimes dentro de presídios em Roraima desde 2014. Então, a Operação Weak Link, da PF, devassou-a no Estado. Além disso, exige a saída de rivais da cadeia – o que teria motivado a fuga de pelo menos 145 detentos. Investigadores do combate ao crime organizado acompanham o crescimento do PCC em Roraima há pelo menos cinco anos. Isso é pouco?

A notícia, publicada no Estadão, revela que a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, tem toda a razão em pedir ajuda do Poder Executivo para que se faça um censo carcerário urgente e indispensável, capaz de contar quantos presos há de fato. Ela foi avisada pelo presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Paulo Rabello de Castro, de que os dados que têm sido citados não são confiáveis. De fato, urge revelar quem está preso e por quê. Em seguida, reassumir o comando sobre as celas. Para tanto, antes de construir novos presídios e bloquear celulares nas cadeias, será necessário recriar um órgão de inteligência decente, inexistente desde o desmonte do Serviço Nacional de Informações (SNI) promovido por Collor. E com agentes infiltrados nos presídios. Sem isso não dá para saber o que na realidade acontece nas prisões nem como são planejadas e executadas tais carnificinas.


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Dominadas pelo crime, as penitenciárias estão fora da lei. O preso precisa voltar a ser tratado como indivíduo, e não como membro de um bando ou quadrilha em luta dentro do presídio. Se a lei não for imposta, o Estado perderá essa guerra.

Infelizmente, o voo de baratas tontas dos mandachuvas do Executivo sobre a barbárie reinante nas penitenciárias Anísio Jobim, Monte Cristo, Pedrinhas e muitas outras em territórios sob sua jurisdição impede que o governo federal sequer pareça ter percebido o que, de fato, acontece. O presidente Michel Temer levou quatro dias para falar da tragédia em Manaus e quando falou cuspiu no bom senso anunciando “solidariedade governamental” para evitar mais um “acidente pavoroso”. Diante de cabeças decepadas e exibidas ao mundo estarrecido, reagiu como se estivesse comentando a nuvem tóxica de Cubatão ou as tempestades de verão que desabaram no Rio Grande do Sul na semana passada.

Em vez de acompanhar Cármen Lúcia em Manaus, onde ela se reuniu com desembargadores, juízes e procuradores, Temer recusou-se a deixar Brasília, como se tivesse medo de enfrentar a dura realidade que o esperava nas celas do Compaj. A menos de uma semana do primeiro massacre, Temer foi a Esteio (RS) entregar ambulâncias e a Lisboa para o enterro de Mário Soares. Sem antes repreender seu amigo ministro da Justiça, que deu seguidas provas de incapacidade de exercer o cargo. Alexandre de Moraes foi ao Amazonas e repetiu seu mantra de ex-secretário de Segurança de Alckmin, segundo quem a imprensa exagera a importância e o poder de fogo das facções criminosas.

A reação de Moraes ao massacre na penitenciária agrícola de Roraima foi ainda mais patética. Ele desmentiu a governadora Suely Campos, que disse ter-lhe pedido ajuda para evitar a tragédia, em ofício de novembro. Exposto, o documento desmentia seu desmentido e ele tergiversou, argumentando que ela não teria especificado o sistema prisional. Diante da exibição pública de seu novo engano, reconheceu o erro crasso e seguiu em frente. Não pediu desculpas nem seu chefe o repreendeu pelas falhas.

Com seu plano nacional de paliativos repetitivos, Moraes desafia o lugar-comum de que tal tema é dever constitucional de Estados, e não da União. O ex-presidente do STF Carlos Ayres Britto e o constitucionalista Oscar Vilhena argumentam que o problema deve ser encarado por governo federal e Estados em conjunto. O relevante agora é construir um pacto federativo que atenda ao interesse maior da sociedade: paz nas celas e nas ruas.

