terça-feira, 23 de novembro de 2021

Pensamento do Dia

 


A cara da destruição

Nenhum brasileiro será capaz de esquecer o grande equivoco de 2018. Depois da ditadura militar, instaurada pós golpe de 64, temos vivido, sem dúvida, os piores momentos de nossa história. Agravados pelos descalabros provocados pela pandemia do Covid, mortes e sofrimentos evitáveis, não fosse o descaso visceral desse governo.

Nem os bolsonaristas mais radicais escaparão às más lembranças da gasolina a quase oito reais, botijão de gás a 120, comércio quebrando, desemprego nas alturas, fome e miséria se espalhando sem dó nem piedade pelas ruas das grandes e pequenas cidades.

Como esquecer?

Está ai, em pleno século XXI, a tragédia que se abate sobre o povo yanomami. Sem remédio para a malária, o único mal comprovadamente combatido pela cloroquina, os índios estão padecendo da doença, fome e desassistência. Velhos e crianças morrendo por inanição do governo.

Como não enxergar o desmatamento em série, boiadas pisoteando as florestas? Impossível não lembrar dos desvios morais e éticos da Fundação Palmares, e de seu presidente racista, fascista, inumano. Lancinante observar as tentativas de esfacelamento da cultura e da educação do País.

Isso sim tem a cara do Governo. Incontáveis infortúnios.

Bolsonaro tem a face da destruição, da ruína. A sua cara, sim, como ele pediu, é a do Enem que não trouxe uma palavra sobre pandemia ou fome. Aplicada nesse domingo, Covid 19 não existiu para os estudantes. Como inserir um tema que não preocupou o governo? Ah.. trouxe Chico Buarque, Raul Seixas, gado marcado, e cinco questões sobre escravidão e racismo. Não basta.

A crise no Enem e a exoneração de 37 servidores são fatos. A interferência do governo nas questões é inquestionável. Está proibida a palavra ditadura, e golpe deve ser substituido por “revolução”. Sim, essa é a cara de Bolsonaro. Cara da história distorcida, contada pelo avesso.

Ainda falta um ano e 38 dias para nos livrarmos dessa sarna. Mas a esta altura, em 2022, já teremos um novo presidente.

Dura missão de resgatar nossa dignidade. Quem sabe recuperar nossa alegria e o famigerado orgulho de ser brasileiro? Num País dilacerado pelo ódio, alforriar nossas almas já será um grande avanço. Com a cara da esperança, depois do flagelo.
Mirian Guaraciaba

Brasil é a democracia com mais aspectos em declínio do mundo

O Brasil é a democracia que registrou piora no maior número de fatores que medem a qualidade do regime democrático nos último cinco anos. Foram retrocessos em oito aspectos, entre eles liberdades civis, independência do Judiciário, integridade da imprensa e liberdade de expressão.

Os dados estão em relatório divulgado nesta segunda-feira pelo Instituto para a Democracia e Assistência Eleitoral (IDEA, na sigla em inglês), sediado em Copenhague. O IDEA é uma organização intergovernamental apoiada por 34 países e dedicada ao estudo e à avaliação da democracia. O relatório se baseia no acompanhamento de 16 fatores relacionados ao funcionamento adequado de regimes democráticos.

Segundo os pesquisadores do IDEA, o Brasil teve melhoria consistente de seus indicadores nas décadas de 1990 e “sobretudo” na de 2000, tendência que começou a apresentar sinais de desgaste em 2013, quando houve as Jornadas de Junho, e entrou em queda em 2016, ano do impeachment de Dilma Rousseff. O relatório afirma que a piora dos indicadores foi “exacerbada” com a posse de Jair Bolsonaro, em 2019.


O documento dá destaque a iniciativas e declarações de Bolsonaro que questionaram o sistema eletrônico de votação e a atuação do Supremo Tribunal Federal. O relatório diz que o presidente “testou explicitamente as instituições democráticas brasileiras, acusando ministros do Tribunal Superior Eleitoral de se prepararem para conduzir atividades fraudulentas relacionadas às eleições de 2022 e atacando a mídia“.

