segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

Brasil dos brasileiros


Banana de Bolsonaro a jornalistas é síntese e símbolo da concepção que a gorilagem faz

A banana gestual que Bolsonaro dirigiu a um grupo de jornalistas, sem sequer pergunta ou observação que o incomodasse, fez mais do que um instante apalhaçado em telejornais mundo afora.

Proporciona uma síntese e um símbolo da concepção que a gorilagem faz não só dos jornalistas, mas de toda a sociedade que eles representam, na intermediação entre os homens e a vida do seu planeta.

No país em que ao ocupante da Presidência é admitido gesticular bananas, quando não insultos verbais, o que um moleque faz ao caluniar uma jornalista admirável por todos os bons motivos, como Patrícia Campos Mello, é identificar-se com o seu presidente.


Note-se, também como próprio deste tempo, outro fator que os identifica. Liga-os até em comprometimento pessoal e de fora da lei. O moleque trabalhou na produção de mensagens em massa, por internet, que fraudaram a disputa eleitoral para favorecer Bolsonaro.

Coisas assim permitem alargar muito o conceito de parasita restringido por Paulo Guedes aos funcionários públicos (sem esquecer, nesse conceito, que os militares também são funcionários públicos).

O próprio Paulo Guedes é, em pessoa, um exemplar notável de parasitismo, na margem do serviço público mas às custas dele. Sua riqueza veio de operar com e para fundos de pensão. De servidores.

Nada mais parasitário do que esse tipo de atividade, que faz fortunas com o que servidores trabalharam para ganhar e dispor no futuro (e nem sempre receber, ao menos na porção correta, como está implícito nos escândalos de desvios e alegadas más aplicações de vários fundos, por dirigentes e seus operadores. Também isso o hoje ministro conhece como especialista do setor).

Paulo Guedes é um exemplar típico do economista de mercado, esses que adulteram o conceito de liberal para sob ele se esconderem. São economistas transgênicos. Condição em que Paulo Guedes constrói com palavras as bananas dirigidas à população.

Com elas e com seus projetos de reforma, tem mostrado o que de fato querem os liberais transgênicos.

Em breve confissão da sua repugnância à ida de empregadas domésticas à Disney, seja por conta própria ou como empregadas mesmo, Guedes desnudou o inimigo da redução de desigualdades —sociais, econômicas, étnicas, educacionais— que há em cada economista de mercado e nos seus seguidores na política e no jornalismo.

'Os livros estão aí para serem lidos, perigoso é não ler, é censurar'

Marco Lucchesi, presidente da ABL, critica tentativas de censura e defende a instauração de um "estado de emergência" para tirar a leitura da condição de calamidade no Brasil

— Num país que tem mais de 100 milhões de analfabetos funcionais, o governo federal, em vez de tomar medidas importantes para atacar este problema, investe em um “macartismo de quinta categoria”, perseguindo autores e temas por motivos ideológicos.


Essa é a visão do imortal Marco Lucchesi, 56 anos, professor de Literatura Comparada da UFRJ e presidente da ABL, que se manifestou com veemência após os recentes episódios de tentativa de censura de livros em Rondônia e em presídios de São Paulo. Ele defende que o governo declare algo semelhante a um “estado de emergência da leitura” no Brasil, um reconhecimento simbólico da calamidade pública na área, para chamar atenção para o problema.

Em entrevista ao GLOBO, Lucchesi destaca ainda a baixa média de livros lidos no país e o pequeno número de bibliotecas públicas, defedendo que elas cheguem também a hospitais e penitenciárias.

Governo federal fez, em 2019, menor investimento em creches e pré-escolas em 10 anos

Qual o tamanho do problema da leitura no Brasil?

Existe uma crise impressionante. São mais de 100 milhões de analfabetos funcionais, ou seja, com um grande prejuízo em sua capacidade de leitura propriamente dita. Mas você tem outros números que impressionam: segundo o último Censo do IBGE (2010), 44% da população não praticam a leitura. E temos uma média por pessoa de apenas dois livros lidos anualmente, já contando com os didáticos. Enquanto isso, na França, a média são dez livros. Temos pouco mais de seis mil bibliotecas no Brasil. Na Rússia são 40 mil. Nos EUA, 116 mil.