A Justiça também teria de aderir a esse pacto, propondo-se a fazer muito mais até do que Cármen Lúcia tem feito até agora. Desocupar prisões superlotadas com condenados que não pagaram pensão alimentícia aos filhos – providência tomada em Roraima, abrindo 161 vagas – devia ser uma espécie de ponto de partida para a Justiça participar do mutirão nacional pela retomada do poder nas cadeias.

Juízes e promotores devem à sociedade a obrigação de fiscalizar os presídios. E, além disso, perdem completamente a autoridade de exigir medidas contra a corrupção por não apoiarem o Legislativo em mudanças do Estatuto da Magistratura, mercê do qual a desembargadora Encarnação das Graças Salgado, acusada pela PF de prestar serviços à Família do Norte, está recebendo R$ 65 mil de proventos mensais. E não sofreu punição alguma. Urge combater a corrupção de colarinho-branco. Mas promotores e juízes precisam respeitar as mesmas leis, como os cidadãos que eles acusam e julgam.

O Congresso (em recesso) deveria integrar esse mutirão para enfrentar este caos absurdo e apavorante de degolas em cadeias e a omissão conivente dos juízes. Os representantes do povo precisam cumprir o dever constitucional de vistoriar presídios. E produzir leis para eliminar privilégios de juízes e promotores que ganham acima do teto, além de punir quem vende sentença ou presta serviços ao crime. Essa omissão é grave falha de responsabilidade. O Congresso só se ocupa dos próprios interesses corporativos e este é um imperdoável crime de lesa-pátria.

O Poderoso Chefão


Camerata Sérvica, dirigida por Marcello Rota, no Guitar Art Festival de 2011. 
em Belgrado

A doença de Baumol

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A doença de Baumol é o nome dado pelos economistas ao aumento das despesas com saúde e educação num mundo em que os custos de produção caem vertiginosamente graças ao aumento da produtividade. Essa “doença de custos” foi diagnosticada pela primeira vez em 1966, pelos economistas William J. Baumol e William Bowen, e até hoje não se encontrou uma cura efetiva para elas, seja no setor público, seja no privado. No Brasil, porém, os resultados são o colapso do sistema de saúde e a péssima qualidade de ensino.

Na discussão sobre a nova Lei do Teto dos Gastos Públicos, a maior reação contrária partiu das corporações ligadas aos dois setores, principalmente sanitaristas e professores. Como a discussão acaba sempre instrumentalizada pelos partidos, o viés do debate foi pautado pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Ou seja, o assunto virou trincheira da turma que acha que a antecipação das eleições vai resolver todos os problemas do país, sem considerar os riscos que isso teria, uma vez que viola o calendário estabelecido pela Constituição.

Apesar de ter mais de 50 anos, a hipótese de Baumol e Bowen está mais do que comprovada: as despesas com saúde e educação aumentaram de forma consistente em todo o mundo, enquanto os custos da produção desabaram com a revolução tecnológica. Honorários médicos, planos de saúde e despesas com o Sistema Único de Saúde, por exemplo, sobem mais do que a inflação. As despesas com educação também. Como são serviços que exigem trabalho humano personalizado, não podem ser automatizados na atividade-fim.

O crescimento da produtividade geralmente está associado ao resultado obtido pela hora trabalhada. Na indústria, de um modo geral, isso se traduz na automação da produção de bens, como os carros, por exemplo. Ninguém pode automatizar o atendimento aos pacientes ou aos alunos em sala de aula. Mesmo que se reduza a duração das consultas ou se aumente o número de alunos por sala de aula, há um limite rígido para a produtividade. O pensamento e a atenção não podem ser automatizados, mesmo à distância.

Também aqui no Brasil, esse fenômeno está por trás do crescimento das despesas com Saúde e Educação. O problema é a qualidade dos serviços, que deixa muito mais a desejar. Essa é a grande questão a ser discutida. É preciso melhorar a qualidade do atendimento à saúde e do ensino, já que não é possível impedir que os custos continuem aumentando. Mas, para isso, é preciso enfrentar uma outra questão: o corporativismo.