O IDEA registra ainda que o presidente “alegou que as eleições poderiam ser canceladas a menos que ele fosse alterado” e “declarou que não iria obedecer determinações do Supremo Tribunal Federal, que conduz um inquérito contra ele por espalhar notícias falsas sobre o sistema eleitoral no país.”

O relatório informa que o Brasil foi um dos quatro países monitorados que teve declínio na qualidade do controle do seu governo, um dos quesitos importantes para o bom funcionamento de democracias, que reúne os fatores “efetividade do Parlamento”, “independência do Judiciário” e “integridade da imprensa”. Além do Brasil, tiveram piora nesse quesito a Polônia, o Benin e o Iêmen.

O texto ressalta que diversos fatores democráticos do Brasil ainda estão em nível superior ao da média da América Latina, devido aos esforços do país para consolidar sua democracia nas décadas passadas. “Seu bom desempenho anterior torna possível que a qualidade democrática do país se reduza sem que ele perca seu status de democracia. Isso demonstra, por um lado, que a democracia brasileira, apesar de ter sofrido anos de retrocesso democrático e queda acentuada em seus indicadores, é resiliente em muitos aspectos, o que é essencial para a reversão do processo atual”, afirma o texto.

O relatório também aponta melhoria em alguns aspectos, especialmente em termos de inovações democráticas no Brasil, e cita como exemplo a criação de observatórios para monitorar as compras e ações do governo relacionadas ao enfrentamento da pandemia de covid-19.

O processo de erosão democrática enfrentada pelo Brasil é compartilhado por diversas outras nações, em meio ao aumento da desigualdade, da crise de representação partidária e da difusão de notícias falsas em redes sociais.

Desde 1975, quando o IDEA começou a monitorar esses fatores, a década passada foi a que teve o maior de número de países sofrendo deterioração democrática, e a lista de países inclui potências geopolíticas e econômicas como os Estados Unidos e a Índia.

Em 2020, pela segunda vez em vinte anos, o número de países que registrou declínio da qualidade de sua democracia foi maior do que os que registraram melhora.

Um dos aspectos do declínio democrático é o questionamento cada vez maior da lisura de processos eleitorais. As acusações infundadas do então presidente dos Estados Unidos Donald Trump de que as eleições americanas de 2020 teriam sido fraudadas influenciou comportamentos semelhantes em líderes do Brasil, México, Mianmar e Peru, entre outros países, segundo o relatório.

Na União Europeia (UE), três países-membros registraram declínio na qualidade da sua democracia em 2020: a Hungria, comandada pelo primeiro-ministro ultranacionalista Viktor Orbán, a Polônia, governada pelo partido populista Lei e Justiça, que está contestando princípios básicos da UE, e a Eslovênia, cujo primeiro-ministro Janez Janša tem tendências crescentemente autocráticas.

Desde 2015, cinco países perderam o status de democracia, segundo o IDEA: Benin, Costa do Marfim, Honduras, Sérvia e Turquia.

A entidade afirma que “os últimos dois anos desde nosso último relatório não foram bons para a democracia” e que as conquistas alcançadas quando a democracia tornou-se o regime de governança predominante no mundo “agora estão em uma situação precária como nunca antes”. “Esta é a hora para as democracias serem ousadas, inovarem e se revitalizarem”, disse o secretário-geral do IDEA, Kevin Casas-Zamora, em um comunicado.

A imagem do Brasil

Desde os governos militares, os presidentes brasileiros demonstram preocupação com a imagem do Brasil no exterior. Comunicados oficiais alertavam que os inimigos da pátria trabalhavam para prejudicar ou manchar a maneira como estrangeiros enxergavam o país.

Naquela época, os diplomatas brasileiros no exterior mudavam de calçada para evitar encontrar brasileiros no exílio.

Os governos militares, de fato, não tinham grande prestígio nos países europeus, por causa da restrição aos direitos civis, censura à imprensa e tortura de presos políticos. Nos Estados Unidos, a questão era outra: a enorme dívida externa.