Também há uma zona escura de outras possibilidades que não são muito percebidas. Por exemplo, a maioria dos hospitais não tem bibliotecas. E não é só livro para quem está doente, é para o acompanhante, para o médico, para o enfermeiro. Isso é muito comum em outros países. Outra coisa pouco vista no Brasil é o número de bibliotecas em presídios. São raras as que existem.

Por que o senhor diz que o Brasil deveria declarar estado de emergência na leitura?

É uma maneira de considerar, de forma intensa, embora não totalmente prática, que realmente há uma tragédia nos níveis de leitura, no acesso e na quantidade de bibliotecas no Brasil. É uma maneira de a sociedade compreender com maior rapidez e intensidade que estamos abaixo de padrões de leitura minimamente razoáveis.

Quais os prejuízos desses baixos índices de leitura?

Os maiores possíveis. Com mais leitura, você vai tanto melhorar a capacidade técnica quanto terá uma sensibilidade mais avançada. Consegue aprofundar a sua compreensão do mundo com capacidade de articulação e pensamento cristalino.

O Brasil já teve campanha de incentivo à leitura eficiente?

Houve vários projetos importantes. E não está atrelada à ideologia — a não ser essas loucuras recentes, de querer censurar livros, que é uma coisa assombrosa, mas excepcional nas duas últimas décadas. O problema é a imaturidade da política de Estado no Brasil. Parece que você tem, obrigatoriamente, que mudar algo, desfazer e recriar. O acesso ao livro é um direito da plena cidadania. Dá espessura cidadã e republicana ao país.

Existe alguma campanha de fomento à leitura que o Brasil poderia mirar?

Houve programas interessantes, como um na França, em que o ministro da Cultura fez a campanha “O furor de ler”. Eram mensagens intensas que propagavam a ideia da leitura. Não adianta pegar um grande artista e fazer com que ele diga que está lendo, quando não está. Isso foi feito aqui. O artista nem estava com o livro na mão.

Como deve ser um programa ideal para o incentivo da leitura?

Um trabalho lento, mas que, ao mesmo tempo, demanda urgência. Tem que haver a construção de um processo intenso e precisa ter a escola como um meio praticamente central. Quando a gente fala de biblioteca pública ou na escola, não está contando livro didático. A preocupação com o Enem, que é sim legítima, precisa ser transformada.

O que senhor acha do Conta Para Mim, programa criado pelo governo federal no ano passado para incentivar os pais a lerem para os filhos?

É uma ideia importantíssima. O primeiro livro que nós aprendemos é sonoro, uma canção de ninar. Leitores de poesia, em geral, foram os que receberam essas canções. Mas, infelizmente, é rara essa realidade nas famílias, porque as pessoas trabalham por muitas horas, principalmente nas grandes cidades. E a escola acaba tendo papel de protagonismo imenso nesse processo. Ou nós partimos das escolas, ou vamos perder essa guerra.

Mais contagioso é o medo

A esta altura, praticamente todo o mundo já ouviu falar do coronavírus. Mesmo que o germe não tenha chegado ao seu país ou à sua imaginação, já se tornou uma espécie de tela em branco na qual qualquer coisa pode ser projetada, desde nossos mais profundos temores até preconceitos e estereótipos sobre o Oriente. Parece como se tudo que estava reprimido voltasse com um vírus que já está modelando a imaginação popular –e até apocalíptica– do ano 2020.

Mas precisamente quando somos bombardeados por imagens distópicas de cidades, aeroportos e navios de cruzeiro em quarentena, e o pânico e a paranoia se espalham rapidamente, é quando precisamos parar e refletir. O surto de um vírus costuma ser o melhor indicador universal do funcionamento de nossas sociedades. Se os sonhos são, nas palavras de Freud, o “caminho real para o inconsciente”, um fenômeno global como o surgimento de um patógeno é o caminho real para o inconsciente mundial.



Em vista da fantasia popular sobre o coronavírus, vale a pena fazer uma releitura crítica de Morte em Veneza, romance de Thomas Mann publicado originalmente em 1912, em que uma misteriosa doença contagiosa (que mais tarde se revela que é o cólera) se propaga pelo “paraíso” turístico. Aschenback, protagonista da história, descobre no final que esse “horror à diversidade” (a caracterização preconceituosa em relação ao Oriente é feita pelo próprio Thomas Mann) surgiu na Índia e se espalhou pela Ásia até chegar ao Mediterrâneo e a Veneza. O romance também insinua que nas Ilhas de Brioni (atualmente parte da Croácia) e em Veneza os infectados estavam sendo submetidos a quarentena.