Vejamos o Orçamento da União de 2017. Saúde e Educação, ao contrário do que se dizia nas manifestações contra a nova Lei do Teto dos Gastos Públicos, terão valores maiores que os registrados neste ano. O Projeto de Lei Orçamentária Anual 2017 (PLOA) entregue ao Congresso Nacional prevê despesas de R$ 110,2 bilhões, um valor 7,20% maior que o de 2016 e 6,06% acima do mínimo que o governo é obrigado por lei a desembolsar.

Para a Educação, a proposta é um orçamento de R$ 62,5 bilhões. Essa cifra é 2% maior que a de 2016 e 21,36% superior ao mínimo que o governo é obrigado pela Constituição a investir na área. Com os demais gastos em Educação, classificados como transferências de salário-educação e outras despesas, o orçamento total da área sobe para R$ 111,3 bilhões. Comparado ao ano passado, é 10,42% maior.

Com esses recursos, é possível melhorar. Em vários países, muitas alternativas de gestão adotadas no setor privado estão sendo utilizadas com sucesso no setor público. Aqui mesmo no Brasil, nos melhores hospitais e nas melhores escolas privadas, há inúmeros exemplos que poderiam ser adotados na rede pública, mas aparentemente não há um grande interesse nisso, porque as políticas públicas foram capturadas por grandes interesses privados.

Reduzir custos onde isso significa diminuir os lucros de fornecedores e prestadores de serviços não é uma tarefa fácil, ainda mais se isso tem a ver com financiamento de campanha ou apoio eleitoral propriamente dito. Além disso, professores e médicos reagem imediatamente quando as inovações e mudanças atingem seus interesses corporativos. Como? Cruzando os braços.

 Luiz Carlos Azedo

Cegueira com $


Nessa república louca que é o Brasil, temos aí o Executivo e o Legislativo altamente envolvidos nas questões da Odebrecht, de acordo com as delações no âmbito da Operação Lava Jato.
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Tem-se aí pelo menos uns 30 anos em que a Odebrecht ganha praticamente todas as ações na Justiça. O Judiciário nunca toma uma posição contrária à empresa? Será que o Judiciário é o mais correto dos poderes? Em todas essas inúmeras licitações que a Odebrecht já ganhou no Brasil nunca a Justiça encontrou nada suspeito sem que precisasse alguém denunciar
Eliana Calmon, ex-ministra do Superior Tribunal de Justiça

Presos não votam

Depois do choque que atingiu o país inteiro com os massacres nas penitenciárias de Manaus e Boavista, vão sendo descobertos antecedentes e consequências daquele horror. Ontem nos referimos às dificuldades de identificação dos assassinos que degolaram e estriparam colegas de cadeia, exceção dos que se deixaram fotografar.


Hoje, outro motivo de indignação: pelas informações de autoridades estaduais, ficamos sabendo que nos últimos dez anos nenhum investimento de vulto foi feito nas cadeias, tanto pelos Estados quanto pela União. Enquanto isso, a população carcerária duplicou, gerando não apenas o acúmulo de presos, mas também a ampliação da influência do crime, dentro e fora das grades.

Quer dizer que desde 2006 o poder público omitiu-se, sem que se construíssem novas cadeias ou se reformassem as velhas.Quem era presidente da República, naqueles idos? O Lula, primeiro, Dilma depois. Ficaram 13 anos contribuindo para o aumento da criminalidade. Assistiram à multiplicação de grupos de bandidos, muitos em guerra aberta, dominando as cadeias, cobrando mensalidades da massa exposta à corrupção, obrigada a contribuir ou morrer.

Por onde andava o PT, nesses dez anos dos treze em que dirigiu o país? O crime organizado cresceu, desdobrou-se tanto quanto o tráfico de drogas. Da parte do governo dos trabalhadores, nada. Presos não votam. A não ser para escolher os chefes de quadrilha e determinar quem será assassinado.

