quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Israel, terrorismo e um barco

Na terça-feira da semana passada, foram os pagers a explodir. Na quarta-feira, os walkie-talkies. O Sul do Líbano foi bombardeado na quinta. Um grande ataque na capital do Hezbollah, Beirute, na sexta-feira, matou um importante comandante do Hezbollah, outros chefes militares e cinco crianças. No sábado, houve intenso bombardeio a posições da milícia xiita. Domingo, a mesma coisa com resposta dos libaneses.

Depois de destruir Gaza, Israel não parece querer menos do que eliminar o Hezbollah. Está a fazê-lo de uma forma tão demolidora que aquela se tornou, sem dúvida, a pior semana nos 40 anos de história do movimento apoiado pelo Irão.

No espaço de dois meses, as forças israelitas localizaram e atacaram a cúpula militar do Hezbollah, em duas ocasiões, enquanto ela mantinha reuniões perto de Beirute. Mas, para a história, ficará a operação que permitiu matar e ferir centenas, se não milhares de membros a todos os níveis do movimento com um bip.


Ao fazê-lo, Israel escreveu mais um capítulo da guerra híbrida, com uma engenhosa operação especial, mas também inscreveu o seu nome na ignomínia do terrorismo. Detonar milhares de aparelhos sem saber se eles estão na mão de crianças, de médicos, de empregados de escritório, se estão numa loja ou num quartel, não tem outro nome.

É quase irreal colocar Israel do lado do terrorismo, sabendo o quanto os israelitas foram alvo dessa conjugação perversa de violência e fanatismo que é cega às vítimas inocentes. Mas tanto aqui como em Gaza as autoridades israelitas têm mostrado uma crueldade que revela a ausência de quaisquer baias morais.

O mundo civilizado tem a obrigação de agir em conformidade com aquilo que se prefigura serem crimes de guerra. Por isso é insuficiente afirmar, como fez o ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Paulo Rangel, que se trata de “uma questão jurídica muito complexa” para justificar a dificuldade de impedir que um navio com bandeira portuguesa transporte explosivos para a indústria de armamento israelita.

Foi Israel que escolheu ser um Estado-pária, é Israel que está a fazer tudo para iniciar uma nova guerra no Líbano, afastando qualquer possibilidade de uma solução negociada que evite mais outra catástrofe humanitária. A comunidade internacional não pode ser cúmplice de quem sistematicamente viola as suas leis e privilegia a guerra para resolver conflitos. Um navio sob soberania portuguesa carregado de explosivos é um navio que não deveria chegar à fogueira do Médio Oriente com o nosso nome.

Chega de brincar, elite paulistana

A elite paulistana é a grande responsável pelo prolongamento da brincadeira de mau gosto chamada Pablo Marçal. O mercado financeiro, sempre tão agudo ao cobrar do governo federal responsabilidade com os gastos públicos e o necessário ajuste fiscal, caiu de amores por um arruaceiro surgido do nada, sem nenhum compromisso com a viabilidade (fiscal, técnica ou legal) de suas ideias estapafúrdias.

O povo do colete de náilon de gominhos com camisa social e sapatênis — combinação que já denota o misto de autoconfiança excessiva com falta de noção — se apaixonou pelo forasteiro que caiu de teleférico no principal centro econômico do Brasil, com o único intuito de se autopromover, de olho nos próprios (e obscuros) negócios e nas eleições presidenciais.


O reconhecimento costuma ser um combustível forte para explicar essas ondas de intenção de voto. Se, ao se olhar no espelho, a elite paulistana enxerga Marçal, isso mostra um profundo e preocupante descompromisso com as reais e urgentes necessidades de uma cidade desigual, que condena em diferentes medidas todos, dos mais pobres aos mais ricos, a uma rotina de provações do momento em que se acorda à hora em que se consegue dormir.

Transformar a escolha do prefeito — aquele que tem a função primordial de resolver problemas do dia a dia que levam a cidade a ser essa eterna gincana contra os perrengues — num campeonato de bizarrices foi a armadilha em que Marçal obteve o sucesso, até aqui, de enredar a todos os que integram o tal “sistema”: partidos, adversários, Justiça Eleitoral, imprensa e eleitores, tanto os que brincam à beira do abismo fazendo a letra M com a mão quanto os outros, que correm o risco de ver seu destino entregue a alguém que não esconde o desprezo profundo pelos assuntos que dizem respeito à vida do paulistano.

Que Marçal ainda tenha algo como 20% das intenções de voto depois do show de horrores diário a que vem submetendo a campanha eleitoral é espantoso — e uma vergonha para os paulistanos. E, aí, é o caso de chamar a elite da cidade à responsabilidade.

Não é possível querer encher a boca com o lema non ducor, duco, que os paulistanos adoram emprestar do brasão da cidade para se arvorarem em comandantes das grandes decisões nacionais, e continuar dando corda para Marçal dançar.

É evidente a contaminação rápida da política em todo o país pelos métodos de rebaixamento do debate promovido pelo candidato que usa um partido de aluguel, o PRTB, para alcançar seus fins. Pablos com menos seguidores dispostos a bater palma proliferam.

Promotores de debates noutras capitais condicionam as regras dos debates fora de São Paulo à necessidade de tentar domar alguém que se recusa a cumprir regras com que se comprometeu. Esse cenário é inaceitável e aponta para uma desertificação da disputa de 2026 tão galopante quanto a que ameaça os biomas que queimam em incêndios descontrolados do Norte ao Centro-Oeste. E, assim como em relação às mudanças climáticas, nossas instituições de governança vão se mostrando alheias ou incapazes de apresentar ferramentas eficientes de combate.

Lula, que tratou de dar voltas e trazer bodes à sala na abertura da Assembleia Geral da ONU, para tentar transformar a crise das queimadas em nota de rodapé no discurso, vai ignorando de forma bastante inconsequente a depredação que Marçal promove em seu berço político.

Depois não poderá reclamar quando, em 7 de outubro, assistir ao ex-coach voltar sua artilharia para Brasília, talvez a bordo do convite para embarcar em algum partido maior, com mais estrutura e nenhum compromisso com a democracia — a lista de siglas candidatas a ser incubadora desse projeto é vasta, algumas delas com assento na Esplanada dos Ministérios.

A hora de reagir e fincar barricadas em defesa da democracia é agora, e não depois que tudo queimar sob os métodos de alguém que ainda não chegou ao limite do que está disposto a fazer.