De fato, Veneza foi uma das primeiras cidades a aperfeiçoar um sistema de isolamento marítimo e a Itália tem uma longa história de confinamentos sanitários, usados em princípio para isolar pessoas que poderiam ser portadoras de uma doença, mas que logo se tornaram um sistema para impedir que estrangeiros, grupos minoritários, judeus e árabes entrassem nas cidades. O que começou por medo da doença acabou não apenas estigmatizando, mas também segregando determinados grupos de pessoas. Por exemplo, em 1836 Nápoles pôs fim a livre circulação de prostitutas e mendigos, que eram automaticamente considerados portadores de infecções.

Atualmente salta à vista que é a vez dos chineses. Não surpreende que o vice-presidente do Senado italiano, Ignazio La Russa, membro do partido neofascista dos Irmãos da Itália, tenha recomendado recentemente o uso da saudação fascista como remédio “antiviral e antimicrobiano” para evitar o contágio pelo coronavírus. Afinal, o que é fascismo senão tratar os outros como se fossem vírus contagiosos? O medo se parece com um vírus: é invisível, mas quando colocado ao microscópio pode aumentar milhões de vezes de tamanho. Foi o que aconteceu em um trem na Itália, como explicou o professor do Imperial College de Londres, Tommaso Valletti. Quando um adolescente chinês entrou no trem, uma mulher comentou em voz alta: “Pronto. Seremos todos infectados”, ao que o rapaz respondeu em perfeito italiano com sotaque romano: “Senhora, em toda a minha vida só vi a China no Google Maps”.

Ao mesmo tempo, na França, um jornal local publicou a seguinte manchete: “Alerte jaune” (alerta amarelo), seguido de “Le péril jaune?” (O perigo amarelo?), e mostrava a imagem de uma mulher chinesa com uma máscara. O jornal pediu desculpas rapidamente, mas, como na época de Morte em Veneza, os “horrores da diversidade” já haviam começado a ocupar a imaginação europeia. Em resposta, cidadãos franceses de origem asiática correram para publicar nas redes sociais fotos deles mesmos segurando cartazes nos quais se pode ler “Je ne suis pas un vírus” (eu não sou um vírus).

Evidentemente, o continente mais sombrio não é a China, a Índia ou o Congo, como nas fantasias estereotipadas sobre o Oriente agora reativadas, mas o inconsciente humano. Até agora as reações ao coronavírus revelaram menos sobre o microrganismo do que sobre nós mesmos.

Um vírus nunca é apenas um agente biológico que se reproduz nas células vivas de um organismo, mas invariavelmente faz parte de uma ideologia que constrói o “outro” como doença. Pensemos, por exemplo, na recente série Cordon (2014), coproduzida pela Bélgica e pela Holanda. A história começa com a chegada de um emigrante afegão ilegal à cidade belga de Antuérpia dentro de um contêiner. Logo depois acontece um surto de um vírus mortal. Embora mais tarde se descubra que o Governo fora o responsável, os “horrores da diversidade” voltam a estar presentes. Lembremos também da versão norte-americana da série, intitulada Containment, de 2015. Nela um sírio é portador de um vírus altamente contagioso. É sempre o “outro”: primeiro afegão, depois sírio e agora chinês. A ficção científica está se tornando real: não demorou muito para o célebre estrategista populista Steve Bannon perceber que o coronavírus é uma ferramenta perfeita para se intrometer de novo nas eleições norte-americanas, chamando-o de “Chernobyl biológico”.

No entanto, seria um erro acreditar que a extrema direita europeia e norte-americana são as únicas que estão usando o coronavírus para “provar” que tinham razão ao insistir em fechar as fronteiras e implantar um estado de exceção permanente. Inclusive os veículos de comunicação convencionais do Ocidente são cúmplices em tratar a “China como uma doença”, como ilustram as recentes capas da Der Spiegel e da The Economist. A revista alemã apresentou uma pessoa vestida com um macacão de proteção vermelho e uma máscara de gás, com um iphone na mão e a manchete Made in China. Por sua vez, a manchete da The Economist perguntava: “Até que ponto vai piorar?”, ao lado de uma imagem da Terra com uma máscara com a bandeira chinesa. Se a doença, como Susan Sontag nos ensinou em seu transcendental ensaio A Doença como Metáfora (1978), deve ser entendida como uma metáfora a ser desconstruída, do que são metáforas essas capas?