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De Rijp (Holanda), Jan Siebring

Ainda sobre os massacres nas prisões

Sou filha de juiz de direito. Certa feita, numa das comarcas que meu pai presidiu, houve um incêndio criminoso. As suspeitas logo recaíram sobre o vigia, homem corpulento, alto e negro. A opinião pública logo passou a se referir a ele como “aquele facínora”. Não se falava noutra coisa na pequena cidade. Tendo tomado conhecimento das sevícias praticadas contra o suspeito pela polícia, papai determinou que ele ficasse em nossa casa, sob sua guarda e responsabilidade. Determinou que nós, seus seis filhos menores, não fôssemos mais a seu escritório de trabalho, onde mamãe improvisou uma cama. Pela manhã, a ele era levada uma bandeja com o café da manhã, depois o almoço e, à tarde, o lanche. À noite, como era costume na época, era-lhe servido o jantar e, antes de dormir, outro lanche.

A cidade toda encheu-se de boatos contra meu pai. Diziam que ele era descuidado, sobretudo com suas duas filhas menores (eu, a mais velha, tinha cerca de 9 anos); que não se precavia contra a periculosidade do “facínora” e coisas assim.

Não me lembro do final do caso, porque fui morar em casa de uns tios por um tempo, pois não tinha idade para cursar o ginásio e já completara o grupo escolar. Sempre fui precoce nos estudos.

Charge O Tempo 10/01/2017

Essa lembrança me martela a cabeça diante do que toda a imprensa noticiou e continua noticiando sobre a situação carcerária no Brasil. Alguém enviou-me uma frase do falecido Darcy Ribeiro, que afirmava em 1982: “O país que não constrói escolas está fadado a construir presídios”. Leio também que a Holanda e a Suécia estão fechando presídios e que o número de detentos na Noruega, por exemplo, é mínimo. Tudo quanto li a respeito nesses dias aponta para a desigualdade social como motivo maior para a existência de grande população carcerária. Brasil e Estados Unidos são exemplos de excesso de presos. E, para quem já anda receitando a pena de morte, lembro que certos Estados nos EUA a possuem e nenhuma estatística constata que esse fato tenha tido efeito na diminuição dos crimes. Aqui, sabe-se, o número de detentos sem culpa formada (presos provisórios ou cumprindo penas preventivas) lota as cadeias. Também me vieram à lembrança as palavras do secretário do Trabalho do Rio de Janeiro, quando o primeiro governo Lula lançava seu projeto (falido) de “Primeiro Emprego” e aquela autoridade lamentava-se comigo que só podia oferecer a um jovem a quantia de R$ 150, quando o tráfico já pagava R$ 1.000 aos “pombos-correios”. Como competir?, indagava.

Abro a Lei de Execuções Penais – Lei 7.210, de julho de 1984 – e nela encontro nos artigos 65 e 66, e depois nos artigos 67, 68 e seu parágrafo único, os deveres dos juízes de execução da pena e do Ministério Público e passo a me perguntar: por que tanta omissão da parte de quem ocupa cargo de tamanha responsabilidade e que é, por isso, tão bem-remunerado?

Não aguento mais ouvir falar em Plano Nacional de Segurança Pública nem de construção de novas cadeias. O Brasil precisa de escolas e bons empregos.

A gaiola dourada da popularidade em que os governantes estão presos

Houve quem criticasse Nizan Guanaes quando ele recomendou ao presidente Michel Temer aproveitar sua impopularidade para adotar medidas duras, a fim de restabelecer o equilíbrio fiscal e promover a retomada do crescimento econômico. Eu estava a seu lado no Conselhão quando ele fez a recomendação.

Em síntese, ele dizia que o presidente deveria tratar de temas duros sem se preocupar em ser popular. A declaração foi longe e gerou debate, mas Nizan estava coberto de razão. O estado em que o Brasil se encontra demanda medidas que dificilmente serão populares.