O ministro Delfim Netto certa vez disse que dívida não se paga. Ela deve ser rolada. Assim foi feito. O governo brasileiro enviou diversas cartas ao Fundo Monetário Internacional aceitando as exigências de bom comportamento fiscal.

Não cumpriu a maioria delas, até que teve de renegociar com os credores, depois de o país ter entrado em situação falimentar. O Banco do Brasil ficou sem recursos no exterior. O crédito interbancário secou. A negociação com os credores se tornou urgente. E ocorreu de maneira correta.


Hoje o país não tem mais a dívida externa, em compensação possui enorme dívida interna, o que coloca os bancos nacionais em berço esplêndido. Eles têm um único grande cliente que paga as maiores taxas de juro do mundo. É doce ser banqueiro no Brasil.


O governo brasileiro não dispõe dos recursos necessários para financiar o desenvolvimento nacional. É preciso construir estradas, hospitais, escolas, universidades, financiar pesquisas. Por essa razão, os ministros se lançam em viagens pelos principais centros financeiros do mundo, em busca de investidores, que costumam exigir ambiente de paz, confiança, respeito aos contratos e aos pagamentos acertados.

A imagem do Brasil no exterior é requisito essencial para atingir estes objetivos. Quando foi eleito, no Colégio Eleitoral, Tancredo Neves enviou seu fiel assessor Francisco Dornelles aos centros financeiros internacionais para garantir que o Brasil pagaria os juros da dívida externa.

Em seguida, Tancredo fez uma longa viagem à Europa e aos Estados Unidos. Falou de redemocratização, respeito aos direitos civis e garantia das liberdades, além da convocação da Assembleia Constituinte.

Fernando Collor, após ser eleito, também fez um longo giro pelo mundo, passando por países europeus, depois Japão, Rússia e Estados Unidos.

Fernando Henrique é um scholar, deu aulas no exterior, um homem do mundo. Não hesitou em viajar diversas vezes ao estrangeiro para exibir sua erudição. Ganhou a amizade do ex-presidente Bill Clinton. Passou temporadas em Camp David, casa de campo do primeiro mandatário norte-americano.

Quando presidente, Lula viajou muito ao exterior. Ele coordenou ações, na Europa, com os partidos socialistas democráticos, além de aglutinar a esquerda latino-americana com seu apoio a Cuba, Nicarágua e Venezuela. Lula, hoje, não anda pelas ruas do Brasil. Ele é questionado por atos de corrupção em seu governo, os quais culminaram com a prisão dele, em Curitiba, e de diversos auxiliares, inclusive do então todo poderoso Antônio Palocci, que se transformou em delator. Por intermédio de uma série de manobras jurídicas, foi libertado, mas não absolvido das acusações.

No exterior, ele caminha com desembaraço. Proferiu discurso impactante, em nível de estadista, diante do parlamento europeu. Aplaudido de pé. Falou em universidade em Paris, foi recebido com honras de chefe de estado por Emmanuel Macron, na França. Conversou com Olaf Scholz, possível sucessor de Angela Merkel, na Alemanha, e com o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sanchez. Lula faz no exterior o que não faz no Brasil.

Bolsonaro, por sua vez, respondeu com um périplo pelos países árabes, em busca dos petrodólares. No exterior, o chefe do governo trata de assuntos internos. Fala do conteúdo das provas do Enem e comunica o adiamento de seu possível casamento com o PL, presidido por Valdemar Costa Neto, condenado a sete anos de prisão por corrupção.

No exterior, os presidentes brasileiros discutem assuntos internos com mais facilidade. A repercussão interna é garantida. Aos estrangeiros, como no caso dos árabes, agora, resta assistir sem entender ao que faz o presidente naquelas plagas com enorme comitiva.

Lula quer chegar ao Brasil envolto pela boa vontade dos principais líderes europeus. Bolsonaro pode dizer que foi buscar investimentos nos povos do deserto. Mas nem um nem outro, neste momento, têm condições de andar pelas ruas do país sem um poderoso séquito de seguranças.