Embora tenha se originado na China, o coronavírus, em qualquer caso, não é made in China, mas produto do capitalismo global. Do mesmo modo que, sob os regimes coloniais, as epidemias se espalhavam pelas redes de estradas, ferrovias e canais dos impérios mundiais, o vírus mortal não está se espalhando por culpa da China (não é “chinês”), mas porque nosso mundo nunca esteve tão conectado como hoje e porque tudo pode ser interrompido, inclusive a livre circulação de pessoas, com exceção da circulação do capital.

Como os fascistas já estão pedindo o fechamento de fronteiras e o capitalismo global pode parar tudo menos a livre circulação de mercadorias, temos de tomar consciência de que a pandemia do medo é mais perigosa do que o próprio vírus, porque já está sendo usada por aqueles que não estão dispostos a desperdiçar uma boa oportunidade, mesmo que seja um agente patogênico.
Srećko Horvat

Bolsonaro, mais um gesto obsceno e o desejo de mandar na imprensa

Em sua escalada de agressões à imprensa, sentindo-se autorizado por seus seguidores nas redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro, ontem, pela manhã, à saída do Palácio da Alvorado, deu mais uma “banana” para os jornalistas que tentavam entrevistá-lo. Foi a segunda em uma semana.

À noite, de volta ao palácio, avisado de que a TV Globo divulgaria a resposta do governador Rui Costa (PT), da Bahia, ao ataque que Bolsonaro lhe fizera à tarde, o presidente divulgou uma nota e advertiu em seguida: “Ou a TV Globo lê as duas notas ou não lê nenhuma, tá ok.”

De manhã, Bolsonaro irritou-se com perguntas sobre a redução do espaço da biblioteca do Palácio do Planalto para a construção, ali, de um gabinete destinado à sua mulher, Michelle. À tarde, no Rio, com perguntas sobre as ligações de sua família com o miliciano Adriano da Nóbrega.

Na ocasião, alegou que Nóbrega, morto na Bahia na semana passada, era “um herói” da Polícia Militar do Rio quando seu filho Flávio, então deputado estadual, o homenageou duas vezes. Disse que, à época, Nóbrega ainda não fora condenado com sentença transitado em julgado.

Foi quando aproveitou para tentar sair das cordas e desviar o foco das perguntas. Disparou então: “Quem é responsável pela morte do capitão Adriano? A PM da Bahia, do PT. Precisa falar mais alguma coisa?” Da Bahia, o governador replicou horas depois: 
"O Governo do Estado da Bahia não mantém laços de amizade nem presta homenagens a bandidos nem a procurados pela Justiça." 

Mas se estes atiram contra pais e mães de família que representam a sociedade, os mesmos têm o direito de salvar suas próprias vidas, mesmo que os marginais mantenham laços de amizade com a Presidência.

Daí a longa nota expedida por Bolsonaro à noite em resposta ao governador. Parte da dele e do que escrevera Costa no Twitter foi lida no Jornal Nacional. Curiosa a posição de Bolsonaro quanto a Nóbrega se comparada à sua em relação ao ex-presidente Lula.

Nóbrega, segundo ele, quando homenageado por Flávio, não fora condenado com sentença transitado em julgado. Quer dizer: em definitivo, esgotados todos os recursos. Lula também não foi até hoje. Diz a Constituição brasileira no seu artigo 5º, LVII:“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".

Mas Bolsonaro, em suas declarações sobre Nóbrega, evita criticá-lo diretamente. O oposto do tratamento que dispensa a Lula. O ex-presidente foi acusado de roubar e de deixar que roubassem. Nóbrega, de ser um matador de aluguel e líder de milícia.

Quanto à repetição do gesto obsceno dirigido a jornalistas, Bolsonaro afronta o decoro a que se obriga quem exerce um cargo público – no seu caso, o mais importante cargo público do país.