Ninguém acredita que uma Previdência Social tecnicamente quebrada possa ser reformada sem dor. Muitos sabem que os salários devem ser congelados e os benefícios, cortados, conforme feito em Portugal. A questão da popularidade, porém, persegue os governantes, assim como os autores de novela perseguem o Ibope.

O filósofo suíço Alain de Botton é de uma sinceridade devastadora ao explicar a obsessão em querer ser popular, buscar o elogio e o reconhecimento, querer agradar sempre. No Brasil rasteiro, há quem considere a popularidade a medida do sucesso, em especial quando se mistura espetáculo com política. Não importa como se consegue ser popular nem em que circunstâncias.

Muitos acham que o presidente deve ter a preocupação de agradar sempre por conta do ciclo eleitoral. Que deve tomar medidas duras de início e guardar os agrados para o último ano e meio do mandato, numa dinâmica que atende o interesse eleitoral, e não o nacional.

A busca da popularidade extrapola o limite dos mandatos. É o caso da antecipação de aumentos salariais pelo governador que deixa o cargo para que sua decisão seja cumprida pelo governador que acabou de ser eleito. Uma espécie de bomba-relógio para as finanças públicas na ânsia de ser eleitoralmente popular.

Agradar deveria ser a última das preocupações de um presidente. E sua popularidade deveria decorrer de uma análise fria dos acontecimentos. Algo que jamais acontecerá, considerando-se a profundidade de nosso entendimento sobre o cotidiano. Afinal, vivemos em um país raso, onde quem explica também busca a popularidade.

Daí a espetacularização do noticiário. As manchetes são movidas pelo espetáculo. As fotos de capa mostram o detalhe do cabelo despenteado ou um leve roçar no nariz, de forma a forçar a vista para o inusitado. Popularidade a qualquer preço.

Na explicação do fenômeno político, as armadilhas são cotidianas. Seguir o “bom senso” ou o “senso comum” pode ser o caminho para a popularidade. Mas não o caminho para o sucesso do analista. Usar a indignação como ponto de ênfase para as explicações também é outro atalho para a popularidade. Mas leva para longe a verdade dos fatos. Na política, a indignação pode justificar, mas não explica.

O mais grave não é apenas o desejo doentio do reconhecimento. É o fato de que a verdade deixou de fazer sentido. São tempos de pós-verdade. A era é de factoides. Fatos que parecem, mas não são verdades, assim como os julgamentos indignados sobre o porquê das coisas.

Quando Nizan, mago da publicidade e celebridade internacional, recomendou que o presidente aproveitasse as vantagens da impopularidade, machucou um dos objetivos mais caros da vida de milhões: ser popular. Para a imensa maioria, a sugestão de Nizan é algo absolutamente incompreensível. Neste momento, se formos medir o governo pela popularidade, certamente estaremos aprofundando a vala comum de nosso fracasso coletivo.

Acidentes

Com mais este de Roraima, somado ao massacre de Manaus e outros menos expressivos que andaram pipocando, o número de vítimas fatais dos “acidentes pavorosos” já anda lá pela casa dos 100. E por aqui, o Estado Islâmico ainda não assumiu a autoria das mortes. Antes pelo contrário: num jogo de empurra empurra o governo diz que não tem nada a ver com isso, que é culpa da empresa autorizada, e procura lavar as mãos. Aliás, o episódio macabro do Amazonas revela mais uma forma de roubar dinheiro público, agora através do superfaturamento dos custos de “manutenção” dos presos “alojados” nas jaulas medievais. A criatividade dos meliantes nacionais não tem mesmo limite.

Não pegou bem a afirmação do presidente Michel Temer de que o massacre do presídio Anísio Jobim foi um “acidente pavoroso”.. Além de se manifestar quatro dias depois da matança, e depois do Papa Francisco, que lá do Vaticano pareceu mais próximo dos pavorosos acontecimentos do que ele, foi muito infeliz nesta sua afirmação. Perdeu uma grande oportunidade de ficar calado. Se fosse outro, teria ido lá ver in loco o que o governo federal poderia fazer para minimizar os efeitos da terrível matança e tomar providências para que outros episódios semelhantes não viessem a acontecer pelo Brasil afora, o que é uma possibilidade mais do que possível.

