Na edição de quinta-feira do Estadão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um artigo com seu vice, Geraldo Alckmin, afirmando o compromisso com a reindustrialização. O cheiro que deixa é, embora nunca dito, de que ainda procura empregos bons para operários. Eles não existem mais. Insinua o sonho de exportar motores a combustão de etanol para a África. É sonhar pequeno. Aposta na indústria de semicondutores — aí é sonhar grande. Será que deseja competir com Taiwan, algo que Estados Unidos e China batalham para conseguir? No rastro, deixa um mísero parágrafo no pé para educação. E fala só de educação de base.
Os exemplos de China e Coreia do Sul mexem, realmente, com os sonhos de boa parte dos economistas desenvolvimentistas no Brasil. Lá houve dirigismo estatal, pesados investimentos, e criou-se num par de décadas uma indústria digital moderna e sofisticada, capaz de competir de igual para igual com qualquer potência.
Dois fatores raramente são comentados. O primeiro é que esses países têm poupanças internas formidáveis. Nós não temos. A Coreia é uma democracia, porém não oferece um Estado de Bem-Estar Social. É cada um por si, sem férias pagas ou aposentadoria garantida. A China, bem, a China é uma ditadura barra-pesada. O segundo ponto nunca mencionado é outra característica que ambos os países têm de estupendo: educação. Criança pequena aprende as quatro operações, e engenheiros são formados em vastas quantidades ano após ano.
O Brasil não terá indústria de semicondutores, não desenvolverá software em quantidade, não será digital enquanto tivermos dificuldade de ensinar as quatro operações. Uma indústria do século XXI não precisa só de dinheiro, seja privado ou estatal. É movida a cérebros. Se a conversa sobre reindustrialização é séria, deveria começar pelo MEC. Nas duas pontas: ensino de base e superior.
À jornalista Mônica Bergamo, um ministro palaciano explicou que a negociação com Arthur Lira, na Câmara dos Deputados, vem sendo difícil. E que, por isso, o governo precisou abrir mão de “pautas simbólicas, como o Ministério do Meio Ambiente”, para produzir crescimento econômico.
Pautas simbólicas.
Ficou nítida, para quem quis ver, a irritação de Lula e do Planalto com a teimosia do Ibama em encarar tecnicamente o problema da exploração de petróleo próximo à foz do Amazonas. Pois é. “O petróleo é nosso”, o fetiche que não morre. A indústria verde, créditos de carbono, exploração científica da biodiversidade, as patentes que podem surgir. Ao que parece, “indústria verde”, no Planalto, é um termo de marketing. Não enxergam. Manter intacto o ministério de Marina Silva não é prioritário.
Prioritário é conseguir vender carro zero a menos de R$ 60 mil para uma classe média endividada. Mas quem quer comprar carro em 2023? Será possível que, no Brasil, a gente ainda se move com base na imaginação criada entre Getúlio e JK? Grande oportunidade é vender motor a combustão para países africanos...
O discurso de campanha, falando de transição energética, de o BNDES investir em startups, de particular atenção para a causa indígena, na prática está se desmontando. Nos momentos em que o Planalto precisa fazer escolhas perante um Congresso reacionário com sede pelo Orçamento, as prioridades reais se apresentam. Investir numa indústria automobilística velha, cavar poços de petróleo. Ninguém teve a ideia de circular o mundo pintando as possibilidades de um Brasil potência verde. Mas se propondo a encabeçar uma negociação de paz entre Rússia e Ucrânia, aí sim. Isso teve. Enquanto isso, o MEC só apareceu quando houve uma ofensiva contra a reforma do ensino médio. Uma ofensiva para deixar tudo como está.
Em que o Brasil do século XXI será diferente do Brasil do século XX? Que visão temos de possibilidades? Como pode ser tão pequena a imaginação de nossos políticos? Nem com criança que sabe fazer conta, parece, podemos sonhar.