O Plano Nacional de Segurança anunciado com pompa e circunstância é um rol de boas intenções, como já vimos no passado. Estamos carecas de saber que o sistema prisional brasileiro está falido a muito tempo, e que a simples construção de 5 presídios federais e a distribuição de uma graninha para os estados não vai resolver a situação. Mas é melhor do que nada, é claro, se o dinheiro não for desviado. O plano atual, entretanto, contém pelo menos uma ideia que, apesar de não ser nova, é bastante interessante, e que se for de fato aplicada em todo o país, poderá minorar a degradante superlotação dos nossos presídios: repetir o mutirão para tirar das masmorras os detentos de baixa periculosidade que lá estão à espera de julgamento e que representam 42% da população carcerária, contra os 20% da média mundial. Este mutirão trará justiça para uma multidão de coitados, presos por infrações menores, muitos deles réus primários, que estão confinados em condições piores do que gado à espera de serem julgados. Tem razão o Ministro da Justiça quando afirma que aqui “se prende mais por quantidade do que por qualidade”. E que mesmo quando se prende por qualidade os monstros que perpetraram crimes hediondos, como homicídios, latrocínios, estupros e tráfico de drogas, logo estão soltos, após cumprirem 1/6 da pena. E mesmo assim, os presídios estão superlotados.


Planos à parte, é claro que a questão da criminalidade passa também pela lamentável situação do nosso sub-humano sistema prisional, verdadeira usina do crime. Mas a raiz de tudo, na minha opinião, é a impunidade. O fato é que hoje a vida humana não tem valor. Um criminoso qualquer mata a queima roupa para roubar um celular, e não acontece nada. Mesmo porque ele sabe que, depois da campanha do desarmamento, o cidadão não pode se defender. Armas se transformaram em monopólio dos bandidos. Ele também sabe que a polícia é virtualmente impotente. No Brasil, apenas 5% dos crimes são resolvidos, contra 65% nos Estados Unidos e 90% no Reino Unido.

A verdade, que ninguém quer admitir, é que vivemos em clima de guerra civil, como muito bem denunciou o jornalista Luis Mir em 2004, no seu livro “Guerra Civil: Estado e Trauma”. São 60.000 assassinatos por ano, mais do que os 58.000 soldados que os Estados Unidos perderam em 10 anos de guerra no Vietnã. Então não é guerra civil quando o traficante José Roberto Barbosa, o Pertuba, chefe da facção Família do Norte, vangloria-se de ter 200.000 homens sob seu comando, quando o efetivo do Exército é de 219.000 militares? Como é que este cara conseguiu montar, nas barbas das autoridades, esta organização que, apesar de enorme, é menor do que a do Comando Vermelho e a do PCC?

Será que foi por ”acidente”?

Há muito o que fazer para diminuir a criminalidade, já que acabar com ela nem pensar.

Mas tudo passa pela vontade política dos governos, em conjunto com o Judiciário, o Ministério Público e o Legislativo, de enfrentar o toro à unha. Se a sociedade sentisse firmeza de que o plano é para valer, por certo se engajaria nessa cruzada para mitigar este mal que inferniza a vida de todos nós e que transforma o Brasil numa terra inóspita.

Será que o presidente Temer, que se autoproclama reformista e está concentrado nas reformas da previdência, trabalhista, tributária e política, todas vitais, não poderia encarar para valer mais esta, para tentar nos devolver um pouco de tranquilidade e evitar outros “acidentes pavorosos”?

É difícil, mas não é impossível.

Rudolph Giuliani, então prefeito de New York, conseguiu excelentes resultados com a sua política de tolerância zero, a mesma que a sociedade brasileira está impondo aos corruptos que infestam a nação, com bons resultados parciais até agora.

Faveco Corrêa